Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:857/12.2BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/22/2019
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:IRS;
DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS;
ÓNUS DE PROVA;
DEVERES DE COLABORAÇÃO.
Sumário:1. Recai sobre a AT o ónus de prova dos factos que consigna na declaração de IRS oficiosamente preenchida por falta de oportuna entrega da declaração de rendimentos do contribuinte.
2. A recusa na entrega de uma certidão do estado civil de casado contribuinte, solicitada a este, é motivo para aplicação de coima por violação dos deveres de colaboração, nos termos do artigo 128.º do CIRS e 117.º do RGIT, mas não legitima a não aplicação do coeficiente conjugal, se a AT não provar a alteração desse estado em face dos elementos de que dispõe.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1. Relatório

1.1. As partes e o objeto do recurso

M...................., não se conformando com a sentença do TAF de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial interposta contra a liquidação de IRS do ano de 2009, veio interpor recurso jurisdicional dessa liquidação, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:

1.ª Não se conforma a ora recorrente com a perspectiva vertida na douta sentença recorrida que julga improcedente a impugnação judicial.

2.ª Comprovadamente na data de 31 de Dezembro de 2009 apresenta o estado civil de casada impugnando a factualidade não provada na douta sentença recorrida.

3.ª As declarações modelo 3 de IRS não foram alegadamente apresentadas pela impugnante mas apresentadas pelos cônjuges casados.

4.ª A falta de meios para requerer certidão de casamento junto de uma Conservatória do Registo Civil é real, resultando a prova da comprovada insuficiência económica que dá lugar ao deferimento do pedido de apoio judiciário que lhe foi concedido, evidenciando o documento a composição do agregado familiar, dois filhos e cônjuge, num total de 4 pessoas, com 6 221,53 € de rendimento anual à data de 29 de Junho de 2012, data em que apresenta o pedido.

5.ª Se o custo de uma certidão pode não ter relevância para determinados rendimentos, para outros equivale a várias refeições de uma família e, quando tem de se fazer opções, necessariamente que em primeiro lugar está a alimentação dos filhos e depois o resto.

6.ª Informa os serviços da sua insuficiência económica e parte do pressuposto que, se em anos anteriores ninguém lhe pede a comprovação do estado civil, de casada, a ser indispensável, tratando-se de informação pública, sempre terão os serviços a possibilidade de obter essa comprovação.

7.ª Ao invés disso, decidem os serviços indeferir os pedidos na fase administrativa do processo acabando a sentença recorrida a corroborar a mesma perspectiva quando se impunha uma maior sensibilidade visto o motivado e a prova documental constante dos autos

8.ª Reitera a recorrente, a liquidação oficiosa de IRS do exercício de 2009, não levou em consideração o agregado familiar da impugnante.

9.ª Tem o cuidado de informar os serviços que não dispõe de condições para pagar o simples custo de uma certidão de casamento, uma vez que o rendimento actual, nem para comer é suficiente.

10.ª Prova disso os elementos carreados para o pedido de apoio judiciário, que demonstram de imediato a insuficiência económica de que padece, tendo o pedido merecido despacho de deferimento.

11.ª Donde, andou mal a decisão recorrida ao deixar expresso que não demonstrou a ora recorrente qual o seu rendimento liquido nem quais as suas despesas por forma a aferir dessa impossibilidade tal como lhe competia, julgando por isso improcedente a impugnação judicial, mantendo assim na ordem jurídica a liquidação oficiosa de IRS impugnada, cuja tributação nada tem a ver com a tributação do rendimento real do agregado familiar regularmente constituído.


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A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações

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A Exm.ª Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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1.2. Questões a decidir

- Determinar se a falta de apresentação de certidão do estado civil de casada da recorrente impede, em caso de declaração de IRS oficiosamente preenchida, a aplicação do coeficiente conjugal


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2. Fundamentação

2.1. De facto

2.1.1. Factos provados da decisão recorrida:

a. No dia 03 de Outubro de 2010, os serviços da administração tributária iniciaram um procedimento de análise de divergências, em nome da Impugnante, por a mesma não ter apresentado a declaração de rendimentos modelo n.º 3 de IRS, relativa ao ano de 2009, e por ter auferido rendimentos nesse ano (cfr. detalhe de situação irregular, de fls. 15 e 16 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

b. No dia 08 de Novembro de 2010, na sequência do procedimento identificado no ponto antecedente, os serviços da administração tributária emitiram uma declaração oficiosa em nome da Impugnante, relativa ao ano de 2009, onde indicaram residência fiscal no continente, estado civil de solteira, viúva, divorciada ou separada judicialmente e rendimentos de trabalho independente (cfr. declaração oficiosa, de fls. 07 e 08 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

c. No dia 07 de Fevereiro de 2011, com base na declaração identificada no ponto antecedente, os serviços da administração tributária emitiram a liquidação de IRS e de juros compensatórios n.º ...................., no valor a pagar de € 3.795,87 (cfr. liquidação de imposto, de fls. 09 e 10 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

d. No dia 14 de Julho de 2011, deu entrada no Serviço de Finanças de Torres Novas uma reclamação graciosa apresentada pela impugnante contra a liquidação identificado no ponto antecedente, onde se pode ler, designadamente que “

(…)

Dos Factos/Do Direito

1. Através do registo postal n.º ....................., foi a reclamante notificada do acto de liquidação supra identificado no valor de 3.795,87 €, ocorrendo o termo do prazo para pagamento voluntário a 16 de Marco de 2011.

