Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08784/15
Secção:CT
Data do Acordão:04/28/2016
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS/JUROS MORATÓRIOS/CUMULAÇÃO
Sumário:Não obstante a entrada em vigor do n.º 5 do artigo 43.º da lei Geral Tributária – operada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro – continua a ser legalmente inadmissível a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios e juros de mora sobre a mesma quantia relativamente ao mesmo período de tempo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A., apresentou junto do Tribunal Tributário de Lisboa - ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 100.º e 102.º, nºs 1 e 2 da Lei Geral Tributária, 146.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 170.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, - execução do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 26 de Junho de 2013, pedindo o pagamento da quantia de € 877.500,00, correspondente ao imposto indevidamente cobrado, a título de retenção na fonte de Imposto Sobre o Rendimento Colectivo, acrescido de juros indemnizatórios e de juros de mora “vencidos e vincendos desde o termo do prazo da execução espontânea da sentença exequenda, à taxa anual de 12,224% e às taxas que vierem a vigorar, até integral e efectivo cumprimento”.
Por sentença do Tribunal Tributário de Lisboa foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, no que respeita à restituição à exequente do montante de € 877.500,00, e condenada a Fazenda Pública a pagar à ora exequente, no prazo de 30 dias, os seguintes montantes:

a. € 337.056,16, a título de juros indemnizatórios, desde 06/04/2004 até 07/11/2013;

b. € 26.742,93, a título de juros de mora à taxa agravada de 12,224%, desde 08/08/2013 até 07/11/2013”.

A Fazenda Pública, inconformada com o julgado na parte em que a condenou, no mesmo período temporal, ao pagamento simultâneo de juros indemnizatórios e de juros de mora, recorreu aduzindo, em conclusão, o seguinte:

«A) A sentença "a quo", no segmento decisório, condena a aqui Ré AT ao pagamento simultâneo de juros indemnizatórios e de juros de mora com referência parcial ao mesmo período de tempo, isto é, entre 08-08-2013 e 07-11-2013.

B) Os juros indemnizatórios e os juros de mora têm a mesma natureza indemnizatória, atribuída com base em responsabilidade civil e destinando-se a reparar os prejuízos advindos ao contribuinte do desapossamento e consequente indisponibilidade da prestação tributária.

C) Tanto é inadmissível a incidência dos juros de mora sobre os juros indemnizatórios como a cumulação das duas espécies de juros em relação ao mesmo período de tempo, pois os juros moratórios a favor do contribuinte e os juros indemnizatórios têm a mesma finalidade, destinando-se aqueles a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido da prestação tributária e os moratórios visam reparar prejuízos presumivelmente sofridos (pelo sujeito passivo), derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente.

D) Ambas as espécies têm uma natureza indemnizatória atribuída com base em responsabilidade civil e destinando-se a reparar os prejuízos advindos ao contribuinte do desapossamento e consequente indisponibilidade de um determinado montante pecuniário - a prestação tributária -.

E) Trata-se de duas realidades jurídicas afins com um regime semelhante, que não podem ser cumuláveis em relação ao mesmo período de tempo.

F) Está bem sustentado na Doutrina invocada que não há cumulação de juros moratórios e indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo, pois não se pode justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paga.

G) A interpretação que aqui se adopta e que permite compatibilizar o regime do art.°100° da LGT, complementado como art°61° do CPPT, e do art°102° da mesma Lei, é a de que, quando há lugar a juros indemnizatórios, na sequência da procedência de processos impugnatórios com fundamento em erro imputável aos serviços, não tem aplicação o regime de juros de mora previsto no art°102°, pois toda a dívida é paga a título de juros indemnizatórios.

H) É manifesto que a sentença viola o regime legal decorrente do art°100° da LGT, complementado com o do art°61° do CPPT e o do 102° da mesma Lei, ignorando a Doutrina e também a abundante Jurisprudência sobre a matéria proferida pelo STA..

l) O que determina a revogação do julgado recorrido.

Nestes temos, no demais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Ex.as., deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando a decisão do Tribunal "a quo", com todas as legais e devidas consequências, assim se fazendo a Sã, Serena e Costumada Justiça».

Notificada da admissão do recurso jurisdicional a Recorrida “A.” apresentou contra-alegações que encerrou nas seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a execução de julgado supra identificada, motivada por incumprimento pela Administração Tributária (AT), no prazo legal, de decisão jurisdicional proferida em definitivo pelo douto Tribunal Central Administrativo Sul.

B. A posição da Recorrente pode resumir-se, conforme conclusão G) do recurso, ao seguinte: "quando há lugar a juros indemnizatórios, na sequência da procedência de processos impugnatórios com fundamento em erro imputável aos serviços, não tem aplicação o regime de juros de mota previsto no art°102°, pois toda a dívida é paga a título de juros indemnizatórios"

C. A título preliminar, sendo o presente recurso admitido nos termos requeridos pela Recorrente, deve o douto Tribunal Central Administrativo Sul julgar não ser de conhecer do mesmo, por versar exclusivamente matéria de direito, sendo competente para apreciá-lo a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de acordo com as citadas disposições legais (cfr. artigos 26°, alínea b) e 38°, alínea a) do ETAF);

D. Em qualquer caso, atentas as conclusões do recurso formuladas pela Recorrente AT - as quais limitam o seu objecto - e constatando-se que em nenhuma delas é apontada qualquer censura concreta à sentença recorrida, esta deve em consequência manter-se integralmente na ordem jurídica, devendo o tribunal ad quem determinar o não conhecimento do recurso ou a sua rejeição liminar;

E. Efectivamente, restringindo-se o recurso à questão dos juros de mora, é evidente que a norma aplicada, e em que se fundamenta a sentença recorrida, na condenação da AT em juros de mota não foi o artigo 102°da LGT invocado pela AT mas sim, muito claramente o artigo 43°, n° 5 da LGT, e em parte alguma do seu recurso, logo aqui se incluindo as respectivas conclusões, a AT questiona - ou sequer faz a mínima referência - à norma aplicada pelo tribunal a quo para condenação da Executada em juros de mora;

