Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11374/14
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:10/23/2014
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR CONSERVATÓRIA
Sumário:A providência cautelar conservatória é, desde logo, indeferida quando resulte evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


RELATÓRIO

M…… interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria em 27/05/2014, que indeferiu a providência cautelar interposta contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP de suspensão da eficácia “da decisão de 07-01-2014 do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social, IP, que determinou o encerramento administrativo e imediato do estabelecimento de apoio social, não licenciado, com fins lucrativos, que exerce actividade do âmbito da Segurança Social mediante o desenvolvimento da resposta social de Estabelecimento de apoio a famílias e crianças com idade inferior a 3 anos”.

Conclui assim as suas alegações:
“1.- O tribunal a quo proferiu douta sentença na qual dá como provado que é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada pela requerente, julgando não preenchida o requisito FUMUS MALUS IURIS, e em consequência não decretara a providência cautelar.
2.- Contudo não se deixará de referir que a Requerente no âmbito da audiência de interessados para que remete os artºs 100 e ss. do CPA., requereu a audição de 3 testemunhas, sendo que sobre esses elementos de prova a entidade Requerida não se manifesta, isto é, o processo foi decidido sem audição das testemunhas.
3.- Foi por isso desrespeitado o seu direito de audiência e defesa, pois a Requerente não se pode defender das acusações, de que tinha a exploração de uma creche e de que cuidava de 4 crianças.
4.- Pelo que se conclui pela violação de um principio fundamental constitucionalmente garantido (artº 32º / 1da CRP), nessa medida foram violados todos os direito de defesa do arguido, a violação do disposto no citado artigo legal conduz necessariamente a suspensão de eficácia do ato recorrido.
5.- O direito ao trabalho é um direito CONSTITUCIONAL e esse direito foi violado.
6.- Acresce que a Requerente já legalizou a sua atividade, encontrando-se inscrita na AT. como ama.
7.- Em conclusão não estamos perante o funcionamento de uma creche ilegal, mas sim perante um ama que se encontra inscrita e legalizada perante a AT.
8.- A douta sentença proferida é anulável por contradição entre os fundamentos e a decisão.
9.- A douta sentença refere que: “a entidade requerida não logrou demonstrar que a pretensão da requerente no processo principal é manifestamente infundada.
10.- Sendo que o ónus da prova de que a pretensão da requerente é manifestamente infundada impende sobre a entidade requerida e não sobre a requerente.
11.- Contudo a douta sentença recorrida conclui que a entidade requerida logrou fazê-lo na medida em que invocou:
c) Que o estabelecimento funciona sem licença de funcionamento.
d) Que a requerente nem como ama procedeu à sua inscrição no Centro Distrital competente.
12.- Ora, quanto à alínea a) a Requerente sempre defendeu que não tem em funcionamento nenhum estabelecimento, creche, pelo que não pode o douto tribunal a quo considerar que está em causa a existência de um estabelecimento sem licença de funcionamento, quando esta matéria é negada pela Requerente e quanto muito é matéria em discussão no processo principal.
13.- Quanto à alínea b) a Requerente alega que se dirigiu à Segurança Social para se inscrever como ama e que a Segurança social não a inscreveu.
14.- Que houve falha da Segurança Social, sendo desta entidade a responsabilidade pela qual a Requerente não se encontrava inscrita durante anos foi da Segurança Social.
15.- Por outro lado, nos autos, a Requerente alegou que procedeu à sua inscrição como ama na AT e como ama na Segurança Social, sobre a inscrição na AT apresentou prova documental.
16.- Competia contudo à Segurança Social - entidade requerida - nos autos a prova de que a Requerente não se encontra inscrita na Segurança Social (o ónus da prova pertence-lhe).
17.- Essa prova não foi feita.
18.- Conclui-se que a douta sentença do tribunal a quo está ferida de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e pelos seus fundamentos estarem em oposição com a decisão proferida, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, aplicável ex-vi art.º 1º do CPTA.”

Termina pedindo a revogação da sentença recorrida.

Por despacho de fls. 118/120 dos autos foi admitido o recurso e corrigido um erro de escrita da sentença, nos termos do disposto no artigo 614º, n.º 1 do CPC.