2. Contudo, padece o acto notificado de ilegalidade, na medida em que apenas considerou, para efeitos de agregado familiar, um dos cônjuges.

3. A reclamante é casada, não se encontrando sequer, separada de facto.

4. Donde deve a administração tributária, considerar no acto de liquidação emitido, o respectivo agregado familiar.

Termos em que nos melhores de direito deve a presente reclamação ser recebida por em tempo, decidindo a douta decisão pela anulação da liquidação emitida, substituindo-a por outra, que tenha em atenção a composição do agregado familiar.

(..)" (Cfr. petição de reclamação graciosa e data aposta nessa petição, de fls. 03 e 04 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

e. Através do oficio n.º ...., de 21 de Julho de 2011, o Serviço de Finanças de Torres Novas comunicou à Impugnante, designadamente, que

"(...)

Estando pendente de instrução do processo de reclamação graciosa em epígrafe, e não sendo apresentados os documentos para a prova inequívoca dos factos alegados. No âmbito do disposto no n° 3 do artigo 59° da Lei Geral Tributária (LGT), fica V. Exa. por este meio notificada, para no prazo de 10 DIAS, (n° 1 do artigo 23° e 40° do CPPT) a contar da data da assinatura do aviso de recepção (n° 3 do artigo 39° do artigo 39° do CPPT) remeter a este Serviço de Finanças, os seguintes documentos:

- Bilhete de Identidade/Cartão de Cidadão e Número de Identificação Fiscal do cônjuge; - Fotocópia do Assento de Casamento.

Findo este prazo sem que se mostre cumprido o solicitado, será o processo informado de acordo com os elementos disponíveis, considerando o disposto no n° 1 do artigo 74° da Lei Geral Tributária "O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque".

(cfr. Oficio, de fls. 18 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

f. No dia 09 de Agosto de 2011, deu entrada no Serviço de Finanças de Torres Novas a resposta da Impugnante ao oficio descrito no ponto antecedente onde se pode ler, designadamente, que

"(...)

notificada para efeitos do que dispõe o n.° 3 do artigo 59.° da Lei Geral Tributária, vem informar V. Ex.ª que não está obrigada a apresentação de qualquer dos documentos solicitados, considerando que é do conhecimento da Administração Tributária, desde logo pelos elementos que constam nos seus arquivos, os elementos identificativos do cônjuge e bem assim a sua situação de casada.

(cfr. resposta, de fls. 21 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se da por integralmente reproduzido);

g. No dia 23 de Agosto de 2011, o Serviço de Finanças de Torres Novas elaborou uma informação onde se pode ler, designadamente, que:

Provas Documentais

Documentos juntos pela reclamante

Não foram juntos aos autos quaisquer documentos.

Documentos juntos pelo Serviço

Prints referentes a situação do contribuinte “Faltoso Modelo

Prints da declaração oficiosa elaborada em 18/11/2010.

Prints referentes a situação da liquidação reclamada.

INFORMAÇÃO/PARECER

(….)

DA ANALISE DO PEDIDO

A liquidação resultou de correcções efectuadas pela Administração Fiscal, no âmbito de analise interna, pelo facto do sujeito passivo ser considerado "Faltoso", no ano de 2009, com o fundamento estabelecido na alínea b) do n° 1 do artigo 76° do CIRS.

O contribuinte M..................... está colectada pela actividade de "COM. RET. ARTIGOS DESPORTO, CAMPISMO E LAZER, ESTAB. ES" CAE 047640, enquadrada para efeitos de tributação em sede de IRS, no Regime Simplificado no período de 2008.01.01 a 2010.12.31 e em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado no Regime Normal com periodicidade trimestral.

Não ocorrendo a apresentação das declarações nos prazos legais, a administração tributária precede à liquidação do imposto.

A reclamante foi notificada por carta registada, nos termos do n° 3 do artigo 76° do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), através do Registo dos CTT número...................., para, ao abrigo do n° 3 do artigo 76° do CIRS, apresentar a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS no prazo de 30 dias ou exercer o seu direito de audição no referido prazo.

Através do sistema informático da DGCI, verifica-se que a notificação supra mencionada foi recepcionada em 08/10/2010, conforme fls. 17 dos autos.

No prazo acima referido não entregou a declaração de rendimentos, nem comunicou à administração fiscal o Número de Identificação Fiscal (NIF) do seu cônjuge em 31 de Dezembro do ano de 2009.

Nestes termos, aplicou-se o procedimento previsto na alínea b) do n° 1 e no n° 3 do artigo 76° do CRS que resultou na liquidação oficiosa de imposto, com base nos elementos de que a administração tributária dispunha, não se atendendo ao disposto no artigo 70° (mínimo de existência) e sendo apenas efectuadas as deduções previstas na alínea a) do n° 1 do artigo 79° (dedução pessoal do sujeito passivo) e no n° 3 do artigo 97° (retenções na fonte e pagamentos por conta).

