Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07231/13
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/30/2014
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:- PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO; ÓNUS DE ALEGAÇÃO E DE PROVA; IRC; MENOS VALIAS FISCAIS; LUCRO TRIBUTÁVEL; CONFLITO DE LEIS; ART. 150.º DO C.S. COMERCIAIS; REGIME FISCAL DAS PROVISÕES; ENCARGOS NÃO DOCUMENTADOS.
Sumário:i) Se é certo que o princípio do inquisitório, que enforma em geral o processo tributário, impõe que o juiz realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade (cfr. artigos 99.º, n.º 1, da LGT e 13.º, n.º 1, do CPPT), tal não tem o alcance de fazer com que o juiz se substitua às partes no cumprimento do seu ónus alegatório e de prova.

ii) De acordo com o disposto no art. 2.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, são sujeitos passivos do IRC as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado, com sede ou direcção efectiva em território português.

iii) Sendo a Impugnante uma sociedade com sede em Portugal, cujo objecto social é a compra e venda de imóveis, promoção e empreendimentos turísticos e imobiliários, arrendamento e exploração de imóveis, trata-se de um sujeito passivo de IRC porquanto tem sede em território português e exerce uma actividade de natureza comercial. Razão esta que afasta o recurso à norma de resolução de conflitos contida no art. 33.º do C. Civil, pois que a situação em apreço, tal como vem provada, configura uma relação jurídica puramente interna quanto a todos os seus elementos – sujeitos, objecto e facto jurídico –, não havendo, portanto, qualquer conflito de leis a dirimir (concretamente entre a ordem jurídica das Ilhas Virgens Britânicas e a lei portuguesa).

iv) As variações patrimoniais negativas só podem concorrer para a formação do lucro tributável (ou seja, só podem ser deduzidas ao lucro tributável) quando respeitem as condições estabelecidas para os custos e perdas, sendo que uma dessas condições é que devem ser devidamente documentadas (cfr. art. 45º, n.º 1, alínea g), do CIRC).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

M…….. B……… IMOBILIÁRIA, S.A., (Recorrente) veio recorrer da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de IRC do ano de 2009, no montante de EUR 13.539.227,91, formulando as seguintes conclusões:

(a) Quer a Administração Tributária, quer a Mmª Juiz a quo tomaram como pressuposto expresso da não aceitação da menos-valia fiscal cuja dedução (em metade do seu valor) para efeitos de determinação do lucro tributável de 2009 não foi aceite que a liquidação da sociedade no âmbito de cuja liquidação a Recorrente adquiriu a participação social que está na origem daquela menos-valia se regeu pelo disposto no artigo 150° do Código das Sociedades Comerciais.

(b) E não se tratou apenas da "interpretação" dos conceitos de liquidação e partilha a que a Mmª Juiz a quo subsume a invocação, pela Administração Tributária, do artigo 150° do Código das Sociedades Comerciais, já que de tal norma é retirada a conclusão quanto ao efeito, na esfera da Recorrente, da dissolução da sociedade: a Recorrente não poderia ter adquirido a participação em causa em 2009 (e, em conformidade, não poderia ter efectuado a dedução contestada) porque, nos termos do artigo 150° do Código das Sociedades Comerciais, a partilha apenas pode ocorrer em simultâneo com a dissolução ou após a dissolução, daí se concluindo que a liquidação daquela sociedade só se concretizou em 2010 ou em data posterior.

(c) No entanto, uma vez que a sociedade no âmbito de cuja liquidação a Recorrente adquiriu a participação social que alienou apurando a menos-valia fiscal cuja dedução (em metade do seu valor) para efeitos de determinação do lucro tributável de 2009 não foi aceite foi constituída à luz da lei das Ilhas Virgens Britânicas e aí tinha a sede principal e efectiva da sua administração, pelo que a sua lei pessoal era a lei das Ilhas Virgens Britânicas e não a lei portuguesa, nos termos do artigo 33° do Código Civil e do artigo 3° do Código das Sociedades Comerciais.

(d) O facto jurídico relevante para estes efeitos è a dissolução da sociedade constituída à luz da lei das Ilhas Virgens Britânicas, de cujo processo resultou a aquisição da participação que deu origem à menos-valia cuja dedução (em metade do valor) não foi aceite pela Administração Tributária, e esse facto jurídico tem conexão não apenas com o ordenamento jurídico português, porque a Recorrente, única accionista da sociedade dissolvida, é uma sociedade comercial com sede em território português, mas também com o ordenamento jurídico das Ilhas Virgens Britânicas, porque a sociedade dissolvida aí tinha a sua sede. É assim clara a conexão com os dois ordenamentos jurídicos.

(e) Nos termos do artigo 33° do Código Civil, à lei pessoal compete em especial regular, entre outros, a "dissolução e extinção da pessoa colectiva".

(f) Em conformidade, o regime aplicável à dissolução e extinção (nomeadamente por liquidação) da sociedade constituída à luz da lei das Ilhas Virgens Britânicas não é o que se encontra previsto no Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente no artigo 150° respectivo, mas o que decorre da legislação das Ilhas Virgens Britânicas.

(g) Desta forma, a "aplicação das regras do direito português" preconizada na sentença recorrida, se entendida por referência ao regime jurídico da liquidação e partilha de sociedades (como parece ser a intenção), viola linearmente o disposto no artigo 33° do Código Civil e 3° do Código das Sociedades Comerciais.

(h) Ao abrigo da legislação aplicável (a legislação das Ilhas Virgens Britânicas), as decisões escritas do administrador único e do accionista único e que foram tomadas em 2009 legitimavam a Recorrente para contabilizar a detenção da participação que a sociedade liquidada detinha e que foram em substância (com os reflexos contabilísticos exigidos por tal substância) cedidas no mesmo exercício de 2009, dando origem à menos-valia fiscal cuja dedução (em metade do seu valor) não foi aceite.

(i) Ao partir do pressuposto expresso de que a liquidação da sociedade constituída à luz da lei das Ilhas Virgens Britânicas se regeu pelo disposto no artigo 150° do Código das Sociedades Comerciais, a liquidação contestada e a decisão recorrida encontram-se viciadas de erro quanto aos pressupostos de direito, pelo que devem ser anuladas.

(j) As menos-valias fiscais a cuja dedução (em metade do respectivo valor) a Recorrente procedeu para efeitos de apuramento do seu lucro tributável de IRC do exercício de 2009 foram por si efectivamente incorridas, na sequência do reconhecimento contabilístico da operação que está na sua origem.

(k) Nem se vê, aliás, como poderiam tais encargos ter sido incorridos pela sociedade constituída à luz da lei das Ilhas Virgens Britânicas, como é argumentado pela Administração Tributária, já que esta sociedade, e em obediência ao regime aplicável, reflectiu contabilisticamente a sua liquidação em data anterior

(l) A Administração Tributária não demonstra, aliás, que os encargos em causa foram suportados pela sociedade constituída à luz da lei das Ilhas Virgens Britânicas, o "terceiro" que identifica para efeitos de negação da dedutibilidade na esfera da Recorrente, quando, em obediência às regras da repartição do ónus da prova, lhe competiria tal demonstração.

(m) A validação da correcção efectuada pela Administração Tributária é fundamentada na sentença recorrida com a aplicação do princípio da especialização dos exercícios plasmado no artigo 18° do Código do IRC, que também fora invocado pela Administração Tributária, afirmando assim implicitamente a Mmª Juiz a quo que a menos-valia cuja dedutibilidade (em metade do seu valor) foi negada "dizia respeito" não ao exercício de 2009, mas a um qualquer outro exercício (aliás não especificado pela Administração Tributária nem pela Mmª Juiz a quo).

