Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:46/20.2BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/15/2020
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:RECURSO NECESSÁRIO
INIMPUGNABILIDADE
TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO
Sumário:I. A decisão do pedido de transferência de atletas entre clubes inscritos na Federação Portuguesa de Canoagem (FPC), não envolve a aplicação de normas de natureza técnica relacionadas com as leis do jogo, regulamentos e regras de organização das respectivas provas.
II. O despacho do Presidente da FPC que indeferiu a pretensão de transferência do Recorrente para outro clube, foi emitido no exercício de poderes executivos que assistem àquele enquanto membro da Direcção.
III. De tal despacho cabe recurso necessário para a Direcção, que é o órgão colegial com poderes de administração.
IV. O referido despacho não é directamente impugnável perante o TAD.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:R..., vem, no âmbito do presente processo que intentou contra a Federação Portuguesa de Canoagem, interpor recurso do acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto que não conheceu do pedido.
Apresentou as seguintes conclusões:
1) O Tribunal a quo, por se tratar de um vício formal, meramente anulável, não pode conhecer oficiosamente do mesmo, sob pena de nulidade da Decisão Colegial Arbitrai, nos termos da última parte do n° 2 do artigo 608° do CPC, do estatuído na alínea d) do n° 1 do artigo 615° do CPC, aplicável por remissão do artigo 1o do CPTA e do artigo 61° da LTAD.

2) Destarte, a douta Decisão Colegial Arbitrai extravasa e pronuncia-se sobre anulabilidades não arguidas, dando origem a situação de pronúncia ultra petitum;

3) O Tribunal a quo seria sempre competente para conhecer do mérito, no âmbito da arbitragem necessária, pelo plasmado nos arts.º 1º n.° 2 e 4o n.° 1 da LTAD, uma vez que, conforme o artigo 46° do RJFD, não existe recurso para os Órgãos Colegiais em relação a actos administrativos praticados pelo Presidente no uso da sua competência própria, e ainda que o Presidente da Recorrida não tivesse competência própria para praticar esse acto, nos termos do art.° 67 do CPTA, a sua inércia seria imputada ao Órgão Competente;

4) O litígio consubstancia-se em questões de inscrição/transferências de Atletas, e a sua legalidade, o que pelos motivos óbvios, não se insere nas questões técnicas ou disciplinares respeitantes à modalidade, portanto não se enquadra claramente nas situações de exclusão de competências do TAD, previstas no n.° 6 do art.° 4o do LTAD;

5) A douta Decisão Colegial Arbitrai recorrida incorre em evidente erro nos pressupostos de direito - erro que, em consequência, determina a invalidade dos demais pressupostos que ditaram a incompetência do Tribunal a quo para conhecer do mérito da causa;
6) Posição alias adoptada na Jurisprudência, uma vez que esta situação já foi apreciada no próprio TAD, nomeadamente nos processos n.° 3/2016, 46/2017, 47/2017, 5/2018, 9/2018, 32/2018, 1/2019, 22/2019 e 36/2019;

7) Caindo, assim, por terra o derradeiro fundamento da douta Decisão Colegial Arbitrai recorrida, para considerar o Tribunal a quo incompetente para conhecer do mérito da causa, uma vez que, nos Estatutos Actualizados da FPC, não existe qualquer delegação de competências para o Conselho de Disciplina, no que a litígios regulamentares diz respeito, pese embora, nos termos do art° 44° n.°1 do RJFD (norma habilitante desses mesmos estatutos), exista a possibilidade de discricionariamente, e através dos Estatutos de cada Federação atribuir competência genérica ao Conselho de Justiça para apreciar e decidir recursos das decisões, inter alia, da Direcção da mesma Federação;

8) Como tal, o meio próprio de requerer a inscrição por parte do ora Recorrente com atleta do Clube N... seria sempre através de requerimento endereçado ao Presidente da Recorrida;
9) Uma vez que a douta Decisão Colegial Arbitrai pôs termo ao processo sem se pronunciar do mérito, essa decisão é sempre recorrível, pese embora o valor da acção seja €3.175,00 (três mil, cento e setenta e cinco euros), e inferior ao valor da alçada do Tribunal Central Administrativo, nos termos do art° 142° n° 3 al. d) do CPTA;

10) Pode o Tribunal de Recurso, nos casos em o Tribunal a quo não tenha conhecido do pedido, conhecer do mérito da causa nos termos do art° 149° n° 3 do CPTA;
11) O Recorrente não possui qualquer vínculo com o Clube F..., tendo a sua licença federativa caducado a 31 de Dezembro de 2019;

12) As normas regulamentares impostas pelos artigos art.° 15o n° 3, conjugado com o art.° 11° n° 1 do Regulamento de Transferências da Recorrida estão feridas de ilegalidade violando, entre outros, os normativos legais instituídos pela Lei n.° 54/2017, de 14 de Junho, nos artigos 9.°, 19.°, 22.°, os artigos 26° e 34° da Lei 5/2007 de 16 de Janeiro, o artigo 79° da CRP e o Próprio Código de Trabalho;

13) Ainda que a Decisão Colegial Arbitrai recorrida, considere o Tribunal a quo incompetente para conhecer da matéria, adere em parte à ilegalidade do Regulamento de Transferências da Recorrida, arguida pelo Recorrente, conforme se pode aferir da nota de rodapé n° 15 da mesma.