F. A AT não invoca sequer, portanto, qualquer razão pela qual a sentença recorrida teria supostamente feito errada aplicação da norma, e muito menos se deveria, no seu entendimento, o Tribunal a quo aplicá-la, ou se deveria aplicá-la em sentido diverso do que aplicou, ou abster-se de aplicar;

G. Em parte alguma do recurso se faz qualquer referência directa ou implícita ao artigo 43°, n°5 da LGT, louvando-se a Recorrente exclusiva e insistentemente na doutrina e jurisprudência proferida num quadro normativo anterior diverso e exclusivamente reportado a normativos distintos da LGT (artigos 100° e 102° -posição que aliás a sentença recorrida perfilhou no âmbito desse quadro);

H. Em consequência, o presente tende a um efeito lógica e juridicamente impossível - o de revogação da sentença, não por discordâncias com a respectiva fundamentação, mas por simpatia com a fundamentação de outras decisões fora do quadro jurídico aplicável ao caso, como se demonstrou supra;

I. Por muito que invoque violação do "regime legal decorrente" do art.°100° da LGT "complementado com o do art.°61° do CPPT e do art°102° da mesma Lei", a verdade é que a sentença nada tem a ver com tal regime na condenação da Executada no pagamento de juros de mora;

J. E por muito que a AT repute "manifesto que a sentença incorre em vício de violação de lei, não convoca a Doutrina e ignora a abundante Jurisprudência sobre a matéria em causa proferido pela Supremo Tribunal administrativo" (conclusão) o que se verifica é que, desde logo, tal afirmação não corresponde à realidade e sempre seria irrelevante para o caso;

K. Efectivamente, além de faltar à verdade perante o tribunal de recurso (posto que a sentença não só convocou, e até bem mais do que o necessário, tal doutrina e jurisprudência, como expressamente a acolheu no quadro em tinha aplicação), Recorrente não retira qualquer consequência dessa suposta não convocação, como não podia retirar, posto que foi diverso o regime aplicado pela douta decisão recorrida (artigo 43°, n°5 da LGT) que assim nem chega a ser criticada;

L. A Executada AT, com o seu recurso, mais não vem do que discordar da decisão, mas não concretiza as razões da sua discordância no caso concreto, nem sequer esboça qual o sentido em que deveria ter sido proferida a decisão recorrida, no seu entender, ou propõe qualquer solução diferente, que devesse ter sido adoptada pelo tribunal a quo;

M. Efectivamente, no presente recurso limita-se a Executada a discorrer sobre doutrina e jurisprudência proferida no âmbito de regime legal inaplicável, por anterior à vigência da norma a que se reporta o caso presente e aplicada pela decisão a quo - artigo 43°, n° 5 da LGT - sem uma única referência a esta norma em todo o seu recurso;

N. Consequentemente, todas as conclusões do recurso da AT, sendo inaplicáveis ao caso e ao regime da norma aplicada em concreto, são totalmente ineptas para colocar minimamente em causa a decisão recorrida, que supostamente visariam atacar, e portanto verdadeiramente não atacam, não colocando assim minimamente em causa o julgado;

O. Ora, sendo da Recorrente o ónus de concluir - cfr. artigo 639° do CPC - e não o tendo feito como acabámos de ver nem concretizando a razão da discordância da decisão do Tribunal a quo - esta constituiu caso julgado, não podendo a mesma ser (re) apreciada neste recurso por se encontrar fora do objecto do mesmo.

P. Sendo esta, como é sabido, a posição unânime da jurisprudência; vide por todos, Acórdãos do STA (2ª Secção), processo 0583/12 de 17 de Outubro de 2012, e do TCA Sul (2ª Secção), processo n°08471/12 de 8 de Março de 2012, sendo, desde já e a título prévio, de rejeitar o presente recurso, pelo facto da sentença a quo se ter consolidado na ordem jurídica, tudo nos termos do artigo 639° do CPC

Q. E se a AT realmente não recorre da decisão recorrida, não pode o seu recurso proceder;

Sem conceder,

R. Ao contrário do que parece tentar fazer crer a Recorrente, a decisão recorrida aplicou a lei na sua letra e no seu espírito, de forma amplamente sustentada na doutrina e jurisprudência dominantes para fundamentar a condenação da AT em juros de mora;

S. Com efeito, o aditamento, pela Lei n°64-B/2011, de 30 de Dezembro, do actual número 5 do artigo 43° da LGT teve justamente em vista sancionar o incumprimento recorrente da AT, tal como julgou - e bem o Tribunal a quo, acompanhando em toda a linha Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa na sua Lei Geral Tributária anotada e comentada, edição de 2012 (cfr. op. cit., pág. 344), doutrina em que a douta sentença recorrida se apoiou, de resto, penas para confirmar a solução do caso nos termos da lei;

T. E se a sentença recorrida se limitou a aplicar a lei, como aplicou - aderindo não só às normas aplicáveis como à mais recente e avisada doutrina sobre a matéria, sem que tal tenha aplicação tenha merecido o mínimo reparo da Recorrente - deve a decisão manter-se in totum na ordem jurídica, e ser-lhe dado cumprimento pelo Recorrente.

Termos em que deve ser liminarmente rejeitado o presente recurso, ou em qualquer caso ser-lhe negado provimento, devendo a douta sentença manter-se integralmente na ordem jurídica, por nenhuma censura lhe poder ser apontada nos termos da lei.

Só assim procederão V. Excelências como é de JUSTIÇA».

Notificada das contra-alegações a recorrente quedou-se pelo silêncio.

Neste Tribunal Central, o Exmo. Procurador - Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Por acórdão deste Tribunal Central foi julgada procedente a excepção de incompetência em razão da hierarquia e declarado competente o Supremo tribunal Administrativo que, por despacho do relator a quem os autos foram distribuídos, fixou em definitivo a nossa competência para apreciação do mérito dos autos.

Recebidos os autos neste Tribunal e colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II- Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°). Pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões vertidas nas alegações, temos por seguro que o objecto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se, face ao preceituado no artigo 43.º, n.º 5, da Lei Geral Tributária, na redacção que ao mesmo foi atribuída pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, é admissível a atribuição cumulativa de juros indemnizatórios e juros moratórios sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo.

