Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:485/11.0BELLE-B
Secção:CT
Data do Acordão:06/01/2023
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores:REVISÃO DE SENTENÇA
REQUISITOS
Sumário:I - O projecto de relatório de inspecção tributária não constitui uma decisão final, materializando a mera intenção de a Administração actuar de determinado modo com base em certos pressupostos, pelo que não tem força destruidora em relação à prova feita no processo principal para o efeito de obter a revisão de sentença.
II – Se os fundamentos em que o Tribunal sustentou a decisão de manutenção do acto de penhora e do não provimento do pedido de suspensão da venda não teriam nenhuma influência na sentença revidenda, de modo a que se pudesse concluir que se fosse obtido em tempo tal conhecimento nestes autos a decisão seria diferente não é de admitir a revisão.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

L… Lda, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que indeferiu o recurso de revisão de sentença por não se verificarem os pressupostos para tal, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«I – O Tribunal a quo erra na apreciação da matéria de facto e na aplicação do Direito.

II – O recorrente entende que a improcedência da acção se ficou a dever, por um lado quanto à questão da tempestividade ou intempestividade do direito à acção, à valoração de uma presunção judicial lacónica ou incompreensível, cuja fundamentação não colhe face ao direito probatório, pois a sentença recorrida se afastou dos critérios de que se serve o disposto no artigo 349.º do CC, do n.º2 do art.º 412.º do CPC, como supra e infra alegado.

E por outro lado

Indevidamente julgou improcedente o Recurso de Revisão por afirmar que a sentença de 23 de Agosto de 2013 proferida no processo n.º 333/12.7BELLE do TAF de Loulé não é um documento para efeitos do disposto no n.º2 do artigo 293.º do CPPT. Ora o recorrente, como fundamento do recurso de revisão apresentou em tempo nestes autos em 06/11/2017, dado que também não o pudera fazer uso neste processo em que foi proferida a decisão de rever e que, por si só, é suficiente para destruir a prova feita e para modificar a decisão em sentido mais favorável ao impugnante parte vencida, (porque como sempre afirmou o recorrente existiu permuta e não venda com dinheiro como pagamento de obras de urbanização) e que este só veio a ter conhecimento desta sentença (Doc.5) em 16/11/2017 quando obteve certidão no Processo 1081/11.7TALLE do Juízo de Criminal da Comarca de Faro – Juiz 1, após o Despacho Judicial de não Pronúncia, nesse processo. Doc. 5.

Sentença (Doc. 3) que refere ipsis verbis que existiu permuta na escritura de 02 de Maio de 2004 e não venda, ir, os factos sempre alegados pelo recorrente nos autos:

Não possuindo os recursos económicos necessários para custear as obras de infraestruturas, procederam o “contrato promessa de empreitada” com o construtor das infraestruturas, ie, entregou 10 lotes (lote 1,2,3,4,5,15,25,26,27,28) pela realização das obras de urbanização; este contrato foi mal formalizado através de escritura como se de uma normal compra e venda se tratasse, em 02 de Maio de 2005 (não recebeu qualquer valor em troca)

No dia 27 de Julho de 2006, através de escritura de dação em cumprimento, P… entrega o lote 14 para pagamento de dívida referente a obras de infraestruturas no valor de € 143.440,70. Desta forma e atendendo ao referido anteriormente, podemos concluir que o custo do loteamento da urbanização (dos 28 lotes) corresponde ao valor dos 11 lotes entregues à empresa que procedeu às obras de infraestruturas, € 1.731.990,00 em 2005 e € 91.500,00 em 2006, ie, um total de 1.823.490,00. Importa referir que embora o contribuinte possua contabilidade organizada, não existem documentos de custos referentes a obras de infraestruturas, pois que estes foram suportados pela empresa que os realizou, (Diga se a Recorrente) tendo recebido em troca 11 lotes de terreno. (negrito nosso) ou seja, duas sentenças opostas nos seus fundamentos sobre os mesmos factos-pagamento ou não na escritura de 2 de Maio de 2005 realizada entre os mesmos contraentes nessa escritura, os mesmos factos e sujeitos.

III – Quanto à presunção sub Judice diga-se que as presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova propriamente dito, consistindo antes em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no artigo 349.º do CC; tais presunções judiciais são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, conforme o disposto no artigo 351.º do mesmo Código.

IV – O M.º Juiz “a quo” veio nos presentes autos de Recurso de Revisão decidir a caducidade do direito da presente acção, in casu, com base numa única presunção, sem prova factual, pelo facto de o recorrente ter acompanhado o seu mandatário Dr. A… quando este fora consultar os autos de inquérito nas instalações do Tribunal de Loulé no dia 19 de Abril de 2017, presumiu e extrapolou erroneamente que foi nesse dia que o recorrente tivera conhecimento deste documento essencial para a descoberta da verdade material,

V – A regra em direito é que, quem alega um determinado facto, tem a obrigação de prova-lo. É o que conceptualmente se designa de ónus de prova. O artigo 342.º do Código Civil preceitua esta regra.

VI – No processo civil vigoram regras fundamentais sobre os requisitos de alegação e prova de factos para que uma determinada pretensão ou oposição que seja deduzida obtenha vencimento. Assim, segundo o princípio do dispositivo, incumbe às partes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções (forma de oposição), razão por que o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo de possibilidade de consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais, assim como os factos notórios (factos de conhecimento geral) e aqueles que o Tribunal tem conhecimento por exercício das suas funções (cfr. art.º 412.º do Código do Processo Civil).

VII – A regra básica do ónus da prova, enunciada no n.º 2 do art.º 343.º do CC, é que nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, caberia ao réu AT a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei,

VIII – Adoptada também no âmbito do procedimento tributário, por força do disposto no art. 74.º, n.º1, da LGT, em que se estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque» e a AT não fez prova

IX – Não sendo factos notórios, ou seja, factos do conhecimento geral do n.º 1 do art.º 412.º do Código do Processo Civil, apenas não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções, mas quando o tribunal se socorra desses factos deve juntar ao processo documento que os comprove, como preceitua o n.º 2 do art.º 412.º do CPC.

