Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2412/17.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/04/2019
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:INSTRUMENTALIDADE DA TUTELA CAUTELAR;
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO;
ANULABILIDADE;
NULIDADE;
EFICÁCIA;
EXEQUIBILIDADE;
EXECUTORIEDADE;
IMPUGNABILIDADE;
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO.
Sumário:
I - A subsistência da tutela cautelar está dependente da interposição e da subsistência da tutela principal, cujo perigo na demora se pretende acautelar;
II - Se a acção cautelar tiver sido intentada como preliminar do processo principal, se a acção principal não for intentada no prazo legal – estando sujeita a prazo – a providência decretada caduca ou, quando ainda o não tenha sido, extingue-se o correspondente processo cautelar;
III - Só ocorre a nulidade dos actos quando a lei comine expressamente essa forma de invalidade. No restante, a regra é a da anulabilidade, como desvalor regra para os actos ilegais;
IV - Visando-se a impugnação de actos administrativos com base em ilegalidades que se reconduzam ao desvalor da anulabilidade, o correspondente prazo para o exercício do direito de acção é de 3 meses, sob pena de caducidade de tal direito;
V- Uma ordem de encerramento de um estabelecimento é uma decisão (individual e concreta) tomada no exercício de poderes jurídico-administrativos, que visa produzir efeitos jurídicos externos;
VI – Tal decisão é também (juridicamente) eficaz, pois gera efeitos jurídicos próprios, implica uma alteração na ordem jurídica, correspondente ao encerramento (administrativo) do estabelecimento;
VII – Estando dependente de diversas actuações, que visem a saída dos utentes daquele estabelecimento para outro local, tal decisão não é imediatamente exequível, pois para produzir os seus efeitos úteis necessita que se procedem a alterações na realidade da vida (para além das alterações jurídicas, que já se produziram, advenientes do encerramento administrativo do estabelecimento);
VIII – Determinando-se no segundo segmento da decisão impugnada que o A. tem 30 dias para executar voluntariamente a ordem de encerramento, a referida ordem também não detém uma executoriedade imediata, pois esta só poderá ocorrer no termo do prazo de 30 dias e após o incumprimento do A. quanto aos actos de execução que lhe foram determinados;
IX- Nos termos dos art.º 51.º e 54.º, n.º 1, do CPTA, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa e que produzam efeitos jurídicos imediatos;
X – Sendo a ordem de encerramento do estabelecimento imediatamente eficaz, a mesma é imediatamente lesiva, produzindo efeitos externos e imediatos, na esfera jurídica do A., a quem foi notificada (sendo-lhe, nessa mesma medida, oponível e exigível);
XI - Conforme os art.ºs 51.º, n.º 1, 54.º, n.º 1, 58.º, n.º 1, al. b) e 59.º, n.º s 1 e 3, do CPTA, o A. e Recorrente devia ter impugnado a citada ordem, no prazo legal para o efeito, sob pena de caducar o seu direito de acção;
XII – A falta de exequibilidade e de executoriedade imediata da ordem de encerramento irrelevam para efeitos de aferição da caducidade do direito e acção do A. para impugnar a indicada ordem;
XIII – A invocação da violação do art.º 35.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14-03, da falta de fundamentação e da violação do direito de audiência prévia, não é susceptível de gerar a nulidade do acto administrativo suspendendo, conduzindo, apenas, à sua eventual anulabilidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

J.... interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou extinto o presente processo cautelar, no qual peticiona a suspensão da eficácia do acto administrativo de encerramento do estabelecimento de apoio social sem denominação, sito na Rua Dr. C…. nº ….Lisboa.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente as seguintes conclusões:”A. Não pode o Recorrente aceitar a Decisão de improcedência da Acção Principal, uma vez que, nada na lei refere que o prazo de três meses para instaurar a Acção Principal de que os Autos Cautelares dependem se inicia a contar da notificação do acto ocorrido aos 27/09/2017.
B. Na realidade, o acto administrativo que os Autos Cautelares visam suspender a sua eficácia embora tenha sido notificado aos 27/09/2017, só se tornaria efectivo 30 dias depois, conforme a sua própria notificação, ou seja, o acto administrativo só se tornou exequível aos 27/10/2017.
C. Tendo sido essa data que o Recorrente tomou em consideração para cumprir o prazo de 3 meses para instaurar a Acção Principal.
D. Cumprindo assim o ónus que sobre si impende.
E. Assim, nos termos do disposto no artigo 58.º do CPTA o prazo de três meses foi cumprido, pois só após a eficácia do acto administrativo é que o mesmo se torna estável no ordenamento jurídico, só dessa data em diante é possível o mesmo produzir os seus efeitos na esfera jurídica do Requerente.
F. Não houve assim incumprimento do prazo para a propositura da acção principal, o que se requer a V. Exas. se Dignem revogar a Sentença recorrida, substituindo-a por uma outra que a admita, prosseguindo-se os seus termos até final.
G. Por outro lado, o Recorrente invocou também a nulidade do acto administrativo.
H. Sendo que “… as providências cautelares relativas a actos nulos, tal como as respectivas acções, não estão sujeitas a prazo ...”, porque “… os actos nulos podem ser impugnados a todo o tempo - art. 134.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo -, não existe qualquer prazo expresso para intentar as providências cautelares nesta hipótese e, pelo contrário, podem ser intentadas já depois de interposta a acção principal - art. 114.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos …”.