O recorrido apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:
A) O presente recurso vem interposto da douta Sentença proferida em 27/05/2014, a qual indeferiu a providência cautelar apresentada, por verificar não preenchido o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA - fumus boni iuris;
B) No âmbito do despacho de admissão do recurso, o Digníssimo Tribunal a quo procedeu à rectificação de um erro de escrita/lapso manifesto, nos termos do n.º 1 do artigo 614.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA rectificando a douta Sentença, nos seguintes termos:
Onde se lê:
“ … a entidade requerida não logrou demonstrar que a pretensão do requerente no processo principal é manifestamente infundada ..."
Deve ler-se:
“...a entidade requerida logrou demonstrar que a pretensão do requerente no processo principal é manifestamente infundada ..."
C) Pelo que, a alegada contradição entre os fundamentos e a decisão proferida se encontra cabalmente esclarecida e dirimida pela instância jurisdicional, através do despacho de admissão do recurso, proferido em 18/06/2014;
D) A motivação que conduziu ao não decretamento da providência cautelar prendeu-se com o não preenchimento do requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, na medida em que não resultou evidente da factualidade apurada a procedência da pretensão da Recorrente, no processo principal;
E) De facto, a Recorrente apesar de pretender ser considerada como prestadora da actividade de ama numa tentativa de obviar ao enquadramento na actividade de creche, não possui a competente autorização do Centro Distrital de Leiria (serviço desconcentrado do Recorrido), ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 158/84 de 17 de Maio e do Despacho Normativo n.º 5/85 de 18 de janeiro, o qual disciplina ainda o cumprimento de vários requisitos para o acesso à actividade de ama;
F) Na acção inspectiva realizada pelos serviços de fiscalização do Recorrido concluiu-se que a actividade desenvolvida deve ser enquadrada como creche, nos termos e para efeitos de aplicação do disposto na Portaria nº 262/2011, de 31 de Agosto, diploma legal que estabelece as normas reguladoras das condições de instalação e funcionamento das creches;
G) Pois, o espaço físico em que a actividade é desenvolvida é constituído por 3 divisões, que pretendem corresponder à valência de apoio social, denominada creche, ao contrário do que está disciplinado para a actividade de ama, que não obriga à existência de várias salas adstritas unicamente à actividade, conforme se retira do Decreto-Lei n.º 158/84 de 17 de Maio e do Despacho Normativo n.º 5/85 de 18 de janeiro;
H) A actividade de apoio à família e à criança é desenvolvida na cave da residência da Recorrente, espaço que se encontra exclusivamente afecto ao exercício dessa actividade e que sofreu obras de adaptação para o efeito, onde foi observado a existência de:
a) uma sala de actividades, organizada por áreas diferenciadas de interesse e com mobiliário e equipamento lúdico adaptado a crianças com idade inferior a três anos (mesas e cadeiras de tamanho infantil, escorregas e equipamento de baloiço) e uma área de higienização com cama que serve de banca para muda de fraldas, junto da qual se observaram prateleiras para arrumação de produtos de higiene pessoal das crianças;
b) uma sala de berços com comunicação directa para a sala de actividades;
c) uma instalação sanitária, e
d) uma segunda sala de actividades com sofás e uma televisão.
l) A creche está sujeita a licenciamento de acordo com a legislação em vigor e legislação específica, conforme artigo 22° da Portaria nº 262/2011, de 31 de Agosto, licenciamento previsto e regulado pelo Decreto-Lei nº 64/2007, de 14 de Março, artigos 11.º e seguintes, alterado e republicado pelo Decreto-Lei nº 99/2011, de 28 de Setembro, e o seu funcionamento está sujeito a fiscalização por parte dos serviços competentes do Recorrido, conforme artigo 23° da Portaria nº 262/2011, de 31 de Agosto;
J) Ora, o estabelecimento de apoio social funciona sem licença de funcionamento ou autorização provisória emitida pelo Centro Distrital de Leiria (serviço desconcentrado do Recorrido);
L) O imóvel não dispõe de licença de utilização emitida pela Câmara Municipal das Caldas da Rainha para a actividade que é exercida;
M) O equipamento não assegura condições mínimas de segurança contra incêndios, uma vez que as instalações não se encontram providas de detetores de incêndio, botões de alarme e central de alerta;
N) O equipamento não foi objecto de vistoria pela Autoridade Nacional de Protecção Civil, não tendo consequentemente as instalações certificado de segurança contra incêndios;
O) O imóvel está equipado com instalações técnicas e de utilização de combustíveis cuja colocação e manutenção não está devidamente certificada, apresentando ainda como outros riscos uma extensão eléctrica suspensa junto á porta de acesso ao berçário, conforme foto n.º 6 do Projecto de Relatório;
P) No que respeita às condições de higiene, verificou-se a inexistência de certificação das condições higio-sanitárias e de segurança alimentar;
M) Consideram-se de apoio social os estabelecimentos em que sejam prestados serviços de apoio ás pessoas e às famílias, e concretizam-se, entre outras, através da resposta social no âmbito de apoio a crianças, no caso, creche, conforme disposto no artigo 3° e 4°, nº 1, alínea a) do Decreto­ Lei nº 64/2007, de 14 de Março, alterado e republicado pelo Decreto-Lei nº 99/2011, de 28 de Setembro, que só pode iniciar actividade após a concessão da respectiva licença de funcionamento, nos termos do disposto no artigo 11º.
Q) O estabelecimento de apoio social propriedade da Recorrente não se encontra licenciado, nem se encontra pendente qualquer processo de licenciamento, e não cumpre as normas de instalação e funcionamento previstas na Portaria nº 262/2011, de 31 de Agosto, como se descreve pormenorizadamente no relatório dos serviços de fiscalização, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.”