X – O tribunal não juntou nos autos nenhum documento como preceitua o n.º 2 do art.º 412.º do CPC a provar que o recorrente tomou conhecimento em 19 de Abril de 2017 do RIT de P…, apenas refere que no Processo referido de inquérito está consignada a ida do recorrente ao DIAP com o seu mandatário consultar o processo;

XI – A sentença em crise apenas refere que a fls. 1324 (volume IV) do processo de inquérito 1801/11.7TALLE está consignado que em 19 de Abril de 2017, o autor, na qualidade de Arguido, e o seu mandatário, Dr. A…, estiveram na secretaria do DIAP a consultar o processo;

XII – Dispondo o art.º 412.º do CPC que a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve se contra a parte a quem o facto aproveita, no caso sub judice, contra a Fazenda Pública.

XIII – Ora não há fundamento com base em matéria de facto julgada provada, não se trata de facto notório nem se enquadra no conhecimento oficioso, em especial por não respeitar o disposto no n.º 2 do art.º 412.º do CPC. (como se disse não há documento nos autos que prove a presunção do M.º Juiz “a quo” que o possa levar a prefigurar uma caducidade do direito de acção do Recorrente/Autor.

XIV- Se recorre à utilização de uma presunção judicial para concluir da verificação de um facto desconhecido (presumido), mas tal pressupõe a existência de facto (s) conhecido (s), o que não sucede nos presentes autos sem a apresentação de um documento a provar que o recorrente teve esse referido conhecimento do RIT a P… em 19 de Abril de 2017 pois é ao tribunal vedado estabelecer presunções judiciais a partir de factos não provados.

XV- como disse Alberto dos Reis: “O princípio da livre apreciação das provas, significa apenas a libertação do Juiz das regras severas e ixonoráveis da prova legal, sem que, entretanto se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos, sem prova ou contra as provas.”

XVI – Deve prevalecer o princípio da presunção da veracidade das declarações do contribuinte/Recorrente, a qual se conjuga com a transposição da regra constante do artigo 74.º da L.G.T, ao processo tributário. Esta norma estabelece que, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, e Vide artigo 342.º do C. Civil.

XVII – Existe somente alegada nos autos uma informação oficial (que diz apenas que está consignado que em 19 de Abril de 2017, o Autor, na qualidade de Arguido, e o seu mandatário Dr. A…, estiveram na secretaria do DIAP a consultar o processo) para além de não estar fundamentada como exige o artigo 115.º n.º2 do C.P.P.T., é apenas uma informação oficial que comprova a presença do recorrente e seu mandatário na secretaria do DIAP para consulta do processo

XVIII – E não prova que….” Em 19 de Abril de 2017, o Autor teve conhecimento do projecto RIT”.

XIX – Da prova produzida nestes autos, documental, (DOC. 4 e 5) resulta provada a factualidade constante nos artigos 1.º a 27.º, 38.º a 50.º, e 45.º, da PI do Recurso de Revisão e ao não considerar provada matérias patentes em tais artigos o Tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto, o que impõe a alteração da decisão dando como provados tais factos.

XX – O recorrente vem solicitar a modificação da matéria de facto, provada em primeira instância. Para o efeito, identifica os pontos concretos da matéria de facto que, no seu entender deveriam ser dados como provado:

a) Deve ser dados nos autos como provado pelo Doc. 4, que o recorrente só na data de 18 de Outubro de 2017 teve conhecimento do Relatório de Inspecção Tributária a P… de 22 de Fevereiro de 2010 (Doc. 4) pela certidão requerida pelo Dr. A… no âmbito da instrução do Processo 1081/11.7TALLE do Juízo de Instrução Criminal da Comarca de Faro – Juiz 1.

b) Deve ser dado como provado que o recorrente impugnante apresentou em tempo em 16/11/2017 nestes autos, como fundamento do recurso de revisão a sentença de 23 de Agosto de 2013 proferida no processo n.º 333/12.7BELLE do TAF de Loulé é um documento para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 293º do CPPT dado que o recorrente, como fundamento do recurso de revisão também não o pudera fazer uso neste processo em que foi proferida decisão a rever e que, por si só, é suficiente para destruir a prova feita e para modificar a decisão em sentido mais favorável ao impugnante parte vencida, (porque nesta sentença vem vertido pelo mesmo decisor judicial que existiu permuta e não venda com dinheiro como pagamento das obras de urbanização) e que o recorrente só veio a ter conhecimento desta sentença (Doc. 5) repita-se em 16/11/2017 quando obteve certidão no Processo 1081/11.7TALLE do Juízo de Instrução Criminal da Comarca de Faro – Juiz 1, após o Despacho Judicial de não Pronúncia, nesse processo. Doc.5

XX – Tendo o Dr. Juiz apenas se pronunciado com bastante exiguidade à matéria de facto alegada, se poderá assacar a tal decisão erro de julgamento.

XXI – Nesta sentença recorrida se constata a situação em que se está muito próximo de uma mera aparência de fundamentação», já que esta se destina «a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão caso não a tenha, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada da eventual contradição entre os fundamentos e a decisão»,

XXII - «Quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu poderá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação»

XXIII – Com efeito, esta exigência de fundamentação das decisões judiciais decorre, desde logo, do n.º1 do art. 205º da CRP, nos termos do qual «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

XXIV – A insuficiência ou mediocridade da motivação da sentença em crise afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a a ser revogada ou alterada em recurso, (Cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol V, 140.),

XXV – Os motivos não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de vícios lógicos como sucedeu com a interpretação do M.º Juiz na sentença quanto à presunção da data do conhecimento do RIT a P… e da não-aceitação da sua própria sentença de 23 de Agosto de 2013 como documento para efeitos do disposto no art.º 293º n.º2 do CPPT.

Profira-se nova decisão que admita por tempestiva a acção, ordene v. Exªs que admita o prosseguimento deste Recurso de Revisão para que sigam os termos necessários para a causa ser novamente instruída e julgada, segundo as soluções plausíveis de direito, seguindo se os ulteriores termos até final.»


