Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:446/21.0 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/03/2022
Relator:ANA PAULA MARTINS
Descritores: CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL;
LEI Nº 4-B/2021 DE 01.02;
SUSPENSÃO DE PRAZOS DE CADUCIDADE;
ASSINATURA ELECTRÓNICA;
ART. 68º, Nº 4 DA LEI 96/2015;
Sumário:I) O prazo (de caducidade) de um mês, previsto no artigo 101.º do CPTA, beneficia da suspensão consagrada nos nºs 3 e 4 do artigo 6.º B da Lei n.º 1-A/2020, na redacção dada pela Lei 4-B/2021 de 01.02.

II) Não tendo a proposta apresentada observado a formalidade (essencial) de assinatura prévia (e individualizada) do documento (isto é, antes do carregamento do documento na plataforma) - documento que constitui um atributo da proposta -, tal incumprimento deve considerar-se invalidante da proposta apresentada por violação de desígnio legal.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
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Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

J..., melhor identificado nos autos, instaurou acção administrativa de contencioso pré-contratual contra a Freguesia de Arroios, igualmente melhor identificada nos autos, formulando o seguinte pedido: “… serem anulados os atos impugnados, consubstanciados na decisão de exclusão da proposta do Autor e na decisão de adjudicação da proposta do Concorrente O..., LDA., constante do Relatório Final aprovado pela Entidade Demandada, em 9 de fevereiro de 2021 e, em consequência, ser admitida e adjudicada a proposta apresentada a Concurso pelo ora Autor, com as legais consequências.”
Indicou como Contra-interessados: O..., LDA., e D..., LDA., com os demais sinais nos autos.
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Por sentença de 08.06.2021, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou a acção procedente e, em consequência, anulou “o ato de adjudicação praticado pelo Executivo da Junta de Freguesia de Arroios, datado de 15-02-2021”, anulou “o contrato entretanto celebrado”, e condenou “a ED a (re)admitir a proposta do concorrente J..., ora Autor, ao procedimento pré-contratual em apreço e a ordená-la em 1.º lugar, com a consequente adjudicação do respetivo contrato.”
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Inconformada com a sentença proferida, veio a Entidade Demandada interpor recurso da mesma, concluindo assim as suas alegações:
a) O Tribunal a quo considerou que a proposta do Autor, “não poderia ser – como efetivamente foi – excluída do procedimento concursal objeto destes autos”, dado que , a questão da falta da assinatura digital qualificada nos documentos que constituem a proposta, “a formalidade omitida – essencial, por legalmente prescrita e prevista no PP –, se degradou em não essencial, por ter sido atingido o resultado visado pelo legislador com a exigência da assinatura eletrónica qualificada dos documentos antes do seu carregamento na plataforma eletrónica, localmente no próprio computador do concorrente”.
b) Não atendeu o Tribunal a quo ao facto do Autor, aqui Recorrido, ter promovido a assinatura prévia de só alguns documentos que integravam a sua proposta, não o tendo feito em relação a todos, antes da operação de carregamento, como estava legalmente obrigado. (artigo 54º, e 68º, n.º 4 da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto).
c) O Tribunal a quo ao considerar suficiente a assinatura aposta no momento da submissão, violou o n.º 4 do artigo 68º da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto e o n.º 1 do artigo 54º da mesma Lei, violou também a norma que impõe a exclusão da proposta, a alínea l) do n.º 2 do artigo 146º do CCP.
d) O Tribunal a quo, não pode alegar que o facto de terem sido carregados e submetidos na plataforma eletrónica de contratação comporta a virtualidade de sanar a falta de aposição de assinatura qualificada verificada no documento denominado “Estudo do projeto de requalificação do estabelecimento”.
e) O Tribunal a quo desconsiderou a razão de ser da formalidade, contribuindo para a sua degradação, ao permitir a sua realização por outros meios que não o legalmente previsto.
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A Contra-interessada O… – Lda., também interpôs recurso da sentença, concluindo assim as suas alegações:
I. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou procedente a presente ação de contencioso pré-contratual instaurada pelo Autor e, consequentemente, julgou improcedente a exceção de caducidade do direito de ação suscitada pela Contrainteressada, anulando o ato de adjudicação praticado pelo Executivo da Junta de Freguesia de Arroios, datado de 15.02.2021, e condenando a Freguesia de Arroios a readmitir a proposta do concorrente J... ao procedimento pré-contratual em causa e ordená-lo em primeiro lugar, com a consequente adjudicação do contrato.
II. Ora, por via do presente processo de contencioso pré-contratual, o Autor pedir a anulação da decisão de exclusão da sua proposta e da decisão de adjudicação da proposta da concorrente, aqui Recorrente, O... – LDA.
III. Na base da presente contenda está um procedimento destinado à concessão de uso Privado para a exploração de um estabelecimento de restauração com esplanada, localizado no Jardim do Campo dos Mártires da Pátria, em Lisboa, tendo-se apresentado ao referido procedimento três concorrentes: a) o Autor, aqui Recorrido; b) a aqui Recorrente O... – LDA.; e c) a D..., LDA.
IV. Por conseguinte, a sentença recorrida invoca, para o que aqui importa, que não se considera que o presente processo de contencioso pré-contratual seja intempestivo, atento que seja o regime jurídico aprovado que contém as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença Covid-19.
V. Nessa medida, defende o Tribunal a quo aplicabilidade material, in casu, da disciplina jurídica constante na versão originária da Lei n.º 1-A/2020, designadamente, do disposto no então artigo 7.º, o qual determinava que que a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da COVID-19 “constitui causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos” (n.º 3), determinação essa que “prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional” (n.º 4),
VI. Prevendo, ainda, que a alusão a “todos os tipos de processos” tinha evidentemente por objeto os “processos” a que se referia o n.º 1 desse mesmo artigo 7.º, incluindo-se, com efeito, os processos, todos os processos administrativos.
VII. Nesse pressuposto, o Tribunal a quo finaliza a sua consideração rematando que o prazo de um mês para propositura desta ação urgente prevista no artigo 101.º do CPTA iniciou-se, in casu, a 16.02.2021, ou seja, em momento que vigorava a suspensão de prazos de caducidade, que produziu efeitos a 22.01.2021, o que significa que, na prática, o prazo substantivo ficou suspenso, apenas retomando a sua contagem em 06.04.2021, na sequência da publicação e entrada em vigor da Lei n.º 13.º-B/2021, de 05 de março, que determinou a cessação do regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença Covid-19.
VIII. Todavia, olvidou o Tribunal a quo que o regime legal de suspensão dos prazos de prescrição e caducidade concretizada por via da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, concretamente na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro, não tem aplicação concreta às situações verificadas no âmbito dos procedimentos atinentes à contratação pública.
IX. Note-se, em primeiro lugar, que, como prazo de impugnação que é, o prazo fixado no artigo 101.º do CPTA é um prazo substantivo, de propositura de uma ação, contando-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil.
X. Nessa medida, não se trata de um prazo “para a prática de atos processuais e procedimentais”, visto que a apresentação de uma petição ou requerimento inicial não é um ato processual, dada a lógica inexistência de um processo previamente à respetiva instauração.
XI. Com efeito, afigura-se claro ser inaplicável o regime de suspensão de “(...) todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal (...)” estabelecido no artigo 7.° da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, invocado pelo Tribunal a quo.
XII. E, ainda que o mesmo fosse aplicável - o que não se concede e que por dever de patrocínio e mera hipótese de raciocínio se concebe -, o n.º 7 do invocado artigo 7.° é claro ao dispor que os processos urgentes continuavam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, nos casos em que - como o ato de propositura de uma ação - o ato a praticar não só podia, como devia mesmo, ser praticado por meios eletrónicos.
XIII. Não tem, por isso, a mínima aplicação ao caso o disposto no artigo 7.°-A da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, aditado pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, por versar sobre contratação pública, matéria totalmente estranha aos presentes autos.
XIV. Se atentarmos ao disposto no n.º 3 do artigo 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março na redação conferida pela Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro, lê-se que “são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os procedimentos identificados no n.º 1”.
XV. E, do mesmo modo, se atentarmos ao disposto na alínea c) do n.º 5 do mesmo normativo, se constata que não se encontravam suspensos os prazos relativos aos procedimentos de contratação pública, designadamente os constantes do Código dos Contratos Públicos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, incluindo-se aqui, naturalmente, os prazos referentes à prescrição e à caducidade.
XVI. De facto, conforme temos ensejo de vir referindo, sucede que o entendimento adotado pelo Tribunal a quo carece de acolhimento legal, na medida em que, estabelece o dito normativo que não se encontram suspensos os prazos relacionados com os procedimentos de contratação pública.
XVII. Nestes termos, a interpretação normativa deve-se cingir, sempre que possível, à letra da lei, sendo que o recurso aos demais elementos interpretativos apenas tem lugar quando, através do elemento literal (ou gramatical), não se alcança o sentido da norma.
XVIII. Nos presentes autos, conforme se adiantou, o julgador recorrido limitou-se a seguir (e adotar) um regime excecional de suspensão dos prazos substantivos de caducidade que não tem qualquer correspondência com o regime legal excecional que consagrou as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença Covid-19.