III - Fundamentação de Facto

Em 1ª instância foram considerados como relevantes e provados para a apreciação e decisão da causa os seguintes factos:

A. A autora é uma instituição de crédito com sede na … que investe em obrigações dos Estados da União Europeia (cfr. documento 2, junto com a petição inicial da acção administrativa especial apensa).

B. No dia 15-5-2002, a autora adquiriu obrigações do Tesouro (OT 5.85) da República Portuguesa (ISIN PTO-TEHOE0008), pelo valor bruto de €109.189.863,01 e líquido de € 100.000.000,00, através de uma central de liquidação internacional denominada “C., S.A.”, a qual opera no mercado de valores mobiliários em Portugal através do “Banco …”, na qualidade de sub-custodiante e responsável pela retenção na fonte de imposto (cfr. documentos 3 e 4 juntos com a petição inicial - fls. 51/68, 113/144 e 223/226 da acção administrativa especial apensa).

C. No dia 20-5-2002, o Tesouro Português procedeu ao pagamento de juros à autora no valor de €5.850.000,00, através do “Banco …”, que remeteu os juros para a “C.” e esta para a autora (cfr. fls. 61 e 113/144 da acção administrativa especial apensa).

D. Na mesma data, o “Banco …” procedeu a retenção na fonte da quantia de €1.170.000,00, aplicando a taxa de 20% (fls. 65, 67 e 113/144 da acção administrativa especial apensa).

E. O “Banco …” procedeu de seguida à entrega dessa quantia de imposto retida ao IGCP (fls. 64, 67 e 113/144 da acção administrativa especial apensa).

F. No dia 21-8-2002, a autora dirigiu requerimento à Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais, intitulado “pedido de reembolso parcial do imposto português retido na fonte sobre juros, nos termos da Convenção para evitar a Dupla Tributação entre a Alemanha e Portugal”, do qual constam os dizeres “Attached please find our claim for repayment of the portuguese tax reduction at source on interests and the certificate from C. which is confirming that EURO 1.170.000,00 have been deducted. Please repay this amount to our account (…)”[cfr. documento 5 da petição inicia da acção administrativa especial apensa e fls. 1/8 do processo administrativo tributário apenso].

G. A autora juntou em anexo um pedido de reembolso do imposto retido, no montante de €1.170.000,00, através de formulário MOD. 5 – RFI (denominado pedido de reembolso parcial do imposto português retido na fonte sobre dividendos, juros e royalties, nos termos da convenção para evitar a dupla tributação), nos termos que constam de fls. 19/22 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, bem como de certificado das autoridades fiscais da Alemanha, atestando a sua qualidade de residente fiscal nesse país, e de documento emitido pela “C.” atestando a data do pagamento dos juros das obrigações do Tesouro (cfr. documento 5, junto com a petição inicial da acção administrativa especial apensa).

H. No dia 5-11-2002, a autora dirigiu novo pedido à Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais, solicitando a confirmação do recebimento do requerimento indicado no ponto F (cfr. fls. 9/10 do processo administrativo apenso)

I. No dia 30/04/2003, a Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais remeteu à autora carta registada com aviso de recepção, com devolução do formulário MOD. 5 – RFI, para efeito de correcção do pedido de reembolso no sentido de:

- estar preenchido e ser identificada a entidade residente em Portugal / entidade devedora;

- ser indicado o intermediário financeiro residente em território português que interveio na operação (cfr. fls. 12, do processo administrativo apenso).

J. No dia 28-7-2003, a autora entregou à Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais novo formulário MOD. 5 – RFI, para efeito do pedido de reembolso (cfr. fls. 14/15, do processo administrativo apenso).

K. No dia 27-11-2003, a Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais remeteu à Autora carta registada com aviso de recepção, notificando-a para, no prazo de 15 dias, juntar os seguintes elementos:

- identificação do número de identificação fiscal da entidade emitente os títulos;

- identificação do código do valor mobiliário (código ISIN, número internacional de identificação de valores mobiliários);

- indicação da quantidade total de títulos, indicando a data de aquisição e data do vencimento dos mesmos;

- identificação do intermediário financeiro residente em Portugal que interveio na operação, ou do intermediário financeiro não residente em Portugal que seja cliente direto do intermediário financeiro residente neste país, sendo ainda necessário que os valores mobiliários relativos à dívida pública portuguesa tenham sido registados pela entidade registadora em território português (cfr. fls. 20 do processo administrativo apenso).

L. No dia 10-12-2003, a autora informou a Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais que o intermediário financeiro residente em Portugal que interveio na operação é o “Banco …” e novo formulário MOD. 5 – RFI (cfr. fls. 22 do processo administrativo apenso).

M. No dia 02/02/2004, a Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais remeteu à autora carta registada com aviso de recepção, notificando-a para, no prazo de 30 dias, juntar os seguintes elementos:

- identificação do código do valor mobiliário (código ISIN, número internacional de identificação de valores mobiliários);

- indicação da quantidade total de títulos, indicando a data de aquisição e data do vencimento dos mesmos, de acordo com os registos efetuados no vosso banco (fls. 27 do processo administrativo apenso).

N. No dia 2-3-2004, o “Banco …” informou a Direção de Serviços dos Benefícios Fiscais não ter qualquer registo que os referidos títulos tenham sido detidos pelo requerente (cfr. fls. 28 do processo administrativo apenso).

O. Por despacho datado do dia 6-4-2004, o subdiretor-geral dos Impostos indeferiu o pedido de reembolso de IRC retido na fonte sobre juros de obrigações do tesouro relativos ano de 2002, com fundamento na inexistência de qualquer registo junto do intermediário financeiro residente em território português, impossibilitando a verificação da autora ter sido titular das referidas obrigações, nos termos que constam de fls. 12 e cujo teor aqui se dá por integramente reproduzido (cfr. documento 1, junto com a petição inicial da acção administrativa especial apensa).

P. No dia 3-5-2007, o subdiretor geral dos Impostos autorizou o reembolso à autora do montante de € 292.500,00, correspondente à diferença entre o imposto liquidado e cobrado à taxa de 20% e a taxa de 15% que é o limite máximo devido nos termos da CDT entre Portugal e a Alemanha, por se ter confirmado que a requerente suportou na totalidade o imposto retido em Portugal, pelo que é parte legítima para o pedido de reembolso do mesmo, apesar de não ter retido os títulos durante todo o período (cfr. fls. 233/237, da acção administrativa especial apensa).