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A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, apreciar e decidir se o Tribunal a quo ao julgar o recurso de revisão improcedente, por não se verificam os pressupostos de revisão da sentença, incorreu em:

i) erro de julgamento na apreciação da matéria de facto por errada valoração de uma presunção judicial e na aplicação do Direito por violação do disposto no artigo 349.º do CC e do n.º 2 do art.º 412.º do CPC

ii) erro de julgamento de facto e de direito ao julgar que a sentença de 23 de Agosto de 2013 proferida no processo n.º 331/12.7BELLE do TAF de Loulé não é um documento para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 293.º do CPPT.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto


É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:


«1.
No dia 23 de Agosto de 2013, foi proferida sentença na Reclamação n.º 331/12.7BELLE que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:
“I. RELATÓRIO
P…, com o número de identificação fiscal 1……….. e domicílio na Urbanização E…, Lote …, em Olhão, veio pedir que “a presente reclamação, fundada em prejuízo irreparável, com efeito suspensivo, [seja] recebida e julgada procedente e provada, com as demais consequências legais”.
Concluiu, em síntese, que o tributo que originou a penhora do imóvel foi provocado por negócios jurídicos ruinosos e que por imperativo de justiça a decisão impugnada que ditou a penhora do imóvel deve ser sustada, aguardando a decisão de processo criminal em que se trata de questão prejudicial aos presentes autos. (…)
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de que deve a presente reclamação ser julgada improcedente, uma vez que não é imputado ao acto de penhora qualquer vício que importe a sua validade e seja susceptível de fundamentar o pedido formulado pelo Reclamante.
(…)
*
Assim, as questões dos autos são as de saber se (1) o acto de penhora viola os artigos 55.º, 59.º, n.º 2, e 78.º da Lei Geral Tributária, 169.º e 199.º do CPPT, 97.º, n.º 1, do CPC e os artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP (cfr. conclusão M) da Reclamação), bem como se (2) é, ou não, legal o acto da Chefe do Serviço de Finanças de Olhão, de 3 de Abril de 2012, que indeferiu o pedido de sustação da venda judicial.
III-A. PROBATÓRIO
Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, julgo provados os seguintes factos, com atinência aos meios de prova respectivos:
(…)
2.
Entre 13 de Janeiro e 22 de Fevereiro de 2010, P…, colectado pelo CAE 68100 – Compra e Venda de Bens Imobiliários, foi inspeccionado pela Administração Tributária quanto ao exercício de 2008 no âmbito do IRS – cfr. fls. 468 dos autos.
3.
Nesta inspecção foram apurados os seguintes factos que fundamentaram o recurso a métodos indirectos:
“1 – Através de escritura de doação e partilha de bens doados, efectuada no ano de 1984, o SP tornou-se co-proprietário de um terreno rústico (1/2), inscrito na matriz predial com o n.º 7…..3, sito em O……, da freguesia de São S… em Loulé (080809) em conjunto com M… (sua tia);
2 - No ano de 1995, M… doa a sua metade da propriedade, referida no ponto 1, a P… ficando desta forma a ser o único proprietário do prédio rústico, composto de terra de cultura e pastagem com árvores.
3 – Em 11 de Março de 2005, a Câmara Municipal de Loulé emitiu o Alvará de Loteamento n.º …/2005, pelo qual licenciou no referido prédio um loteamento e as respectivas obras de urbanização.
Fase inicial: o referido alvará constituiu o título jurídico necessário para que o prédio fosse dividido em 28 lotes para construção urbana. (…)
Fase seguinte: Realização da infra-estruturação do prédio, sem a qual o mesmo, ainda que licenciado, não poderia ser comercializado. Esta fase esteve em curso até meados de 2007. (…)
4 – Não possuindo os recursos económicos necessários para custear as obras de infra-estruturas, procederam a “contrato promessa de empreitada” com o construtor das infra-estruturas, ie, entregou 10 lotes (lote 1, 2, 3, 4, 5, 15, 25, 26, 27, 28) pela realização das obras de urbanização; este contrato foi mal formalizado através de escritura como se de uma normal compra e venda se tratasse, em 02 de Maio de 2005 (não recebeu qualquer valor em troca).
No dia 27 de Julho de 2006, através de escritura de dação em cumprimento, P… entrega o lote 14 para pagamento de dívida referente a obras de infra-estruturas no valor de € 143.440,70.
Desta forma e atendendo ao referido anteriormente, podemos concluir que o custo do loteamento da urbanização (dos 28 lotes) corresponde ao valor dos 11 lotes entregues à empresa que procedeu às obras de infra-estruturas, € 1.731.990,00 em 2005 e € 91.500,00 em 2006, ie, um total de € 1.823.490,00. Importa referir que embora o contribuinte possua contabilidade organizada, não existem documentos de custos referentes a obras de infra-estruturas, pois estes foram suportados pela empresa que as realizou, tendo recebido em troca 11 lotes do terreno.
(…)
9.
Em 3 de Abril de 2012, a Chefe do Serviço de Finanças indeferiu este pedido de sustação da venda judicial dos bens penhorados - acto reclamado -, por não estarem reunidos os requisitos necessários para a suspensão do processo de execução fiscal previstos no n.º 1 do art. 52.º da LGT e no art. 169.º do CPPT – cfr. fls. 17 dos autos.
(…)
IV. DIREITO
QUANTO AO ACTO DE PENHORA:
No caso dos autos, o Reclamante imputa ao acto de penhora vício de violação de lei com atinência aos artigos 55.º, 59.º, n.º 2, e 78.º da Lei Geral Tributária, 169.º e 199.º do CPPT, 97.º, n.º 1, do CPC e os artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.
Todavia, como bem assinalam os Exmos. Magistrados do Ministério Público nos seus pareceres, estas normas não respeitam ao acto de penhora.
(…)
Pelo que, à míngua de causa de pedir idónea à anulação do acto de penhora, tem a Reclamação necessariamente que improceder neste segmento.
*
QUANTO AO PEDIDO DE SUSPENSÃO DA VENDA JUDICIAL:
Pretende o Reclamante a suspensão da realização da venda no processo executivo por estarem pendentes queixas-crime em que pretende a anulação dos negócios que foram os factos tributários que deram origem à quantia exequenda, apelando ao princípio da justiça uma vez que só se apercebeu dos logros em que caiu quando foi tributado.
Resulta dos artigos 52.º, n.os 1 e 2, da LGT, e 169.º, n.º 1, do CPPT, que o Processo de Execução Fiscal se suspende, sendo deduzida Impugnação Judicial ou Oposição à Execução, se for constituída garantia nos termos do artigo 195.º (hipoteca ou penhor) ou se for prestada garantia nos termos do artigo 199.º (garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer outro meio susceptível de assegurar os créditos do exequente e, bem assim, penhor ou hipoteca voluntária).
Para este efeito – artigo 199.º, n.º 4, do CPPT – vale como garantia a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido, ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado nos termos do n.º 7 deste mesmo artigo.
Ora, as queixas-crime não levam à anulação dos negócios que foram os factos tributários que deram origem à quantia exequenda, desde logo por incompetência material do tribunal criminal para o efeito. Pelo que não podem ser equiparadas à Impugnação Judicial ou à Oposição Judicial que são os meios processuais eleitos pelo legislador para obter a suspensão do processo executivo por porem em causa a legalidade ou a exigibilidade da dívida exequenda.
A questão seria mais discutível se estivesse pendente acção nos tribunais comuns tendente à anulação dos negócios que foram os factos tributários, pois que neste caso, ainda que de forma mediata, ficaria em xeque a legalidade da dívida. Sucede que já foi intentada acção para o efeito, a qual findou por sentença transitada em julgado que homologou a transacção na qual o Reclamante, representado por Advogado nesse processo, desistiu dos pedidos da acção e confessou não ser credor dos Réus, além de ter reconhecido nada ter a restituir ou a exigir - cfr. fls. 495 e 587-624, maxime 622 e seguintes –, tendo-se assim formado caso julgado que não foi posto em causa, designadamente, através de recurso de Revisão com fundamento na nulidade ou anulabilidade da transacção – artigo 771.º, alínea d), do CPC.
Neste circunstancialismo, não está pendente discussão relativa à legalidade ou à exigibilidade da dívida exequenda, pelo que a suspensão do processo executivo até que fosse decidida a queixa-crime seria meramente dilatória e contrária ao invocado princípio da justiça.
Pelo que à míngua dos requisitos necessários para a suspensão do processo executivo, falece, também aqui, razão ao Reclamante.
V. DECISÃO
Termos em que se julga improcedente a Reclamação.
Custas pelo Reclamante, por ser parte vencida – artigos 446.º do CPC e 7.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais (Tabela II – Execução).”
– cfr. SITAF e fls. 64-74 dos autos.
2.
O Projecto de Relatório de Inspecção Tributária relativo a P…, datado de 22 de Fevereiro de 2010, encontra-se a fls. 298-307 (volume I) do processo de inquérito n.º 1081/11.7TALLE – cfr. processo de inquérito apenso.
3.
A fls. 1324 (volume IV) do processo de inquérito n.º 1081/11.7TALLE está consignado que em 19 de Abril de 2017, E…, na qualidade de Arguido, e o seu mandatário Dr. A…, estiveram na secretaria do DIAP a consultar o processo – cfr. processo de inquérito apenso.
4.
E… é o sócio único e o representante de L…, UNIPESSOAL, LDA. – cfr. fls. 2 da Impugnação n.º 485/11 à qual os presentes autos estão apensados.»