(n) Uma vez que tal conclusão decorre da validação do pressuposto de que a aquisição, pela Recorrente, da participação cuja alienação deu origem à menos-valia fiscal deduzida (em metade do seu valor) para efeitos de apuramento do lucro tributável de 2009 da Recorrente ocorreu em 2010 ou posteriormente, o erro subjacente a tal conclusão é o já antes devidamente assinalado: as consequências jurídicas da dissolução da sociedade constituída à luz da lei das Ilhas Virgens Britânicas (nomeada e especialmente, para o que aqui interessa, a transferência da participação por ela detida) não podem ser aferidas à luz do artigo 150° do Código das Sociedades Comerciais e se, como aliás foi comprovado pela Administração Tributária, a Recorrente reflectiu contabilisticamente tais consequências no exercício de 2009 mediante as decisões escritas do administrador único e do accionista único tomadas em tal exercício, reflexo esse adequado à luz da legislação aplicável, a menos-valia deduzida "dizia respeito" ao exercício de 2009, pelo que foi correctamente imputada pela Recorrente a tal exercício.

(o) Em conformidade, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, ao validar a não aceitação da dedução efectuada pela Recorrente para efeitos de apuramento do seu lucro tributável de 2009 relativa a 50% da menos-valia fiscal realizada relativamente à participação que a Recorrente adquirira no processo de dissolução e liquidação de uma sociedade constituída à luz da lei das Ilhas Virgens Britânicas, por si detida, que produziu os seus efeitos relevantes no exercício em causa.

(p) Em 2009 a Recorrente procedeu à reversão, para efeitos contabilísticos, de ajustamentos ao valor de investimentos financeiros que efectuara em exercícios anteriores. Uma vez que os ajustamentos em causa não tinham influenciado negativamente o apuramento do lucro tributável de exercícios anteriores a 2009, ou seja, não tinham sido deduzidos para aqueles efeitos, a Recorrente deduziu o montante respectivo para efeitos de apuramento do lucro tributável de 2009, o ano da reversão, em que se verificou o reflexo positivo na sua situação líquida.

(q) Decidiu-se na sentença recorrida que estamos perante uma variação patrimonial negativa não reflectida no resultado líquido da Recorrente do exercício de 2009, motivo pelo qual é aplicável o artigo 24° do Código do IRC, competindo à Recorrente, em obediência ao artigo referido, que implicitamente remete para a alínea g) do número 1 do artigo 42° do mesmo Código (actual artigo 45°), demonstrar quais as provisões que deram origem à reversão, quais os exercícios em que foram tributadas e quais as condições objectivas que determinaram a reversão.

(r) Mais se decidiu que, estando em causa a reposição de provisões tributadas, são aplicáveis as regras previstas no número 3 do artigo 34° do Código do IRC (actual artigo 35°), que determina uma ordem de reconhecimento dos proveitos do exercício, pelo que a Recorrente deveria ter provado que considerou, em primeiro lugar, as provisões que tivessem sido aceites como custo fiscal no exercício da respectiva constituição, o que não fez, já que se concluiu que os elementos juntos pela Recorrente (as declarações modelo n°22 de IRC dos exercícios relevantes, os mapas de provisões dos exercícios relevantes e o quadro descrevendo as movimentações contabilísticas) não são suficientes para o efeito.

(s) São notórios os erros quanto aos pressupostos de facto e de direito da sentença recorrida, que reflecte também a violação das regras do ónus da prova, dos artigos 13° e 100° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do artigo 99° da Lei Geral Tributária.

(t) É que, e desde logo, não estamos no caso concreto perante uma variação patrimonial negativa à qual seja aplicável o artigo 24° do Código do IRC, já que as variações patrimoniais negativas a que respeita este artigo são as que, não se encontrando reflectidas no resultado líquido do exercício, afectam negativamente o património do sujeito passivo, havendo que as deduzir ao resultado líquido contabilístico para efeitos de apuramento do lucro tributável em obediência ao princípio subjacente ao Código do IRC, nomeadamente no seu artigo 17°, que acolhe o que a doutrina designa por "teoria do balanço".

(u) Ora, do que se tratou no caso concreto foi do apuramento de um proveito contabilístico; porque quando da constituição da provisão em causa o custo contabilístico não tinha sido deduzido para efeitos de IRC, em obediência às normas aplicáveis, a sua não dedução para os mesmos efeitos no exercício de 2009, cujo resultado contabilístico se encontrava -positivamente - por ele afectado implicaria uma dupla tributação que, linearmente, o legislador do IRC não pretendeu.

(v) Não estamos assim perante qualquer variação patrimonial negativa que releve do artigo 24° do Código do IRC, o que não foi sequer invocado pela Administração Tributária.

(w) Da mesma forma, não estamos igualmente perante qualquer "encargo" a que seja aplicável a alínea g) do número 1 do artigo 42° do Código do IRC (actual artigo 45°), já que a Recorrente não suportou qualquer encargo, antes, e é um dado de facto, registou um proveito contabilístico.

(x) O número 3 do artigo 34° do Código do IRC (actual artigo 35°) não contém qualquer referência, expressa ou implícita, a "condições" para efeitos de dedução de provisões que anteriormente não deram a origem a deduções para efeitos de apuramento do lucro tributável.

(y) Não procede assim a decisão recorrida, ao concluir que a Recorrente deveria ter provado que considerou, em primeiro lugar, as provisões que tivessem sido aceites como custo fiscal no exercício da respectiva constituição.

(z) E não procede a decisão recorrida também porque na afirmação quanto à prova que a Recorrente alegadamente deveria ter efectuado e ao sentido da decisão na alegada ausência de tal prova estão implícitos três erros:

(i) O de que competia à Recorrente, e não à Administração Tributária, o ónus da prova quanto às condições alegadamente exigidas pelo número 3 do artigo 34° do Código do IRC (actual artigo 35°) para efeitos da dedução a que a Recorrente procedeu e que tal prova não foi efectuada pela Recorrente, porque os elementos apresentados não eram suficientes para o efeito;

(ii) O de que, na alegada falta da prova efectuada pela Recorrente, podia a Mmª Juiz a quo abster-se de determinar a realização das diligências probatórias que, afinal, vem indicar na sentença recorrida seriam as adequadas para o efeito;

(iii) O de que face às dúvidas manifestadas, a decisão no sentido da improcedência da impugnação é válida.

(aa) Com efeito:

(i) Não se demonstrou que as declarações da Recorrente não são verdadeiras, beneficiando a Recorrente, além do mais, da presunção de veracidade contemplada no artigo 75° da Lei Geral Tributária. Por outro lado, a Administração Tributária limitou-se a não aceitar a dedução efectuada pela Recorrente, sem aportar qualquer elemento que (sequer vagamente) legitime a sua posição, pelo que não provou os pressupostos que legitimam a sua actuação, nos termos do artigo 74° da Lei Geral Tributária, impondo-se, sem necessidade de ulterior actividade probatória por parte da Recorrente (que aliás se verificou), uma decisão a seu favor.