I. A doutrina produzida nesta sede veio sustentar, igualmente, a possibilidade de dedução de providência cautelar de suspensão de eficácia para além do prazo previsto no art. 58.º, n.º 2 e 3 do CPTA [relativos aos actos administrativos arguidos de anulabilidade] quando sejam invocadas ilegalidades geradoras de nulidade ou inexistência, sendo que tal suspensão de eficácia só deverá ser recusada se for manifesta a improcedência das causas de nulidade ou de inexistência invocadas (cfr. M. Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha, in: ob. cit., págs. 727 e 728; A….. em “Tutela cautelar: prazos, caducidade e repetição da providência” in: CJA n.º 75, págs. 28 e segs.).
J. É certo que entre o procedimento cautelar e o meio contencioso principal existe uma relação de instrumentalidade e de dependência do primeiro relativamente ao segundo.
K. Na verdade, sendo o direito processual instrumental em relação ao direito material e o direito de acção o meio por intermédio do qual se faz valer o direito material afirmado pelo A. (cfr. art. 20.º da CRP), o procedimento cautelar, enquanto meio no qual se pretende provisoriamente acautelar o direito afirmado, caracteriza-se por uma instrumentalidade, a “garantia da garantia” na expressão feliz de Calamandrei ou, como ensinava J. Alberto dos Reis, é um tipo de tutela jurisdicional que visa apontar os meios para que a tutela jurisdicional final realize os seus fins.
L. As providências cautelares estão necessariamente dependentes de uma acção já pendente ou a instaurar posteriormente, acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da pronúncia jurisdicional definitiva, na pressuposição de que venha a ser favorável ao requerente a decisão a proferir no processo principal.
M. De harmonia com o que se dispõe na al. a) do n.º 1 do art. 114.º do CPTA as providências cautelares podem ser apresentadas previamente, juntamente ou na pendência do processo principal.
N. A lei, todavia, não indica de forma especificada nenhum prazo para a apresentação desse pedido cautelar, o que exige que o intérprete analise as normas legais atinentes a essa matéria tendo em vista encontrar a melhor e a mais adequada solução.
O. Assim, no que toca aos actos anuláveis e quando o meio principal a utilizar seja a acção administrativa especial, essa solução apresenta-se sem dificuldades, porquanto a mesma surge claramente, ainda que de modo indirecto, do disposto nos arts. 58.º, 113.º e 123.º, n.º 1, al. a) do CPTA.
P. Na verdade, resulta da conjugação destas normas que tal pedido terá de ser interposto dentro do prazo previsto para a interposição daquele meio contencioso principal, salvo se se tratar de providência deduzida na pendência daquele processo.
Q. E isto porque, fora daquelas situações de dedução na pendência na acção principal, se o interessado optar por apresentar o pedido cautelar juntamente com a acção administrativa especial o prazo a observar - atenta a natureza acessória e instrumental daquele pedido - terá de ser o previsto para a apresentação da acção, mas se se inclinar pela apresentação prévia desse pedido está obrigado a apresentá-lo também dentro do prazo previsto para a interposição da acção, uma vez que o pedido cautelar caducará com o termo do prazo concedido ao interessado para dedução do meio contencioso adequado de impugnação de actos anuláveis, sem a respectiva interposição.
R. Caso estejamos perante a dedução de meio contencioso em que se invoque(m) ilegalidade(s) gerador(as) de nulidade ou de inexistência do acto o pedido cautelar pode ser apresentado conjuntamente com a acção administrativa e se a apresentação desta pode ser feita a todo o tempo aquele pedido também poderá ser feito a todo o tempo, desde que o mesmo acompanhe a apresentação daquela acção administrativa.
S. Também tal pedido cautelar pode ser apresentado previamente à instauração da acção administrativa especial e pode-o ser a todo o tempo, mas, então, uma vez instaurada a providência e esta decidida favoravelmente com trânsito em julgado o mesmo terá de instaurar a acção administrativa no prazo de três meses contados desde o trânsito em julgado da decisão cautelar [cfr. art. 123.º, n.º 2 do CPTA] sob pena de caducidade, já que se assim não for o requerente, obtido o deferimento da sua providência, poderia manter-se indefinidamente inactivo e, desta forma, alcançar por meios ínvios, certamente não desejados pelo legislador, a paralisação definitiva dos efeitos do acto.
T. Não basta, pois, que o requerente tenha interposto o meio contencioso principal, visto ainda ser necessário que esse meio venha a ser interposto no prazo legalmente estabelecido naquele normativo para lograr assegurar e beneficiar do deferimento da tutela cautelar.
U. Atente-se, ainda, que o A. de acção administrativa não sujeita a prazo, mormente, uma acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo fundada em ilegalidade geradora do desvalor da nulidade, pode na pendência daquela acção deduzir também meio contencioso cautelar com vista a assegurar, em termos preventivos, aquela tutela e, reunidos os requisitos legais, obter a procedência da sua pretensão cautelar.
V. O regime enunciado no art. 123.º do CPTA constitui, como aludimos, uma decorrência dessa instrumentalidade das providências cautelares em relação ao processo principal, inferindo-se do seu teor a clara dependência entre as providências decretadas e as vicissitudes relativas a este processo.
W. Este preceito disciplina as várias ocorrências das quais pode resultar a caducidade das providências cautelares decretadas na acção administrativa principal instaurada [cfr. n.º 1 e suas várias alíneas] ou a instaurar [cfr. seu n.º 2], pressupondo-se neste normativo que tenha já havido decretamento/deferimento de providência cautelar cuja caducidade vem, entretanto, a produzir-se por verificação de alguma das situações ali elencadas.