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Consta ainda da mesma sentença que «II-B. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que:
A.
Só em 18 de Outubro de 2017 L…, UNIPESSOAL, LDA., tenha tido conhecimento do projecto de Relatório de Inspecção Tributária a P…, relativo ao IRS de 2008, datado de 22 de Fevereiro de 2010.

II – C. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.
O Facto A, alegado nos artigos 18.º e 26.º da Petição Inicial, foi dado como não provado por dos autos resultar que no dia 19 de Abril de 2017, E…, sócio único e representante da Recorrente, e o seu mandatário consultaram o processo de inquérito n.º 1081/11.7TALLE, no qual aquele foi Arguido, e do qual constava já à data o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária relativo a P…, datado de 22 de Fevereiro de 2010 – como se deu por provado nos pontos 2 a 4 supra elencados.
Atendendo a que, como refere a Exma. Magistrada do Ministério Público no seu parecer, “Esta consulta à totalidade dos autos de inquérito por parte dos sujeitos processuais em momento posterior à prolação do despacho de acusação (…) tem como principal escopo, naquilo que ao Arguido se refere, permitir a cabal defesa do mesmo para eventual apresentação de requerimento de abertura de instrução”, sendo tal consulta do inquérito feita pelos sujeitos processuais e seus defensores ou mandatários sem quaisquer restrições, por forma a permitir-lhes apreender toda a factualidade reunida nos autos, para o Tribunal é possível presumir, de acordo com as regras de experiência, que um arguido que consulta um processo para efeito de apreciação se deve, ou não, requerer a abertura de instrução, o consulta na sua plenitude, tomando conhecimento de todos os documentos que o compõem.»

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III – 2. Da apreciação do recurso

Antes de mais, para melhor compreensão importa ter presente o circunstancialismo processual em que o presente recurso se enquadra.

A recorrente deduziu acção de impugnação na qual formulou pedido de anulação da liquidação de IMT, pela aquisição em 2005 de 8 prédios, cuja fundamentação quanto aos prédios inscritos na matriz de S. S… sob os artigos 6…0, 6…10, 6…11, 6…99 se consubstanciou na caducidade da isenção, relativa a compra para revenda prevista no artigo 7.º do CIMT, por não terem sido revendidos no prazo de 3 anos, conforme resulta do disposto no artigo 11.º, n.º 5, 1ª parte do CIMT.

No que se refere aos prédios inscritos na matriz de S. Sebastião sob os artigos 6…7, 6…8, 6…9 e 6…0 a liquidação impugnada fundamentou-se em ter sido dado destino diferente ao mencionado na escritura de aquisição, conforme resulta do disposto no artigo 11.º, n.º 5, 2ª parte do CIMT.

A referida liquidação foi impugnada, invocando a recorrente que a escritura de aquisição foi mal redigida, não estando em causa uma compra e venda, mas antes uma permuta realizada com o promotor do loteamento, de lotes por obras de urbanização e assim sendo este o facto tributário a liquidação devia ser anulada.