(ii) Ao concluir implicitamente que, perante a produção de prova que expressamente considerou insuficiente, não lhe competia ordenar diligências adicionais (nomeadamente a cargo da Recorrente) destinadas a provar a "veracidade", a "origem" e as "causas de apuramento", nomeadamente através de "documentos de suporte e registos" (tudo nas palavras da Mmª Juiz a quo), da dedução efectuada pela Recorrente, a Mmª Juiz a quo demitiu-se de desempenhar adequadamente o seu papel no processo, que não se limita à apreciação dos elementos de facto ou de direito que lhe são submetidos pelas partes, mas, nos termos do artigo 13° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a obrigava a "realizar ou ordenar todas as diligências que [considerasse] úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que [lhe era] lícito conhecer" ou, nos termos equivalentes previstos no artigo 99° da Lei Geral Tributária, "realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe [afigurassem] úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente [podia] conhecer."

Em conformidade, ainda que competisse à Recorrente produzir a prova que na sentença recorrida se vem considerar seria adequada, deveria a produção de tal prova ter sido oficiosamente promovida pela Mmª Juiz a quo, pelo que deverão os presentes autos baixar ao tribunal a quo para o efeito.

(iii) À cautela e sem conceder, sendo notório que na situação em análise a Administração Tributária teve dúvidas - e afirmou-o - sobre o facto tributário, dúvidas essas nas quais é secundada pela Mmª Juiz a quo, tais dúvidas não poderiam ter sido valoradas em desfavor da Recorrente, em obediência ao artigo 100° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pelo que também por este motivo a sentença recorrida enferma de erro quanto aos pressupostos de facto e de direito em que assenta.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deve o presente recurso ser dado como procedente, por provado e, em consequência, declarando-se a nulidade acima invocada, com as legais consequências.

Subsidiariamente, devem os presentes autos baixar ao tribunal a quo para efeitos de serem ordenadas as diligências probatórias consideradas adequadas, com as legais consequências».



A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.


Neste Tribunal Central Administrativo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu douto parecer, defendendo a improcedência do recurso.


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se:

i) O Tribunal a quo violou o princípio do inquisitório, não promovendo as necessárias diligências instrutórias para a decisão da causa;

ii) O Tribunal a quo errou no julgamento de facto e de direito ao ter considerado aplicável no caso o disposto no art. 150.º do CSC e não o regime jurídico das Ilhas Virgens Britânicas;

iii) O Tribunal a quo errou ao não ter considerado as menos-valias fiscais deduzidas como efectivamente incorridas; e se

iv) O Tribunal a quo errou ao ter julgado as correcções impugnadas como validamente efectuadas.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa:

A) A impugnante é uma sociedade com sede em Portugal e tem por objecto social a compra e venda de imóveis, promoção e empreendimentos turísticos e imobiliários, arrendamento e exploração de imóveis (cfr. fls. 6 verso e ss do Processo Administrativo, e fls. 20 dos autos).

B) A Impugnante detinha uma participação de 100% na sociedade "A…… S.A.", com sede nas Ilhas Virgens Britânicas (cfr. relatório de inspecção a fls. 16 e ss dos autos).

C) No dia 12/05/2009, o Conselho de Administração da Impugnante deliberou, na qualidade de sócio único, a dissolução e liquidação da sociedade "A…….. S.A.", bem como a transferência para a Impugnante da totalidade dos seus activos e passivos, onde se incluía a participação social na sociedade Luanda ………………, correspondente a 2500 acções representativas de 50% do capital social (cfr. fls.26 e 27 verso do Processo Administrativo).

D) A execução da deliberação referente à transferência das participações da Luanda …………….. para a Impugnante, concretizou-se mediante escritura pública outorgada em 25/01/2010 (cfr. fls. 27 do Processo Administrativo).

E) A dissolução da sociedade "A ……… S.A." ocorreu em 29/01/2010 (cfr. documentos de fls. 28 verso e 29 do Processo Administrativo).

F) A impugnante foi objecto de uma acção de inspecção externa, em sede de IRC, no âmbito da qual foram efectuadas correcções à matéria colectável, de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal, ao exercício de 2009, no montante de 6.156.911,65€, sendo o montante de 5.860.434,03€ respeitante a menos-valias fiscais na alienação de partes de capital e 296.477,62€ referente a reversão de ajustamentos de valores de activos tributados (cfr. relatório de inspecção de fls. 5 verso e ss do Processo Administrativo).

G) As correcções mencionadas na alínea anterior foram efectuadas com o seguinte fundamento, que aqui se transcreve na parte com interesse para a decisão (cfr. relatório de inspecção tributária a fls. 4 e ss do Processo Administrativo, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzidos para efeitos legais):

" II.3.2 Estrutura accionista e relações especiais

II.3.2.1

Accionistas

O capital social da sociedade M………. B….. Imobiliária, S.A, em 31 de Dezembro de 2009, ascendia a € 50.000 (na sequência da redução de capital social ocorrida em 26 de Dezembro de 2008), sendo o mesmo representado por 50.000 acções de valor nominal de € 1,00 cada, encontrando-se totalmente realizado.

Em cumprimento do disposto nos artº447° e 448° do Código das Sociedades Comerciais, o capital social da sociedade encontrava-se assim repartido:

(...)

II.3.2.2

Participações financeiras

A M………. B….. Imobiliária, S.A, S.A deixou de revelar contabilisticamente a participação de 100% (€ 312.919.235,00) que detinha na A………….., S.A, localizada nas Ilhas Virgens Britânicas, após deliberação tomada em Conselho de Administração da M………. b… Imobiliária, S.A, em 2009-05-12. No entanto, a dissolução daquela sociedade apenas ocorreu em 2010-01-29, pelo que, considera-se a existência daquela participação a 31 de Dezembro de 2009.

II.3.3 Enquadramento fiscal

II.3.3.1 Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas

A sociedade M………. B….. Imobiliária, S.A, S.A encontra-se registada, para efeitos fiscais, na área do Serviço de Finanças - Lisboa 10, pelo exercício das actividades de "arrendamento de bens imobiliários", encontrando-se sujeita ao regime geral do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.

II.3.3.2 Imposto sobre o Valor Acrescentado

Relativamente ao IVA, no exercício de 2009, o sujeito passivo encontrava-se enquadrado no regime normal com periodicidade trimestral.

III Descrição dos factos e fundamentos das correcções

III.1 Correcções ao lucro tributável

III.1.1 Menos-valias fiscais na alienação de partes de capital € 5.860.434,03 [n°1 do art.18°, alínea c) do n°1 do art.42° e n°1 do art. 75°, todos do CIRC]

Em 2009-05-12, foi aprovada, em Conselho de Administração da M………. B….. Imobiliária, S.A, por deliberação do sócio único, a dissolução e liquidação da sociedade A………., S.A, localizada nas Ilhas Virgens Britânicas, tal como previsto na alínea b) do n°1 do art.141° do CSC. Nesta assembleia, foi ainda aprovada a transferência para a M………. B….. Imobiliária, S.A, da totalidade dos activos e passivos detidos por aquela, nos termos do n°1 do art. 148° do CSC, a saber:

(i) a participação social na sociedade Luanda ………………,

correspondente a 2.500 acções representativas de 50% do capital social;

(ii) a participação social na sociedade de direito angolano Baía ………. -Promoção, ………………….., S.AR.L., correspondente a 748.800 acções, representativas de 39% do respectivo capital social. Como demonstram os documentos apresentados pelo sujeito passivo, na resposta ao pedido de elementos n°2 (Documento 1), embora a transferência dos activos e passivos se tenha operado contabilisticamente em 2009-09-01, através da DV80005900, a dissolução da A……….., S.A apenas se concretizou em 2010-01-29, conforme comprova o certificado de dissolução emitido nesta data pelo Registrar of Corporate Affairs, das Ilhas Virgens Britânicas e a carta dirigida pelo B……. ao Departamento de Supervisão Bancária do Banco de Portugal.