Q. No dia 17-9-2004, a exequente apresentou neste Tribunal Tributário de Lisboa ação administrativa especial contra o despacho de indeferimento do pedido de reembolso de IRC retido na fonte sobre juros de obrigações do tesouro relativos ano de 2002, proferido pelo subdiretor geral dos Impostos no dia 6-4-2004 (acção administrativa especial apensa).

R. Aí formulou como pedido a anulação do ato de indeferimento e o reembolso integral das quantias retidas à autora (acção administrativa especial apensa).

S. No âmbito daquele processo de acção administrativa especial, foi proferido acórdão no dia 28-9-2012, que julgou nos seguintes termos:

a) improcedente o pedido de impugnação da idoneidade da tradução;

b) extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, no que se refere ao montante de € 292.500,00, integrado no montante global cuja restituição se requer;

c) no mais, julgar procedente por provada a presente ação administrativa especial e, em consequência, anular o ato sindicado;

d) condenar a entidade demandada a restituir à autora o montante de € 877.500,00;

d) improcedente o pedido de condenação da entidade demandada como litigante de má fé;

e) condenar a entidade demandada no pagamento das custas do processo (acórdão do Tribunal Tributário de Lisboa proferido na acção administrativa especial apensa).

T. Este acórdão veio a ser confirmado por decisão do Tribunal Central Administrativo Sul, que transitou em julgado no dia 26-6-2013 (acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul integrado na acção administrativa especial apensa).

U. No dia 30-8-2013, a Direcção dos Serviços de Relações Internacionais da Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu cheque a favor da exequente, para pagamento da quantia de € 877.500,00 (cfr. fls. 46).

V. A entrega postal do referido cheque não foi conseguida (cfr. fls. 51).

W. No dia 7-11-2013, a Direção dos Serviços de Relações Internacionais da Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu novo cheque a favor da exequente, para pagamento da quantia de € 877.500,00 (cfr. fls. 63).

X. O qual foi entregue ao mandatário da exequente no dia 18-11-2013 (cfr. fls. 66).

IV. Fundamentação de Direito

Conforme resulta do ponto I e II supra, é uma só a questão que se coloca neste recurso: decidir se o Tribunal a quo, ao julgar que após a entrada em vigor do n.º 5 do artigo 43.º da LGT não existe qualquer obstáculo a que sejam atribuídos de forma cumulativa e relativamente ao mesmo período de tempo juros indemnizatórios e juros moratórios e, em conformidade, ao condenar o recorrente ao seu pagamento nesses termos, incorreu em erro de julgamento.

Do que vimos expondo, bem como da delimitação do objecto do recurso por nós efectuada no ponto II deste acórdão, resulta já que, em nosso entender, a rejeição do recurso jurisdicional por falta de objecto – que é, se bem interpretamos as conclusões vertidas sob as alienas B) e D) a Q) das contra-alegações, a pretensão primeira da recorrida – não tem qualquer fundamento.

Efectivamente, independentemente do acerto das normas jurídicas convocadas como suporte da pretensão revogatória ou, em bom rigor, do quadro jurídico desenhado e convocado em abono da tese de censura da sentença recorrida, resulta manifesto das alegações de recurso que a recorrente está inconformada com a sentença na parte em que a condenou ao pagamento cumulativo de juros indemnizatórios e moratórios durante o mesmo período de tempo.

Ora, residindo nessa condenação o seu inconformismo e sendo inquestionável que a recorrente foi condenada nesses termos, não cremos que deva este recurso ser rejeitado, independentemente do que na apreciação do mérito do mesmo se venha a concluir quanto ao quadro jurídico que foi aplicado na sentença recorrida, ao convocado em recurso ou ao que venha a ser julgado por este Tribunal como o pertinente para a apreciação e decisão da questão.

Acresce que, distintamente do alegado pela recorrida, as alegações de recurso apresentadas não ignoraram totalmente o quadro jurídico que sustentou a decisão recorrida, sendo evidente que no percurso argumentativo aduzido pelo Tribunal a quo também foram convocados os preceitos legais que a recorrente chama em sua defesa.

Posto isto, e centrando-nos já na questão identificada, começamos por salientar que os pedidos de condenação em juros indemnizatórios e juros moratórios foram formulados na petição inicial nos seguintes termos:

«a) Condene a AT ao imediato cumprimento ao julgado, através do pagamento à ora Exequente da quantia de € 877.500,00, correspondente ao montante comprovada e ilegalmente cobrado a título de retenção na fonte de IRC, tudo nos termos da douta decisão exequenda, acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos, conforme disposto nos artigos 43.º e 100.º da LGT, sobre a referida quantia;

b) Condene a AT ao pagamento dos juros de mora, devidos à exequente sobre o montante do seu crédito referido na alínea anterior, vencidos e vincendos desde o termo do prazo de execução espontânea da sentença exequenda, à taxa anual de 12,224% e às taxas que vierem a vigorar, até integral e efectivo pagamento.»

Como se colhe da sentença recorrida, o Meritíssimo Juiz, após ter determinado a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido de condenação de restituição do valor do imposto (capital) ilegalmente retido - por durante a pendência da presente execução ter sido entregue ao ora recorrido aquele montante -, enfrentou a questão que em seu entender subsistia: «saber se na sequência da decisão judicial proferida na acção administrativa especial apensa, deve ter lugar o pagamento de juros indemnizatórios, por um lado, e por outro, o pagamento de juros de mora, à taxa agravada prevista na redacção actual do artigo 43.º, n.º 5, da LGT.».