X. Por outro lado, do regime do preceito em análise não se extrai qualquer regra para as situações em que, na pendência de meio contencioso cautelar e sem que no mesmo tivesse sido emitida qualquer decisão judicial, venha a ocorrer caducidade do direito que se pretendia vir a tutelar na acção principal e que o meio cautelar era dependente.
Y. De facto, como acabámos de referir o art. 123.º do CPTA mostra-se gizado no pressuposto de que tenha sido decretada providência cautelar, decretamento esse que vem, todavia, a caducar preenchidas que se mostrem as condições enumeradas nos n.ºs 1 e 2, sendo que naquela outra situação, ora acabada de enunciar no parágrafo antecedente, o preceito não responde, nem prevê, impondo-se o recurso à regra decorrente do art. 389.º do CPC e que conduz à extinção da instância cautelar por inutilidade superveniente da lide por força do art. 287.º, al. e) do mesmo Código “ex vi” art. 01.º do CPTA (M. Aroso de Almeida e C. A. Fernandes Cadilha in: ob. cit., págs. 726/727, nota 1).
Z. Não fará sentido que o tribunal prossiga os autos cautelares para prolação de uma decisão de mérito em termos cautelares, quando, na hipótese de ela vir a ser favorável à requerente, haveria que a declarar logo caduca, precisamente por então não existir obstáculo algum a que operasse a caducidade da providência.
AA. Trata-se manifestamente de situação geradora de inutilidade superveniente da lide.
BB. Como afirma A. …..“… Embora fundados nos mesmos pressupostos, reflectem uma clara distinção que o legislador pretendeu fazer. Com efeito, enquanto a primeira se dirige à instância procedimental, como relação jurídico-processual integrada por um complexo de actos interligados entre si e obedecendo a uma determinada ordem sequencial, já a segunda respeita à medida concretamente decretada no âmbito do procedimento, como forma de tutela imediata do direito substantivo emergente da relação jurídica invocada …”. Esta consagração expressa da extinção do procedimento cautelar tem, refere aquele Autor, contudo somente “… o sentido útil de expressar a evidência de que, mesmo que a providência não tenha sido decretada, a ocorrência da causa de caducidade, inviabilizando o seu futuro decretamento, designadamente em recurso pendente da decisão que a haja recusado, torna inútil o procedimento cautelar ainda em curso, o qual, por isso, sempre se extinguiria nos termos do art. 287.º …” (in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. III, Almedina, 2000, pág. 270).
CC.Atente-se, por outro lado, que a situação evidenciada ou prevista no n.º 2 do art. 123.º do CPTA, ou seja, obrigatoriedade de dedução de acção principal no prazo de três meses contados desde o trânsito em julgado da decisão judicial proferida em meio cautelar instaurado que decretou providência relativa a tutela de direitos/interesses não sujeita a prazo, se reporta, em nosso entendimento, unicamente a esta situação, nada se disciplinando em termos de limitação da possibilidade de dedução de meio cautelar ou de restrição do seu uso em termos de tempestividade quando estejam em questão tutela de interesses a efectivar por via contenciosa não sujeita a prazo, nem mesmo do próprio prazo de instauração da acção administrativa principal, como tivemos oportunidade de ir referindo supra.
DD. Com efeito, o aludido dispositivo legal não implica ou contende com as regras de tempestividade de dedução quer em termos da acção administrativa principal, como da instauração de providência cautelar, pois, a única decorrência/consequência que do mesmo deriva é a caducidade da providência cautelar decretada.
EE.É que estando em causa a tutela de direitos/interesses a serem assegurados por via contenciosa não sujeita a prazo (v.g., acção administrativa especial de impugnação de acto fundada em ilegalidade geradora do desvalor da nulidade) o seu titular continua a poder deduzir a acção principal para além do prazo ali enunciado de harmonia com o regime decorrente do art. 58.º, n.º 1 do CPTA (salvo norma legal que afaste este regime geral), tendo apenas que suportar as consequências que advenham da caducidade da providência decretada.
FF. De igual modo, o regime previsto no normativo em análise não limita a possibilidade de instauração a todo o tempo, reunidos que se mostrem todavia, em concreto, os demais requisitos e condições de procedência enumerados nos arts. 112.º, 113.º e 120.º do CPTA, de meio processual cautelar destinado a tutelar aqueles direitos/interesses, pois, cada interessado continua a poder deduzir processo cautelar para além dos prazos previstos, nomeadamente, no n.º 2 do art. 58.º do aludido Código quando se esteja em presença de direitos/interesses que, a título principal, sejam assegurados por via contenciosa não sujeita a prazo. É que não está excluída a possibilidade de decretamento de suspensão da eficácia de acto administrativo que seja arguido relativamente a causas geradoras dos desvalores da nulidade ou da inexistência no quadro duma acção administrativa impugnatória em momento em que contra o mesmo já não poderiam ser invocadas eventuais ilegalidades geradoras de mera anulabilidade.
GG. A suspensão de eficácia cautelar só deverá ser recusada se for manifesta a improcedência das causas de nulidade ou de inexistência assacadas ao acto administrativo em crise por apenas geradoras de anulabilidade e, por efeito disso, a intempestividade da acção administrativa principal impugnatória.
HH. A única decorrência que resulta do n.º 2 do art. 123.º do CPTA é a de que, uma vez instaurado processo cautelar em que se vise obter tutela preventiva relativa a direitos/interesses não sujeitos a prazo, o interessado que beneficie de decisão judicial que decrete providência cautelar terá de propor a acção administrativa principal no prazo ali fixado sob pena de caducidade daquela decisão cautelar prolatada, sem que com isso o mesmo fique inibido ou impedido de a vir a instaurar para além daquele prazo.