Deste modo, foi emitida a liquidação oficiosa resultando imposto a pagar no montante de € 3.724,85.

Acresce que, nos termos do disposto pelo artigo 35° da Lei Geral Tributária (LGT) ao valor do imposto apurado foram calculados os respectivos juros compensatórios, em virtude da liquidação ter sido retardada por facto imputável ao sujeito passivo.

Estabelece o n.º 1 do artigo 35° da LGT que "São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária."

Dispõe ainda o n° 3 do artigo 35° da LGT que "Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, do termo do prazo de entrega do imposto a pagar antecipadamente ou retido ou a reter, ate ao suprimento, correcção ou detecção da falta que motivou o retardamento da liquidação."

Estabelece, ainda, o n° 4 da mesma disposição legal "Para efeitos do número anterior, em case de inspecção, a falta considera-se suprida ou corrigida a partir do auto de notícia."

O montante de juros compensatórios de € 71,02 foi calculado sobre o imposto apurado de € 3.724,85, pelo período compreendido entre 2010/05/29 a 2010/11/18 (data da instauração do auto de noticia pela não apresentação da declaração modelo 3 de IRS).

A contribuinte invoca no procedimento que é casada, sem contudo comunicar o Número de Identificação Fiscal do cônjuge em 31 de Dezembro do ano acima indicado, nem efectua prova do alegado.

A Lei Geral Tributária (LGT), refere que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

Assim sendo, foi a reclamante notificada através de carta registada com aviso de recepção em 28/07/2011 através do ofício ....., Registo ................... para fazer prova do alegado, conforme aviso de recepção a fls. 20.

Através do requerimento de fls. 21 dos autos, enviado a este Serviço de Finanças vem a reclamante alegar que não está obrigada a apresentação de qualquer dos documentos solicitados, considerando que é do conhecimento da Administração Tributária, desde logo pelos elementos que constam nos seus arquivos, os elementos identificativos do cônjuge e bem assim a sua situação de casada.

Dispõe o n° 1 do artigo 74° da LGT “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque."

Dispõe o n.º 1 do artigo 342° do Código Civil "Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado".

Estabelece o n.º 7 do artigo 13° do CIRS “A situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite." (Negrito nosso)

Como exposto anteriormente, a reclamante foi notificada para informar a administração fiscal do NIF do cônjuge em 31 de Dezembro do ano de 2009. Contudo, não apresentou declaração de rendimentos, nem prestou qualquer informação.

Logo, não podemos concordar com o alegado pela reclamante, por não ser do conhecimento da administração tributária a situação pessoal e familiar da reclamante no último dia do ano a que o imposto respeite.

Assim sendo, na liquidação efectuada não se verificam quaisquer preterições de formalidades legais, e, deste modo, conclui-se pela legalidade da liquidação.

Apesar de notificada através do ofício n° .... de 2011/07/21 para apresentar prova documental dos factos que pretende ver considerados, não fez prova do alegado.

Considerando o disposto no n° 1 do artigo 74° da LGT conjugado com o artigo 342° do Código Civil "Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado", propõe-se o indeferimento do pedido.

Propõe-se, ainda que, em obediência ao disposto no artigo 60.° N° 1, alínea b) da Lei Geral Tributária, se notifique o reclamante para no prazo de 10 (dez) dias, contados continuamente e após o 3° dia posterior ao do registo, se pronunciar por escrito sobre o teor do acto notificado, remetendo-lhe para o efeito, fotocopia do projecto de decisão que vier a ser proferido, e da presente informação.

(...)"

(cfr. Informação, de fls. 27 a 29 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se da por integralmente reproduzido);

h. Sobre a informação descrita na alínea antecedente recaiu um despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Torres Novas, datado de 25 de Agosto de 2011, no sentido de

"O Pedido é legal, tempestivo e a parte tem legitimidade.

Considerando a informação que antecede, a qual fica a fazer parte integrante do presente despacho decisório, nos termos do n° 1 a 2 do artigo 77° da Lei Geral Tributária, o pedido irá ser INDEFERIDO NA TOTALIDADE, nos termos propostos.

Em obediência ao disposto no art°. 60°, n.º 1, alínea b) da LGT, NOTIFIQUE-SE o reclamante para, no prazo de 10 dias, contados continuamente, se pronunciar por escrito, querendo, sobre o teor do acto notificado, remetendo-lhe para o efeito, cópia do projecto de decisão e da informação.

(..)"

(cfr. despacho, de fls. 27 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se da por integralmente reproduzido);

i. Através do oficio n.º ...., de 25 de Agosto de 2011, o Servico de Finanças de Torres Novas comunicou a Impugnante, designadamente, que:

“(...) Em cumprimento do disposto no art°. 60°, n° 1, alínea b) da Lei Geral Tributária - exercício de participação (audição) dos contribuintes no procedimento tributário, fica V. Exa. por este meio notificado do projecto de decisão, exarado na reclamação graciosa supra identificada, bem como, da respectiva fundamentação que lhe esta subjacente.

Caso V. Ex°. pretenda pronunciar-se sobre o teor do acto notificado, devera faze-lo por escrito, no prazo de 10 (dez) dias (n° 6 do referido artigo), contados continuamente (art°. 57°., n° 3 do mesmo diploma legal) após o 3° dia posterior ao do registo ou no 1° dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja útil ( n° 3 do art° 38° e n° 1 do art°. 39°, ambos do Código de Procedimento e do Processo Tributário) (..)"