Refira-se também que foi solicitada a escritura de dissolução e a acta de aprovação de contas na data de encerramento da liquidação da A………., S.A3, tendo o sujeito passivo apresentado as decisões escritas do administrador único e do accionista único, datadas de 2009-05-13 e 2009-12-17,respectivamente, e ainda o plano de liquidação daquela sociedade emitido em 2009-12-17. Neste plano, os directores da Comercial Imobiliária, S.A indicam como prazo estimado de dissolução e liquidação da sociedade aproximadamente 21 dias.

Em resposta ao ponto 1 daquela notificação, o sujeito passivo exibiu ainda o "comprovativo do registo da dissolução na British Virgin Islands Financial Services Commission", a que corresponde a comunicação àquela entidade da nomeação do liquidatário e do pagamento da taxa de depósito no valor de US$ 75,00.

Relativamente à acta de aprovação de contas na data de encerramento da liquidação, o sujeito passivo indica que "a última acta de aprovação de contas da A…. refere-se às demonstrações financeiras em 30 de Abril de 2009", apresentando como comprovativo a decisão escrita do administrador único, onde é referido que foram aprovadas as demonstrações financeiras referentes ao período terminado em 30 de Abril de 2009. No entanto, em resposta ao ponto 3.4 da notificação, vem ainda o sujeito passivo apresentar as demonstrações financeiras da A…….., S.A. datadas de 31 de Agosto de 2009, referindo que se tratam das demonstrações financeiras utilizadas para efeitos de consolidação de contas, à data da liquidação.

Em relação às demonstrações financeiras daquela sociedade na data efectiva da dissolução (2010-01-29) e na posterior data de liquidação, nada mais foi referido ou apresentado.

Ora, tal como prevê o nº1 do art°150°do CSC, a liquidação deve estar encerrada e a partilha aprovada no prazo de dois anos a contar da data em que a sociedade se considera dissolvida, sem prejuízo de prazo inferior convencionado no contrato ou fixado por deliberação de sócios. Por conseguinte, a liquidação da sociedade e a consequente partilha só poderiam ocorrer após a de dissolução ou em simultâneo.

De acordo com o preconizado no n°1 do art.°75° do CIRC, o valor atribuído aos sócios em resultado da partilha, abatido do preço de aquisição das correspondentes partes sociais, é englobado para efeitos de tributação, no exercício em que for posto à sua disposição, o que ocorre na data de fecho da liquidação.

Assim, ainda que o sujeito passivo tenha antecipado o resultado contabilístico da partilha para o exercício de 2009, o mesmo não será aceite para efeitos fiscais, uma vez que, nos termos do nº1 do art°18° do CIRC, aquele resultado terá que ser imputado ao exercício a que os custos e proveitos digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, o que, no caso em concreto, corresponde ao exercício da liquidação da A………., S.A., cuja d nunca poderá ser anterior à data de dissolução daquela sociedade. Desta forma, dado o sujeito passivo ter contabilizado em 2009-09-01, em resultado daquela operação, o montante de € 79.175.478,094 na conta "79411 -Proveitos e Ganhos Extraordinários - Ganhos em Imobilizações - Alienação de Investimentos Financeiros - Valor de Realização", o mesmo será desconsiderado para efeitos fiscais. No entanto, esta dedução encontra-se compensada pela menos-valia contabilística" deduzida pelo sujeito passivo ao lucro tributável, no âmbito do apuramento do resultado da partilha, ainda que extemporânea em relação à data da partilha.

Face ao exposto, dado que a liquidação e partilha da A………..só se concretizou em 2010, ou em data posterior, a transferência dos activos e passivos daquela sociedade, nomeadamente das acções da Luanda …………… e da Baía ………… para a posse da M………. B….. Imobiliária, S.A, não poderia ter ocorrido antes daquela data, nem tão pouco, as respectivas acções poderiam ter sido transmitidas por esta sociedade a terceiros no exercício de 2009. Efectivamente, conforme se constata pelos contratos que servem de prova às operações de compra e venda de acções da Luanda ………… celebrados em Setembro de 2009, a sociedade M………. B….. Imobiliária, S.A não consta como interveniente em nenhum deles. Nos contratos de venda apenas é referido que o comprador tem conhecimento e concorda com a possível substituição do vendedor, no caso a A………, S.A, por quem lhe suceder". Porém, essa substituição não ocorreu no exercício de 2009, pelo que, todas as operações em causa consideram-se efectuadas pela A………….., S.A, detentora, à data, das acções da Luanda ………….

Ainda assim, as referidas operações, juntamente com a liquidação da A……….., foram reveladas na contabilidade da M………. B….. Imobiliária, S.A no exercício de 2009, tendo o sujeito passivo apurado os seguintes resultados contabilísticos e fiscais: (...)

Relativamente às operações de venda das acções da Luanda ………, verifica-se o apuramento de uma menos-valia contabilística de €295.476,38 e uma menos-valia fiscal de € 11.720.868,05. Dado que a primeira não revela para efeitos fiscais, foi acrescida ao lucro tributável pelo sujeito passivo, sendo a menos-valia fiscal deduzida em 50% nos termos do n°3 do art.42° do CIRC. Ora, neste caso, os encargos apurados, no montante de € 5.860.434,03, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, por incidirem sobre a A………….., S.A, num momento em que não estava ainda o sujeito passivo legalmente autorizado a suportá-los, conforme determina alínea c) do n°1 do art. 42.0 do CIRC.

Refira-se também que o aumento de capital da Luanda …………., cuja a operação o M………. B….. ………….. S.A fez igualmente repercutir na sua contabilidade em Setembro de 2009, apenas ocorreu em Junho de 2010, conforme documento apresentado pelo sujeito passivo em resposta ao ponto 5 do pedido de elementos nº1 (anexo 2), o que não se mostra consentâneo com o princípio da especialização dos exercícios previsto no nº1 do art.18° do CIRC. No entanto, esta operação, por não ter gerado qualquer resultado contabilístico, não será objecto de correcção para efeitos fiscais.

Face ao exposto, corrige-se ao lucro tributável, nos termos do nº1 do art°18°, da alínea c) do n°1 do art.42° e do n°1 do art.75°, todos do CIRC, o montante de € 5.860.434,03, correspondente a 50% da menos-valia fiscal, indevidamente deduzida pelo sujeito passo relativamente às operações de alienação das acções da Luanda …………, as quais, no exercício em análise, não configuram um encargo do M………. B….. Imobiliária, S.A mas sim da A………, S.A

III.1.2 Reversão de ajustamentos de valores de activos tributados

€ 296.477,62 [n°3 do art.34° e alínea g) do nº1 do art.42°, ambos do CIRC)

O sujeito passivo contabilizou na conta "7882 - Proveitos e Ganhos Financeiros - Reversões de Ajustamentos de Investimentos Financeiros" o montante de € 296.477,62, que deduziu ao lucro tributável, no campo 272 do quadro 07, a título de reversões de ajustamentos de valores de activos tributados.