14) Considera a douta Decisão Colegial Arbitrai recorrida, salvo melhor entendimento, de forma errónea, que por o Recorrente ter sido taxativo ao alegar que não pretendia impugnar o Regulamento de Transferências da Recorrida, a legalidade do mesmo não se consubstancia no pedido.

15) O pedido do Recorrente de facto é taxativo ao impugnar o acto administrativo produzido pelo Presidente da Recorrida e não a legalidade do Regulamento de Transferências da Recorrida, contudo se a impugnação do acto tem como fundamento a ilegalidade dos regulamentos que o justificaram, instrumentalmente terá de ser conhecida essa ilegalidade.

16) Considera a douta Decisão Colegial Arbitrai recorrida, que “não existe a recusa da inscrição, mas sim a determinação que a mesma se efectue à luz do respectivo regulamento. Em bom rigor, apenas quando fosse indeferida a inscrição do Demandante R..., é que este veria atingida a sua esfera jurídica.”

17) Nâo se conforma o Recorrente com esta consideração, na medida em que, tendo sido indeferido o pedido por este formulado, ou seja, tendo o Presidente da Recorrida indeferido a pretensão do Recorrente (recusando tacitamente a inscrição do mesmo como atleta do Clube N...), o acto administrativo que ora se impugna produz imediatamente efeitos na esfera jurídica do Recorrente.

18) Consideram-se actos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta (art.°. 148° do CPA).

19) Um dos elementos essenciais, conformadores do ato administrativo, reside no seu objeto intrínseco, que consiste numa decisão administrativa inovatória e apta à produção de efeitos jurídicos externos lesivos, ou seja, uma estatuição autoritária ou um comando jurídico vinculativo que produz, por si só, autónoma e imediatamente, a eventual lesão da esfera jurídica do seu destinatário.

20) Deve ser concedido provimento ao presente recurso, sendo a Decisão Colegial Arbitrai recorrida considerada nula.
21) Conhecendo o Tribunal a que se recorre do mérito da causa e como consequência, ser o acto impugnado considerado nulo, não produzindo efeitos o Oficio de indeferimento de inscrição, emanado pelo Exm.° Snr.° Presidente da Recorrida sendo ainda condenada a Requerida a pratica do acto administrativo de deferimento da inscrição do Requerente como atleta do Clube N..., sem que para tanto este tenha de juntar qualquer acordo de transferência com o Clube F...”.