A essa questão deu resposta positiva, justificando-a, no que respeita aos juros indemnizatórios, por um lado, com a prova realizada quanto à “anulação” da liquidação em crise e, por outro, com o preceituado nos artigos 100.º e 43.º n.º 1 e n.º 3 da LGT. Tudo, como na sentença se pode ler, em ordem a concluir pela condenação da recorrente no pagamento de juros indemnizatórios que determinou como “devidos desde a data» de indeferimento do pedido de restituição do imposto ilegalmente retido (6-4-2004) até à data da sua entrega à Exequente.
Quanto aos juros de mora, começou o Tribunal a quo por os enquadrar no preceituado no artigo 102.º da LGT, chamando expressa atenção para a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo nesta matéria, maioritariamente no sentido de que: «não pode ter lugar a cumulação de juros moratórios e indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo», por não ser justificável atribuir «uma dupla compensação pela mesma privação de disponibilidade da quantia indevidamente paga».
Porém, adianta o Meritíssimo Juiz a quo, atendendo a que essa jurisprudência foi produzida antes da entrada em vigor do novo n.º 5 do artigo 43.º da LGT, aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro - “de acordo com o qual, no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data de emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas»; à necessidade de integrar sistematicamente este preceito - de que decorre a impossibilidade ou inadmissibilidade de o circunscrever aos casos em que a anulação não é motivada por erro imputável aos serviços - e, por fim, considerando a doutrina produzida já na vigência deste novo normativo (em que se revê), conclui que os juros moratórios são hoje cumuláveis com os juros indemnizatórios e, no caso concreto, estes últimos, devidos desde a data da ilegal retenção (6-4-2004) até efectivo e integral pagamento (7-11-2013), aqueles primeiros (juros de mora ), devidos desde o termo do prazo de execução espontânea da decisão (7-8-2013) até efectivo e integral pagamento (7-11-2013).
Vejamos, agora, o que se nos oferece dizer, adiantando, no entanto, desde já, que para nós continua a ser legalmente inadmissível que sejam atribuídos sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo juros indemnizatórios e juros de mora, sendo irrelevante, neste contexto, a referida alteração legal, cujo propósito, como infra explicaremos, não pode ter sido o de alterar o enquadramento legal, doutrinário ou jurisprudencial que a antecedeu, antes o de o clarificar e o de agravar a taxa de juro aplicável nas circunstâncias de facto e direito em que os juros de mora já eram devidos.
Para que fique claro o raciocínio subjacente a este julgamento, importa que comecemos por transcrever o artigo 43.º da Lei Geral Tributária antes da entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, o qual, sob a epígrafe «Pagamento indevido da prestação tributária», dispunha que:
«1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.».
É, pois, à luz deste normativo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vem, de forma uniforme (ultrapassado um primeiro momento em que os acórdãos produzidos e publicados evidenciavam a discordância - cfr. as declarações de voto apostas no Acórdão do Pleno da Secção de 17 de Junho de 2009, rec. n.º 447/07 e no acórdão da Secção de 6 de Fevereiro de 2013, rec. n.º 1114/12), respondendo às questões de saber se nos casos em que são devidos juros indemnizatórios também são devidos juros moratórios após termo do prazo de execução voluntária da sentença e se esses juros moratórios também incidem sobre o valor devido a título de juros indemnizatórios, da seguinte forma:
«Qualquer uma dessas perguntas já obteve resposta na jurisprudência deste Tribunal
No acórdão de 11/02/2009, proferido no recurso nº 01003/08, enfrentou-se a antinomia normativa que aparentemente existe entre o artigo 100º e o nº 1 do artigo 102º, ambos da LGT, e conjugou-se a norma do actual número 5 do artigo 61º do CPPT (ao tempo nº 3 do mesmo artigo) com o sentido a dar àqueles artigos. É que, numa interpretação estritamente literal desses preceitos, poder-se-ia concluir-se que, após o termo do prazo de execução da sentença anulatória da liquidação, sem que o imposto fosse restituído ao contribuinte, são devidos juros indemnizatórios e juros moratórios sobre o imposto a restituir.
Porém, não esse o alcance daquelas normas.
No referido acórdão, diz-se o seguinte:
“No art. 100.º da LGT estabelece-se que quando ocorre anulação de um acto de liquidação por iniciativa do contribuinte, através de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso, pode haver lugar a pagamento de juros indemnizatórios a favor do contribuinte «a partir do termo do prazo da execução da decisão.
Para os casos em que a restituição é consequência de uma decisão judicial, está hoje estabelecido de forma explícita, no n.º 2 do art. 102.º da LGT, que, em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, serão devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea. (Na redacção inicial do art. 102.º, n.º 2, da LGT estabelecia-se que seriam «devidos juros de mora, a pedido do contribuinte, a partir do termo do prazo da sua execução espontânea». Com a redacção dada àquela norma pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, foi suprimida aquela referência ao pedido do contribuinte, como condição do dever de pagamento de juros de mora).
Por sua vez, o art. 61.º do CPPT, que concretiza o regime dos juros indemnizatórios, estabelece, no seu n.º 3, que eles são contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.
Este art. 61.º é uma norma do CPPT e este Código, nos termos do seu art. 1.º, não prejudica o estabelecido na LGT. Na redacção inicial daquele Código, a compatibilização do CPPT com a LGT, em matérias inseridas na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, era imposta pela lei de autorização legislativa em que o Governo se baseou para o aprovar, que consta do art. 51.º, n.º 1, da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, que estabeleceu como sentido da autorização a compatibilização das normas do CPT com as da LGT.
No que concerne ao termo final do período de contagem de juros indemnizatórios, a norma do art. 61.º, n.º 3, da LGT é compatível com o art. 100.º da LGT, pois nele não se prevê esse termo.
No que respeita ao termo inicial, embora a parte final do art. 100.º da LGT, ao referir-se ao «pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão» sugira que estes juros apenas são contados a partir do termo do prazo de execução da decisão, a interpretação correcta não é essa. Na verdade, na parte inicial da mesma norma, refere-se inequivocamente que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio» e essa reconstituição, para ser plena, não pode deixar de abranger o ressarcimento integral dos danos presumidos e não apenas dos que sobrevierem após o termo do prazo de execução, o que, aliás, está em sintonia com o art. 22.º da CRP, que reconhece aos cidadãos o direito de serem indemnizados pelo Estado e as demais entidades públicas por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício pelos seus órgãos, funcionários e agentes, que lhes causem prejuízos.
Assim, tendo o legislador adoptado a indemnização sobre a forma de juros indemnizatórios, presumindo o prejuízo patrimonial derivado da privação da quantia paga na sequência de um acto de liquidação ilegal, a interpretação do art. 100.º da LGT conforme à Constituição é a de que nele se reconhece o direito a juros indemnizatórios desde a data em que ocorreu a privação da quantia ilegalmente liquidada e não apenas a contar do termo do prazo de execução da decisão anulatória.
Por isso, o art. 61.º, n.º 3, ao estabelecer como termo inicial da contagem de juros indemnizatórios o momento do pagamento, está em sintonia com o regime da LGT.
É com este pressuposto de que os juros indemnizatórios abrangem todo o período que vai do pagamento até à emissão de nota de crédito, nos termos do art. 61.º, n.º 3, do CPPT, que tem de ser analisada a questão dos juros de mora.