A fim de averiguar a dedutibilidade fiscal do proveito em causa, foi solicitado ao sujeito passivo? que demonstrasse quais os activos anteriormente tributados que deram origem a esta reversão, ao qual, o sujeito passivo respondeu, sem demonstrar, que "o montante de € 296.477,62 (…) respeita a reposição de provisões tributadas, registadas na conta 7882 - Reversões de ajustamentos de investimentos financeiros."

Ora, nesta medida, o sujeito passivo não comprovou quais as provisões que deram origem à actual reversão, o(s) exercício(s) em que foram tributadas, nem, tão pouco, as condições objectivas que determinaram a reversão daqueles ajustamentos, nos termos do n°3 do art. 34.0 do CIRC.

Assim, nos termos da alínea g) do n°1 do art. 42° do CIRC, as reversões dos ajustamentos em causa, no montante de €296.477,62, não são dedutíveis para efeitos da determinação do tributável por não se encontrarem devidamente documentadas e por não terem sido demonstradas as condições a que alude o n°3 do art.34° do CIRC.

(…)”.

H) Na sequência das correcções efectuadas, em 21/12/2011, foi emitida a liquidação de IRC n.°………………., no montante de 12.299,17€, referente ao exercício de 2009, compensação n°…………….. (cfr. documento de fls. 30 dos autos).

I) A Impugnação foi apresentada junto do Tribunal Tributário de Lisboa em 03/04/2012 (cfr. fls. 2 dos autos).

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso.

Não resulta provado nos autos, relativamente à correcção de reversão de ajustamentos de valores de activos tributados, quais as provisões que deram origem à essas reversões que foram deduzidas ao lucro tributável, qual a sua origem e natureza, quais os exercícios em que foram tributadas e quais as condições objectivas que determinaram a reversão daqueles ajustamentos. A convicção do tribunal nesta matéria resulta da ausência de prova adequada e suficiente, designadamente prova documental, pois a prova apresentada pela Impugnante (declarações modelo 22 e mapa de provisões) são insuficientes, por apenas provarem os valores que lá estão inscritos, mas não provam a veracidade dos mesmos, a sua origem, e causas de apuramento.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.



II.2. De direito

A Recorrente interpõe recurso da decisão da Mma. Juiz do TT de Lisboa que, no âmbito do processo de impugnação judicial deduzido relativamente ao acto de liquidação de IRC relativo ao exercício de 2009, o julgou improcedente.

Comecemos por apreciar a suscitada nulidade da sentença por violação do princípio do inquisitório, com fundamento no facto de a Mma. Juiz não ter realizado ou ordenado oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurassem úteis para conhecer dos factos alegados.

Desde já se esclareça, porém, que o apontado vício não é susceptível de gerar a nulidade da sentença. A falta de realização oficiosa das diligências instrutórias úteis para o conhecimento dos factos alegados ou de factos susceptíveis de serem conhecidos também oficiosamente constitui um erro de julgamento e não uma omissão de pronúncia (porventura a causa de nulidade que vem imputada no recurso), porquanto se traduz numa errada não aplicação do preceito legal que afinal a impõe.

Estabelecido que está esta premissa, vejamos o que vem alegado neste ponto:

Ao concluir implicitamente que, perante a produção de prova que expressamente considerou insuficiente, não lhe competia ordenar diligências adicionais (nomeadamente a cargo da Recorrente) destinadas a provar a “veracidade”, a “origem” e as “causas de apuramento”, nomeadamente através de “documentos de suporte e registos” (tudo nas palavras da Mm.ª Juiz a quo), da dedução efectuada pela Recorrente, a Mm.ª Juiz a quo demitiu-se de desempenhar adequadamente o seu papel no processo, que não se limita à apreciação dos elementos de facto ou de direito que lhe são submetidos pelas partes, mas, nos termos do artigo 13.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a obrigava a “realizar ou ordenar todas as diligências que [considerasse] úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que [lhe era] lícito conhecer” ou, nos termos equivalentes previstos no artigo 99.º da Lei Geral Tributária, “realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe [afigurassem] úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente [podia] conhecer.”

Em conformidade, ainda que competisse à Recorrente produzir a prova que na sentença recorrida se vem considerar seria adequada, deveria a produção de tal prova ter sido oficiosamente promovida pela Mm.ª Juiz a quo, pelo que deverão os presentes autos baixar ao tribunal a quo para o efeito.

A propósito da oficiosidade da investigação probatória, referem Diogo Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge de Sousa (cfr. Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada, 4.ª ed., 2012, p. 859) o seguinte: (1)

Afirma-se, sem margem para dúvidas, o princípio do inquisitório pleno do tribunal tributário no domínio do processo tributário. // Como agora é expressamente precisado, a oficiosidade da investigação probatória só poderá respeitar aos factos que as partes alegaram no uso do seu direito de autonomia da vontade e do ónus de alegação dele decorrente ou aos factos cujo conhecimento esteja também oficiosamente permitido (caducidade do direito de impugnar, prescrição da dívida tributária, factos notórios, factos conhecidos por virtude do exercício das suas funções, por exemplo - arts. 333-º do C. Civil, 259.º do CPT e 514.º do CPC).”

Como se afirmou no acórdão do STA de 5.04.2000, proferido no recurso n.º 24713: “No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório, o que significa que o juiz não só pode, como também deve, realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade. Ou como se sumariou, i.a., no acórdão deste TCA Sul de 20.11.2012, proc. n.º 5898/12: “O princípio da investigação traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir. Este princípio somente é vigente no processo judicial tributário (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário).” De igual modo se concluiu no acórdão deste TCAS de 31.01.2012, proc. n.º 4966/11: “Tendo em vista a concretização dos princípios do inquisitório/investigação e da descoberta da verdade material (cfr.artºs.13, nº.1, 113, nº.1, e 114, do C.P.P.T.; artº.99, da L.G.T.) incumbe ao juiz a direcção do processo e a realização de todas as diligências que, de acordo com um critério objectivo, considere úteis ao apuramento da verdade, não decorrendo da conjugação dos artºs.13 e 114, do C. P. P. Tributário, que o juiz esteja obrigado à realização de todas as diligências que sejam requeridas pelas partes, antes de tais preceitos decorrendo o dever de realizar aquelas que o Tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade”.

Vejamos o que sobre a matéria aqui em causa se disse na sentença recorrida:

“(…) a Impugnante entende ter demonstrado a razão que lhe assiste na dedução que procedeu para o apuramento do seu lucro tributável de 2009, juntando declarações modelo 22 e mapas de provisão.

Sucede que, tais documentos são manifestamente insuficientes para que se possa concluir que as reposições em causa estão devidamente documentadas (art. 42°, n°1, al. g) do CIRC) e que foi respeitado o disposto no art.34°, n°3 do CIRC.

Na verdade, das declarações modelo 22 juntas pela Impugnante resulta tão-somente valores que declarou, e dos mapas apresentados resulta cálculos efectuados pela Impugnante. Ou seja, da documentação junta pela Impugnante não se pode extrair a conclusão de adequada documentação das operações, pois importa antes demonstrar a natureza das operações, através dos respectivos documentos de suporte, extractos de contas e outros.

Não tendo sido apresentados os documentos de suporte a tais declarações e aos mapas apresentados de modo a que se pudesse aferir quais as provisões que deram origem às reversões que foram deduzidas ao lucro tributável, quais os exercícios em que foram tributadas e quais as condições objectivas que determinaram a reversão daqueles ajustamentos, tal como se fundamentou no relatório de inspecção, não se poderá concluir, como pretende a Impugnante, pela ilegalidade da correcção.

(…).”