O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou sobre o mérito do recurso.
*
As questões a decidir no presente recurso – delimitadas pelas conclusões das alegações [cfr. artigos 635º, n.ºs 3 e 4 do CPC ex vi artigo 140º do CPTA] – consistem em saber se a sentença recorrida enferma de:
(i) Nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão;
(ii) Erro de julgamento no que concerne ao critério do fumus malus iuris.
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Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

1.1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:

1. Em 8 de Maio de 2013 é subscrito email dirigido “IGMSSS-Formulários, onde consta “… Apresentação de queixas, Denúncias, Reclamações à Inspecção-Geral do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social (…) Assunto: crianças fechadas numa cave (…) No lugar de D……, freguesia de S……, Concelho e distrito de Leiria, a Dona A……, esposa do Senhor A…… mantém uma creche com crianças numa cave, sem ter em conta as exigências por lei a aplicar. Além disso não passa qualquer recibo às mães que lá colocam crianças…” ;
(Facto Provado por documento, a fls. 4 do PA)

2. Em documento timbrado de “Inspecção-Geral do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social”, dirigido à Presidente do Conselho Directivo do ISS, IP, consta designadamente “… Junto se remete … o email de 8 de Maio de 2013, recebido nesta Inspecção-Geral por conter matéria enquadrada nas competências deste Instituto …”;
(Facto Provado por documento, a fls. 3 do PA)

3. Em 15 de Novembro de 2013 é subscrita informação do Instituto de Segurança Social, IP, com a referência DF/UFC/NFES/PROAVE n.º 201300025130, onde consta “… FACTOS APURADOS (…) 2 – Na morada supra identificada foi constatado o funcionamento de um estabelecimento de apoio social que disponibiliza serviços de alimentação, cuidados de higiene, actividades lúdicas e assistência medicamentosa quando necessário a crianças com idade inferior a 3 anos, em número de 3 à data da acção fiscalizadora e uma de 4 anos de idade. (…) 3 – A actividade é promovida por M…… (…). 4 – A actividade de apoio é promovida a título remunerado. 4.1. Pelos serviços prestados declarou receber valores que variam em função das necessidades das crianças e dos produtos que os pais trazem mensalmente … num valor que se estima em cerca de 100€. 4.2. Relativamente aos rendimentos obtidos pelo exercício da actividade M…… declarou não proceder à emissão de recibos e não se encontrar inscrita nas finanças. 5 – O estabelecimento de apoio social à família e à criança sito na Rua……, n.º .., D……, S……, Concelho de Leiria, funciona sem licença de funcionamento ou autorização provisória emitida pelo Centro Distrital de Leiria … 7 – Nas instalações afectas exclusivamente ao exercício da actividade de apoio à família e à criança foram observados os seguintes espaços: sala de actividades, organizada por áreas diferenciadas de interesse, apetrechada com mobiliário e equipamento lúdico adaptado a crianças com idades inferiores a 3 anos (…) e uma área de higienização com cama que serve de banca para muda de fraldas … uma sala de berços com comunicação direta para a sala de actividades através de uma porta de madeira, uma instalação sanitária e uma sala de actividades com sofás e uma televisão…”;
(Facto Provado por documento, a fls. 12 e 13 do PA)