(…)
Por isso, resultando dos arts. 100.º da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT, que, quando há lugar a juros indemnizatórios, eles cobrem todo o período que vai desde o pagamento indevido até à emissão da nota de crédito, tem de concluir-se que, nessas situações, não haverá lugar a pagamento de juros de mora, pois, se este fosse efectuado, ocorreria uma cumulação de juros relativamente ao mesmo período de privação da quantia paga.
Isto é, sendo de entender que não pode haver lugar a cumulação de juros indemnizatórios e moratórios relativamente ao mesmo período de tempo, a interpretação que permite compatibilizar o regime do art. 100.º da LGT, complementado com o do art. 61.º do CPPT, e o do art. 102.º da mesma Lei é a de que, quando há lugar a juros indemnizatórios, não tem aplicação o regime dos juros de mora previsto no art. 102.º, pois toda a dívida de juros é paga a título de juros indemnizatórios.
Assim, é de interpretar restritivamente o art. 102.º, como aplicando-se apenas aos casos em que não há lugar a juros indemnizatórios, isto é, os casos em que a anulação não é motivada por erro imputável aos serviços, pois quando é esta a razão da anulação há sempre lugar a juros indemnizatórios (art. 43.º, n.º 1, da LGT)”.
A interpretação de que não há juros moratórios no mesmo período em que são devidos juros indemnizatórios, pressupõe também que não há cumulação de juros moratórios e indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo, que é a segunda das questões acima colocadas.
A questão coloca-se em duas vertentes: (i) a de saber se os juros indemnizatórios e moratórios podem coexistir no tempo, sobrepondo-se no mesmo período de tempo; (ii) e a de saber se os juros moratórios devidos a partir do termo do prazo de execução espontânea do julgado, podem incidir sobre o montante de juros indemnizatórios que não foi pago nesse prazo.
Também em qualquer uma delas, a jurisprudência tem respondido negativamente.
No acórdão do Pleno do STA, de 24/10/2007, rec. nº 01095/05, refere-se que “os juros moratórios a favor do contribuinte e os juros indemnizatórios perseguem a mesma finalidade: os indemnizatórios destinam-se “a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido da prestação tributária” e os moratórios visam “reparar prejuízos presumivelmente sofridos [pelo sujeito passivo], derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente”. Estas duas espécies de juros têm, pois, a mesma função, “correspondendo ambos a uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil e destinando-se a reparar os prejuízos advindos ao contribuinte do desapossamento e consequente indisponibilidade de um determinado montante pecuniário, recte, da prestação tributária. Ainda que os respectivos factos geradores sejam diferentes – num caso a liquidação ilegal, no outro o atraso no pagamento -, sempre está presente uma obrigação indemnizatória derivada da produção de determinados danos ou prejuízos provocados por aquela indisponibilidade”. Cfr. acórdão do STA de 7 de Março de 2007, processo n.º 01220/06. Juros indemnizatórios e juros moratórios a favor do contribuinte são, portanto, duas realidades jurídicas afins que têm um regime semelhante e desempenham a mesma função. Ora, uma vez que as duas espécies de juros se fundam numa obrigação indemnizatória que pretende ressarcir idênticos prejuízos, eles não podem ser cumuláveis em relação ao mesmo período de tempo”.
Posição que é seguida em vários acórdãos do STA e na doutrina, como dá conta Jorge de Sousa quando refere que «no pressuposto de que tanto os juros indemnizatórios como os juros de mora são presumivelmente na perspectiva legislativa, uma compensação adequada dos prejuízos que a privação da quantia paga ilegalmente provoca ao contribuinte, será de afastar a possibilidade de cumulação de juros moratórios e indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo, pois não se pode justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paga» (cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed. Vol. I, pág. 547).
E relativamente à questão dos juros de mora sobre juros indemnizatórios, também a jurisprudência deste Tribunal é no sentido de não a admitir. Como se refere no sumário do acórdão de 2/3/2011, rec. nº 0880/10, «embora a falta de restituição do montante anulado de imposto e juros compensatórios no prazo legalmente previsto para o cumprimento espontâneo pela Administração implique a obrigação de pagamento de juros de mora sobre esse montante se tal for pedido pelo contribuinte, estes juros de mora não podem incidir sobre a quantia devida ao contribuinte a título de juros indemnizatório».
E, como se expressa na fundamentação desse aresto, essa é uma a posição que vem sendo sucessivamente reiterada pela jurisprudência tributária, não havendo motivos substanciais para se decidir aqui de modo contrário. Argumenta-se que: (i) «não há, para os juros indemnizatórios, disposição legal semelhante àquele n.º 8 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária. Sendo juros devidos a favor do contribuinte, em virtude de uma liquidação e subsequente desapossamento ilegais, não podem ser integrados numa dívida de imposto. Do mesmo modo, devido à sua natureza, não podem tais juros moratórios - a favor da Fazenda Pública - incidir sobre juros indemnizatórios a favor do contribuinte» (ii) e que «no domínio do direito fiscal vigora o princípio da legalidade, maxime o princípio da tipicidade, o que veda à administração tributária a possibilidade de convencionar o anatocismo após o vencimento dos juros ou efectuar a dita notificação judicial, uma vez que estas hipóteses não se encontram previstas nas leis tributárias.
(…) das duas uma: ou se entende que os juros pagos após o decurso do prazo de execução espontânea da sentença têm a natureza moratória, incidindo apenas sobre o imposto a restituir e não sobre os juros indemnizatórios devidos até esse prazo, ou se entende que, sendo devidos juros indemnizatórios até à data do processamento da nota de crédito, não são devidos juros moratórios.
Em qualquer das hipóteses, como a taxa de juros é a mesma, a sentença encontra-se integralmente cumprida, o que conduz à procedência do recurso.» - Cfr. acórdão do STA de 6-12-2013 – processo n.º 1114/12, integralmente disponível em www.dgsi.pt.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, o artigo 43.º da LGT sofre uma alteração, consubstanciada no aditamento de um novo número (n.º 5) com a seguinte redacção:
«5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.».
De notar que a nova redacção do n.º 5 do artigo 43.º se aplicou de imediato às decisões judiciais transitadas em julgado, cuja execução se encontrasse pendente à data da entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, de 30-12, com a ressalva relativa ao período de contagem de juros, que ficaram limitados ao período decorrido após a entrada em vigor da mesma lei (cfr. artigo 151.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30-12).
Não obstante essa “aplicação imediata”, volvidos mais de 4 anos, apenas se encontram publicados dois acórdãos, ambos desta secção e Tribunal, em que a questão foi apreciada, sendo que as decisões neles proferidas seguiram em sentido oposto. No acórdão de 23 de Abril de 2015 (processo n.º 9163-15), sem expressamente se mencionar a alteração legislativa, convocando-se a jurisprudência e doutrina sedimentadas antes daquela, manteve-se o entendimento de inadmissibilidade de cumulação. No acórdão de 18-2-2016 (processo n.º 8311/14), julgou-se no sentido da admissibilidade da cumulação, transcrevendo-se a doutrina produzida após a alteração legislativa, que aqui igualmente reproduzimos na parte mais relevante:
«Trata-se de um regime excepcional, com evidente natureza sancionatória e compulsória, visando compelir a administração tributária a executar tempestivamente as decisões transitadas em julgado, o que é reclamado pelo direito à tutela judicial efectiva (art. 20.0, n.0s 1e 4,da CRP) que inclui o direito à execução (art. 2.0,n.0 1, do CPC).