Pela sentença que a recorrente pretende rever foi julgada improcedente a Impugnação Judicial por falta de prova de que o outorgante vendedor teria emitido uma declaração viciada ao declarar na escritura que se tratava de uma compra e venda e que já havia recebido o preço, por se tratar de facto impeditivo do direito invocado pela AT. Mais declarou o Tribunal recorrido que «é de presumir a validade da declaração atestada na escritura que, no ponto, tem força probatória plena: que houve uma venda e o preço recebido antes de celebrada a escritura.»

É o seguinte o discurso fundamentador da sentença revidenda: «[a] tese da Impugnante radica em que “a escritura de 02.05.2005 veio titular uma troca/permuta entre o sujeito passivo e o promotor do loteamento, Sr. P…” (artigo 4.º da PI), na qual trocaram obras de urbanização pelos lotes (artigo 5.º) nos termos do contrato promessa que celebraram, sendo que o facto de da escritura constar que o vendedor havia “já recebido” o “preço global” é mero lapso (artigo 12.º da PI).

As regras gerais do ónus da prova determinam que aquele contra quem é invocado um direito faça prova dos seus factos impeditivos (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).

A Impugnante concorda que a escritura de 2 de Maio de 2005, a que se referem os pontos 2 e 3 do probatório, foi elaborada e intitulada pelo notário como sendo de compra e venda de acordo com o declarado pelos outorgantes no sentido de pretenderem vender e comprar, respectivamente, 10 lotes de terreno por um valor global que indicaram e que discriminaram.

Sustenta é que o outorgante vendedor nada recebeu, apesar do que declarou.

Certo que nos termos do artigo 371.º, n.º 1, do Código Civil, “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora”.

Assim, a escritura pública não prova a veracidade das declarações dos outorgantes, mas apenas que estes as fizeram e que o notário as ouviu.

A Impugnante tinha, então, o ónus de fornecer a prova de que o outorgante vendedor emitiu uma declaração viciada, por se tratar de um facto impeditivo do direito invocado pela Administração.

Todavia, não só não promoveu a correcção da escritura, nos termos do artigo 132.º do Código do Notariado, como resulta do requerimento de fls. 46 que não pretendia produzir prova testemunhal sobre este facto.

(…)

Ora, “feita ou atestada num documento uma declaração negocial ou outra declaração de vontade, a vontade através dela expressa será presumida até que se prove a divergência relevante entre a vontade e a declaração ou um vício relevante da vontade” – cfr. LEBRE DE FREITAS, A Falsidade no Direito Probatório, Almedina, 2013, p. 43.

Pelo que não tendo a Impugnante logrado cumprir o seu ónus, é de presumir a validade da declaração atestada na escritura que, no ponto, tem força probatória plena: que houve uma venda e o preço recebido antes de celebrada a escritura.

Ficando prejudicado o conhecimento das outras questões, já que estas pressupunham a celebração de uma permuta, que não de um contrato de compra e venda.»

Com o pedido de revisão da sentença pretendia que o Tribunal recorrido julgasse procedente a impugnação e anulasse o acto tributário de liquidação de IMT por caducidade da isenção com fundamento em errónea qualificação e quantificação do imposto e que ordenasse à Administração Fiscal que procedesse a nova liquidação que incidisse sobre a diferença dos valores permutados, incluindo juros apenas até 03/07/2011 data em que, no âmbito do direito de audição solicitou à AT a correcção da liquidação.
A recorrente requereu a revisão da sentença proferida nos autos sustentando a sua pretensão em dois fundamentos.

Invocou para o efeito, que no relatório da decisão final da acção de inspecção datado de 22 de Fevereiro de 2010, a Direcção de Finanças de Faro, no âmbito da acção inspectiva que efectuara a P… (o promotor do loteamento, cujos lotes estão aqui em causa), já tinha reconhecido que, o que estava em causa na escritura era uma permuta de lotes pelas obras de urbanização, e não uma venda com recebimento de dinheiro na escritura celebrada em 2 de Maio de 2005 (cf. artigo 10º da pi) como decidiu a sentença revidenda.

Alegou ainda, que só em 18 de Outubro de 2017 teve conhecimento deste documento, quando lhe foi mostrada a certidão requerida pelo seu mandatário no âmbito da instrução do processo n.º 1081/11.7TALLE que corria termos no Juízo de Instrução Criminal da Comarca de Faro – Juiz 1 (cf. artigo 18.º da petição inicial). Conclui que a Direcção de Finanças de Faro persistiu na manutenção da liquidação impugnada, quando devia ter efectuado a liquidação pela diferença dos valores permutados, tendo a sentença plasmado tal tese.

O outro fundamento de revisão consubstanciou-se na sentença de 23 de Agosto de 2013 proferida no processo n.º 333/12.7BELLE do TAF de Loulé por, na sua óptica constituir um documento que impõe decisão diversa.

A recorrente pretendeu assim, obter a revisão da referida sentença, contudo, a sua pretensão não obteve acolhimento pelo Tribunal recorrido.

Vejamos, então, começando a apreciação do recurso que nos vem dirigido, pela conclusão XX, na qual a recorrente imputa à sentença a verificação de erro de julgamento da matéria de facto provada.

Identifica para o efeito, os seguintes pontos concretos da matéria de facto que, no seu entender, deveriam ser dados como provados, com base nos documentos 4 (certidão do projecto de relatório da inspecção tributário levada a cabo a P…, proprietário do prédio loteado) e 5 (certidão da notificação e sentença proferida no processo n.º 331/12.7BELLE em que foi reclamante o referido P…):

«a) (…) o recorrente só na data de 18 de Outubro de 2017 teve conhecimento do Relatório de Inspecção Tributária a P… de 22 de Fevereiro de 2010 (Doc. 4) pela certidão requerida pelo Dr. A… no âmbito da instrução do Processo 1081/11.7TALLE do Juízo de Instrução Criminal da Comarca de Faro – Juiz 1.

b) (…) o recorrente impugnante apresentou em tempo em 16/11/2017 nestes autos, como fundamento do recurso de revisão a sentença de 23 de Agosto de 2013 proferida no processo n.º 333/12.7BELLE do TAF de Loulé é um documento para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 293º do CPPT dado que o recorrente, como fundamento do recurso de revisão também não o pudera fazer uso neste processo em que foi proferida decisão a rever e que, por si só, é suficiente para destruir a prova feita e para modificar a decisão em sentido mais favorável ao impugnante parte vencida, (porque nesta sentença vem vertido pelo mesmo decisor judicial que existiu permuta e não venda com dinheiro como pagamento das obras de urbanização) e que o recorrente só veio a ter conhecimento desta sentença (Doc. 5) repita-se em 16/11/2017 quando obteve certidão no Processo 1081/11.7TALLE do Juízo de Instrução Criminal da Comarca de Faro – Juiz 1, após o Despacho Judicial de não Pronúncia, nesse processo.»