II. Atente-se, por fim, que a caducidade da providência decretada que se mostra prevista na al. a) do n.º 1 do art. 123.º do CPTA se reporta às situações de tutela judicial principal sujeita a prazo de instauração, como aquelas que se mostram sujeitas aos prazos previstos nos arts. 58.º e 69.º do CPTA, do que decorre que em situação na qual sejam invocadas ilegalidades susceptíveis de gerar a nulidade ou inexistência o julgador cautelar, de harmonia com a concatenação dos arts. 113.º, 114.º, 123.º, n.ºs 1, al. a) e 2 do CPTA, não poderá previamente a ter existido decisão de mérito sobre a pretensão cautelar vir a indeferir ou a julgar extinta a instância por impossibilidade da lide com fundamento no facto da acção principal não haver sido deduzida. É que apenas nas situações em que já houve decretamento da providência cautelar se impõe, para beneficiar do efeito da tutelar cautelar obtida, o respeito do prazo de propositura da acção principal visto estando-se perante meio processual principal não sujeito a prazo o titular do direito ou interesse a tutelar através daquela via contenciosa não está sujeito a prazo e, nessa medida, o julgador cautelar não poderá omitir a pronúncia sobre o mérito da pretensão cautelar com fundamento no facto de haver decorrido o prazo para a instauração da acção principal porquanto o regime legal decorrente dos citados normativos e ainda do próprio art. 389.º, n.º 1, al. e) do CPC “a contrario” impõe-lhe essa pronúncia.
JJ. A previsão no n.º 2 do art. 123.º do CPTA em termos de caducidade da providência reconduz-se, como referimos e no que ora ao caso importa considerar, apenas ou unicamente à situação em que, decretada a providência cautelar com fundamento na verificação dos requisitos legais exigidos e em que os desvalores das ilegalidades assacadas são geradores de nulidade ou inexistência, decorreu o prazo de três meses contado desde o trânsito em julgado da decisão e que ali definido tão-só com o propósito de impor ao requerente cautelar, que beneficia de decisão favorável em termos daquela tutela preventiva, da obrigação da instauração, naquele prazo, da acção principal pese embora com fundamento em ilegalidade(s) geradora(s) daqueles desvalores enquanto contrapartida da posição que passou a gozar com o deferimento da pretensão cautelar.
KK. É que se assim não fosse, como também referimos supra, o requerente cautelar poderia manter-se indefinidamente inactivo e, desta forma, alcançar por meios ínvios a paralisação definitiva dos efeitos do acto sem que nunca se chegasse a conhecer a título principal da sua pretensão substantiva”.
LL. De harmonia com o entendimento atrás exposto que aqui se reafirma e considerando que o Recorrente na sua petição inicial invoca alegadas ilegalidades geradoras de nulidade verifica-se, pois, errada interpretação e aplicação, por parte da decisão judicial recorrida quanto a tais fundamentos, do regime enunciado nos arts. 58.º, 112.º e 123.º do CPTA concatenado com o demais quadro legal em referência já que do regime previsto nos normativos em análise não deriva qualquer limitação quanto à possibilidade de instauração a todo o tempo da tutela cautelar fundada em ilegalidades geradoras do desvalor de nulidade ou de inexistência, reunidos que se mostrem, em concreto, os demais requisitos e condições de procedência [cfr. arts. 112.º, 113.º e 120.º do CPTA].
MM. A suspensão de eficácia cautelar só deverá ser recusada nas situações em que for manifesta a improcedência das causas de nulidade ou de inexistência assacadas ao acto suspendendo em crise por apenas geradoras de anulabilidade e, por efeito disso, a intempestividade da acção administrativa especial principal competente.
NN. Por conseguinte, a decisão judicial recorrida ao indeferir a pretensão cautelar por caducidade do direito por considerar que, independentemente do desvalor decorrente das ilegalidades assacadas ao acto suspendendo, o processo cautelar teria que ser intentado no prazo de três meses mesmo relativamente a ilegalidades geradoras de nulidade não pode manter-se, impondo-se, face ao controvertido posicionamento expresso pelas partes nos seus articulados, que os autos prossigam naquele TAF com instrução e apreciação da pretensão cautelar deduzida relativamente às concretas ilegalidades abstractamente geradoras de nulidade de harmonia com o supra exposto.
OO. Devendo proceder o alegado pelo Recorrente impondo-se revogar a decisão aqui sindicada, baixando os autos ao TAF de Lisboa, para a sua devida instrução e julgamento, a não ser que algo mais obste a tal“.

O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “A. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo tribunal "a quo" que julgou extinto o presente processo cautelar, dado o Recorrente não ter intentado a ação principal dentro do prazo legal de que dispunha.
B. O Recorrente baseia as presentes alegações nas seguintes razões:
- O ato suspendendo, “notificado aos 27/09/2017, só se tornaria efectivo 30 dias depois, conforme a sua própria notificação, ou seja, o acto administrativo só se tornou exequível aos 27/10/2017.”
- “Tendo sido essa data que o Recorrente tomou em consideração para cumprir no prazo de 3 meses para instaurar a Acção Principal.”
- “Assim, nos termos do disposto no artigo 58.º do CPTA o prazo de três meses foi cumprido,”
- “pois só após a eficácia do acto administrativo é que o mesmo se torna estável no ordenamento jurídico, só dessa data em diante é possível o mesmo produzir os seus efeitos na esfera jurídica do Requerente.”
- “Não houve assim incumprimento do prazo para a propositura da acção principal, o que se requer a V.Exas. se Dignem revogar a Sentença recorrida, substituindo-a por uma outra que a admita, prosseguindo-se os seus termos até final.