XIX. Por conseguinte, sendo certo que a Lei apenas faz depender para o regime de suspensão dos prazos de caducidade e prescrição constantes no elenco do n.º 1 do artigo 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterado pela Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro.
XX. Nesta senda, não decorre da alínea c) do n.º 5 daquele preceito legal que os prazos atinentes aos procedimentos de contratação pública estivessem suspensos (incluindo os prazos de caducidade e prescrição) se encontravam suspensos.
XXI. Dito de outro modo: o legislador na redação do preceito em questão não excecionou de qualquer modo o regime dos prazos de caducidade ou prescrição – tal como retratou inequivocamente nos termos do n.º 3 do artigo 6.º-C –, pelo que não cabe ao intérprete ir para além do que o legislador pretendeu estabelecer.
XXII. A esse propósito, estabelece o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
XXIII. Por seu turno, acrescenta o n.º 2 do referido normativo que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
XXIV. Quer isto significar que o intérprete na análise do normativo tem de partir da letra da lei, não sendo permitidas interpretações que não tenham qualquer correspondência com aquela, razão pela qual é pacífico o entendimento de que a letra da lei, não só consubstancia no ponto de partida da interpretação normativa, como também figura como limita a atividade interpretativa.
XXV. Como é bom de ver, in casu, não poderia o Tribunal a quo, enquanto intérprete, fazer uma interpretação extensiva do disposto no n.º 3 do artigo 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, porque, da letra da lei resulta por demais evidente que apenas se encontravam suspensos os prazos de prescrição e caducidade referentes aos procedimentos identificados no disposto no n.º 1 da norma jurídica em questão,
XXVI. Ou seja, que os prazos de caducidade referentes aos procedimentos de contratação pública, porque o legislador não quis definir no texto legal, não se encontravam suspensos àquela data, pelo que, ao proceder manifestamente em contrário, incorreu o Tribunal a quo em manifesto erro de julgamento de direito.
XXVII. Com feito, em sede de 2.º Relatório Preliminar, entendeu (e bem) o Júri do procedimento que o documento “estudo do projeto de requalificação do estabelecimento” não tinha aposta qualquer assinatura digital, pelo que não cumpria com a obrigação de assinatura exigida pelo n.º 2 do artigo 12.º do Programa de Concurso e, bem assim, não cumpria com as exigências ínsitas na Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, bem como do artigo 62.º do CCP.
XXVIII. Conforme a aqui Recorrente havia afiançado em sede de audiência prévia, é patente o motivo de exclusão da proposta apresentada pelo Autor, ora Recorrido, pelo que o Júri fez aplicar tão somente as regras no CCP e, bem assim, as regras constantes da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto.
XXIX. Nesse desiderato, estabelece o disposto no artigo 57.º do Código dos Contratos Públicos (CCP) que: “a proposta é constituída pelos seguintes documentos: a) Declaração do anexo i ao presente Código, do qual faz parte integrante; b) Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar; c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule”.
XXX. Além disso, refere o n.º 4 daquele preceito legal que “os documentos referidos nos n.os 1 e 2 devem ser assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar”.
XXXI. Ora, no caso do procedimento pré-contratual sub iudice, a proposta foi composta, mormente, pela declaração do concorrente de aceitação do Caderno de Encargos (Anexo I), da certidão comercial – no caso de a entidade ser pessoa coletiva – e dos documentos que contivessem os atributos da proposta, a saber: a) proposta contratual, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo II, do modelo de declaração constante no Anexo III e, ainda, do estudo do projeto de requalificação do estabelecimento.
XXXII. Ademais, no que se refere a esta temática, decorre dos n.º 1 e 4 do artigo 62.º do CCP que: “1 - Os documentos que constituem a proposta são apresentados diretamente em plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante; 4 - Os termos a que deve obedecer a apresentação e a receção das propostas, conforme o disposto no n.º 1, são definidos por diploma próprio.”
XXXIII. Destarte, o “diploma próprio” que alude o n.º 4 do artigo 62.º do CCP é, sem mais, a Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto (que regula a disponibilização e a utilização das plataformas eletrónicas de contratação pública).
XXXIV. Da leitura concatenada das normas supra citadas decorre que, sem margem para dúvidas, qualquer proposta submetida via plataforma eletrónica deve: a) ter todos os seus documentos assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada, de forma individual; b) A assinatura eletrónica qualificada deve ser capaz de relacionar o assinante da proposta com a função e poder da assinatura para o efeito; e c) Caso o certificado não relacione diretamente o assinante com a sua função e poder de assinatura, deve ser apresentado documento que demonstre os poderes de representação e assinatura do assinante.
XXXV. O artigo 54.º refere, no seu primeiro número, que os documentos submetidos na plataforma eletrónica, pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada, significando isto que o mencionado normativo apenas trata a matéria relacionada com assinatura dos próprios documentos a carregar na plataforma.
XXXVI. Ora, sempre se diga que a proposta submetida pelo Autor, aqui Recorrido, claudica logo no primeiro requisito, uma vez que nem todos os documentos se encontravam assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada.
XXXVII. Em concreto, conforme consta sobejamente provado nos presentes autos recorrido subscreveu digitalmente com o respetivo Cartão de Cidadão, o Anexo I ao Programa do Concurso, o Anexo II referente à minuta de proposta do preço, e ainda, o modelo de declaração tal como consta na alínea a) do n.º 1 do artigo 81.º do CCP,
XXXVIII. Em todo o caso, de forma inexplicável, não o fez em relação e com referência ao documento suportado pelo “Estudo do projeto de requalificação do estabelecimento”, tal como se lhe impunha.
XXXIX. Assim sendo, não se alcança como possa a Entidade Adjudicante ter andado mal em justificar a exclusão da proposta da Autora com base no disposto no artigo 54.º da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto.
XL. Ora, se assim é, a consequência é evidente: não estando todos os documentos assinados devidamente, não é permitido à Entidade Adjudicante averiguar dos efetivos poderes do assinante, já que não existe qualquer assinatura aposta no documento.
XLI. Como bem diz o Tribunal a quo, a assinatura eletrónica qualificada cumpre duas funções: a de garantir a identificação de quem obriga a entidade que apresenta proposta e a de garantir a inalterabilidade dos documentos submetidos com a mesma.
XLII. Por assim ser, não se alvitre que, a circunstância de a proposta ter sido devidamente carregada e submetida na plataforma eletrónica sana a falta de aposição da assinatura eletrónica qualificada do documento que ora se discute.
XLIII. Trazendo à colação o único segmento que poderia suscitar dúvidas (em concreto, o disposto no n.º 4: Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando o interessado realizar o carregamento, na plataforma eletrónica, de um ficheiro de uma proposta, este deve estar já encriptado e assinado, com recurso a assinatura eletrónica qualificada), cumpre esclarecer que tal significa, somente, que os ficheiros carregados na plataforma devem estar encriptados e assinados com assinatura eletrónica qualificada.
XLIV. Desta feita, incorreu o Tribunal a quo num erro de julgamento quando entendeu que “estando provado que todos os ficheiros associados à proposta da adjudicatária “B…” foram assinados através de um certificado qualificado de assinatura eletrónica àquela pertencente, é de concluir que estão preenchidas as referidas funções identificadora e finalizadora, por não haver dúvidas quanto à autoria daqueles ficheiros e à vinculação de quem assinou o seu conteúdo”.
XLV. Desde logo, porque, como é bom de ver, o denominado projeto de execução não tinha aposta qualquer assinatura!
XLVI. Como bem refere o n.º 1 do artigo 56.º do CCP, “a proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo”.
XLVII. Uma vez que, compulsada a proposta apresentada pelo Autor, aqui Recorrido, não é possível apreender se o mesmo se obrigou perante o conteúdo de tal documento – na medida em que não é visível qualquer assinatura – não está cumprida, desde logo, aquela função fundamental relativa à identificação (e co-relação) do assinante da proposta com os efetivos poderes para obrigar a entidade.
XLVIII. Assim sendo, uma vez que os documentos da proposta não se encontram devidamente assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada, tal significa que todas as formalidades de apresentação da proposta decorrentes do artigo 62.º do CCP não foram respeitadas, incluindo-se, o disposto no artigo 54.º e 68.º da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto.
XLIX. Sigamos de perto a mais avisada Jurisprudência nesta matéria quando, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, no processo n.º 00687/17.5BECBR, datado de 28.09.2018, refere que “face ao disposto no n. º4 do artigo 54.º da Lei n.º 96/2015, de 17.08, é agora inequívoco que cada um dos documentos que compõem a proposta devem ter aposta a assinatura eletrónica qualificada, sob pena de exclusão da proposta”.