Por outro lado, estabelecendo-se que estes juros de mora agravados são devidos relativamente ao período entre o termo do prazo de execução e a emissão da nota de crédito, é de concluir que, nos casos em que esteja em causa executar uma decisão e se trate de uma situação enquadrável no n.º1, em que são devidos juros indemnizatórios, estes juros de mora serão cumuláveis com os indemnizatórios ,pois estes são «contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluído.(art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

Isto significa que, nos casos em que esteja em causa a execução de uma decisão judicial e seja excedido o prazo de execução espontânea da decisão, não se aplicará o entendimento que o STA tem vindo a adoptar sobre a não cumulação de juros de mora com juros indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo, por não se justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paga (entre muitos pode ver-se o acórdão do STA de 11-2-2009,processo n.0 1003/08). No caso previsto neste novo n.º 5 do art. 43.º não deixa de valer, naturalmente, este juízo, mas a atribuição dos juros de mora não é explicada pela intenção de compensar o sujeito passivo pela privação da quantia que pagou indevidamente, mas sim pela ideia de sancionar a administração tributária pelo incumprimento do dever que a lei lhe impõe de executar as decisões judiciais nos prazos previstos na lei e, nos casos em que incorreu em incumprimento, compeli-la a pôr rapidamente termo a essa situação de incumprimento, para não sofrer a consequência do pagamento de juros de mora fortemente agravados. Isto é, a atribuição de juros de mora agravados, nesta específica situação, tem afinidade funcional com sanção pecuniária compulsória, prevista no art. 179.º, n.º 3, do CPTA, para impor à administração a execução das decisões judiciais e não identidade teleológica com os juros indemnizatórios, sendo estas diferentes finalidades que permitem justificar a cumulação de juros.

Por se tratar de um regime excepcional, apenas para os casos de inexecução tempestiva de decisões judiciais transitadas em julgado, como explicitamente se refere neste n.º 5,com evidente alcance restritivo, ele não será aplicável em situações em que o direito a juros indemnizatórios decorre de decisões administrativas, quer as previstas no n.º 1,quer as indicadas no n.º 3 deste art.43.º». (1)