E ainda:
- “Por outro lado, o Recorrente invocou também a nulidade do acto administrativo.”
- “Por conseguinte, a decisão judicial recorrida ao indeferir a pretensão cautelar por caducidade do direito por considerar que, independentemente do desvalor das ilegalidades assacadas ao acto suspendendo, o processo cautelar teria que ser intentado no prazo de três meses mesmo sendo relativamente a ilegalidades geradoras de nulidade não pode manter-se, impondo-se, (…) que os autos prossigam naquele TAF (…)”
C. No entanto, salvo melhor entendimento, não colhem os argumentos de facto e de direito alegados pelo Recorrente.
D. Vem o Recorrente alegar que o ato que lhe foi notificado em 27.09.2017, “só se tornaria efectivo 30 dias depois”.
E. No entanto, sem razão.
F. A notificação que lhe foi feita para encerramento do seu estabelecimento de apoio social estabeleceu, de facto, um prazo de 30 dias. No entanto, tal prazo, se bem se verificar a notificação feita, é para que o Recorrente fizesse cessar a atividade ilegal que vinha desenvolvendo. Ou seja, trata-se de um prazo que serve para operacionalizar o encerramento, para recolocar os utentes do lar e para tratar de todas as diligências - operações materiais - necessárias à execução da ordem de encerramento.
G. Na verdade, sob a epígrafe “A atividade do estabelecimento tem de cessar no prazo de 30 dias”, constante do aviso/notificação refere-se: “Antes do fim desse prazo, a entidade responsável tem de terminar a atividade de apoio social do estabelecimento e assegurar, em articulação com as famílias dos utentes, alternativas que permitam garantir o seu bem-estar. No final desse prazo, o estabelecimento não poderá ser reaberto nem continuar a funcionar sem a autorização do Instituto da Segurança social, IP.” – o negrito e o sublinhado são os nossos.
H. Assim, não podia o Recorrente confundir os efeitos jurídicos da notificação do ato administrativo, que são de eficácia do ato, no que respeita à sua possível impugnação judicial, o que fez na ação principal, de que a presente é acessória, com os efeitos que tal notificação desencadeou no que respeita à cessação da atividade do estabelecimento que é sua propriedade, dado que tal ato configurou uma ordem dada pela entidade com competência na matéria em causa.
I. O que foi notificado ao Recorrente foi a deliberação de encerramento imediato do estabelecimento, nos seguintes termos: “O Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP ordena o encerramento do estabelecimento de apoio social (…)” , “(…) através da Deliberação n.º 201/2017, de 31-08-2017, ordena o encerramento administrativo imediato do estabelecimento (…)”.
J. Importa salientar que tal notificação representa o culminar de um processo prévio de averiguações, designado PROAVE nos autos, para o qual o Recorrente foi notificado em diversas fases, designadamente para efeitos de audiência prévia do projeto de decisão.
K. Também é de referir que acresce à referida eficácia do ato de encerramento administrativo imediato, a publicidade e divulgação feita do próprio ato, mediante a afixação de Aviso no próprio estabelecimento, com a cominação legal de procedimento criminal pelo crime de desobediência no caso de incumprimento da dita afixação.
L. Mesmo no caso de haver publicidade e divulgação de um ato administrativo sem o mesmo ter sido notificado ao interessado, o que não é o caso em apreço, ainda assim, tal ato é, no entendimento de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, desde logo, suscetível de impugnação judicial: “O prazo para a impugnação contenciosa conta-se, para os destinatários do acto, a partir da notificação, mesmo que este tenha sido objecto de publicação. O que não impede que o interessado possa intentar, desde logo, o processo impugnatório se a execução do acto for desencadeada independentemente da notificação.” in Comentário ao Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
M. Desta maneira, por todas as razões aduzidas supra, verifica-se que, bem andou a douta sentença, ora recorrida, quando fixou o seguinte entendimento:
“No caso vertente, como se alcança do probatório, o Conselho Directivo da entidade ora requerida, através da deliberação emitida em 31/08/2017, ordenou o encerramento administrativo imediato do estabelecimento de apoio social em causa nos presentes autos.
Tal decisão foi objecto de divulgação no referido estabelecimento, conforme aviso afixado no local em 27/09/2017.
Acresce que a decisão foi, ainda, objecto de notificação ao ora Requerente, através de carta registda em 28/09/2017, dirigida para o respectivo domicílio, tendo, ainda, sido endereçada, na mesma data e pela mesma forma, notificação à mandatária.
Ora, tais notificações consideram-se realizadas em 02/10/2017 (cfr. arts. 112º, nº 1, al. a), e 113º, nº 1, do CPA).
N. Nestes termos, deve considerar-se o ato notificado ao Recorrente em 27.09.2017, com todas as características suscetíveis de impugnabilidade, designadamente, a da eficácia – cfr. o artigos 148.º do CPA e artigo 51.º do CPTA.
O. Do mesmo modo, no que respeita à cominação com a nulidade do ato suspendendo relativa às ilegalidades alegadas pelo Recorrente, verifica-se que este não tem razão.
P. Assim, foram invocadas pelo ora Recorrente as seguintes ilegalidades: 1) erro nos pressupostos, por não estar preenchido o condicionalismo previsto no artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março; 2) falta de fundamentação e 3) violação do direito à audiência prévia.
Q. Ora, tais vícios ao inquinar o ato administrativo geram a anulabilidade nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do CPA, e não a nulidade conforme pretende defender o Recorrente, pois, também ao contrário do que é entendimento do mesmo Recorrente, tais vícios não ofendem “o conteúdo essencial de um direito fundamental”.