(cfr. Oficio, de fls. 30 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se da por integralmente reproduzido);

j. No dia 09 de Setembro de 2011, deu entrada no Serviço de Finanças de Torres Novas a resposta da Impugnante ao oficio descrito no ponto antecedente, onde se pode ler, designadamente, que

“(…) vem, nos termos do que disposto no n.º 1 do art. 60.° da Lei Geral Tributária (LGT) exercer o seu direito de participação na formação da decisão, com os seguintes fundamentos:

A reclamante foi notificada do projecto de decisão da reclamação graciosa supra identificada, para efeitos do exercício do contraditório.

Contudo; constata, que insiste o órgão decisor no pedido de elementos, que esta dispensada a contribuinte de apresentar.

A informação que pretende o órgão decisor, está na disponibilidade da AT e, nesse sentido dispensa a lei, que a mesma tenha de ser apresentada pelo contribuinte.

Termos em que reitera a reclamante o pedido formulado em sede de p.i. de reclamação graciosa, devendo o órgão decisor proceder a reapreciação do pedido, notificando a reclamante de novo projecto de decisão, no qual seja contemplada a sua situação de casada

(..)"

(cfr. resposta, de fls. 33 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se da por integralmente reproduzido);

k. No dia 12 de Setembro de 2011, o Serviço de Finanças de Torres Novas elaborou uma informação, onde se pode ler, designadamente, que:

“(…) Verifica-se contudo que os factos e alegações trazidas para o processo pela reclamante, em sede de direito de audição, pouco trazem de novo ou acrescentam aos constantes da sua petição inicial, pelo que não nos parece susceptíveis de impor nova apreciação nem de alterar o sentido da decisão constante do projecto de despacho de fls. 27.

Em face do exposto, entendemos que se deve manter o indeferimento, com os fundamentos constantes da informação de fls. 27 a 29.

(..)"

(cfr. informação, de fls. 35 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se da por integralmente reproduzido);

l. Sobre a informação descrita no ponto antecedente recaiu um despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Torres Novas, datado de 12 de Setembro de 2011, no sentido de:

“O pedido é legal, tempestivo e a parte tem legitimidade.

Considerando as informações que antecedem de fls. 27 a 29 e 35, as quais foram a fazer parte integrante do presente despacho decisório, nos termos do n° 1 e 2 do artigo 77° da Lei Geral Tributária, mantenho o indeferimento do pedido, por falta de prova do alegado.

Em obediência ao disposto no n° 6 do art°. 77°, da Lei Geral Tributária, NOTIFIQUE-SE o reclamante, remetendo-lhe fotocópia não só do presente despacho mas também das informações que lhe estão subjacentes.

(cfr. despacho, de fls. 36 do processo de reclamação graciosa, em apenso, cujo teor se da por integralmente reproduzido);

m. No dia 24 de Outubro de 2011, deu entrada no Serviço de Finanças de Torres Novas um recurso hierárquico da Impugnante contra a decisão descrita nos pontos antecedentes, onde se pode ler, designadamente, que

"(...)

Dos Factos

1. A recorrente foi notificada através do registo postal n.º ...................., do acto de liquidação supra identificado no valor de 3 795,87 € respeitante ao exercicio de 2009.

2. Contudo, constata que padece o mesmo de ilegalidade, na medida em que apenas considera, para efeitos de agregado familiar, um dos cônjuges.

3. Apresentada reclamação graciosa é notificada para audição prévia sobre o projecto de decisão de indeferimento.

4. Exercido o direito à audição prévia, a 21 de Setembro de 2011, através do ofício n.º ..... do Serviço de Finanças de Torres Novas, notificada da decisão de indeferimento do pedido formulado em sede de reclamação graciosa.

5. E desta decisão que interpõe recurso hierárquico, por padecer a mesma de erro notório.

Do Direito
6. A recorrente foi notificada do acto de liquidação relativo ao exercício de 2008.

7. Contudo constata que não foi tido em consideração a verdadeira composição do agregado familiar, em conformidade com o que dispõe o artigo 13.° do CIRS, situação do conhecimento do órgão decisor não apenas por declarações de rendimentos entregues em exercícios anteriores, como por constar expressamente em informação prestada pelos Serviços, em sede de reclamação do acto de liquidação do exercício de 2008.

8. Em sede de audição prévia, procede o Serviço de Finanças a notificação da reclamante para efeitos de apresentar certidão de casamento.

9. Ora, a recorrente não tem que fazer prova de situações que são do conhecimento da administração tributária.

10. Aliás se dúvidas houvesse a respeito da composição do seu agregado familiar, necessariamente que teriam surgido em exercícios anteriores em que apresentou a sua declaração de rendimentos conjuntamente com o seu marido.

11. Acrescendo, que uma certidão de casamento custa dinheiro e a recorrente neste momento não o tem, pois vivem sérias e grandes dificuldades financeira, dados os parcos rendimentos de que dispõe.

12. Sendo certo ainda que podem os Serviços usar dos meios de que dispõem no sentido de aferir a composição do agregado familiar.