A Federação Portuguesa de Canoagem, ora Recorrida, contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Salvo o devido respeito, pensa-se que o Tribunal a quo (A) é incompetente para conhecer do mérito da causa, (B) faz uma correta interpretação do caso concreto, e (C) não se pronuncia quanto ao mérito da causa, por não ter competência para tal, não o devendo fazer; pelo que, bem esteve em julgar o pedido por improcedente.
2. Naturalmente, o Recorrente, não tendo visto satisfeitos os seus intentos, procura agora encontrar motivos, fundamentos e razões, para, ainda assim, conseguir aquilo que legalmente não lhe assiste, tendo justamente lhe sido (corretamente) negado.
3. Como o faz (como é óbvio) articuladamente, assim também a Recorrida o fará, embora de modo muito sumário, sintético e objetivo, não pretendendo saturar o TCAS - Tribunal Central Administrativo Sul, com toda a argumentação já existente nos autos e esgrimida no processo agora, novamente, em apreço.
Assim:
4. Assenta o Recurso submetido ora a apreciação, em três vertentes explanadas nas alegações agora em contradita, a relembrar:
a) Da Competência do Tribunal a quo;
b) Da má interpretação do caso sub judice, enquadrando-o como resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva;
c) Do não conhecimento do Pedido e não pronuncia quanto ao mérito.
5. Ora, nenhuma das alegações colhe, nem é atendível. De forma muito resumida apontamos doravante porquê, sem prejuízo de tudo o demais aplicável e que ao Douto TCAS caberá e está capacitado para apreciar.
6. Quanto à competência do Tribunal, o Recorrente muito bem sabe que nos termos da legislação desportiva aplicável vigente em Portugal, o Recurso ao TAD deve fazer-se após serem esgotados os meios jurisdicionais específicos federativos ao alcance de quem peticiona um direito; coisa que o ora Recorrente não fez, preferindo lançar mão diretamente do TAD, sem primeiro seguir como devia, para o Conselho de Justiça da Federação, aqui Recorrida.
Aqui, sempre se dirá também que:
7. O Recorrente invoca Jurisprudência Arbitrai, aparentemente querendo evidenciar alguma incongruência ou oposição de entendimento dentro do TAD, apesar da liberdade de arbítrio dos colégios constituídos, que são diferentes nos Acórdãos aludidos.
8. Sobre tal, limitamo-nos a avocar dois exemplos jurisprudenciais administrativos, que lembram, por um lado que, «/- A contradição de julgados pressupõe que, no âmbito do mesmo quadro normativo e perante idêntica realidade factual, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento adoptem soluções opostas quanto à mesma questão fundamental de direito. II - Essa contradição só pode ser apreciada se se verificar entre decisões expressas e não entre decisão expressa e decisão implícita. » (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo: 01302/17, Data do Acordão: 01/25/2018),
9. Por outro, que «III- Não é de admitir o recurso se não se verifica identidade de situações fácticas e a existência de julgamento contraditório sobre as questões que tenham sido colocadas à apreciação da decisão arbitrai recorrida e do acórdão fundamento.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo: 0527/18.8BALSB, Data do Acordão: 07/03/2019).
10. Quanto ao enquadramento como resolução de questão emergente da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva, surpreende a Recorrida como alguém pode defender que a problemática em causa não dirá respeito a normas técnicas diretamente respeitantes à organização de competições desportivas; considerou o Tribunal a quo - no entender da Recorrida, com fundamento - que “a decisão de manter a aplicação do Regulamento de Transferências insere-se nas designadas questões estritamente desportivas, isto é, aquelas que «tenham por fundamento normas de natureza técnica (...), emergentes da aplicação (...) dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas».”
11. O litígio consubstancia-se em questões de inscrição de Atletas entre Clubes e normas estruturais organizativas referentes à participação individual em provas de Equipas representativas de diferentes Associações Desportivas federadas especificamente na modalidade de Canoagem, o que por motivos lineares, se insere no âmbito das questões técnicas respeitantes à modalidade em especial, portanto enquadrando-se nas situações de exclusão de competências do TAD, previstas no n.° 6 do art.°4° do LTAD.
12. Relativamente ao não conhecimento do Pedido e não pronuncia quanto ao mérito o Recorrente reconhece explicitamente que pretendeu impugnar apenas o acto administrativo produzido pelo Presidente da Recorrida e não a legalidade do Regulamento de Transferências da Recorrida, mas agora, afinal, aditando um novo pedido neste Recurso, vem socorrer-se de um "se”, pretendendo que se a impugnação do acto tem como fundamento a ilegalidade dos regulamentos que o justificaram, instrumentalmente terá de ser conhecida essa ilegalidade.
13. Contudo, permanece frágil a pretensão, ao ponto de verdadeiramente não se descortinar algum apontamento concreto e objetivo sobre qual a lei diretamente violada pelo aludido Regulamento.
14. Já quanto ao procedimento administrativo federativo no que a inscrições diz respeito, clarifica-se: o processo de filiação/inscrição é desencadeado por cada clube, com recurso a uma credencial de acesso no site de filiações da Recorrida. O processo, ao ser concluído, é sincronizado na Base de Dados, ficando pendente, a aguardar validação humana. Os serviços administrativos, nesse momento e de forma manual, validam toda a documentação submetida online, assim como o formulário de filiação/renovação. É também neste momento que, por exemplo, no caso de mudança de clube, alertada pelo respectivo software, os serviços administrativos verificam se estão a ser cumpridos os requisitos previstos nos regulamentos em vigor. Caso tudo esteja conforme o previsto, o atleta (ou dirigente ou treinador) é filiado/inscrito. Caso haja falta de algum documento ou informação necessária, os serviços administrativos fazem um contacto escrito e telefónico para o clube requerente a solicitar os mesmos e a reportar a justificação da não filiação. Apenas quando há algum caso imprevisto ou de alguma dúvida é que a situação é submetida ao Secretário Geral da Recorrida, que, por sua vez, analisa o mesmo e, se a dúvida subsistir, consulta a direcção da Recorrida, que analisa e dá a sua indicação, com base nas regras previamente definidas nos regulamentos aprovados, fazendo-os cumprir.
15. O que o Recorrente pretende é que o Presidente da direcção da Recorrida seja considerado como órgão em si e não como um elemento de um órgão, ainda que à sua cabeça, sem que seja superior ao mesmo, como é o caso.
16. O que o Recorrente faz nas suas alegações é um mero exercício de lógica, sem suporte fáctico e, a mais das vezes à custa da verdade, quando diz que o atleta é obrigado a pagar uma indemnização ao clube de onde sai.
17. Quem tem o dever de compensação do clube de onde sai o atleta é o que adquire os seus direitos competitvos que, no caso em apreço, não demonstrou sequer interesse na demanda, deixando o atleta sozinho à sua sorte.
18. Não tem razão de ser a '“cruzada” do Recorrente contra a Recorrida pois que nenhum seu direito foi sonegado ou retirado porquanto, estando sozinho, sem clube, pode competir livremente.
19. Já foi demonstrado por diversas vezes ao Recorrente que não existe qualquer inibição à sua prática desportiva mas, antes sim, ao atropelo às regras que o potencial novo clube e o próprio Recorrente quem levar a cabo.
20. O atleta pode competir livremente, não pode é estar filiado num clube sem ter a sua situação regularizada, que é o pretendido com toda esta demanda, tentando o Recorrente fazer valer para si exactamente aquilo que se recusa a aceitar e tem como
injusto.