4. Em documento timbrado de “Instituto de Segurança Social, IP”, com a referência UFC/NFE S/CENTRO/PROAVE N.º 201300025130, dirigido a M……, onde consta designadamente:


(…)

(…)

(…)

(Facto Provado por documento, a fls. 1 e segs. dos autos – paginação electrónica)

5. Em 7 de Janeiro de 2014 é subscrito documento timbrado de “Instituto da Segurança Social, IP”, denominado de “DELIBERAÇÃO”, onde consta:

(…)

(Facto Provado por documento, a fls. 1 e segs. dos autos – paginação electrónica)

6. Em 13 de Janeiro de 2014 é subscrito documento timbrado de “Ministério das Finanças e da Administração Pública”, denominado “DECLARAÇÃO DE REGISTO DE INÍCIO DE ACTIVIDADE ”

(…)


(…)




(…)










(Facto Provado por documento, a fls. 1 e segs. dos autos – paginação electrónica)


1.2. O Tribunal a quo considerou não provado o seguinte facto:
- A requerente desenvolve a actividade de “ama” já inscrita no Instituto de Segurança Social.



2. Do Direito

Identificadas que foram as questões objecto deste recurso, passamos à sua apreciação.

(i) Nulidade da sentença recorrida por contradição entre os fundamentos e a decisão

Alega a recorrente que ocorre contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que se refere na sentença recorrida, por um lado, que “a entidade requerida não logrou demonstrar que a pretensão da requerente no processo principal é manifestamente infundada” e, por outro, que a entidade requerida logrou fazê-lo ao invocar que “o estabelecimento funciona sem licença de funcionamento” e que “a requerente nem como ama procedeu à sua inscrição no Centro Distrital competente”.
Sucede que, esta questão foi já correctamente tratada e resolvida por despacho de fls. 118/119 dos autos, pois que se tratou de um erro de escrita manifesto, que resulta do próprio teor da sentença.
Aliás, a recorrente foi notificada desse despacho e nada veio dizer, conformando-se com ele.

(ii) Erro de julgamento da sentença recorrida no que concerne ao critério do fumus malus iuris