13. Em sede de decisão definitiva, constata a recorrente, que em nenhum momento da informação de 23 de Agosto de 2011 e 12 de Setembro de 2011, e feita referencia expressa ao verdadeiro motivo que consubstancia o indeferimento da pretensão.

14. Já que a recorrente, não deixou de entregar um documento qualquer mas um documento que, a ser necessário, o que só por hipótese se coloca, é acessível ao conhecimento dos Serviços, gratuitamente.

15. Donde deve a administração tributária, revogar a decisão proferida, substituindo-a por outra que anule a liquidação de que se recorre, por não ter levado em consideração a composição correcta do agregado familiar.

Termos em que nos melhores de direito deve o presente recurso hierárquico ser aceite por estar em tempo concedendo-se provimento ao recurso por provado, determinando a douta decisão,

a revogação do despacho que indefere a petição de reclamação graciosa, por ter sido proferida por órgão incompetente. Entendendo-se pela competência do órgão, revogada ainda a decisão, anulando a liquidação de IRS de 2009, na medida em que se apresenta a mesma ferida do vício da violação de lei.

(cfr. Petição de recurso e data aposta nessa petição, de fls. 02 a 05 do processo de recurso hierárquico em apenso, cujo teor se da por integralmente reproduzido);

n. No dia 13 de Fevereiro de 2012, a Divisão de Administração da Direcção de Serviços de IRS elaborou uma informação, onde se pode ler, designadamente, que

(…) B — APRECIAÇÃO DO RECURSO
13. Conforme descrição dos factos, verifica-se que a aqui Recorrente não procedeu entrega da competente declaração de rendimentos Mod. 3 de IRS, referente ao ano 2009.

14. Por conseguinte, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 76.°, N.º 3 do CIRS foi emitida uma declaração oficiosa, que deu lugar a liquidação oficiosa n.º ......................., no montante global de €3.795,87, correspondente a €3.724.85 a título de imposto e €71,02 a título de juros compensatórios.

15. Em suma, no presente recurso hierárquico, veio a Recorrente alegar que na liquidação oficiosa não foi tida em consideração a composição do seu agregado familiar, nomeadamente o seu estado civil de "casada''.

16. Sucede que, não obstante ter sido notificada para o efeito, nunca veio a Recorrente apresentar prove do seu estado civil verificando-se que, no período entre 2006-2010, ou não foi apresentada declaração de rendimentos, ou não há identidade entre a situação pessoal e familiar indicada nas declarações.

Vejamos:
17. No ano de 2006, foi entregue pela Recorrente a declaração de rendimentos Modelo 3, tendo sido indicada a situação de "casada" com o sujeito passivo V......................, com o NIF ................

18. No ano de 2007, a Recorrente não entregou a declaração de rendimentos sendo que, ao sujeito passivo V......................, foi emitida uma declaração oficiosa, tendo a liquidação sido efetuada com base na situação pessoal "solteiro, viúvo, divorciado ou separado judicialmente".

19. No ano de 2008, a Recorrente não entregou, uma vez mais, a declaração de rendimentos, tendo sido efetuada a liquidação oficiosa sem considerar o estado civil de casada.

20. Já no tocante ao sujeito passivo V......................., verifica-se que o mesmo não apresentou declaração de rendimentos.

21. No ano de 2009, conforme resulta da factualidade supra descrita, a Recorrente não procedeu à entrega da declaração de rendimentos tendo sido emitida a liquidação oficiosa.

22. Nesse ano, também o sujeito passivo V....................... não procedeu à entrega da competente declaração de rendimentos.

23. Por fim, no ano 2010, a Recorrente apresentou voluntariamente a declaração de rendimentos, tendo indicado o estado civil de "casada".

24. Resulta, pois, que apenas nos anos 2006 e 2010 foi entregue a competente declaração de rendimentos Mod. 3 de IRS com a indicação expressa do estado civil "casada" na situação pessoal e familiar da contribuinte.

25. Sendo que, no período compreendido entre 2006-2010, não procedeu a Recorrente entrega da competente declaração de rendimentos Mod. 3, originando a emissão de declarações oficiosas nos anos 2008 e 2009.

26. Por conseguinte verifica-se que, naquele período, não existe identidade, nem regularidade na apresentação da competente declaração de rendimentos e respetiva informação sobre a situação pessoal e familiar da contribuinte subjacente a liquidação do imposto.

27. In casu, vem a Recorrente invocar que a liquidação oficiosa não teve em consideração o seu estado civil de "casada".

28. Ora, nos termos do artigo 13.°, n.º 7, do CIRS, -a situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante pare efeitos de tributação 6 aquela que se verificar no ultimo dia do ano a que o imposto respeita''.

29. Pelo que, no tocante ao IRS de 2009 da Recorrente, seria relevante a sua situação pessoal e familiar a data de 2009-12-31.

30. Dispõe o artigo 74.°, n.º 1 da LGT, o Ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque".

31. Assim, invocando a Recorrente o estado civil de “casada", sempre lhe caberia fazer prova desse mesmo facto a data relevante para efeitos de consideração da sua situação pessoal e familiar.