Como começamos por adiantar, também para nós, com o respeito que nos merecem os defensores da tese contrária, se deve ter como acertada a impossibilidade dessa cumulação, como aqui vem defender a recorrente.
Desde logo, porque nada na letra da lei nos permite concluir que a atribuição dos “juros de mora” nas circunstâncias de facto e direito aí definidas tem uma natureza sancionatória ou compulsória, como o revela a terminologia utilizada pelo legislador, “juros de mora”, consensualmente entendida como uma compensação atribuída ao credor pelo atraso do devedor no cumprimento e o facto de ser bem conhecida do legislador a figura da “sanção pecuniária compulsória”, terminologia que não deixaria de ter utilizado (como o fez já em diversos diplomas legais, como é o caso do artigo 179.º, n.º 3 do CPTA citado no julgado e na doutrina), se o objectivo da concessão de “juros moratórios” tivesse em vista efectivamente essa exclusiva “compulsão ao cumprimento”. Aliás, foi sempre indiscutível na doutrina e na jurisprudência que os juros de mora tem uma natureza simultaneamente reparadora e compulsória do pagamento pontual e que está ínsito na onerosidade da taxa fixada (cfr. artigos 806.º, n.º 1 do Código Civil), natureza complexa ou característica que, de resto, distingue os juros moratórios dos juros compensatórios, a que foi sempre reconhecida natureza exclusivamente indemnizatória ou reparadora.
Salientamos, neste momento, que não se encontram disponíveis para consulta quaisquer trabalhos preparatórios desta alteração legal e que na discussão do Orçamento de Estado para 2012 (diploma através do qual a alteração do artigo veio a ser concretizada), nenhum deputado se inscreveu para a debater (2), razão pela qual ficámos privados dos elementos necessários a uma precisa identificação do espírito do legislador, isto é, ficamos sem saber, pelo menos com segurança, quais foram as razões que o determinaram a esta alteração, mais concretamente se estas foram as que a referida doutrina aduz, sendo certo, insiste-se, que não tem qualquer correspondência na letra da lei e, consequentemente, dificilmente seriam de ponderar.
Acresce que, à data dessa alteração, bem sabia o legislador português que a questão da cumulação de juros indemnizatórios e moratórios se colocava na jurisprudência com muita acuidade, pelo que, se subjacente a esta alteração estava o propósito de vincar que essa cumulação passava a ser admissível sobre a mesma quantia e durante o mesmo período de tempo – colocando o ordenamento jurídico-tributário numa posição única relativamente aos demais ordenamentos já que nestes essa hipótese está absolutamente arredada – o mais natural seria simplesmente afirma-lo.
Não foi, porém, o que fez, limitando-se a dizer que «5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.».
Ou seja, neste preceito - contrariamente ao que, em nosso entender, vem defendendo a doutrina e, por via desta, se julgou em acórdão – o legislador, bem consciente da referida questão em discussão limitou-se a clarificar que o incumprimento de uma sentença judicial pode também dar lugar a juros moratórios e a definir os termos inicial e final de contagem daqueles. E não a afirmar que tais juros moratórios são cumuláveis no tempo ou que possam incidir, para além do valor de capital, sobre o valor acumulado derivado dos juros indemnizatórios.
Daí que, para nós, e tal como se disse no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que transcrevemos, (louvando-se na jurisprudência anteriormente produzida) à luz de outro quadro jurídico, que não contemplava formal e expressamente solução legal nesta matéria, mas que em substância se mantém, deve continuar-se a entender-se que só são devidos juros moratórios entre o termo do prazo de execução espontânea e a emissão de nota de crédito, nos termos do artigo 43.º n.º 5 da LGT, nas situações em que a anulação (ilegal retenção) não é motivada por erro imputável aos serviços, pois quando o é, ou seja, sendo essa a razão da anulação (ou reconhecimento de ilegalidade da retenção) há sempre lugar a juros indemnizatórios por força do disposto no n.º 1 do mesmo preceito legal.
Resulta, assim, que também não lográmos encontrar um quadro – com base no “pensamento legislativo” reconstruído, tendo em consideração a “unidade do sistema” e as circunstancias conhecidas em que a “lei foi elaborada” - que nos permitisse concluir pela vontade de criação de um regime excepcional, só aplicável às situações previstas no n.º 1 do artigo 43.º se relacionadas com a inexecução de sentença, mas já não para as contempladas no n.º 1 e no n.º 3 se com aquelas não relacionadas, acompanhando o julgado e a doutrina citada, aliás, nas dúvidas sobre a constitucionalidade dessa interpretação.
Em suma, para nós, mantêm-se válida a jurisprudência de que, embora os «factos geradores sejam diferentes – num caso a liquidação ilegal, no outro o atraso no pagamento» é uma só a obrigação, qual seja, a de indemnizar o sujeito passivo dos danos ou prejuízos provocados pela indisponibilidades, isto é, que estamos perante «duas realidades jurídicas afins que têm um regime semelhante e desempenham a mesma função», pelo que, fundando-se os juros indemnizatórios e os juros moratórios numa mesma obrigação consagrada tendo em vista o ressarcimento dos prejuízos, eles não podem ser cumuláveis em relação ao mesmo período de tempo. (cfr. acórdão supra transcrito do STA).
É, desta forma, distintamente do que se entendeu na sentença recorrida, que se integra sistematicamente este preceito e se privilegia, como legalmente determinado, a regulamentação material ou substancial sobre a processual e se harmonizam uns e outros, sem prejuízo de salvaguardar o direito a uma indemnização do sujeito passivo por todos os danos ou prejuízos sofridos pela pagamento/retenção ilegal do imposto, que será tanto mais elevada quanto maior for o tempo de incumprimento por parte do devedor e a natureza do facto que lhe impôs tal obrigação - com a atribuição de juros agravados quando na génese dessa imposição de pagamento ou restituição está uma sentença judicial, a que é reconhecida especial autoridade relativamente à imposição derivada de acto voluntário de reconhecimento da ilegalidade por parte da Administração Tributária, cujo “incumprimento” não dá lugar ao pagamento de juros de mora a taxa agravada.
Temos, pois, por seguro, que estando em causa nos autos uma retenção de imposto, cuja devolução foi indeferida, e tendo-se concluído que essa indevida retenção resulta de erro dos serviços, há lugar a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1, entre essa data e a emissão da nota de crédito e não há direito a juros moratórios.
Diga-se, de todo o modo, que mesmo para quem entenda que o legislador quis consagrar a possibilidade de compensar o credor da Administração Tributária através da atribuição de juros indemnizatórios e moratórios independentemente da imputação àquela de erro judicialmente reconhecido, sempre terá que concluir, que os juros indemnizatórios deverão ser contabilizados desde a data da prática do acto ilegal (in casu, indeferimento da pretensão de devolução) e o termo do prazo de execução espontânea da sentença, tendo em vista compensar ou ressarcir o credor pela privação ou indisponibilidade financeira de uma quantia que é sua. E os juros moratórios, desde esta última data e o efectivo e integral pagamento, à taxa agravada prevista no artigo 43.º n.º 5, tendo em vista compensar a mesma indisponibilidade e a demora no cumprimento do (especial) dever de executar.

IV - Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, julgando procedente o presente recurso, em revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o recorrente ao pagamento de juros moratórios.
Custas pela recorrida.

Registe e notifique

Lisboa, 28 de Abril de 2016

_____________________________________________ (Anabela Russo)

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(Lurdes Toscano)

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(Ana Pinhol)

(1)Cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, «Lei Geral Tributária Anotada e Comentada», 4ª edição, 2012, anotação ao artigo 43.º, n.º 5, páginas 344-345.

(2)Não obstante as várias tentativas realizadas por este Tribunal Central junto de várias entidades, incluindo a Assembleia da República, no sentido de obter elementos que nos permitissem apreciar de forma mais rigorosa o condicionalismo que terá conduzido à alteração legal em causa, tudo quanto foi possível apurar, por resposta da referida Assembleia, foi o que exaramos no acórdão.