Entende a recorrente que a sentença recorrida efectuou uma aplicação errada deste critério, para o que refere, em síntese, que:
- “ … sempre defendeu que não tem em funcionamento nenhum estabelecimento, creche, pelo que não pode o douto tribunal a quo considerar que está em causa a existência de um estabelecimento sem licença de funcionamento”;
- Alegou “que se dirigiu à Segurança Social para se inscrever como ama e que a Segurança Social não a inscreveu” e ainda que “que procedeu à sua inscrição como ama na AT e como ama na Segurança Social, sobre a inscrição na AT apresentou prova documental”.
Alegou, por outro lado, que foi “desrespeitado o seu direito de audiência e defesa”, uma vez que, “no âmbito da audiência de interessados … requereu a audição de 3 testemunhas, sendo que sobre esses elementos de prova a entidade requerida não se manifesta, isto é, o processo foi decidido sem audição de testemunhas” e que foi violado o direito ao trabalho, uma vez que já legalizou a situação.
Vejamos.
O artigo 120º do CPTA enuncia os critérios de concessão das providências cautelares, dispondo o n.º 1, al. b) sobre as providências conservatórias, como é o caso da providência requerida pela recorrente.
Prescreve este preceito que a providência cautelar é adoptada quando “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”.
A concessão das providências conservatórias depende, assim, do preenchimento de dois requisitos: o periculum in mora e o fumus boni iuris.
No que concerne ao preenchimento do critério do fumus boni iuriso único em causa neste recurso – a lei apenas exige que “não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular … ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”. Ou seja, “a lei basta-se com um juízo negativo de não-improbabilidade” (in “A Justiça Administrativa”, 4ª edição José Carlos Vieira de Andrade, pág. 300).
O requerente não tem, assim, que demonstrar que a causa principal é fundada – como sucede com a aliena a) do n.º 1 do artigo 120º - mas apenas que não é manifestamente privada de fundamento.
Isto posto e regressando ao caso sub judice, temos que a recorrente instaurou a presente providência cautelar com vista a obter a suspensão da eficácia do despacho de 7/01/2014 do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social, IP que ordenou o encerramento administrativo e imediato do estabelecimento de apoio a famílias e crianças com idade inferior a 3 anos, sito na R……, n.º .., D……, S……, Leiria.
O TAF de Leiria não decretou a providência requerida, uma vez que entendeu ser “manifesta a falta de fundamento da pretensão da requerente no processo principal, já que a entidade requerida alegou um facto decisivo forte: o de que mesmo que não se quisesse discutir se a actividade desenvolvida pela requerente se deveria enquadrar na de creche ou na de “ama”, o facto é que mesmo que fosse apenas, como pretende a requerente, considerada tal actividade a de prestação de serviços de “ama”, o facto é que a autora não se encontra inscrita no Instituto de Segurança Social para desenvolver essa actividade”, concluindo, assim, que “o encerramento seria inevitável”.
Ou seja, o tribunal a quo indeferiu o decretamento da providência requerida aplicando o critério da alínea b) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, na medida em que considerou ser evidente a improcedência da pretensão formulada no processo principal. Isto porque, quer se enquadre a actividade exercida pela recorrente como “creche”, quer se considere que presta serviços de “ama”, a verdade é que a mesma não está inscrita na Segurança Social, pelo que sempre se impunha o encerramento do estabelecimento.
É inteiramente correcto o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo.
O Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social, IP, por deliberação de 7/01/2014 – acto suspendendo – ordenou o encerramento administrativo imediato do estabelecimento de apoio social propriedade da recorrente, nos termos dos artigos 35º, 36º e 40º, n.ºs 1, al. b) e 3 do Decreto-lei n.º 64/2007, de 14/03; isto porque, enquadrando a actividade aí exercida como “creche”, foi apurado que o mesmo se encontrava a funcionar com deficiências graves nas condições de instalação, segurança, funcionamento, salubridade, higiene e conforto, representando, por isso, um perigo potencial para os direitos dos utentes e para a sua qualidade de vida.
A recorrente discorda da qualificação da actividade que exerce como “creche”, alegando que presta serviços de “ama”, e que já legalizou a sua actividade enquanto tal, concluindo, assim, que o acto suspendendo incorre em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
Para demonstrar que se trata de “uma ama que se encontra inscrita e legalizada perante a Segurança Social”, a recorrente juntou a declaração de registo de início de actividade que apresentou junto da Administração Tributária em 13/01/2014 (cfr. artigos 21º e 22º do requerimento inicial e doc. 2 junto com o mesmo).