L. Refere este acórdão que “o n.º4 do artigo 54.º da Lei n.º 96/2015, de 17.08, dissipou dúvidas que anteriormente existiam quanto à obrigação de cada um dos documentos que compõem a proposta terem aposta a assinatura eletrónica qualificada nos casos, por exemplo, de ficheiros comprimidos”, concluindo o mesmo que “Tendo ficado provado que nenhum dos documentos que compõem a proposta da Autora, individualmente considerados, tem aposta qualquer assinatura digital qualificada (facto n.º8) forçoso se torna concluir que foi validamente excluída, devendo manter-se o acto impugnado e, com ele, a decisão recorrida que jugou improcedente a acção”.
LI. O mesmo é dizer que, individualmente considerados os documentos que integram a proposta, se todos ou alguns deles não tenham aposta qualquer assinatura eletrónica qualificada, é patente que a mesma deve ser objeto de exclusão.
LII. Por outras palavras, e num exercício já de exaustão intelectual, é condição fundamental de admissão de uma proposta que todos os documentos estejam individualmente assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada, sob pena de exclusão.
LIII. Assim sendo, uma vez que os documentos da proposta não se encontram devidamente assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada, tal significa que todas as formalidades de apresentação da proposta decorrentes do artigo 62.º do CCP não foram respeitadas, incluindo-se, o disposto no artigo 54.º e 68.º da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto.
LIV. Tal como referido noutras sedes, não atendeu o Tribunal a quo ao facto de o Autor, aqui Recorrido, ter apresentado uma proposta que não se encontrava assinada em cumprimento das exigências formais legalmente estabelecidas, contrariamente ao que sucedera com os restantes concorrentes.
LV. Efetivamente, o Recorrido efetivamente não diligenciou devidamente, assinando previamente todos os documentos que integravam a respetiva proposta, em momento prévio à operação de carregamento, dando assim cumprimento ao disposto no n.º 4 do artigo 68.º da referida Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto.
LVI. Aliás, apenas aquando da sujeição da proposta na respetiva plataforma eletrónica é que o Recorrido fez uso da assinatura digital qualificada, mediante o seu certificado, sendo certo, no entanto, que a interposição de certificado digital no momento da submissão da documentação que incorpora a proposta não tem respaldo ou equivalência com a assinatura da proposta, bem como de cada um dos documentos que a integram.
LVII. E isto porque a intervenção com o respetivo certificado digital apenas opera como termo essencial para aceder à plataforma e, assim, submeter a proposta, ao passo que a assinatura digital qualificada constitui, sem mais, a forma de o concorrente se vincular, em cumprimento do disposto no CCP e na Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto.
LVIII. Nesse desiderato, decorre inelutável e irremediavelmente da Lei que qualquer apresentação de qualquer proposta que não observe o disposto na Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, assume causa de exclusão da respetiva proposta do procedimento pré-contratual, em cumprimento da alínea l) do n.º 2 do artigo 146.º, conjugada com o artigo 62.º, ambos do CCP.
LIX. E não se diga que fora por falta de aviso que o Recorrido cometera aquele erro, visto que também o programa do procedimento foi bastante esclarecedor ao reforçar o disposto na Lei, tendo declarado inequivocamente que a falta de assinatura em qualquer documento sempre importaria a exclusão da proposta onde tal se verificasse (cfr. o ponto 3 do artigo 12.º).
LX. Aliás, frise-se que, tanto o Autor, aqui Recorrido, sabia que tinha como obrigação proceder à assinatura eletrónica qualificada de todos os documentos, de forma individual, que procedeu à assinatura da maioria dos documentos que instituíam a sua proposta!
Daqui se depreende que o Autor, aqui Recorrido, bem sabia o dever que se lhe impunha, pelo que a falta de assinatura eletrónica qualificada do projeto de execução redunda numa falta de compromisso daquela entidade com aquele específico documento.
LXI. E, por assim ser, não podia nunca a Entidade Adjudicante admitir e adjudicar uma proposta que não respaldava a real vontade de quem a submeteu, precisamente por aquela não se ter vinculado ao documento “projeto de execução”, como se lhe impunha.
LXII. Assim sendo, não entende a aqui Recorrente como pôde o Tribunal a quo ter concluído que a formalidade omitida - essencial, por legalmente prescrita e prevista no programa do procedimento -, se degradou em não essencial, por ter sido atingido o resultado visado pelo legislador com a exigência da assinatura eletrónica dos documentos antes do seu carregamento na plataforma eletrónica.
LXIII. Ora, foi esta tentativa de ponderação concreta de harmonização da coexistência entre a possibilidade da formalidade essencial se degradar em não essencial que o julgador a quo se “esqueceu” de verificar o que se encontra definitivamente positivado na legislação nacional a propósito, prejudicando em absoluto e sem qualquer fundamento o direito da Recorrente em ficar (e permanecer) graduada em primeiro lugar no presente procedimento pré-contratual e ver-se ser adjudicado definitivamente contrato.
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O Autor, ora Recorrido, apresentou as suas contra-alegações, de forma unificada, concluindo da seguinte forma:
A. A presente Ação de Contencioso Pré-Contratual visa a título principal, a impugnação da decisão adotada pela Freguesia de Arroios de aprovação do Relatório Final elaborado pelo Júri do Procedimento no âmbito do Concurso Público adotado para a “Concessão de uso Privado para a exploração de um estabelecimento de restauração com esplanada, localizado no Jardim do Campo Mártires da Pátria” (de ora em diante designado por “Concurso”) que excluiu o Autor.
B. Subsumem-se as questões em apreço neste Recurso a
B1. Caducidade do direito de interpor a presente ação;
B2: Se a assinatura num documento da proposta do Autor foi aposta antes ou depois da submissão da mesma;
B3: Quais as consequências legais caso só haja assinatura no momento da submissão da proposta na plataforma eletrónica.
C. Em súmula, quanto à questão da tempestividade da ação judicial, não se tem qualquer dúvida que estando nós perante um prazo substantivo, que se iniciou a 16.02.2021, para se interpor uma ação administrativa urgente de contencioso contratual, que se está perante um prazo de caducidade;
D. Ora por força da aplicação da Lei n.º 4-B/2021 de 01.02, artigo 6.ºB, 1/3 e 4, os prazos de caducidade estavam suspensos e só foram retomados a 06.04.2021, pelo que quando a ação deu entrada a 17.03.2021 estava mais do que em prazo;
E. Situação diferente ficou estabelecida para os prazos processuais nos processos urgentes que se continuavam a tramitar, mas a situação subjacente não se trata de prazo processual, nem administrativo;
F. Um prazo para se propor uma ação judicial no âmbito do artigo 101.º do CPTA é sempre um prazo de caducidade e por isso suspenso nos termos da lei em vigor;
G. Em conclusão: o prazo de caducidade de um mês previsto para o tipo de ações constante no artigo 101.º do CPTA, estava e beneficiava, objetiva e efetivamente, aos 16.02.2021, da suspensão prevista no n.º 3 do artigo 6.º-B da Lei 4-B/2021 de 01.02.
H. Assim terá que improceder a exceção de caducidade do direito de ação levantada pela CI na sua contestação, cfr. decidiu o Tribunal de 1ª instância, não podendo ser outro o entendimento do Tribunal em sede de Recurso.
I. Entrando na segunda e terceira questões da assinatura eletrónica qualificada e sobre se a mesma foi aposta antes do carregamento ou somente no momento da submissão da proposta, o que verdadeiramente importa acautelar é se a segunda assinatura consegue cumprir todos os requisitos da primeira, e em caso afirmativo se isso não degrada a formalidade essencial da primeira, em não essencial.
J. E em nosso entender a segunda assinatura eletrónica qualificada, efetuada pelo Autor, cumpre as formalidades da primeira de identificação, finalização/vinculação e inalterabilidade;
K. E assim sendo não se justifica outra decisão judicial senão a que aceita que a formalidade essencial se degrada em não essencial.
L. Veja-se o teor da sentença, tendo sido aposta a assinatura somente no momento da submissão da proposta do Autor, “impõe-se a degradação da irregularidade em fundamento não invalidante, por o cumprimento do formalismo não ser essencial para preservação da integridade do procedimento e, ulteriormente, da validade do ato final no procedimento.” (cfr. douta Sentença, pág. 35);
M. É certo que o STA e o TCAS, tomaram inicialmente uma posição, que designaríamos, provavelmente, por conservadora, não permitindo que a falta prévia de assinatura se degradasse em formalidade não essencial;
N. Mas entretanto outra posição foi sendo assumida, senão vejamos os Acórdãos do STA de 20.02.2014, processo n.º 175/14; de 06.12.2018 processo n.º 278/17.0, de 14.02.2013 processo n.º 1257/12, de 08.04.2021 processo n.º 210/18.4BELLE – todos no sentido defendido pelo Autor, de que se trata de formalidade essencial que se degrada em não essencial, sendo o último acórdão uma referência à posição atual do STA;
O. Bem como os Acórdãos do TCAS de 15.01.2015 Relatora Helena Canelas, que refere que a assinatura eletrónica só tem de ocorrer num momento: o da submissão das propostas, o de 30.04.2020 processo 245/19.0BEFUN, e o de 15.10.2020 processo 210/18.4BELLE – todos no sentido de que a proposta do Autor não poderia ter sido excluída, uma vez que a falta prévia de assinatura é suprida pela existência da segunda assinatura qualificada.