R. Deste modo, e também quanto a esta questão acompanha-se, por bem fundamentada, a decisão ora recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, pelo que o prazo para interposição da ação principal era de 3 meses, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA, contados da notificação que foi feita ao Recorrente em 27.09.2017, tendo terminado em 04.01.2018, e não a todo o tempo como o Recorrente defende.
S. Assim, importa concluir, como na douta sentença, que o processo cautelar deve ser considerado, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 123.º do CPTA, extinto por não ter feito “(…) uso, no respetivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destinou” pois, a ação administrativa, relacionada com o pedido cautelar, só foi intentada em 25.01.2018.
T. Razões pelas quais deve ser mantida a douta sentença do tribunal “a quo” que julgou extinto o processo cautelar intentado pelo ora Recorrente.”

A DMMP pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na decisão recorrida foram dados por indiciariamente provados os seguintes factos, que se mantém:
1) Em 02/02/2017, a Unidade de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo do Departamento de Fiscalização da entidade ora requerida, desencadeou uma acção inspectiva ao estabelecimento de apoio social sem denominação sito na Rua Dr. C…, nº ….. Lisboa, propriedade do ora Requerente, tendo elaborado, no âmbito dos Proaves nºs 201600….. (ERPI) e 201600…. (centro de dia), em 26/04/2017 o projecto de relatório, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e de que se extrai, designadamente, a seguinte proposta: “Promover o encerramento administrativo dos estabelecimentos, por apresentarem deficiências graves nas condições de instalação, segurança, funcionamento, salubridade, higiene e conforto, colocando em causa os direitos dos utentes e a sua qualidade de vida artigo 35º, nº 1 do Decreto-Lei nº 64/2007, de 14 de março (…)” – cfr. fls. 40 e seguintes dos autos;
2) Em 25/05/2017, foi exarado despacho de concordância do Conselho Directivo da Entidade Requerida sobre o projecto de relatório identificado no ponto antecedente – cfr. fls. 40 dos autos;
3) Em 07/06/2017 foi remetido ao ora Requerente o instrumento de fls. 38 e 39 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e através do qual a Entidade Requerida comunicou ao Requerente a intenção de ordenar o encerramento administrativo do estabelecimento de apoio social referido no ponto 1) antecedente, facultando-lhe o prazo de 10 dias úteis para se pronunciar em sede de audiência dos interessados – cfr. fls. 38 e 39 dos autos;
4) Em 14/08/2017, foi elaborado no âmbito dos Proaves identificados no ponto 1) antecedente, o relatório final, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e de que se extrai, designadamente, as seguintes propostas: “ Dar continuidade à adequada formalização do processo, recorrendo aos modelos constantes da OT 12/2011 de 01 de Junho, designadamente:
-Deliberação de Encerramento;
-Aviso de Encerramento;
- Notificação da decisão final de encerramento dos estabelecimentos de apoio social;
- Notificar o proprietário da decisão final (…)” – cfr. fls. 33 e seguintes dos autos;
5) Em 31/08/2017, o Conselho Directivo da Entidade Requerida emitiu a deliberação nº 201/2017, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e de que se extrai, em súmula, o seguinte: “ (…) o Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social, IP, delibera:
1. Ordenar o encerramento administrativo imediato dos estabelecimentos de apoio social sem denominação (P. 201600…… e 201600…..) com as seguintes características (…)
2. Fixar o prazo de 30 dias para a cessação da actividade, devendo a entidade responsável fazer tudo o que for necessário para respeitar esse prazo.
3. Mandar notificar a entidade proprietária e afixar um aviso na porta principal de acesso ao estabelecimento, que aí se deve manter pelo prazo de 30 dias.(…)” – cfr. fls. 31 e 32 dos autos;
6) Em 27/09/2017 foi afixado no estabelecimento identificado em 1) antecedente o instrumento denominado “AVISO Encerramento administrativo dos estabelecimentos de apoio social sem denominação”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, tendo o ora Requerente, por essa via, sido advertido da ordem de encerramento definitivo – cfr fls. 185 dos autos, fls. 351 do PA apenso (vol. II) e, ainda, por confissão (cfr. arts. 110º e 111º do r.i.);
7) Em 28/09/2017, foi expedido ofício de notificação da ordem definitiva de encerramento, constante da deliberação identificada no ponto 5) antecedente, sob o registo nº “7539….”, dirigido à mandatária do ora Requerente – cfr. fls. 345-347 do PA apenso (vol. II);
8) Em 28/09/2017, foi expedido ofício de notificação da ordem definitiva de encerramento, constante da deliberação identificada no 5) antecedente, sob o registo nº “75397…..”, dirigido ao ora Requerente, para o respectivo domicílio – cfr. fls. 356-358 do PA apenso (vol. II) e intróito do r.i.;
9) Em 27/10/2017, o ora Requerente apresentou neste Tribunal o requerimento inicial do presente processo cautelar - cfr. fls. 1 dos autos;
10) Em 25/01/2018, o ora Requerente apresentou neste Tribunal a petição inicial de acção administrativa intentada contra a Entidade ora Requerida, tendo por objecto a impugnação do acto administrativo de encerramento do lar de idosos sito na Rua Dr. C…., nº …. Lisboa, de cujo teor se extrai o seguinte pedido: “(…) admitir a impugnação do acto administrativo - encerramento do lar de idosos (…), julgando-se procedente por provada, condenando-se a Ré INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL , I.P. à prática do acto devido de rectificar a Decisão que contém a Ordem de Encerramento do Lar de Idosos” – cfr. fls. 1-25 do processo que corre termos neste Tribunal sob o nº 158/18.2BELSB, ao qual o presente processo cautelar se encontra apenso.