Vejamos.

O primeiro ponto que a recorrente pretende aditar (a)), não decorre do documento 4.

Com efeito, não é com base numa certidão emitida em 26/09/2017 que podemos extrair o facto pretendido aditar, ou seja, que a recorrente teve conhecimento da existência de um projecto de relatório no âmbito de acção inspectiva levada a cabo ao promotor do loteamento.

Da referida certidão apenas se permite extrair, como facto, a data da sua emissão, que no âmbito do processo de instrução que corria termos no Juízo de Instrução Criminal da Comarca de Faro com o n.º 1081/11.7TALLE constava cópia do referido projecto de relatório, permitindo ainda dar como provado que o representante legal da ora recorrente era, àquela data arguido no referido processo. Nada mais se pode dar como provado com base em tal certidão, muito menos que a recorrente teve conhecimento do teor da certidão em 18/10/2017, pelo que se impõe concluir pela improcedência do pretendido aditamento.

Quanto ao ponto b), se bem percebemos o alcance da sua alegação, pretende a recorrente que o Tribunal adite ao probatório, como facto provado, que a sentença de 23 de Agosto de 2013 proferida no processo n.º 333/12.7BELLE do TAF de Loulé é um documento para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 293.º do CPPT.

Ora, como é bom de ver, além de conclusivo, não estamos perante um facto e sim perante uma questão de direito que consiste em interpretar a lei para averiguar se a referida sentença se subsume no elenco dos elementos que podem servir de base ou fundamento ao pedido de revisão, pelo que, não pode integrar o probatório, donde se conclui que, também quanto a este ponto se mostra improcedente o pretendido aditamento.


*


Estabilizada a matéria de facto, vejamos as conclusões de recurso II a XIX.

Por considerar que o Tribunal recorrido decidiu pela caducidade do direito de acção relativamente à primeira causa de pedir «com base numa presunção, sem prova factual, pelo facto de o recorrente ter acompanhado o seu mandatário (…) quando este fora consultar os autos de inquérito nas instalações do Tribunal de Loulé no dia 19 de Abril de 2017, presumiu e extrapolou erroneamente que foi nesse dia que o recorrente tivera conhecimento deste documento essencial para a descoberta da verdade material».

Vejamos.

A sentença recorrida julgou improcedente o pedido de revisão quanto à primeira causa de pedir, com base em dois fundamentos.

O Tribunal recorrido decidiu o seguinte: «O Recorrente apresenta dois fundamentos para o pedido de revisão: o projecto de relatório de inspecção tributária a P… de 22 de Fevereiro de 2010 (um documento que materializa a mera intenção de a Administração actuar de determinado modo com base em certos pressupostos, pelo que não tem força destruidora em relação à prova feita no processo principal com base em documento autêntico) e a sentença proferida no processo n.º 331/12.7BELLE.

Sendo que para poderem ser apreciados, o Recurso tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contados do seu conhecimento.

Ora, o Recurso foi enviado via CTT para este Tribunal Administrativo e Fiscal no dia 17 de Novembro de 2017 e não foi dado como provado que a Recorrente só teve conhecimento do projecto de relatório de inspecção tributária a P… em 18 de Outubro de 2017 – cfr. o facto A do facto dado por não provado.

Pelo contrário, foi dado como provado que o único sócio e representante da Recorrente consultou, juntamente com o seu mandatário, em 19 de Abril de 2017 o processo de inquérito n.º 1081/11.7TALLE, no qual era Arguido, e que nessa data constava do processo o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária relativo a P…, datado de 22 de Fevereiro de 2010 – cfr. pontos 2 a 4 do probatório. O que, como se disse supra, fez o Tribunal presumir, de acordo com as regras de experiência, que o conhecimento inicial do documento ocorreu em 19 de Abril, mais de 30 dias antes da apresentação do presente Recurso, pelo que o Tribunal não pode, quanto a ele, conhecer do Recurso.»

Como se refere na sentença recorrida, o primeiro documento em que o recorrente sustenta o seu pedido de revisão - o projecto de relatório de inspecção tributária a P… de 22 de Fevereiro de 2010 – não constitui uma decisão final, «materializa a mera intenção de a Administração actuar de determinado modo com base em certos pressupostos, pelo que não tem força destruidora em relação à prova feita no processo principal».

Apesar do recorrente se referir sempre à junção do relatório de inspecção de 22 de Fevereiro de 2010, realizada à actividade de P…, a verdade é que, sublinha-se, o documento em que a recorrente sustenta a sua pretensão de ver revista a sentença, constitui um projecto de relatório e não o relatório final de inspecção.

Como é sabido, a acção inspectiva tem lugar no âmbito de um procedimento administrativo, previsto no Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31/12. Assim sendo, os actos nele praticados têm carácter preparatório do acto tributário de liquidação ou dos actos em matéria tributária, destinando-se a verificar a conformidade com as normas contabilísticas e fiscais culminando com a decisão final que é proferida com base no relatório final que em regra serve de fundamentação à liquidação, conforme resulta dos artigos 11.º e 63.º, n.º 1 do RCPITA.

O projecto de relatório pode estar sujeito a alterações decorrentes da ponderação da pronúncia do administrado, não constituindo a palavra definitiva da AT.

Ora, quanto a este fundamento de improcedência do pedido de revisão de sentença a recorrente nada refere.