P. E a formalidade essencial omitida deve ser degrada em não essencial.
Q. E remete-se para a leitura integral do Acórdão do STA de 06.12.2018, processo n.º 278/17.0, donde se extrai o seguinte: “o que há que averiguar é apenas, como já referimos, se a formalidade omitida – essencial, por legalmente prescrita – se degrada em não essencial, em virtude de o resultado que o legislador tinha em vista quando impôs a assinatura eletrónica dos ficheiros antes do seu carregamento ter acabado por ser atingido.”
R. Ora, face ao exposto, estamos em condições de constatar que a proposta apresentada pelo Autor, tendo sido assinada com um certificado de assinatura eletrónica qualificada, mesmo que tenha sido apenas somente no momento da submissão da proposta, cumpriu, formal e materialmente, os requisitos exigidos para a satisfação de todas as finalidades subjacentes à utilização da assinatura digital qualificada.
S. No caso em presença, é por demais evidente que todos os documentos da proposta foram assinados, individualmente, pelo Autor, em absoluto cumprimento da Lei n.º 96/2015, de 17.08 e no artigo 12.º do Programa.
T. De facto, não restam dúvidas de que, no caso dos autos, a autenticidade da proposta e a certeza sobre os poderes do apresentante, bem como a vontade de vinculação do concorrente não podem ser questionados – não o tendo, aliás, sido em qualquer momento do procedimento - pelo que se afiguraria inadequado e desproporcional forçar que um formalismo cujo efeito protetor está assegurado possa continuar a ser fundamento para vício de forma invalidante.
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O Ministério Público, regularmente notificado nos termos e ao abrigo dos artigos 146º e 147º do CPTA, não emitiu parecer.
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Sem vistos, atento o disposto nos arts. 36º nºs 1 e 2 e 147º do CPTA, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência.
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II - OBJECTO DO RECURSO

Atentas as conclusões das alegações dos recursos interpostos, que delimitam o seu objecto, nos termos dos arts 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, as questões decidendas são as seguintes:
- erro de julgamento de direito ao julgar a presente acção tempestiva (recurso da Contra-interessada);
- erro de julgamento de direito ao julgar inválido o acto de exclusão do Autor (recursos da Entidade Demandada e da Contra-interessada)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
De Facto:

Para apreciação da excepção de caducidade do direito de acção/intempestividade da prática de acto processual, a sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade:

A) – Por anúncio do procedimento n.º 12884/2020, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 218, de 09-11-2020, a Freguesia de Arroios publicitou o procedimento concursal para «Concessão de uso Privado para a exploração de um estabelecimento de restauração com esplanada, localizado no Jardim do Campo Mártires da Pátria», sendo o «prazo de execução» de 120 meses - cf. documento n.º 4 junto com a petição inicial;
B) - Em 15-02-2021, às 17:57:16, foi comunicado aos concorrentes, incluindo o ora Autor, via plataforma eletrónica SaphetyGov, com a menção no “Tipo de Notificação” a “Notificar Decisão de Adjudicação”, o seguinte:
“Notificam-se todos os concorrentes da tomada de decisão sobre a adjudicação, iniciando-se a contagem do prazo para entrega dos documentos de habilitação. O(s) adjudicatário(s) deve(m) a partir de agora apresentar os documentos de habilitação e fazer prova da prestação da caução se esta for devida. A informação pode ser consultada em https://login.saphety.com/pt/gov/, mediante introdução de login e password” - cf. documento notificação de adjudicação constante do PA - pasta 15
- Notificação da Adjudicação e atos subsequentes;
C) - Em 15-02-2021, às 17:57:28, foi comunicado aos concorrentes, incluindo o ora Autor, via plataforma eletrónica SaphetyGov, com a menção no “Tipo de Notificação” a “Notificar Relatório Final da Fase de Análise das Propostas”, o seguinte: “Notifica-se V. Exa. da disponibilização de um Relatório Final para consulta. O referido relatório encontra-se disponível em https://login.saphety.com/pt/gov/, mediante introdução de login e password.” - cf. documento n.º 1 junto com o requerimento de 21-05-2021, de fls. 607 e ss. dos autos;
D) – Em 15-02-2021, às 18:15:23, foi comunicado aos concorrentes, incluindo o ora Autor, via plataforma eletrónica SaphetyGov, com a menção no “Tipo de Notificação” a “Notificação de Nova Minuta de Contrato”, o seguinte: “Notifica-se a introdução de uma Minuta de Contrato.” - cf. documento n.º 2 junto com o requerimento de 21-05-2021, de fls. 607 e ss. dos autos;
E) – Em 15-02-2021, o Executivo da Junta de Freguesia de Arroios aprovou, por unanimidade, a “Proposta n.º 20/MM/2021 - Proposta Adjudicação 2020-CPUB - CUP - 579 Concessão para uso privativo para exploração de um estabelecimento de restauração com esplanada, localizado no Jardim Campo Mártires da Pátria” - cf. Documento constante da Pasta 14. Deliberação de Adjudicação inserida no PA apenso aos autos;
F) - Em 17-03-2021, o Autor apresentou a petição inicial de ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual, que deu origem aos presentes autos - cf. fls. 1 dos autos;
G) - O Autor tomou conhecimento do teor da decisão identificada em E) no decurso da presente ação, com a apresentação da contestação pela ED e junção do PA aos autos - admitido por acordo.
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Para apreciação do mérito da causa, a sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade:

A) Em 02-11-2020, o Executivo da Freguesia de Arroios deliberou lançar o procedimento destinado à «Concessão de uso Privado para a exploração de um estabelecimento de restauração com esplanada, localizado no Jardim do Campo dos Mártires da Pátria, em Lisboa» - cf. documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial; cf. PA apenso;
B) Por anúncio do procedimento n.º 12884/2020, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 218, de 09-11-2020, a Freguesia de Arroios publicitou o procedimento concursal para «Concessão de uso Privado para a exploração de um estabelecimento de restauração com esplanada, localizado no Jardim do Campo Mártires da Pátria», sendo o «prazo de execução» de 120 meses - cf. documento n.º 4 junto com a petição inicial; cf. PA apenso;
C) O Programa de Procedimento e o Caderno de Encargos, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos, foram disponibilizados na plataforma eletrónica “SaphetyGov” utilizada pela entidade adjudicante - facto que se extrai da análise da documentação constante do PA; cf. peças concursais constantes do PA apenso;
D) Do Programa do Procedimento referente ao Concurso mencionado em A) em B), que aqui se dá por integralmente reproduzido, extrai-se o seguinte:
“(…)

«Imagem no original»

(…)
«Imagem no original»

(…)” - facto que se extrai da análise do PP que consta PA apenso;
H) Apresentaram-se ao referido procedimento três concorrentes, o ora Autor, O..., LDA. e D..., LDA., ora CI, cujo teor das respetivas propostas se dão por integralmente reproduzidas - cf. documento n.º 6 junto com a petição inicial; cf. propostas constantes do PA apenso;
E) O documento relativo ao “Estudo do Projeto de Requalificação do Estabalecimento” que integra a proposta do Autor foi assinado eletronicamente aquando da sua submissão na plataforma eletrónica em que foi tramitado o procedimento concursal – Plataforma “SaphetyGov”, sem estar previamente assinado eletronicamente, com recurso a assinatura eletrónica qualificada – admitido por acordo [cf. artigos 57.º e 58.º da petição inicial e artigos 34.º, 35.º, 41.º e 42.º da contestação da ED; 23.º da contestação da CI]; cf. ainda, quanto à submissão da proposta, o documento identificado como documento n.º 17 junto com a contestação da ED, que se encontra, ainda, junto à proposta do Autor constante do PA apenso; cf. análise efetuada pelo júri no Relatório Final (p. 10 do relatório) - cf. documento n.º 14 junto com a contestação da ED e junto ao PA.
F) O Júri elaborou o Relatório Preliminar, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, tendo ordenado as propostas e graduado em primeiro lugar a proposta do Autor, nos seguintes termos:
«Imagem no original»
- cf. documento n.º 6 junto com a petição inicial, cf. relatório preliminar constante do PA apenso;
I) A concorrente, ora CI, O..., LDA. apresentou pronúncia em sede de audiência dos interessados, cujo teor se dá por integralmente reproduzido - cf. documento n.º 7 junto com a petição inicial e pronuncia constante do PA;
J) O Júri elaborou o 2.º Relatório Preliminar, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual propôs a exclusão da proposta do Autor, graduando em primeiro lugar a proposta da concorrente, ora CI, O..., LDA., nos seguintes termos:
“(…)
«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

- cf. documento n.º 8 junto com a petição inicial; cf. relatório constante do PA apenso;
K) O ora Autor apresentou pronúncia em sede de audiência dos interessados, cujo teor se dá por integralmente reproduzido - cf. documento n.º 9 junto com a petição inicial e pronuncia constante do PA;
L) O Júri elaborou o Relatório Final, no qual manteve a ordenação das propostas constante do 2.º Relatório Preliminar, nos seguintes termos:
«Imagem no original»






«Imagem no original»

- cf. Relatório Final constante do PA;
G) Em 15-02-2021, o Executivo da Junta de Freguesia de Arroios aprovou, por unanimidade, a “Proposta n.º 20/MM/2021 - Proposta Adjudicação 2020-CPUB - CUP - 579 Concessão para uso privativo para exploração de um estabelecimento de restauração com esplanada, localizado no Jardim Campo Mártires da Pátria” - cf. documento constante da Pasta 14. Deliberação de Adjudicação inserida no PA apenso aos autos;
H) Em 11-03-2021, foi celebrado entre a ED e O..., LDA. o instrumento designado por “CONTRATO DE CONCESSÃO DE USO PRIVATIVO PARA EXPLORAÇÃO DE UM ESTABELECIMENTO DE RESTAURAÇÃO COM ESPLANADA, LOCALIZADO NO JARDIM DO CAMPO MÁRTIRES DA PÁTRIA”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido - cf. contrato que consta do PA; cf. documento n.º 1 e 1.1. junto à resposta da CI quanto ao incidente de adoção de medidas provisórias.