Sendo que a Mma. Juiz a quo exarou na motivação da decisão da matéria de facto que: “Não resulta provado nos autos, relativamente à correcção de reversão de ajustamentos de valores de activos tributados, quais as provisões que deram origem à essas reversões que foram deduzidas ao lucro tributável, qual a sua origem e natureza, quais os exercícios em que foram tributadas e quais as condições objectivas que determinaram a reversão daqueles ajustamentos. A convicção do tribunal nesta matéria resulta da ausência de prova adequada e suficiente, designadamente prova documental, pois a prova apresentada pela Impugnante (declarações modelo 22 e mapa de provisões) são insuficientes, por apenas provarem os valores que lá estão inscritos, mas não provam a veracidade dos mesmos, a sua origem, e causas de apuramento.[sublinhado nosso]”

Ora, decorre assim da sentença recorrida que o Tribunal a quo não deixou de valorar os elementos de prova carreados para os autos, entendendo, porém, que os mesmos não eram hábeis a dar como provados os factos de referência alegados pela Impugnante e ora Recorrente. De igual modo não resulta que a Mma. Juiz a quo tivesse indeferido qualquer requerimento probatório, nem que tivesse desconsiderado elementos de prova. Ou seja, não deixou de ser produzida prova sobre os factos alegados; a prova produzida é que foi insuficiente e daí a resposta dada sobre a matéria de facto. A senhora juiz a quo analisou e ponderou, quer em sede da factualidade provada quer da não provada, os elementos recolhidos pela AF e os carreados pela ora Recorrente, tendo concluído que estes não efectuaram a prova que lhes competia. (2)

Se é certo que, como referido, o princípio do inquisitório, que enforma o processo tributário, impõe que o juiz realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade (cf. artigos 99.º, n.º 1, da LGT e 13.º, n.º 1, do CPPT), tal não tem o alcance de fazer com que o juiz se substitua às partes no cumprimento do seu ónus alegatório e de prova. Com efeito, como refere António Lima Guerreiro “o princípio do inquisitório não pode ser entendido em termos maximalistas, mas tem de ser conjugado com o princípio do pedido e o próprio ónus de alegação dos factos, que são condições da eficácia do processo. Não tem o juiz, pois, a liberdade de investigação de todos os factos que entender, protelando injustificadamente a decisão do processo. A descoberta da verdade material deve ser conjugada com os princípios da eficiência e racionalidade do processo tributário” (cfr. Lei Geral Tributária Anotada, p. 413).

Ou seja, não é pelo facto de vigorar, em geral, no direito tributário, o princípio do inquisitório, que sai obliterado o princípio de que o ónus probatório impende sobre o interessado, que deverá alegar e provar a factualidade atinente aos factos constitutivos do direito que invoca, para mais quando se trate de factos pessoais ou que estão no seu domínio, para os quais ninguém se encontra melhor colocado para o fazer do que o próprio contribuinte.

E para prova da alegada dedução efectuada pela ora Recorrente, não pode senão entender-se que os eventuais elementos existentes, que permitiriam inequivocamente concluir que assim o era, poderiam ter sido por si fornecidos, não tendo igualmente sido fornecidos no recurso interposto, razão pela qual se mostra infundada a alegada violação do princípio do inquisitório, pois que ninguém melhor que o contribuinte – no caso a Recorrente – estaria em condições de, não só identificar, como fornecer tais elementos.

Para além de que, como salientado pelo Ministério Público no seu parecer, a Recorrente não refere quais as diligências concretas que deveriam ter sido efectuadas em complemento da prova produzida, olvidando que não compete ao juiz estar a suprir eventuais insuficiências da petição inicial no tocante à prova de determinados factos que não foram alegados. Com efeito, com a p.i. de impugnação nenhuma outra prova vem requerida ou protestada juntar, para além dos documentos que foram juntos e valorados pelo tribunal, sendo que notificada para alegações em 1.ª Instância a Recorrente nada mais disse no que aos elementos de prova se refere. Nem agora em sede de recurso a Recorrente identifica sequer uma única diligência de prova susceptível de levar a decisão diversa da alcançada pelo tribunal a quo; decisão essa que encontra, de resto, plena justificação por aplicação das regras gerais do ónus da prova.

Pelo que não pode o recurso proceder nesta parte.

Por fim, no que a esta matéria ainda se relaciona, contrariamente ao afirmado pela Recorrente, não se detecta que ao Tribunal Tributário de Lisboa tenham surgido quaisquer dúvidas acerca da existência do facto tributário impugnado, o que, só por si, afasta o (subsidiariamente) pretendido recurso ao disposto no art. 100.º do CPPT. Não logra, portanto e sem ulteriores considerações por desnecessárias, proceder a conclusão (aa), (iii) do recurso, improcedendo, de igual modo, o mesmo neste ponto.

Continuando, pretende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao não ter considerado que a sua lei pessoal era a lei das Ilhas Virgens Britânicas e não a lei portuguesa, com todas as consequências daí decorrentes (conclusões a) a i) do recurso).

Neste capítulo escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:

Invoca a Impugnante que é inaplicável o art.150° do CSC, mas o regime jurídico das Ilhas Virgens Britânicas, e que ao abrigo dessas disposições encontra-se legitimada a actuação da Impugnante.

No entanto não lhe assiste razão.

Na verdade, as normas de direito aplicáveis em Portugal, em matéria de tributação dos rendimentos das pessoas colectivas são as consagradas no Código do IRC, de acordo com as regras de incidência previstas no art.1° e 2° desse código. Assim, a Impugnante é um sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto na alínea a) do n° 1 art.2° do CIRC, porquanto tem sede em território português, e exerce uma actividade de natureza comercial.

O direito das Ilhas Virgens Britânicas não poderá ser invocado em Portugal com o propósito de afastamento das regras do CIRC. Para efeitos de apuramento do imposto que é devido em Portugal, vigoram as regras constantes no Código do IRC que apenas poderão ser afastadas se contrárias à Constituição da República Portuguesa, ou ao Direito Europeu.

In casu, está em causa o registo contabilístico e tratamento fiscal de uma operação que envolve uma empresa que não tem sede em Portugal, mas tal facto, não implica, em absoluto que se tenha de recorrer ao direito das Ilhas Virgens para determinar o tratamento contabilístico a dar à operação, existem normas de direito português, designadamente o art.150° do Código das Sociedades Comerciais (CSC), que deve ser aplicado para efeitos do apuramento do IRC que é devido.

Na verdade, o art.150° do CSC foi invocado pela AT para determinar os conceitos jurídicos de liquidação e partilha previstos no art. 75° do CIRC, em plena obediência ao disposto no n°2 art.11° da LGT que em matéria de interpretação das normas fiscais determina que "[s]empre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei".

Considerando que os termos a interpretar são o de liquidação e partilha, andou bem a AT ao interpreta-los de acordo com o sentido que eles têm no direito comercial, designadamente, o vertido no artº150° do CSC.

Acresce que, não estamos perante qualquer conflito de leis para que a Impugnante possa invocar a aplicação do direito das Ilhas Virgens ao abrigo do disposto no art.33° do Código Civil. Com efeito, in casu, estamos perante uma relação jurídica fiscal em que o sujeito, objecto e facto jurídico têm conexão com o ordenamento jurídico português, e nessa medida estamos perante uma relação jurídica fiscal de direito interno, aplicando-se as regras do direito português.