Lidas as conclusões de recurso, bem como o corpo das alegações, nada vem alegado quanto ao referido fundamento de improcedência do recurso de revisão.

Atendendo a que foram dois os fundamentos de improcedência do pedido no que se refere à questão do projecto de relatório de inspecção, atacando a recorrente apenas um deles, ainda que a razão lhe pudesse assistir e que o recurso viesse a ser julgado procedente, o recurso é ineficaz e como tal está votado ao insucesso na medida em que subsiste uma parte da decisão que, por não ter sido atacada, encontra-se transitada em julgado.

Com efeito, ainda que fosse concedido provimento ao recurso quanto à tempestividade da acção por referência à data em que o recorrente alega ter tido conhecimento do projecto de relatório, tal não poderia ter como consequência a procedência do recurso de revisão, na medida em que se mantém o outro fundamento de improcedência consubstanciado no facto de o documento apresentado constituir um projecto de relatório e não a decisão final do procedimento de inspecção e como tal não deter a virtualidade de por si só implicar uma modificação da decisão revidenda.

O mesmo é dizer que quanto a esta questão o recurso, nos termos em que foi deduzido é ineficaz para o fim visado de obter a revogação do decidido.

Do exposto resulta a conclusão de que se impõe julgar improcedentes as conclusões apreciadas.


*

Prosseguindo, importa apreciar as conclusões XXI a XXV das quais se depreende que a recorrente pretende imputar à sentença a verificação de erro de julgamento por fundamentação exígua ou insuficiente.

Alega a recorrente que «os motivos não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de vícios lógicos como sucedeu com a interpretação do M.º Juiz na sentença quanto à presunção da data do conhecimento do RIT a P… e da não-aceitação da sua própria sentença de 23 de Agosto de 2013 como documento para efeitos do disposto no art.º 293º n.º2 do CPPT

Quanto à questão da presunção da data do conhecimento do projecto de relatório já nos pronunciámos supra, nada mais havendo a acrescentar ao que supra se deixou dito.

Importa agora apreciar se a interpretação efectuada na sentença recorrida quanto à não aceitação da sentença de 23 de Agosto de 2013 como documento, para efeitos do disposto no art.º 293º n.º 2 do CPPT, se consubstancia como «motivos obscuros ou de difícil compreensão», ou que padece «de vícios lógicos» como alega a recorrente.

O regime da revisão da sentença nos processos tributários está previsto no artigo 293.º do CPPT.

À data da apresentação da presente acção (anterior à entrada em vigor da redacção conferida pelo artigo 14.º da Lei n.º 118/2019 de 17/09), a redacção vigente era a seguinte:

«1 - A decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão no prazo de quatro anos, correndo o respectivo processo por apenso ao processo em que a decisão foi proferida.

2 - Apenas é admitida a revisão em caso de decisão judicial transitada em julgado declarando a falsidade do documento, ou documento novo que o interessado não tenha podido nem devia apresentar no processo e que seja suficiente para a destruição da prova feita, ou de falta ou nulidade da notificação do requerente quando tenha dado causa a que o processo corresse à sua revelia.

(…)»

Assim, a revisão de sentença pode ser requerida no prazo de quatro anos após o seu trânsito, constituindo pressupostos da sua admissão os seguintes:

i) A decisão objecto de revisão dever estar transitada em julgado;

ii) Existência de decisão judicial transitada em julgado declarando a falsidade do documento, ou;

iii) documento novo que o interessado não tenha podido nem devia apresentar no processo e que seja suficiente para a destruição da prova feita, ou;

iv) falta ou nulidade da notificação do requerente quando tenha dado causa a que o processo corresse à sua revelia.

No caso dos autos, com a junção da certidão da sentença proferida no processo n.º 331/12.7BELLE (refere-se a recorrente ao processo n.º 333/12 certamente devido a lapso de escrita), a recorrente pretendeu alegar que o mesmo juiz que proferiu a sentença objecto do pedido de revisão, já havia decidido no referido processo «que a própria Direcção de Finanças de Faro reconhece no relatório de Inspecção do exercício de 2008 a P…, alienante nessa escritura de 2 de Maio de 2005 que este não recebeu qualquer valor em troca por parte da recorrente Loteáreas (…) referindo ter sido pago em espécie o custo das infraestruturas com obras de urbanização pela Loteáreas realizadas (…)».

Mais alegava que o mesmo juiz veio a decidir nos presentes autos que «houve uma venda e o preço recebido antes de celebrada a escritura», quando do seu anterior conhecimento oficioso do relatório de inspecção ao P…, no âmbito do processo n.º 331/12.7BELLE, por ter sido quem proferiu a decisão devia considerar provado que «o outorgante vendedor omitiu uma declaração viciada na escritura de 2 de maio de 2005, Doc 5» (presume-se que pretendia referir: emitiu uma declaração e não omitiu), como forma de assegurar a igualdade efectiva das partes.

Quanto a esta questão decidiu o Tribunal a quo «Como fundamento da revisão, a Recorrente apresenta a sentença proferida no processo n.º 331/12.7BELLE, na qual estava em causa a legalidade de um acto de penhora e a suspensão da venda do imóvel penhorado, que não qualquer liquidação de imposto – cfr. ponto 1 do probatório.

Com este documento novo pretende a destruição da prova feita no processo principal, ao abrigo do citado n.º 2 do artigo 293.º do CPPT.

Ora, nos termos do artigo 362.º do Código Civil, “diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”. Já a sentença é “o acto pelo qual o Juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa” – artigo 152.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Pelo que atenta a noção de documento contida no artigo 362.º do Código Civil, uma sentença não pode qualificar-se como documento para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 293.º do CPPT – cfr., mutatis mutandis, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14 de Julho de 2010 – processo n.º 169/06.0TBAGN-A.C1.

E, assim sendo, o Recurso não pode proceder
Vejamos o que dizer sobre a questão.

O recurso de revisão de sentença constitui um recurso extraordinário, já que tem como pressuposto que a decisão revidenda já tenha transitado em julgado, por oposição aos recursos ordinários que apenas são admissíveis se não se operou o trânsito em julgado da decisão recorrida desfavorável.