*
Com interesse para a decisão, foi dado como não provado o seguinte facto:
1) Consultando a plataforma eletrónica e procedendo-se à abertura dos documentos anexos à proposta do Autor verifica-se o seguinte: “Não é possível verificar a validade do certificado utilizado no momento da assinatura, a integridade dos documentos não pode ser garantida”, o que equivale a dizer que ao contrário do que acontece com os documentos juntos pelos demais concorrentes, aqui contrainteressados, não se encontra aposta qualquer assinatura - cf. artigo 25.º da contestação da CI.
*
O Tribunal a quo motivou assim a decisão sobre a matéria de factos:
“A formação da convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise e exame crítico do teor dos documentos identificados em cada uma das alíneas do probatório, bem como na posição assumida pelas partes reveladas nos seus articulados, atentas as regras de repartição do ónus da prova. Quanto ao alegado em 1), tal asserção não é suscetível de ser dada como provada, com o alcance que a CI pretende atribuir. Trata-se de uma alegação que já havia sido invocada pela CI no ponto 11. da pronúncia apresentada em sede de audiência dos interessados, tendo merecido o seguimento esclarecimento constante do 2.º Relatório Preliminar: “Para que dúvidas não restem, relativamente, ao alegado no ponto 11 da pronúncia e relativamente à asserção “Não é possível verificar a validade do certificado utilizado no momento da assinatura, a integridade do documento não pode ser garantida”, a Saphety respondeu o seguinte “A plataforma SaphetyGov não está tecnicamente a conseguir executar todas as validações necessárias à cadeia de certificação dos certificados emitidos para os Cartões de Cidadão com software mais recente.
Não obstante, fica garantida a integralidade dos documentos submetidos na plataforma SaphetyGov, isto é, após a assinatura do utilizador/fornecedor os documentos não foram alterados. //Fica assim garantido desta forma o não-repúdio e a consequente validade da assinatura. Estamos a reunir todos os esforços para ultrapassar este constrangimento e esperamos que em breve seja efetuada a validação correta dos certificados desta versão do Cartão do Cidadão” [sublinhado nosso].”
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De Direito:
Considerada a factualidade assente, não impugnada pelas ora Recorrentes, importa conhecer dos fundamentos dos recursos, começando, por uma questão de precedência lógica, pelo primeiro fundamento de recurso apresentado pela Contra-interessada, ou seja, a caducidade do direito de acção.
A presente acção tem por objecto o acto de exclusão da proposta do Autor e o acto de adjudicação da proposta da concorrente O..., LDA., praticados no procedimento concursal destinado à “Concessão de uso Privado para a exploração de um estabelecimento de restauração com esplanada, localizado no Jardim do Campo dos Mártires da Pátria, em Lisboa”.
Donde, estamos no âmbito do contencioso pré-contratual, prevista e regulada nos artigos 100º e seguintes do CPTA, de carácter urgente (cfr. art.º 36º, n.º 1, al. c) do CPTA).
Sobre o prazo de instauração da acção, estabelece o art.º 101º do CPTA que “os processos do contencioso pré-contratual devem ser intentados no prazo de um mês, por qualquer pessoa ou entidade com legitimidade nos termos gerais, sendo aplicável à contagem do prazo o disposto no n.º 3 do artigo 58.º e nos artigos 59.º e 60.º”
Tendo a Contra-interessada suscitado a intempestividade da interposição da acção, foi a mesma julgada improcedente em virtude do regime jurídico aprovado que contém as medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARSCoV- 2 e da doença COVID-19.
Considerou o Tribunal a quo que o prazo de um mês para a instauração desta acção é um prazo substantivo, que cai no âmbito do regime de suspensão de prazos previsto no artigo 6.º-B, n.ºs 1, 3 e 4 da Lei n.º 4-B/2021, e não um prazo processual ou administrativo, esses sim prazos que, respectivamente, por via da aplicação do artigo 6.º-B, n.º 7, e artigo 6.º-C, n.º 5, alínea c), não foram suspensos.
Nesse pressuposto, concluiu que “o prazo de um mês para propositura desta ação urgente prevista no artigo 101.º do CPTA iniciando-se em 16-02-2021 (pois que não se conta o próprio dia em que o evento ocorreu, 15-02-2021), portanto, numa altura em que vigorava a suspensão de prazos de caducidade, que produziu efeitos a 22-01-2021 (cf. artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021), na prática, ficou suspenso, apenas retomando/reiniciando a sua contagem em 06-04-2021, na sequência da publicação e entrada em vigor da Lei n.º 13.º- B/2021, de 05/04, que determina a cessação do regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19.”
Para sustentar a sua posição, a sentença recorrida socorreu-se do acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a 04.03.2021, no processo n.º 233/20.3BECBR-A, que, por sua vez, assentou, em grande medida, no entendimento de José Duarte Coimbra (in a Justiça Administrativa em tempos de emergência e de calamidade, E-publica, vol. 7, nº 1, Abril de 2020).
A Contra-interessada, ora Recorrente, afirma que olvidou o Tribunal a quo que o regime legal de suspensão dos prazos de prescrição e caducidade concretizada por via da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, concretamente na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 4-B/2021, de 01.02, não tem aplicação concreta às situações verificadas no âmbito dos procedimentos atinentes à contratação pública; que, como prazo de impugnação que é, o prazo fixado no artigo 101.º do CPTA é um prazo substantivo, de propositura de uma acção, contando-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil; que não se trata de um prazo “para a prática de atos processuais e procedimentais”, visto que a apresentação de uma petição ou requerimento inicial não é um acto processual, dada a lógica inexistência de um processo previamente à respetiva instauração; que é claro ser inaplicável o regime de suspensão estabelecido no artigo 7.° da Lei n.º 1-A/2020, de 19,03, na redacção introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 06.04; que mesmo que fosse aplicável, o n.º 7 do invocado artigo 7.° é claro ao dispor que os processos urgentes continuavam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, nos casos em que - como o ato de propositura de uma ação - o ato a praticar não só podia, como devia mesmo, ser praticado por meios eletrónicos; que não tem, por isso, a mínima aplicação ao caso o disposto no artigo 7.°-A da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, aditado pela Lei n.º 4-A/2020, de 06.04, por versar sobre contratação pública, matéria totalmente estranha aos presentes autos; que, se atentarmos ao disposto no n.º 3 do artigo 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, na redação conferida pela Lei n.º 4-B/2021, de 01.02, e ao disposto na alínea c) do n.º 5 do mesmo normativo, se constata que não se encontravam suspensos os prazos relativos aos procedimentos de contratação pública, designadamente os constantes do Código dos Contratos Públicos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01, incluindo-se aqui, naturalmente, os prazos referentes à prescrição e à caducidade; que a Lei apenas faz depender para o regime de suspensão dos prazos de caducidade e prescrição constantes no elenco do n.º 1 do artigo 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, alterado pela Lei n.º 4-B/2021, de 01.02.
Vejamos.
Os factos com relevo para a apreciação da excepção em causa situam-se nos meses de Fevereiro e Março de 2021.
Neste período temporal, há que atender às alterações que a Lei nº 4-B/2021 de 01.02. introduziu na Lei nº 1-A/2020 de 19.03. (medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS – COV 2 ) , fruto de um agravamento da situação pandémica.
Foi aditado o artigo 6.º-B, epigrafado “Prazos e diligências”, com o seguinte teor:
“1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - O disposto no número anterior não se aplica aos processos para fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
3 - São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.
(…)
7 - Os processos, atos e diligências considerados urgentes por lei ou por decisão da autoridade judicial continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:
(…)”
Foi igualmente aditado o art. 6º-C, epigrafado “Prazos para a prática de atos procedimentais”, que, no seu nº 5, al. c), estabelece que “não são suspensos os prazos relativos a … Procedimentos de contratação pública, designadamente os constantes do Código dos Contratos Públicos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro;”; e no nº 7º dispõe que “Aos procedimentos a que não se aplique a suspensão de prazos é aplicado, com as devidas adaptações, o previsto no n.º 7 do artigo 6.º-B.”