II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório porque o acto administrativo de que o presente processo cautelar depende foi notificado em 27-09-2017, mas só se tornaria efectivo e exequível 30 dias após essa notificação, ou seja, em 27-10-2017, sendo que a presente acção cautelar foi apresentada dentro do prazo de 3 meses após a data de 27-10-2017;
- aferir do erro decisório porque os vícios arguidos pelo A. e Recorrente eram susceptíveis de gerar a nulidade dos actos suspendendo.

Na PI, o A., ora Recorrente, pede a suspensão de eficácia do acto de encerramento administrativo do estabelecimento de apoio social por si explorado. Nessa PI o A. invoca a nulidade do acto suspendendo por padecer de erro nos pressupostos de facto, por não estar preenchido o condicionalismo previsto no art.º 35.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14-03, por padecer de falta de fundamentação e por violação do direito de audiência prévia, por se ter entendido que a defesa que apresentou era extemporânea, quando o não era.
Como decorre dos factos provados, o acto suspendendo corresponde à Deliberação de 31-08-2017 do Conselho Directivo (CD) do Instituto de Segurança Social (ISS), que ordenou o encerramento administrativo imediato do estabelecimento em causa nestes autos e que determinou, em consequência, a fixação de um prazo de 30 dias para que a entidade responsável pelo estabelecimento praticasse as condutas necessárias à efectiva cessação da actividade no local.
Mais decorre dos factos provados, que o A. e Recorrente foi notificado do acto suspendendo através do aviso afixado em 27-09-2017 e através do ofício de 28-09-2017. O A. e Recorrente apresentou a PI do presente processo cautelar em 27-10-2017. Já a PI do processo principal, de que este processo cautelar depende, foi apresentada em 25-01-2018.

A tutela cautelar visa assegurar a utilidade da decisão a proferir no processo principal, obstando a que os direitos e interesses que se pretendem defender em juízo periguem no iter processual da tutela principal, por causa da demora da decisão que aí ocorra.
Portanto, esta tutela cautelar, para além da sumariedade, caracteriza-se pela sua dependência e instrumentalidade face ao processo principal – cf. art.ºs. 112.º, n.º 1 e 113.º, n.º 1, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Visando assegurar a utilidade da acção principal, a acção cautelar pode ser intentada como preliminar ou como incidente do processo principal – cf. art.º 113.º, n.º 1, do CPTA.
Logicamente, a subsistência da tutela cautelar está também dependente da interposição e da subsistência da tutela principal, cujo perigo na demora pretende acautelar.
Assim, no art.º 123.º, n.º 1, al. a), do CPTA, estipula-se: "1- Os processos cautelares extinguem-se e, quando decretadas, as providências cautelares caducam: a) Se o requerente não fizer uso, no respectivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adopção de providência cautelar se destinou".
Nestes termos, se a acção cautelar tiver sido intentada como preliminar ao processo principal, se tal acção principal não for intentada no prazo legal – estando sujeita a prazo – a providência decretada caduca ou, quando ainda o não tenha sido, extingue-se o correspondente processo cautelar.
Conforme decorre do art.º 161.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), só ocorre a nulidade dos actos quando a lei comine expressamente essa forma de invalidade. No restante, a regra é a da anulabilidade, como desvalor regra para os actos ilegais – cf. art.º 163.º, n.º 1, do CPA.
Por aplicação dos art.ºs 58.º, n.º 1, al. b), 59.º, n.º 1 e 3, al. a), 4, do CPTA, visando-se a impugnação de actos administrativos com base em ilegalidades que se reconduzam ao desvalor da anulabilidade, o correspondente prazo para o exercício do direito de acção é de 3 meses, sob pena de caducidade de tal direito.

Através da deliberação de 31-08-2017, do CD do ISS, foi determinado o encerramento administrativo imediato do estabelecimento explorado pelo A. e Recorrente, após notificação da ordem ao A. e Recorrente. Porém, como aí estava a funcionar – ilegalmente - um lar, explorado pelo A. estipula-se naquela deliberação, em simultâneo, a obrigação do A. de executar a dita ordem, em 30 dias, praticando as condutas necessárias para que a actividade que aí estava sendo desenvolvida cessasse.
Conforme resulta do teor da deliberação de 31-08-2017, do CD do ISS, através desse acto não se quis apor à ordem de encerramento nenhuma cláusula acessória, sujeitando-a a uma condição, termo, modo, ou reserva. Portanto, este acto mostra-se prolatado para produzir efeitos de imediato, após a sua notificação – cf. art.ºs 149.º, 155.º e 157.º do CPA.
Por conseguinte, a ordem de encerramento é uma decisão (individual e concreta) tomada no exercício de poderes jurídico-administrativos, que visou produzir efeitos jurídicos externos na esfera do A. e Recorrente - cf. art.º 148.º do CPA.
Esta decisão também gera efeitos jurídicos próprios, sendo imediatamente eficaz. Na verdade, a partir da sua prolação há que considerar que o estabelecimento em questão fica juridicamente encerrado.
Sem embargo, a dita ordem não é de imediato exequível, pois para que o estabelecimento fique efectiva e concretamente encerrado serão necessárias diversas actuações – a tomar pelo A., ou se este assim não o fizer, posteriormente, pela Administração – que visem a saída dos utentes daquele estabelecimento para outro local.