Decorrendo da sua excepcionalidade a exiguidade de meios de prova que são admissíveis como fundamento do pedido de revisão.

Assim sendo, admite-se a apresentação de documento que ateste a falsidade de outro documento no qual se tenha baseado o Tribunal para decidir no sentido em que decidiu.

No caso dos autos, a recorrente pretende subsumir à 2ª parte do n.º 2 do artigo 293.º do CPPT, a sentença proferida no processo n.º 331/12.7BELLE, pretendendo com tal fundamento que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao não aceitar a sua própria sentença como documento.

Sem prejuízo de se reconhecer o rigor com que foram delimitados pelo Tribunal recorrido os conceitos de documento e sentença e sem entrar na discussão de saber se a norma em causa é possível uma interpretação mais ampla a verdade é que a sentença invocada pelo recorrente não permite destruir a prova feita nos autos, nem permite a modificação da decisão em sentido favorável à recorrente.

Se bem atentarmos no teor da sentença referida no ponto 1 da matéria de facto provada, que a recorrente considera ter a capacidade de destruir a prova feita, logo concluímos que ela não tem essa virtualidade na medida em que nem sequer debateu as questões aqui em causa.

No processo 331/12 estava em causa uma reclamação da decisão do órgão da execução fiscal em que o reclamante P… formulava o pedido de anulação do acto de penhora e a suspensão da venda no âmbito do processo de execução fiscal, invocando ter apresentado duas queixas crime contra a recorrente e outra, requerendo ainda a dispensa da prestação da garantia para aquele efeito.
A reclamação foi indeferida no que se refere à legalidade da penhora por falta de causa de pedir. No que se refere ao pedido de suspensão da venda executiva, claramente não foi discutida a questão da validade das declarações prestadas no âmbito da escritura pública que sustentasse a pretensão de destruir a prova feita nos autos, bem como para operar a modificação da decisão em sentido favorável à recorrente.
Como resulta claramente da sentença proferida no processo n.º 331/12 o Tribunal tratou da questão de saber se a decisão do órgão da execução de negar a suspensão da venda era legal e fê-lo, nos seguintes termos:
«Resulta dos artigos 52.º, n.os 1 e 2, da LGT, e 169.º, n.º 1, do CPPT, que o Processo de Execução Fiscal se suspende, sendo deduzida Impugnação Judicial ou Oposição à Execução, se for constituída garantia nos termos do artigo 195.º (hipoteca ou penhor) ou se for prestada garantia nos termos do artigo 199.º (garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer outro meio susceptível de assegurar os créditos do exequente e, bem assim, penhor ou hipoteca voluntária).
Para este efeito – artigo 199.º, n.º 4, do CPPT – vale como garantia a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido, ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado nos termos do n.º 7 deste mesmo artigo.
Ora, as queixas-crime não levam à anulação dos negócios que foram os factos tributários que deram origem à quantia exequenda, desde logo por incompetência material do tribunal criminal para o efeito. Pelo que não podem ser equiparadas à Impugnação Judicial ou à Oposição Judicial que são os meios processuais eleitos pelo legislador para obter a suspensão do processo executivo por porem em causa a legalidade ou a exigibilidade da dívida exequenda.
A questão seria mais discutível se estivesse pendente acção nos tribunais comuns tendente à anulação dos negócios que foram os factos tributários, pois que neste caso, ainda que de forma mediata, ficaria em xeque a legalidade da dívida. Sucede que já foi intentada acção para o efeito, a qual findou por sentença transitada em julgado que homologou a transacção na qual o Reclamante, representado por Advogado nesse processo, desistiu dos pedidos da acção e confessou não ser credor dos Réus, além de ter reconhecido nada ter a restituir ou a exigir - cfr. fls. 495 e 587-624, maxime 622 e seguintes –, tendo-se assim formado caso julgado que não foi posto em causa, designadamente, através de recurso de Revisão com fundamento na nulidade ou anulabilidade da transacção – artigo 771.º, alínea d), do CPC.
Neste circunstancialismo, não está pendente discussão relativa à legalidade ou à exigibilidade da dívida exequenda, pelo que a suspensão do processo executivo até que fosse decidida a queixa-crime seria meramente dilatória e contrária ao invocado princípio».
Ora, perante o teor da decisão, abstraindo da questão de saber se, para efeitos da revisão da sentença, a sentença em causa constitui ou não um documento, da materialidade da sentença o que se pode concluir é que ali não foi debatida a questão aqui em causa, de modo a que se pudesse afirmar que a questão ali tratada destruiria a prova constante nestes autos. Com efeito os fundamentos em que o Tribunal sustentou a decisão de manutenção do acto de penhora e do não provimento do pedido de suspensão da venda não teriam nenhuma influência nos autos, de modo a que se pudesse concluir que se fosse obtido em tempo tal conhecimento nestes autos a decisão seria diferente. Antes pelo contrário, nenhuma influência teria, pelo que, importa julgar improcedentes as conclusões apreciadas.


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No que se refere às custas, o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual custas são pagas pela parte que lhes deu causa.

Atendendo à improcedência do recurso, considera-se que foi a recorrente que deu causa às custas do presente processo (cf. n.º 2), e, portanto, deve ser condenado nas custas (cf. n.º 1, 1.ª parte).


IV – CONCLUSÕES

I - O projecto de relatório de inspecção tributária não constitui uma decisão final, materializando a mera intenção de a Administração actuar de determinado modo com base em certos pressupostos, pelo que não tem força destruidora em relação à prova feita no processo principal para o efeito de obter a revisão de sentença.

II – Se os fundamentos em que o Tribunal sustentou a decisão de manutenção do acto de penhora e do não provimento do pedido de suspensão da venda não teriam nenhuma influência na sentença revidenda, de modo a que se pudesse concluir que se fosse obtido em tempo tal conhecimento nestes autos a decisão seria diferente não é de admitir a revisão.

V – DECISÃO


Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a sentença recorrida.


Custas pelo recorrente.

Lisboa, 1 de Junho de 2023.




Ana Cristina Carvalho - Relatora


Hélia Gameiro – 1ª Adjunta


Catarina Almeida e Sousa – 2ª Adjunta