O disposto nos artigos 6.º-B e 6.º-C produziu efeitos a 22 de Janeiro de 2021 “sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados” (cfr. art. 4º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro).
Foram revogados os artigos 6º A (norma aditada pela Lei nº 16/2020 de 29.05 e que consagrou um regime processual transitório e excepcional) e 7º A (norma aditada pela Lei nº 4-A/2020 de 06.04 e alterada pela Lei nº 16/2020 de 29.05., referente à contratação pública) da Lei nº 1-A/2020 de 19.03 (cfr. art. 3º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro).
É neste enquadramento legal que tem que ser encontrada a solução para o caso em análise. E assim fez a sentença recorrida.
Como referimos supra, o prazo de 1 mês previsto artigo 101º do CPTA é um prazo substantivo, de propositura de uma acção. De resto, neste tocante, todos os intervenientes estão de acordo. Afirma a própria Recorrente que, não se trata de um prazo “para a prática de atos processuais e procedimentais”, “visto que a apresentação de uma petição ou requerimento inicial não é um acto processual, dada a lógica inexistência de um processo previamente à respectiva instauração”.
Neste pressuposto, não é de aplicar o disposto no nº 1 do art. 6º-B – nem tão pouco, necessariamente, o disposto no nº 5 - que se refere, para o que aqui releva, a processos que (já) corram termos nos tribunais administrativos. Não é também de aplicar o disposto no nº 7 – “Os processos, atos e diligências considerados urgentes por lei ou por decisão da autoridade judicial continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte: (…)” – exactamente pela mesma razão, isto é, destina-se a processos já instaurados.
O disposto no nº 1 tem interesse na medida em que integra o nº 3 do do art. 6º-B. Estabelece este normativo que “São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.”
Decorre da citada norma - mais uma vez, para o que aqui releva - que são suspensos os prazos de caducidade relativos a processos que corram termos nos tribunais administrativos.
Acrescenta o nº 4 do art. 6º-B que “O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.”
A presente acção - acção de contencioso pré-contratual - corre nos tribunais administrativos.
O disposto no artigo 6º -C em nada releva para a decisão em apreço pois o mesmo regula os prazos para a prática de actos procedimentais. Assim, quando o mesmo refere, no nº 5º, al. c), que não são suspensos os prazos relativos a “Procedimentos de contratação pública, designadamente os constantes do Código dos Contratos Públicos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro”, tal em nada afecta a contagem do prazo previsto no artigo 101º do CPTA, por não se tratar de prazo procedimental, isto é, por não se tratar de acto inserido em procedimento (de contratação pública).
É, pois, no disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 6º B que se encontra a solução para a questão em apreço.
Donde, o prazo (de caducidade) de um mês, previsto no artigo 101.º do CPTA, beneficia da suspensão consagrada nos nºs 3 e 4 do artigo 6.º B da Lei n.º 1-A/2020, na redacção dada pela Lei 4-B/2021 de 01.02.
Tal não se confunde com a não suspensão dos prazos processuais dos processos urgentes, como seja o contencioso pré-contratual. Optando a parte por instaurar a acção durante este período de excepção, a acção é tramitada sem suspensão de prazos processuais.
Tendo presente que o prazo de instauração da presente acção se iniciou em data (15.02.2021) na qual vigorava o regime de suspensão, a sua contagem inicia-se com a cessação daquele regime, o que veio a ocorrer no dia 06.04.2021, com a publicação e entrada em vigor da Lei n.º 13.º- B/2021, de 05/04 (cfr. artigos 6º e 7º).
Instaurada a acção a 17.03.2021, é manifesta a sua tempestividade.
Uma última nota para referir que, em momento algum, a sentença recorrida aplica ao caso em apreço o disposto no art. 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, seja na sua versão inicial seja na redacção introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 06.04 (revogado pela Lei 16/2020 de 29.05), ou o artigo 7º A da mesma Lei.
Tais artigos surgem na sentença em crise por via da transcrição do acórdão deste TCAS, de 04.03.2021 (processo n.º 233/20.3BECBR-A), que, como refere e bem, “ainda que referente ao anterior regime de suspensão de prazos (que vigorou entre março e junho de 2020), resultante da aplicação de medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARSCoV- 2 e da doença COVID-19”, “tem inteira aplicação face à redação do regime da suspensão de prazos adotada na Lei n.º 4-B/2021”.
Decidiu-se no referido aresto que “Em relação aos processos urgentes, importa não confundir a regra de suspensão dos prazos de caducidade e de prescrição que lhes sejam relativos, prevista - para todo e qualquer processo que corra termos perante os tribunais administrativos - nos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º, da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03. -, com a regra que determinava a não suspensão de prazos processuais nesses processos - inscrita no n.º 7 do citado art. 7.º - e que, como decorre da letra da lei, se refere apenas aos prazos processuais de tramitação destes processos.”
No mesmo sentido e já em idêntico enquadramento legal ao caso que nos ocupa, decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de 23.11.2021 (proc. nº 709/21), disponível para consulta em www.dgsi.pt, assim sumariado:
“I) Os prazos de prescrição e de caducidade já iniciados ou em curso à data da entrada em vigor da Lei 4-B/2021 ou que viessem a iniciar-se posteriormente foram suspensos, só se retomando a partir da data em que viesse a ser declarado o termo da situação excepcional de resposta à pandemia da Covid-19.
II) A suspensão referida em I) foi estabelecida em benefício das partes que, todavia, a ela podiam renunciar.
III) A suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade referida em I) não deve ser confundida com a suspensão dos prazos processuais a que se refere o n.º 1 do artigo 6.º-B da Lei 1-A/2020, nem com a regra que determina a não suspensão de prazos processuais nos processos urgentes inscrita no artigo 6.º-B, n.º 7, o qual se reporta aos prazos processuais de tramitação dos processos urgentes que não se suspenderam nem interromperam e não ao de caducidade para a instauração dos processos urgentes, como acontece no prazo para instaurar o procedimento de suspensão da execução de deliberações sociais, processo que tem natureza urgente.
IV) Embora os prazos para instaurar o procedimento se tivessem suspendido, se o processo urgente já se encontrava pendente os prazos não se suspendem.”
Da mesma forma, a sentença recorrida não efectua qualquer interpretação extensiva do disposto no n.º 3 do artigo 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03. Apenas enuncia a norma, e não só o nº 3 mas também o nº 5, al. c).
Nestes termos, improcede este fundamento de recurso.
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Na improcedência do recurso quanto à matéria de excepção, importa agora conhecer dos fundamentos de recurso quanto ao mérito da causa.
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No âmbito do procedimento concursal para «Concessão de uso Privado para a exploração de um estabelecimento de restauração com esplanada, localizado no Jardim do Campo Mártires da Pátria», o Autor, ora Recorrido, viu a sua proposta excluída, ao abrigo dos artigos 146º, nº 2, al. l) e 62º, nº 4, ambos do Código dos Contratos Públicos e das disposições constantes da Lei nº 96/2015 de 17.08, em especial o art. 54º, nº 1 e o art. 68º, nº 4, com base na falta de assinatura digital do documento “Estudo de projecto de qualificação de estabelecimento”, parte integrante da sua proposta.
Inconformado, o Autor intentou a presente acção, pedindo a anulação da decisão de exclusão da sua proposta e da decisão de adjudicação da proposta da Concorrente O..., LDA., Contra-interessada e ora Recorrente, e, em consequência, pediu ainda a admissão a adjudicação da sua proposta apresentada a Concurso.
Para tanto, arguiu o Autor que a sua proposta não deveria ter sido excluída, pois, ao apor, aquando da submissão da proposta, a sua assinatura eletrónica qualificada em todos os documentos da proposta apresentada, cumpriu todos os específicos objetivos que se pretendia atingir mediante a exigência de aposição de assinatura qualificada; que todos os documentos da proposta foram assinados, individualmente, pelo Autor, em absoluto cumprimento da Lei n.º 96/2015, de 17.08 e no artigo 12.º do Programa, pelo que se impõe a degradação da irregularidade em fundamento não invalidante.
O Tribunal a quo decidiu pela procedência de todos os pedidos formulados pelo Autor.
Em síntese, foi esta a sua fundamentação:

i) A aposição de assinatura eletrónica qualificada tinha de ser feita em cada um dos documentos da proposta antes do seu carregamento na plataforma eletrónica, localmente, nos próprios computadores dos concorrentes;
ii) O que não se verificou quanto ao documento “Estudo do Projeto de Requalificação do Estabelecimento”, tendo o Autor assinado o documento que constitui a sua proposta, com recurso a assinatura eletrónica digital/qualificada, apenas depois do respectivo carregamento na plataforma eletrónica, aquando da sua submissão;
iii) A omissão da formalidade resultante de os ficheiros não terem sido assinados no momento determinado pela lei, mas só em momento posterior, pode ser degradada em formalidade não essencial;
iv) Assim, não podia a proposta do Autor ser – como foi – excluída do procedimento concursal;
v) Destarte, o acto de adjudicação não se pode manter na ordem jurídica;
vi) Anulando-se o acto de adjudicação e o contrato entretanto celebrado, a proposta do Autor deve ser (re)admitida ao procedimento concursal, e, em consequência, a mesma deve ser graduada em 1.º lugar, de acordo com o critério de adjudicação, que consta do artigo 16.º do PP, que é o da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade da avaliação do preço enquanto único aspeto de execução do contrato a celebrar, expresso pelo preço/renda mensal mais elevado, que a mesma apresenta.