Sucede que, tal documento apenas comprova que a recorrente procurou regularizar a sua situação junto da Administração Tributária, mas já não que o tenha feito perante a Segurança Social, e é isso que está em causa. Daí que o Tribunal a quo não tenha considerado provado que “a requerente desenvolve a actividade de “ama” já inscrita no Instituto de Segurança Social, IP”.
Ora, o exercício da actividade de ama é precedido de um procedimento de licenciamento regulado nos artigos 3º e ss. do Decreto-lei n.º 158/84, de 17/05, que se inicia com a inscrição dos candidatos no centro regional de segurança social da área geográfica da sua residência mediante a entrega de requerimento donde constem a identificação do candidato e das pessoas que com ele coabitem, residência, habilitações literárias e, quando exista, a indicação de experiência anterior no acolhimento de crianças, devendo o mesmo ser acompanhado do boletim de sanidade do candidato, devidamente actualizado, e de declaração médica comprovativa das boas condições de saúde das pessoas que com ele coabitem (cfr. artigo 3º).
De seguida o centro regional de segurança social, aprecia a observância dos requisitos de ordem pessoal e habitacional constantes do artigo 4º e selecciona as amas, às quais é exigido, como condição prévia ao início da actividade, um período experimental de trabalho com crianças, a desenvolver sob orientação de um técnico em estabelecimento que prossiga a modalidade de creche (cfr. artigo 5º, n.ºs 1 e 2).
Decorrido o período experimental e concluído o processo de selecção, é concedida uma autorização provisória para o exercício da actividade de duração não superior a 5 meses, findo o qual e mediante avaliação técnica favorável dos serviços, é concedida pelo respectivo centro regional de segurança social autorização para o exercício da actividade, através de licença de modelo próprio, aprovado por portaria do Ministro do Trabalho e Segurança Social (cfr. artigo 6º, n.ºs 1 e 2).
O exercício da actividade de ama encontra-se, assim, sujeito a um rigoroso processo de licenciamento, que tem em vista aferir do cumprimento dos requisitos legais exigidos.
Acontece que, a recorrente alega que exerce a actividade de ama (e não de creche, como foi entendido no despacho suspendendo) e que se encontra como tal legalizada junto da Segurança Social; contudo, não prova que assim seja.
Refere a mesma que “foi apurado pelas Inspectoras que a requerente nos primeiros anos que exerceu a actividade se deslocou ao Centro Distrital de Leiria para se constituir como ama (página 4/16 da Informação)” e que “os serviços não deram qualquer andamento ao seu pedido” (cfr. artigos 18º e 19º do requerimento inicial).
Não é isso, porém, que consta da Informação prestada pelas Senhoras Inspectoras. O que as mesmas referem a fls. 4/16 é que a ora recorrente “informou ter iniciado a actividade, naquelas instalações, há cerca de 15 anos, declarando que “nos primeiros anos em que exerceu a actividade se deslocou ao Centro Distrital de Leiria para se constituir como ama tendo-lhe sido transmitido pelas técnicas que as únicas amas existentes eram as dos G……”, não tendo posteriormente efectuado qualquer outro tipo de diligência junto dos serviços da Segurança Social para se licenciar”.
Já em sede de recurso jurisdicional vem a recorrente alegar “que se dirigiu à Segurança Social para se inscrever como ama e que a Segurança Social não a inscreveu”. A verdade é que, não juntou qualquer documento comprovativo de tal facto, designadamente o requerimento donde constem a sua identificação e das pessoas que consigo coabitam, residência, habilitações literárias e, caso existisse, a indicação de experiência anterior no acolhimento de crianças, acompanhado do respectivo boletim de sanidade, devidamente actualizado, e de declaração médica comprovativa das boas condições de saúde das pessoas que consigo coabitam (cfr. artigo 3º do Decreto-lei n.º 158/84, de 17/05).
O único documento que a recorrente juntou a este propósito refere-se à legalização da sua situação perante a Administração Tributária e não perante a Segurança Social.
Em face do exposto concluímos que, ainda que assista razão à recorrente quando afirma que exerce a actividade de ama e não a de creche, o certo é que o seu exercício não esta licenciado, não tendo a mesma autorização para prestar os serviços em causa, pelo que o encerramento do estabelecimento sempre se impunha.
Esta conclusão não é contrariada pela alegação da recorrente no sentido de que foi “desrespeitado o seu direito de audiência e defesa”, uma vez que o resultado sempre seria o mesmo, tanto mais que a prova da legalização da actividade por ela exercida não é feita através do depoimento das testemunhas, mas sim mediante a junção de documentos.
Concluímos, assim, que se mostra acertado o julgamento feito pelo TAF de Leiria, o qual deve, pois, ser mantido.


DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.

Lisboa 23 de Outubro de 2014


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(Conceição Silvestre)


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(António Paulo Vasconcelos)

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(Paulo Gouveia)