32. Porem, não obstante as inúmeras oportunidades de que dispôs, designadamente em sede de exercício do direito de audição prévia aquando da notificação do projecto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, a mesma sempre se furtou a fazer prova desse facto.

33. Mais, estando a Recorrente vinculada pelo Princípio da Colaboração, que sempre deverá pautar as relações entre a Administração Tributária e os Contribuintes, é por demais evidente que, ao atuar nos termos descritos, atentou contra o aludido princípio.

34. Acresce que, conforme referido, apenas nos anos 2006 e 2010 foi entregue a competente declaração de rendimentos Mod. 3 com a indicação do estado civil "casada", sendo que, entre os identificados anos não procedeu a Recorrente à entrega da declaração de rendimentos.

35. Assim, tendo por base essa factualidade, nunca poderia a Administração Tributária presumir ou assumir o estado civil da Recorrente para efeitos de declaração de rendimentos de IRS do ano 2009, sempre cabendo à Recorrente fazer prova da sua situação pessoal e familiar à data de 2009-12-31.

36. Resulta, pois, que, não obstante as inúmeras oportunidades de que dispôs, a Recorrente não carreou quaisquer factos ou documentos que sustentem o seu estado civil a data de 2009-12-31.

37. Pelo que, nenhuma prova foi feita quanto à situação pessoal e familiar da Recorrente, devendo manter-se a liquidação oficiosa nos exatos termos em que foi emitida.

C - CONCLUSÕES

Considerando que a Recorrente, não obstante as inúmeras notificações para o efeito, não carreou quaisquer factos ou documentos para prova da sua situação pessoal e familiar a data de 2009-12-31, em especial quanto ao invocado estado civil de casada, propõe-se que o presente recurso hierárquico seja indeferido, notificando-se a Recorrente para, querendo, exercer o direito de audição, em conformidade com o estabelecido no artigo 60.°, n.º 1, al. b) da Lei Geral Tributária

(cfr. informação, de fls. 38 a 43 do processo de recurso hierárquico, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

o. Sobre a informação descrita no ponto antecedente recaiu um despacho da Chefe da Divisão de Administração, da Direcção de Serviços do IRS, datado de 13 de Fevereiro de 2012, no sentido de "Notifique-se a recorrente do projecto de despacho de indeferimento do pedido, para efeitos do disposto no art. 60.° da LGT.

(...)" (cfr. despacho, de fls. 38 do processo de recurso hierárquico, em apenso, cujo teor se da por integralmente reproduzido);

p. Através do oficio n.º ...., de 15 de Fevereiro de 2012, a Divisão de Administração, da Direcção de Serviços de IRS comunicou a Impugnante, designadamente, que

“(…) No seguimento da interposição de recurso hierárquico, fica V. Exa. notificada, nos termos do disposto nos artigos 60.° da Lei Geral Tributária (LGT) e 45.° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), para efeitos de exercício do direito de audição prévia sobre o seguinte projecto de despacho:

(...)

Assim, tomando em consideração os factos e fundamentos vertidos no projeto de despacho supra exposto, propõe-se o indeferimento do recurso hierárquico do despacho que indeferiu o pedido de reclamação graciosa n.º ...................., referente a liquidação oficiosa do IRS de 2009.

Pelo que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 60.° da LGT, fica V. Exa. notificada para, querendo, pronunciar-se, por escrito, sobre o presente projeto de despacho, no prazo de 10 dias contados continuamente a partir do 3.° dia posterior ao do registo ou no 1.° dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (cf. artigo 57.°, n.º 3, da LGT e artigos 20.°, n.º 1 e 39.°, n.º 1, ambos do CPPT).

(...)"

(cfr. Oficio, de fls. 44 do processo de recurso hierárquico, em apenso, cujo teor se da por integralmente reproduzido);

q. No dia 12 de Marco de 2012, a Divisão de Administração, da Direcção de Serviço de IRS elaborou uma informação, onde se pode ler, designadamente, que

"(...)

Porém, verifica-se que decorrido o prazo concedido pare o exercício do competente direito de audição (cf. artigo 57.°, n.º 3 da LGT, artigo 279.° do Código Civil, aplicável ex vi artigo 20.° CPPT, e artigos 38.°, n.º 3 e 39.°, n.º 1 do CPPT), não veio a Recorrente exercer o direito que legalmente lhe assiste.

Por conseguinte, inexistem quaisquer novos factos ou circunstâncias que fundamentadamente possam influir no sentido do projeto de decisão de indeferimento do recurso hierárquico anteriormente formulado.

6. Assim, atento o enquadramento fáctico supra, bem como os factos e fundamentos vertidos no projeto de decisão de indeferimento do recurso hierárquico, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos (cf. artigo 77.° LGT), propõe-se que o mesmo seja convolado em definitivo e, em consequência, o recurso hierárquico será indeferido.

(...)"

(cfr. informação, de fls. 48 e 49 do processo de recurso hierárquico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

r. Sobre a informação descrita no ponto antecedente recaiu um despacho da Directora de Serviços de IRS, datado de 21 de Marco de 2012, no sentido de "Concordo, pelo que converto em definitivo o projecto de despacho de indeferimento de recurso.

(...)"