As Recorrentes não se conformam com a decisão em crise em termos convergentes, sendo de assinalar que a sua discordância se cinge a um ponto muito concreto, o identificado no item iii), e aos que lhe sucedem apenas por mera decorrência lógica.
Vejamos.
Estabelece o artigo 146º, nº 2, al. l) do Código dos Contratos Públicos (CCP) que, no relatório preliminar, o júri deve propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas que “não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62.º”.
A proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo (cfr. art. 56º, nº 1 do CCP).
O artigo 57º do CCP, na redacção dada pela Lei nº 111-B/2017 de 31.08, elenca, nos nºs 1, 2 e 3, os documentos que constituem a proposta, determinando, no nº 4, que “os documentos referidos nos n.ºs 1 e 2 devem ser assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar”.
O artigo 62º do CCP, também na redacção dada pela Lei nº 111-B/2017 de 31.08, estabelece, sobre o modo de apresentação das propostas e para o que aqui releva, que “Os documentos que constituem a proposta são apresentados diretamente em plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante, sem prejuízo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 115.º” (nº 1), e que “Os termos a que deve obedecer a apresentação e a receção das propostas, conforme o disposto no n.º 1, são definidos por diploma próprio.” (nº 4).
O diploma a que se refere o nº 4 do artigo 62º do CCP é a Lei 96/2015 de 17.08., que regula a disponibilização e a utilização das plataformas electrónicas de contratação pública, tendo revogado o Decreto-lei nº 143-A/2008 de 25.07 e a Portaria nº 701-G/2008 de 29.07.
Sobre “Assinaturas electrónicas”, dispõe o artigo 54º da citada Lei que:
1 - Os documentos submetidos na plataforma eletrónica, pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada, nos termos dos n.os 2 a 6.
2 - Os documentos elaborados ou preenchidos pelas entidades adjudicantes ou pelos operadores económicos devem ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura eletrónica próprios ou dos seus representantes legais.
3 - Os documentos eletrónicos emitidos por entidades terceiras competentes para a sua emissão, designadamente, certidões, certificados ou atestados, devem ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura eletrónica das entidades competentes ou dos seus titulares, não carecendo de nova assinatura por parte das entidades adjudicantes ou do operador económico que os submetem.
4 - Os documentos que sejam cópias eletrónicas de documentos físicos originais emitidos por entidades terceiras, podem ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura eletrónica da entidade adjudicante ou do operador económico que o submete, atestando a sua conformidade com o documento original.
5 - Nos documentos eletrónicos cujo conteúdo não seja suscetível de representação como declaração escrita, incluindo os que exijam processamento informático para serem convertidos em representação como declaração escrita, designadamente, processos de compressão, descompressão, agregação e desagregação, a aposição de uma assinatura eletrónica qualificada deve ocorrer em cada um dos documentos eletrónicos que os constituem, assegurando-lhes dessa forma a força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376.º do Código Civil e do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de abril, sob pena de causa de exclusão da proposta nos termos do artigo 146.º do Código dos Contratos Públicos.
6 - No caso de entidades que devam utilizar assinaturas eletrónicas emitidas por entidades certificadoras integradas no Sistema de Certificação Eletrónica do Estado, o nível de segurança exigido é o que consta do Decreto-Lei n.º 116-A/2006, de 16 de junho, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 161/2012, de 31 de julho.
7 - Nos casos em que o certificado digital não possa relacionar o assinante com a sua função e poder de assinatura, deve a entidade interessada submeter à plataforma eletrónica um documento eletrónico oficial indicando o poder de representação e a assinatura do assinante.
8 - Sempre que solicitado pelas entidades adjudicantes ou pelos operadores económicos, as plataformas eletrónicas devem garantir, no prazo máximo de cinco dias úteis, a integração de novos fornecedores de certificados digitais qualificados.
9 - As plataformas eletrónicas devem garantir que a validação dos certificados é feita com recurso à cadeia de certificação completa.
Sobre “Carregamento de propostas”, dispõe o artigo 68º que:
1 - As plataformas eletrónicas devem permitir o carregamento progressivo, pelo interessado, da proposta ou propostas, até à data e hora prevista para a submissão das mesmas.
2 - O carregamento mencionado no número anterior é feito na área reservada em exclusivo ao interessado em causa e relativa ao procedimento em curso.
3 - A plataforma eletrónica deve disponibilizar ao interessado as aplicações informáticas que permitam automaticamente, no ato de carregamento, encriptar e apor uma assinatura eletrónica nos ficheiros de uma proposta, localmente, no seu próprio computador.
4 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando o interessado realizar o carregamento, na plataforma eletrónica, de um ficheiro de uma proposta, este deve estar já encriptado e assinado, com recurso a assinatura eletrónica qualificada.
5 - As plataformas eletrónicas podem conceder aos interessados a possibilidade de os ficheiros das propostas serem carregados de forma progressiva na plataforma eletrónica, desde que encriptados, permitindo a permanente alteração dos documentos até ao momento da submissão.
(…)
15 - Durante o processo de carregamento, as plataformas eletrónicas devem assegurar aos interessados a possibilidade de substituírem ficheiros já carregados por outros novos, no âmbito do processo de construção de cada proposta.
(…)”.
Por sua vez, o ponto 12 do Programa de Concurso, em referência aos autos, estipula, para o que aqui releva, que as propostas e os documentos que as constituem são apresentados através da plataforma electrónica “saphety” (nº 1); e que as propostas, assim como todos os documentos submetidos na plataforma electrónica devem ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura electrónica dos concorrentes ou dos seus representantes, nos termos do art. 54º da Lei nº 96/2015 de 17.08.
A falta de assinatura que motivou a exclusão do Autor (apenas) foi suscitada e decidida quanto ao documento “Estudo do Projeto de Requalificação do Estabelecimento”.
Ficou provado nos autos que “o documento relativo ao “Estudo do Projeto de Requalificação do Estabalecimento” que integra a proposta do Autor foi assinado eletronicamente aquando da sua submissão na plataforma eletrónica em que foi tramitado o procedimento concursal – Plataforma “SaphetyGov”, sem estar previamente assinado eletronicamente, com recurso a assinatura eletrónica qualificada” (cr. alínea E) do probatório). Matéria esta, de resto, pacífica entre as partes e reconhecida pelo júri.
Entendeu o Tribunal a quo que, nos termos do artigo 68º da Lei 96/2015, se impunha ao Autor assinar todos os documentos em dois momentos diferentes: antes do respectivo carregamento na plataforma electrónica e no momento da submissão da proposta, por decorrer do disposto no citado artigo que “a aposição de assinatura eletrónica qualificada nos documentos antes do seu carregamento na plataforma eletrónica apenas não é exigível quando se verifique a situação prevista no seu n.º 5”, não sendo de subsumir a situação dos autos ao aludido nº 5.
Até este ponto, a sentença em crise não mereceu a censura das Recorrentes. A mesma surge por referência ao passo seguinte dado pelo Tribunal a quo, isto é, quando decide que, não obstante a não observância de todo o formalismo legal (falta de assinatura prévia do documento em causa), ocorre “degradação da irregularidade em fundamento não invalidante, por o cumprimento do formalismo não ser essencial para preservação da integridade do procedimento e, ulteriormente, da validade do ato final no procedimento.”, atenta a assinatura do documento em causa aquando da submissão da proposta do Autor.
Em suma, as Recorrentes insurgem-se contra a aplicação ao caso em apreço da denominada teoria da degradação das formalidades essenciais em não essenciais - hoje convertida em regra legal, nos termos do artigo 163º nº 5, al b) do CPA, nos termos do qual não se produz o efeito anulatório quando o “fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via.”
Vejamos.
Esta temática sobre a qual somos chamados a pronunciar-nos não é nova, tendo sido já objecto de apreciação quer pela doutrina quer pelos nossos Tribunais, sem reunir consensos. Disso são exemplo as diversas decisões judiciais invocadas pelos diferentes intervenientes, quer em sede procedimental quer em sede processual.
O Autor, ora Recorrido, fez-se valer – quer em sede procedimental quer em sede processual - do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, a 06.12.2018, no processo nº 0278/17, disponível para consulta em www.dgs.pt (como, de resto, todos os arestos citados infra, salvo indicação em contrário), também acolhido pela sentença recorrida.