Ou seja, o acto de encerramento é juridicamente eficaz, implica uma alteração na ordem jurídica, mas não é imediatamente exequível, pois para produzir os seus efeitos úteis necessita que se procedem a alterações na realidade da vida (para além das alterações jurídicas, normativas, que já se produziram, advenientes do encerramento administrativo do estabelecimento).
Por seu turno, atendendo ao segundo segmento da deliberação impugnada, a referida ordem de encerramento poderá ser executada pela Administração 30 dias após a sua notificação. Conforme o teor da indicada deliberação, é dado ao A. um prazo de 30 dias para executar voluntariamente a ordem de encerramento. Após o termo de tal prazo, o A. passa a incumprir essa ordem de execução. Consequentemente, a Administração poderá, depois disso, executar o acto.
Em suma, a ordem de encerramento tem eficácia imediata, mas não é imediatamente exequível.
A referida ordem também não detém uma executoriedade imediata, pois esta só poderá ocorrer no termo do prazo de 30 dias e após o incumprimento do A. quanto aos actos de execução que lhe foram determinados.
Nos termos dos art.º 51.º e 54.º, n.º 1, do CPTA, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa e que produzam efeitos jurídicos imediatos.
Ora, como acima referimos, a deliberação de 31-08-2017, do CD do ISS, ao determinar o encerramento imediato do estabelecimento, gera efeitos jurídicos próprios, sendo imediatamente eficaz, pois a partir da sua determinação o estabelecimento fica administrativamente encerrado.
A eficácia imediata da ordem implica, assim, que a mesma se torne, também, imediatamente lesiva, produzindo efeitos externos e imediatos, na esfera jurídica do A., a quem foi notificada (sendo-lhe, nessa mesma medida, oponível e exigível).
Consequentemente, o A. poderia impugnar este acto que determinou o encerramento, de imediato, a partir da data em que foi notificado – cf. art.º 59.º do CPTA.
Concluindo, a ordem de encerramento constituiu um acto administrativo que goza de eficácia imediata.
Nessa mesma medida, conforme os art.ºs 51.º, n.º 1, 54.º, n.º 1, 58.º, n.º 1, al. b) e 59.º, n.º s 1 e 3, do CPTA, o A. e Recorrente devia ter impugnado a citada ordem, no prazo legal para o efeito, sob pena de caducar o seu direito de acção.
O acto suspendendo é, pois, eficaz e imediatamente impugnável.
O que o referido acto não comporta, é uma exequibilidade e uma executoriedade imediatas, características que não se confundem com a da sua eficácia.
Mas quanto a estas características – relativas à exequibilidade e à executoriedade do acto - irrelevam para efeitos da aferição da caducidade do direito de acção do A. Para estes efeitos, o que interessa é aferir da susceptibilidade de o acto administrativo poder gerar efeitos jurídicos próprios, que afectem e lesem o seu destinatário. Se apesar de gerar tais efeitos o referido acto não é por si mesmo exequível, essa mesma circunstância não conduz a que o acto passe a ser inimpugnável. Identicamente, se o acto não comporta força executiva própria, não detém uma executividade imediata, essa mesma circunstância não afasta a possibilidade de se impugnar, de imediato, o referido acto.
Quanto ao art.º 54.º do CPTA, visa possibilitar a impugnação contenciosa dos actos que não obstante serem ineficazes, sejam executados, ou possam vir a sê-lo brevemente, situação que não ocorre com o acto suspendendo.
Em conclusão, a ordem de encerramento imediato do estabelecimento explorado pelo A. e a ordem para que o A., voluntariamente, em 30 dias, leve cabo as actuações materiais necessárias a efectivar, em termos práticos, o encerramento da actividade de lar naquele local, é um acto administrativo que goza de eficácia imediata e que pode, também, de imediato, ser contenciosamente impugnado.
Nestes termos, tendo sido comunicado ao A. e Recorrente o citado acto por ofício de 28-09-2017, este considera-se notificado do mesmo em 02-10-2017 (cf. art.º. 112.º, n.º 1, al. a), e 113.º, n.º 1, do CPA).
Consequentemente, em 25-01-2018, a data em que a acção principal foi intentada, já havia caducado o direito de acção do A. e Recorrente para reagir contra o mencionado acto, com fundamento em ilegalidades que se reconduzam ao desvalor da anulabilidade – cf. art.ºs 58.º, n.º 1, al. b), 59.º, n.º 1 e 3, al. a), 4, do CPTA.
Na PI, desta acção o A., ora Recorrente, invoca como ilegalidades do acto suspendendo o erro nos pressupostos de facto, por não estar preenchido o condicionalismo previsto no art.º 35.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14-03, a falta de fundamentação e a violação do direito de audiência prévia.
Nenhuma dessas invalidades é susceptível de gerar a nulidade do acto administrativo suspendendo.
A violação do art.º 35.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14-03, a verificar-se, implicaria a anulabilidade do acto e não a sua nulidade.
O mesmo se diga da alegada falta de fundamentação e de audiência prévia, que vêm desde há muito referidas pela jurisprudência como podendo gerar a anulação do acto final e não a declaração da sua nulidade.
Pelo exposto, não tendo o A. e Recorrente feito uso do prazo legal do meio contencioso adequado à tutela do seu direito, o presente processo cautelar havia de ser extinto, tal como se determinou na decisão recorrida – cf. art.º 123.º, n.º 1, al. a), do CPTA.
Há, portanto, que confirmar a decisão recorrida e julgar improcedente o presente recurso.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 4 de Julho de 2019.

(Sofia David)

(Helena Telo Afonso)

(Pedro Nuno Figueiredo)