(cfr. despacho, de fls. 48 do processo de recurso hierárquico, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

s. Através do ofício n.º ...., de 30 de Marco de 2012, a Divisão de Justiça Tributária, da Direcção de Finanças de Santarém, comunicou a Impugnante a decisão descrita nos pontos antecedentes (cfr. oficio, de fls. 55 do processo de recurso hierárquico, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

t. No dia 03 de Abril de 2012, a Impugnante recebeu o ofício identificado no ponto antecedente (cfr. assinatura e data apostas no aviso de recepção, de fls. 56 do processo de recurso hierárquico, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

u. No dia 02 de Julho de 2012, a Impugnante remeteu a presente impugnação judicial a este Tribunal, via postal registada (cfr. envelope e selo dos CIT aposto no envelope, de fls. 09 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


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2.1.2. - Aditamento à matéria de facto

Nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, adita-se os seguintes factos:

v. A recorrente esteve casada com V....................., desde 20-08-1993, até 29-03-2016, data em que o casamento foi dissolvido por divórcio, por decisão transitada em julgado nessa data, da Conservatória do Registo Civil de Torres Novas (cfr. certidão de registo civil que antecede, oficiosamente solicitada por este tribunal).


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2.1.3 – Factos não provados

Nenhuns


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2.2. O Direito

Para além de outras características que lhe são próprias, o IRS configura-se como um imposto essencialmente declarativo. Isto, porque, o apuramento do imposto faz-se, em regra, a partir da auto-declaração de rendimentos de cada contribuinte, operação que constitui um dever destes, agora fortemente atenuada com o novo mecanismo de declaração automática (1), que todavia não se aplica à situação dos autos, dada o período temporal a que respeita.

Por isso, à data a contribuinte, ora recorrente, estava vinculada a declarar os rendimentos obtidos no ano anterior, a situação pessoal e familiar e as despesas que constituem deduções à colecta.

As declarações presumem-se verdadeiras e prestadas de boa-fé nos termos do artigo 59.º e do n.º 1 do artigo 75.º da LGT.

A obrigação declarativa corporiza a satisfação de deveres de cooperação que ultrapassam a “mera obrigação da prestação pecuniária (2).

Deveres cujo cumprimento é fiscalizado pela autoridade tributária, podendo a sua inobservância dar lugar à aplicação de normas sancionatórias previstas no RGIT.

A fiscalização do cumprimento declarativo e a avaliação da sua correcção são feitas pela AT através de dois métodos: avaliação directa e avaliação indirecta, como de resto acontece noutros casos que não só o IRS.

É o que sucede quando se verificam as situações elencadas nas alíneas a) a d) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT.

No caso vertente, apesar de não tendo sido observado o dever de cooperação por parte da recorrente, a AT procedeu à avaliação directa da matéria tributável desta, aliás cumprindo o ditame do artigo 81.º da LGT, que impede a aplicação do método indirecto em todos os casos que a lei o não preveja, pois que o artigo 87.º da LGT determina que a avaliação indirecta só é utilizada quando exista “impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”.

Por isso, como a avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa (cfr. artigo 85.º da LGT), à AT compete provar os pressupostos da sua utilização, cabendo ao contribuinte o ónus de provar o excesso da quantificação da matéria tributável.

Note-se, porém, que quer a avaliação indirecta como a avaliação directa têm como fito primordial apurar a matéria tributável e não tanto determinar os restantes elementos atinentes à pessoa do contribuinte que, obtida aquela, vão definir o quantum do imposto a pagar, designadamente o estado civil.

Ora, o que está em causa no caso presente é tão-somente saber se compete à AT provar a alteração do estado civil da recorrente ou se recai sobre esta o ónus de provar a manutenção do estado civil que anteriormente tinha indicado (em 2006, pelo menos), como decorre da matéria de facto.

A sentença entendeu, na linha de raciocínio da AT, que competia à recorrente provar que era casada e, bem assim, indicar o NIF do marido. Será assim?

No procedimento tributário vigora o princípio da plenitude probatória (artigo 72.º da LGT e artigo 50.º do CPPT), que postula a possibilidade do órgão instrutor do procedimento recorrer a todos os meios de prova legalmente admitidos em direito e que se mostrem necessários para a decisão. Este princípio consagra um verdadeiro poder-dever: por um lado permite à AT uma larga indagação em matéria de prova mas, por outro lado, impõe-lhe que a faça para suportar correcta e factualmente a decisão que vier a tomar no procedimento.

Aliás, vigora no procedimento tributário um ónus de prova objectivo, quer recai sobre a Administração (3). Sem prejuízo, obviamente, da regra de prova prevista no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, segundo a qual a prova dos factos compete a quem os invoca a seu favor. Regra que mais não é do que a transposição para o direito tributário da regra contida no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

Acresce que nos termos do artigo 58.º da LGT, que consagra o princípio do inquisitório, a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material.

É certo que nos termos do artigo 59.º, n.º 4, da LGT os contribuintes estão vinculados ao já referido dever de colaboração, no que concerne ao cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e à prestação dos esclarecimentos que a AT lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiros.

As obrigações acessórias “previstas na lei” reconduzem-se às “que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações” (artigo 31.º, n.º 2, da LGT).