Conforme resulta da documentação junta ao processo administrativo e que serviu de base à correcção ora em causa, resulta provado que a liquidação e partilha da sociedade participada pela Impugnante só se concretizou em 2010.

Ora, se a Impugnante procedeu ao registo contabilístico de encargos das operações de alienação de acções antecipando o resultado contabilístico para o exercício de 2009, cabe à AT, subsumir tal facto às regras jurídicas do CIRC, e nessa medida, face ao disposto no artº150° do CSC a liquidação da sociedade participada e consequente partilha só poderiam ocorrer após a data da dissolução ou simultâneo, que ocorreu em 2010, assim, não poderá ser aceite o custo contabilizado em 2009 em obediência ao princípio da especialização dos exercícios (art. 18°, n°1 do CIRC).

Por conseguinte, nesta parte improcede o invocado pela Impugnante.

A Recorrente invoca a anulação da liquidação, respeitante à correcção de menos-valias na alienação de parte de capital, por não ser aplicável o disposto no artigo 150.º do Código das Sociedades Comerciais, nem a alínea c) do n.º 1 do artigo 42.º (actual 45º) do CIRC mas antes, o regime jurídico das ilhas Virgens Britânicas.

Ao invés, conforme resulta do relatório de inspecção, a correcção efectuada assentou, em síntese, no entendimento de que a Impugnante e ora Recorrente deduziu ao lucro tributável do exercício de 2009, 50% da menos-valia fiscal decorrente da alienação das acções da "Luanda W……………….", que não lhe pertenciam nesse exercício, porquanto as partes sociais apenas poderiam ter sido adquiridas no âmbito da liquidação da sociedade "A…………., S.A." ocorrida após, ou em simultâneo, à dissolução da sociedade, que apenas se concretizou em 29/01/2010. Por conseguinte, nos termos do disposto no art.150.°, n.° 1 do CSC, art.75.°, n.° 1 e art. 18.°, e art. 42.°, n.° 1 al. c) do CIRC, a antecipação do resultado contabilístico da partilha para o exercício de 2009 não podia ser aceite como custo fiscal.

E em face do que vem provado, nomeadamente em A) a G), terá efectivamente que aplicar-se o disposto no art. 2.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, nos termos do qual são sujeitos passivos do IRC as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado, com sede ou direcção efectiva em território português. No caso, tal como evidenciado pelo Ministério Público no seu parecer, o sujeito da inspecção tributária – a ora Recorrente – é uma sociedade com sede em Portugal e que detêm uma participação de 100% numa sociedade com sede nas Ilhas Virgens Britânicas. E como se disse na sentença recorrida – e bem – “o direito das Ilhas Virgens Britânicas não poderá ser invocado em Portugal com o propósito de afastamento das regras do CIRC. Para efeitos de apuramento do imposto que é devido em Portugal, vigoram as regras constantes no Código do IRC que apenas poderão ser afastadas se contrárias à Constituição da República Portuguesa, ou ao Direito Europeu.

Acresce que, salvo o devido respeito, não cumpre trazer à colação o art. 33.º do C.Civil, o qual consubstancia uma norma de resolução de conflitos, dado que a situação em apreço configura uma relação jurídica puramente interna, não havendo, portanto, qualquer conflito de leis a dirimir. Tal como se esclareceu devidamente na sentença recorrida: “(…) resulta provado que a liquidação e partilha da sociedade participada pela Impugnante só se concretizou em 2010. // Ora, se a Impugnante procedeu ao registo contabilístico de encargos das operações de alienação de acções antecipando o resultado contabilístico para o exercício de 2009, cabe à AT, subsumir tal facto às regras jurídicas do CIRC, e nessa medida, face ao disposto no artº 150° do CSC a liquidação da sociedade participada e consequente partilha só poderiam ocorrer após a data da dissolução ou simultâneo, que ocorreu em 2010, assim, não poderá ser aceite o custo contabilizado em 2009 em obediência ao princípio da especialização dos exercícios (art. 18°, n°1 do CIRC).

Deste modo, permanece válida a conclusão alcançada pelo Tribunal a quo, improcedendo o recurso nesta parte.

Conclui ainda a Recorrente que no que tange à correcção efectuada, referente ao ajustamento de valores de activos tributados, o Tribunal a quo incorreu em erro nos pressupostos de facto e de direito na decisão. Alega que “não estamos no caso concreto perante uma variação patrimonial negativa à qual seja aplicável o artigo 24.º do Código do IRC, já que as variações patrimoniais negativas a que respeita este artigo são as que, não se encontrando reflectidas no resultado líquido do exercício, afectam negativamente o património do sujeito passivo, havendo que as deduzir ao resultado líquido contabilístico para efeitos de apuramento do lucro tributável em obediência ao princípio subjacente ao Código do IRC, nomeadamente no seu artigo 17.º, que acolhe o que a doutrina designa por “teoria do balanço”; e que “do que se tratou no caso concreto foi do apuramento de um proveito contabilístico; porque quando da constituição da provisão em causa o custo contabilístico não tinha sido deduzido para efeitos de IRC” (em particular as conclusões t) e u) do recurso).

Neste capítulo escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:

"Invoca a Impugnante erro sobre os pressupostos de direito, porquanto trata-se de proveitos e nessa medida não se aplica o disposto na alínea g) do n°1 do art.42° do CIRC, que diz respeito a encargos, nem o art.34°, n°3 do CIRC prevê quaisquer condições a demonstrar para efeitos de apuramento do lucro tributável.

Sucede que não se verifica qualquer erro sobre os pressupostos de direito.

Fundamental neste caso é não olvidar que a operação em causa é uma reversão de ajustamentos de valores activos tributados, ou seja, trata-se de uma dedução ao lucro tributável de montantes anteriormente tributados e que não deveriam ter sido, permitindo-se ao contribuinte reverter a situação de tributação anterior ao deduzir o montante num exercício posterior.

A reversão de ajustamentos de valores activos tributados são dedutíveis ao lucro tributável no quadro 7, campo 272 da declaração de IRC (Modelo 22), e portanto, trata-se de uma variação patrimonial negativa nos termos do disposto no art.24° do CIRC (valor que afecta negativamente o lucro tributável, e nessa medida deve ser deduzido).

Nos termos do disposto no art.24° do CIRC as variações patrimoniais negativas concorrem para a formação do lucro tributável "[n]as mesmas condições referidas para os custos ou perdas". Dito de outro modo, as variações patrimoniais negativas como as que estão em causa nos presentes autos devem ser consideradas no apuramento do lucro tributável de acordo com as mesmas regras aplicáveis aos custos ou perdas.

Deste modo, não assiste razão à Impugnante quando refere que, in casu, não se aplica o disposto no art.42°, n°1 al. g), por ser uma norma aplicável aos encargos e custos. Por força do disposto no artº24° nº1 do CIRC aquele preceito legal aplica-se a todas as variações patrimoniais negativas, inclusive às reversões de ajustamentos de valores de activos tributados.

Assim sendo, e considerando que, in casu, estamos perante uma variação patrimonial negativa (reversão de ajustamentos de valores activos tributados), estas só podem concorrer para a formação do lucro tributável (ou seja, só podem ser deduzidas ao lucro tributável) quando respeitem as condições estabelecidas para os custos e perdas, sendo que, uma dessas condições é que devem ser devidamente documentadas - cfr. alínea g) do n°1 do art.42° do CIRC.