Concluiu o STA, em situação semelhante ao caso sub judice e em apreciação da questão da essencialidade da “primeira assinatura”, que “Estando assente que se teria de considerar que a modalidade de carregamento era a de “ficheiro fechado”, em virtude de a plataforma electrónica utilizada no concurso não ter as potencialidades necessárias para permitir o carregamento progressivo nos termos do mencionado art.º 68.º, n.º 5, e resultando dos factos provados que, em violação do n.º 4 deste art.º 68.º, os ficheiros da proposta da adjudicatária só foram assinados electronicamente depois de carregados no portal, há que averiguar se a formalidade essencial omitida se degradou em não essencial por as funções da assinatura electrónica terem sido asseguradas; e que “Tendo-se provado que todos os ficheiros associados à proposta da adjudicatária foram assinados através de um certificado de assinatura electrónica a ela pertencente e garantindo a plataforma a possibilidade de aferir se uma cópia electrónica que dela tenha sido extraída corresponde ao documento original submetido pelo concorrente, é de concluir que o facto de os ficheiros não terem sido assinados na altura determinada pela lei, mas só em momento posterior, se degrada em formalidade não essencial.
O entendimento propugnado por este aresto foi sendo acolhido pela nossa jurisprudência, inclusive pelos ora decisores, designadamente no que se refere à aplicação da teoria da degradação da formalidade. Veja-se o acórdão do TCAN, de 15.05.2020, proferido no processo n.º 804/19.0BEALM (subscrito, na qualidade de adjunto, pelo ora 2º Adjunto); o acórdão deste TCA Sul, de 30.04.2020, proferido no proc. nº 245/19 (subscrito na qualidade de 1º adjunto, pelo ora 1º Adjunto); e o acórdão também deste TCA Sul, de 26.11.2020, proferido no proc. nº 2222/19 (subscrito pela ora Relatora e pelo ora 1º Adjunto, na qualidade de adjuntos).
Em sentido contrário, veja-se o acórdão do TCA Sul de 28.06.2018 (278/18), revogado pelo supra citado acórdão do STA de 06.12.2018; o ac. do TCA Sul de 19.06.2019 (proc. nº 2226/18) e o ac. do TCAN de 26.01.2018 (proc. nº 280/17), por aplicação da Portaria 701-G/2008.
A 25.11.2021, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu acórdão de uniformização de jurisprudência – em que é acórdão recorrido o acórdão do STA proferido no proc. nº 201/18.4BELLE (que se fundamentou no aludido ac. do STA proferido no proc. nº 278/17) e é acórdão fundamento o acórdão do STA proferido no proc. nº 322/16.9BEFUN – no sentido de que “A submissão de uma proposta num ficheiro em formato PDF assinado digitalmente que agrupou vários documentos autónomos não assinados electronicamente não cumpre a exigência da assinatura individualizada de cada documento imposta pelo n.º 4 do artigo 57.º do CCP e pelo n.º 5 do artigo 54.º da Lei n.º 96/2015.”; acolhendo, assim, o entendimento do acórdão fundamento (proc. nº 322/16).
Não obstante o Acórdão de Uniformização – que não é vinculativo, antes detendo força persuasiva - se refira a factualidade distinta e se centre em normativo legal distinto, aí se discutindo a interpretação a dar ao disposto no artigo 54º, nº 5 da Lei da Lei 96/2015, estando em causa a submissão de uma proposta num ficheiro em formato PDF assinado digitalmente que agrupou vários documentos autónomos, não podemos deixar de atentar à fundamentação que aí obteve vencimento (decisão tomada por maioria com 4 votos de vencido), sobretudo quando afirma que:
“Em suma, a solução vertida no acórdão recorrido, embora dê garantias de integralidade material do cumprimento das exigências do artigo 57.º do CCP, não assegura o cumprimento das exigências formais (assinatura de todos os documentos) e importa ainda saber se esse incumprimento deve considerar-se invalidante da proposta apresentada por violação de desígnio legal ou se pode reconduzir-se ao desvalor de uma irregularidade não invalidante, atento, também, o teor menos claro do disposto no n.º 5 do artigo 54.º da Lei n.º 96/2015. Em outras palavras, cabe, derradeiramente, perceber se uma solução como a professada no acórdão fundamento e naquela que era a jurisprudência pacífica do STA se pode considerar desrazoável, por excessivamente formalista e acolhedora de uma leitura burocratizada da lei.
Ora, é nossa opinião que a interpretação jurídica no âmbito de normas administrativas reguladoras de procedimentos de forte pendor burocrático (caracterizado por estar assente em regras e princípios explícitos), por expressa opção do legislador (por considerar que a burocracia é, neste caso, uma dimensão da garantia dos administrados, leia-se, dos concorrentes), radicada no carácter massificado da sua utilização e na circunstância de a ele estarem obrigados sujeitos jurídicos (públicos e privados, incluindo entidades adjudicantes e co-contratantes) muito diversificados, também nas suas qualificações jurídicas e habilitações técnicas para o uso de meios informáticos, impõe que o teor literal da regra tenha um peso determinante nas soluções. É precisamente neste tipo de procedimentos, pelas suas características e pelas especiais exigências que estão subjacentes à sua aplicação que a regra explícita (a burocracia) e os formalismos ganham qualidades adicionais. A regra explícita e o “modelo de administração fordista” (baseado em actos repetitivos e sem margens para interpretação ao aplicar as regras) é, neste especial circunstancialismo, medida de garantia da materialidade da decisão, por proporcionar um tratamento igualitário e não discriminatório.
Vale isto por dizer que a reserva de acto legislativo, no sentido de obediência estrita ao teor literal da regra legal, é aqui especialmente intensa e que uma modificação do sentido de uma regra explícita há-de resultar de uma modificação legislativa expressa (uma alteração na redacção da lei) e não de uma operação hermenêutica, porque só a primeira tem a força necessária para impor, com segurança jurídica, a alteração do comportamento e da praxe burocrática (seja de quem apresenta a proposta, seja de quem a aceita ou exclui) e só ela pode assegurar a uniformização na aplicação do direito e a plena realização dos princípios materiais (in casu, a concorrência e a igualdade de tratamento) subjacentes às regras.”
Considerando o decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito de um AUJ, temos por necessária, em prol da unidade e coerência de regime legal, uma reponderação do entendimento antes acolhido.
Com efeito, resulta dos votos de vencido que recaíram sobre o AUJ que “… a solução ora firmada se apresenta também ao arrepio da linha e entendimento que havia sido acolhido por este mesmo Supremo Tribunal no acórdão de 06.12.2018 [Proc. n.º 0278/17.0BECTB] proferido numa situação em que a adjudicatária só havia assinado os ficheiros e formulários relativos à proposta após estes estarem carregados na plataforma eletrónica se considerou e admitiu, à luz do art. 68.º, n.ºs 4 e 5, da Lei n.º 96/2015, que a formalidade essencial omitida se degradou em não essencial em virtude de as funções da assinatura eletrónica terem sido asseguradas pela assinatura na plataforma, designadamente as funções identificadora, confirmadora e de inalterabilidade, situação essa que, como vimos, mais grave que a ora sub specie, pois no presente caso o documento eletrónico/ficheiro «PDF» até se mostrava assinado a quando do seu carregamento na plataforma eletrónica.”
Donde, seja por igualdade de razões ou até por maioria de razão, entendemos que, em face do aludido AUJ, numa situação como a dos autos em que a proposta apresentada não observou a formalidade (essencial) de assinatura prévia (e individualizada) do documento (isto é, antes do carregamento do documento na plataforma) - documento que constitui um atributo da proposta, nos termos do art. 57º, nº 1, al. b) do CCP e art. 10º, nº 1, al. c)- ii) do Programa de Procedimento -, tal incumprimento deve considerar-se invalidante da proposta apresentada por violação de desígnio legal, não podendo reconduzir-se ao desvalor de uma irregularidade não invalidante. O mesmo é dizer, não tem aqui aplicação o disposto no art. 163º, nº 5, al. b) do CPA.
Nesta medida, será de concluir que andou bem a Entidade Demandada quando excluiu a proposta do Autor, ora Recorrido, nos termos dos artigos 146º, nº 2, al. l) e 62º, nº 4, ambos do Código dos Contratos Públicos e das disposições constantes da Lei nº 96/2015 de 17.08, em especial o art. 54º, nº 1 e o art. 68º, nº 4.
Nestes termos, procede este fundamento de recurso, devendo a sentença ser revogada.
Mantendo-se na ordem jurídica a decisão de exclusão da proposta do Autor, ficam prejudicados os demais pedidos formulados, que tinham como pressuposto a anulação da decisão de exclusão.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso apresentado pela Entidade Demandada e parcial provimento ao recurso apresentado pela Contrainteressada, revogando a sentença recorrida, e, em substituição, julgar improcedente a acção intentada pelo Autor, ora Recorrido, e, consequentemente, absolver a Entidade Demandada do pedido.
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Custas do recurso apresentado pela Entidade Demandada a cargo do Recorrido.
Custas do recurso apresentado pela Contra-interessada a cargo da Recorrente e do Recorrido, em partes iguais.
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Registe e notifique.
***
Lisboa, 03 de Fevereiro de 2022
Ana Paula Martins
Carlos Araújo
Frederico Macedo Branco