Mas o incumprimento das obrigações acessórias, podendo dar origem a sanções nos termos do RGIT, não legitima a fixação de uma matéria tributável diferente da real (muito menos a título sancionatório), e muito menos ainda um montante de imposto a pagar que não seja suportado pelas normas de incidência aplicáveis a cada facto tributário.

Ora, o artigo 128.º do CIRS, estabelece como obrigação acessória das pessoas sujeitas a IRS a apresentação, “no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija”, mas tal obrigação deve ser entendida, segundo a interpretação que nos parece a mais adequada para a norma, como se referindo à declaração apresentada e não à declaração oficiosa. Isto porque, se é indubitável que a prova dos factos contidos na primeira pertence ao contribuinte, que os invoca (artigo 74.º, n.º 1, da LGT), já não é assim na segunda, em que o contribuinte é alheio ao seu preenchimento.

Regressando ao caso presente constata-se que quem invoca a alteração do estado civil de casado para não casado (nas suas várias modalidades) é a AT e não a recorrente. Esta argumentou, aliás, que não tendo mudado o estado de casada valiam as provas que tinha apresentado anteriormente a esse respeito e na posse da AT.

Por conseguinte, determinado o quantum da matéria tributável – que de resto não está aqui em causa – pretendendo a AT determinar o quantum do imposto a pagar, e sendo patente que nesta determinação o estado civil do contribuinte é relevante, duas hipóteses se lhe abriam:

- Ou se socorria dos elementos que possuía (e dos quais resultava que a recorrente era casada) ou,

- tendo dúvidas quanto a este aspecto, solicitava a comprovação da alteração do estado ou a sua manutenção.

É certo que o fez, pedindo à recorrente que juntasse certidão, pedido que encontra respaldo no artigo 128.º do CIRS.

Como esta não a entregou e recusou a entrega – de resto invocando que os elementos estavam na posse da AT ou esta os podia obter oficiosamente – competia a esta, no cumprimento do ónus imposto pelo artigo 74.º, n.º 1, da GGT, de providenciar, caso persistisse alguma dúvida, pela obtenção da certidão que provasse o facto que veio a inscrever oficiosamente na declaração: de que a recorrente não era casada.

Outrossim, poderia sancionar a falta de colaboração da recorrente nos termos do artigo 117.º do RGIT.

O que lhe estava vedado era dar como provado um facto (rectius a alteração do facto anteriormente assente), que só pode ser provado por documento (cfr. artigo 364.º, n.º 1, do CC), e que era e é essencial para que não seja ou não aplicado o coeficiente conjugal (splitting) previsto no artigo 69.º do CIRS, visto que o artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma, não pode ser interpretado no sentido de que a falta de entrega da declaração tem como consequência, ou permite, a alteração do estado civil do contribuinte.

Aqui chegados já se pode concluir que a AT tinha legitimidade, ao contrário do que sustenta a recorrente, de lhe exigir a sua colaboração na entrega da certidão solicitada a fim de satisfazer o ónus de prova que lhe competia quanto ao seu estado civil; o que não podia era dar como provado um facto em relação ao qual a lei não só exige prova documental (artigo 364.º, n.º 1, do CC), como em relação ao mesmo sobre si fazia recair o respectivo ónus de prova. E, last but not least, não aplicar o coeficiente conjugal com esse fundamento.

O que nos permite dizer que a sentença, que decidiu em sentido contrário, não pode manter-se. Como não pode manter-se o segmento da matéria de facto em que se considerou não provado que “No dia 31 de Dezembro de 2009, a Impugnante tinha o estado civil de casada”.

Não se provou isso nem o seu contrário (à data da sentença), visto que inexistia então qualquer prova válida no processo (nos termos do já referido artigo 364, n.º 1, do CC), sendo certo que saber-se se a recorrente era casada ou não nessa data constitui, para além de uma questão de facto, um aspecto com enorme relevância na questão de direito do presente litígio, à qual o tribunal não podia dar resposta no probatório.

Tal segmento da sentença deve ter-se, portanto, como não escrito, o que justifica a sua não inclusão nos factos não provados da presente decisão.

Em resumo e para concluir, a liquidação em causa é ilegal, na medida em que determina um montante de imposto a pagar sem aplicação do coeficiente conjugal, como consequência directa de um facto que não estava provado e cujo ónus de prova recaía, em última instância, sobre a AT.

Donde, ser de revogar a sentença recorrida e, em substituição nos termos do artigo 665.º, n.º 1, do CPC, julgar a impugnação procedente.


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3. Dispositivo
Em face de todo o exposto acordam em, concedendo provimento ao recurso:
a) Revogar a sentença recorrida;
b) Julgar a impugnação procedente, anulando a liquidação impugnada.
Custas pela Fazenda Pública.
D.n.
Lisboa, 2019-05-22
(Benjamim Barbosa, relator)
(Ana Pinhol)
(Isabel Fernandes)
______________________________________________
(1) Cfr. artigo 58.º-A do CIRS, artigo 193.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, Decreto Regulamentar n.º 1/2018, de 10 de Janeiro, Decreto-Regulamentar n.º 1/2019, de 4 de Fevereiro
(2) Serena Cabrita Neto, Introdução ao Processo Tributário, Coimbra, Coimbra Ed.ª, 2004, p. 45
(3 )Cfr. João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Coimbra, Almedina, 2010, p. 195