Cumpria então, à Impugnante, demonstrar quais as provisões que deram origem às reversões que foram deduzidas ao lucro tributável, quais os exercícios em que foram tributadas e quais as condições objectivas que determinaram a reversão daqueles ajustamentos, tal como se fundamentou no relatório de inspecção. Não o tendo feito, andou bem a AT ao não aceitar a dedução ao lucro tributável do montante de 296.477,62€, nos termos do disposto no art. 42°, n°1, al. g) do CIRC.

De igual modo, não se verifica qualquer erro sobre os pressupostos de direito relativamente ao art.34°, n°3 do CIRC.

Subjacente aos valores deduzidos ao lucro tributável em causa nos presentes autos (segundo o que a própria Impugnante esclareceu à AT) está a reposição de provisões tributadas. Significa então, que a Impugnante pretende deduzir no exercício de 2009 montantes respeitantes a reposição de provisões que foram considerados em exercícios anteriores como proveitos, e nessa medida, já foram tributados.

Neste contexto, a AT faz apelo às regras aplicáveis às reposições de provisões previstas no n°3 do art.34° do CIRC, ínsito a este preceito legal está uma ordem de reconhecimento de proveitos do exercício, o que significa que a Impugnante, querendo deduzir ao lucro tributável os valores em causa nos autos, a título de reposição de provisões, deveria ter provado que considerou, em primeiro lugar, como proveitos, "aquelas que tenham sido custo fiscal no exercício da respectiva constituição", tal como estatui aquele preceito legal.

Por conseguinte, não se verifica o invocado erro sobre os pressupostos de direito invocado pela Impugnante.

E o assim decidido, pode já adiantar-se, é de manter.

Com efeito, estando perante uma variação patrimonial negativa (reversão de ajustamentos de valores activos tributados), esta só pode concorrer para a formação do lucro tributável – ou seja, só podem ser deduzidas ao lucro tributável – quando respeitem as condições estabelecidas para os custos e perdas, sendo que uma dessas condições é que devem ser devidamente documentadas, tal como prescreve a alínea g) do n.º 1 do art. 42º do CIRC.

Ora, não estando aqueles devidamente documentados, pressuposto que a sentença recorrida bem demonstrou, não podem ser deduzidos fiscalmente. Como se disse no acórdão deste TCA Sul de 7.12.2012, proc. n.º 4690/11:

“ (…) devido à rigidez da lei fiscal, os encargos que, embora classificados e contabilizados como custos, não assumem essa natureza em sede de I.R.C., razão por que não são considerados para efeitos de determinação do lucro fiscal. Esses encargos são os constantes do artº.41, do C.I.R.C., na redacção introduzida pela Lei 87-B/98, de 31/12 (versão aplicável ao caso “sub judice” - cfr.artº.12, do C.Civil). Actualmente ver o artº.42, nº.1, al.g), do C.I.R.C.

A al. h), do nº.1, deste preceito (artº.41, do C.I.R.C.), concretamente, não permite a dedução, para efeitos de determinação do lucro tributável, além do mais, dos encargos não devidamente documentados. Despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, ob.cit., pag.347). Nesse aspecto, se pode defender que o preceito em análise (artº.41, nº.1, al.h), do C.I.R.C.) constitui um afloramento do princípio da prova legal, dado exigir uma formalidade especial (prova documental) formalidade esta que não pode ser dispensada (cfr.artºs.364 e 393, do C.Civil; artº.655, nº.2, do C.P.Civil; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/99, Ac.Dout., nº.463, pág.969 e seg.).

Mais se dirá que devem considerar-se despesas confidenciais ou não documentadas as que não especificam a sua natureza, origem ou finalidade, sendo, por essência, indocumentadas (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/12/2003, rec.1283/03; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/2/2006, rec.1011/05; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.219 e seg.)”.

Com efeito, a Recorrente não demonstrou, conforme lhe competia, quais as provisões que deram origem às reversões que foram deduzíveis ao lucro tributável. E assim sendo, o Tribunal a quo considerou e bem que as declarações modelo 22 juntas, o não documentavam, dado que delas só resultam os valores e cálculos que efectuou e não os documentos de suporte que demonstrem a natureza das operações e a confirmação dos montantes em causa, face ao regime fiscal das provisões dos então artigos 34º a 38º do CIRC.

Assim, competindo à ora Recorrente nos termos do art. 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC documentar essas deduções e não tendo cumprido com esse ónus (art. 74.º nº 1 da LGT), tal impede a sua dedução fiscal ao lucro tributável do exercício em causa. E, de nada vale nesta sede vir arguir uma putativa violação do princípio do inquisitório, pretendendo fazer recair no Tribunal uma tarefa instrutória da qual a impugnante e ora Recorrente, ao fim e ao cabo, se demitiu, tal como logo de início deixámos devidamente explicitado.

Pelo exposto, improcedendo as conclusões de recurso também nesta parte, terá que se negar provimento ao mesmo e confirmar a sentença recorrida nos seus precisos termos.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Se é certo que o princípio do inquisitório, que enforma em geral o processo tributário, impõe que o juiz realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade (cfr. artigos 99.º, n.º 1, da LGT e 13.º, n.º 1, do CPPT), tal não tem o alcance de fazer com que o juiz se substitua às partes no cumprimento do seu ónus alegatório e de prova.

ii) De acordo com o disposto no art. 2.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, são sujeitos passivos do IRC as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado, com sede ou direcção efectiva em território português.

iii) Sendo a Impugnante uma sociedade com sede em Portugal, cujo objecto social é a compra e venda de imóveis, promoção e empreendimentos turísticos e imobiliários, arrendamento e exploração de imóveis, trata-se de um sujeito passivo de IRC porquanto tem sede em território português e exerce uma actividade de natureza comercial. Razão esta que afasta o recurso à norma de resolução de conflitos contida no art. 33.º do C. Civil, pois que a situação em apreço, tal como vem provada, configura uma relação jurídica puramente interna quanto a todos os seus elementos – sujeitos, objecto e facto jurídico –, não havendo, portanto, qualquer conflito de leis a dirimir (concretamente entre a ordem jurídica das Ilhas Virgens Britânicas e a lei portuguesa).

iv) As variações patrimoniais negativas só podem concorrer para a formação do lucro tributável (ou seja, só podem ser deduzidas ao lucro tributável) quando respeitem as condições estabelecidas para os custos e perdas, sendo que, uma dessas condições é que devem ser devidamente documentadas (cfr. art. 45º, n.º 1, alínea g), do CIRC).



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 30 de Outubro de 2014

Pedro Marchão Marques

Jorge Cortês

Anabela Russo

Jorge Cortês

Anabela Russo
(1) Refere Jorge Lopes de Sousa no seu Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado que: “o interesse na descoberta da verdade material que a imposição de tal obrigação consubstancia, leva a concluir que é este e não o princípio da verdade formal o que vigora no processo tributário”. Pelo que, segundo o Autor, “consequentemente, como é típico dos processos em que vigora o princípio da verdade material, justificar-se-ia mesmo que o tribunal pudesse averiguar e considerar no julgamento factos não alegados pelas partes, com a única limitação de se movimentar no âmbito das questões suscitadas pelas partes” (cfr. vol. I, 6.ª ed., 2011, p. 176).
(2) A este propósito, considerando as declarações modelo 22 e mapas de provisão juntos pela Impugnante, refira-se que o legislador não consagrou em lado algum o carácter ilimitado da força probatória das declarações, contabilidade ou escrita de contribuinte caso em que a actividade inspectiva perderia todo o sentido, por inútil.