*
Foi cumprido o disposto no art.° 146.°, n.º 1 do CPTA.

Há, assim, que decidir, perante o alegado nas conclusões das alegações de recurso:
- se o Tribunal recorrido podia conhecer oficiosamente da excepção de incompetência material que suscitou;
- se as excepções de incompetência material e de irrecorribilidade do acto se verificam;
- se o Tribunal ad quem deve, em substituição, conhecer do mérito.
*
Provam os autos que:
a) Em Janeiro de 2020, o Recorrente informou a direcção do Clube F... que se considerava desvinculado desse clube e que pretendia passar a representar o Clube N... - acordo;
b) Em 06/02/2020, o Clube F... informou o Clube N… que aceitava a transferência do Requerente, mediante o pagamento de 3.175,00€ - doc. 2 junto com o requerimento inicial;
c) O Clube N... recusou-se a efectuar esse pagamento – acordo;
d) O Clube N... requereu à Federação Portuguesa de Canoagem a inscrição do Recorrente como seu atleta e lhe fosse atribuída uma licença federativa - doc. 3 junto com o requerimento inicial;
e) Tendo o Clube N..., em resposta, sido informado pela “secretaria” que só se procederia à inscrição do Requerente após o envio de uma declaração de acordo de transferência entre o Clube N... e o Clube F..., conforme art.º 11.º do Regulamento de Transferências da FPC - doc. 4 junto com o requerimento inicial;
f) O Recorrente apresentou requerimento junto do Presidente da Federação Portuguesa de Canoagem, solicitando que fosse admitida a sua inscrição no Clube N... sem a apresentação da declaração de concordancia do Clube F... - doc. 5 junto com o requerimento inicial;
g) O Presidente da Federação Portuguesa de Canoagem respondeu que se procederia à inscrição do Recorrente como atleta do Clube N... desde que se cumprisse o determinado no Regulamento de Transferências da FPC.
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Direito
Da excepção de incompetência em razão da matéria.
Entendeu-se no acórdão recorrido que o despacho do Presidente da FPC que indeferiu a pretensão do Recorrente, diz respeito à aplicação de normas de natureza técnica relacionadas com as leis do jogo, regulamentos e regras de organização das respectivas provas, que não são recorríveis para o TAD nos termos do art.º 4.º, n.º 3, al. a) e n.º 6 da Lei do TAD.
O Recorrente começa por defender que o acórdão arbitral não podia conhecer de tal excepção por a mesma não ter sido suscitada pela Recorrida.
Não lhe assiste razão.
Os processos de arbitragem necessária que correm no TAD regem-se pelas regras de natureza processual que constam da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro e, a título supletivo, pelo disposto no CPTA, conforme resulta do estatuído no art.º 61.º da Lei do TAD.
O art.º 13.º do CPTA determina que a competência do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.
Pelo que há que concluir que o TAD podia ter conhecido da excepção relativa à competência.
No entanto, o acórdão recorrido errou ao considerar que o despacho do Presidente da FPC, que indeferiu a pretensão do Recorrente, versa sobre matéria relativa à aplicação de normas de natureza técnica relacionadas com as leis do jogo, regulamentos e regras de organização das respectivas provas.
O que está em causa é a transferência do Recorrente do Clube F... para o Clube N....
O procedimento relativo à transferência de atletas encontra-se previsto no Regulamento de Transferências da FPC, que condiciona a sua concretização à apresentação de uma autorização a emitir pelo clube onde o atleta está vinculado e, em certas situações, ao pagamento de um determinado montante pecuniário.
Tal matéria não envolve a aplicação de normas de natureza técnica relacionadas com as leis do jogo, regulamentos e regras de organização das respectivas provas – cfr. artigos 11.º e 15.º desse regulamento.
O despacho do Presidente da FPC, que indeferiu a pretensão do Recorrente, foi emitido no exercício dos poderes executivos de administração, que assistem àquele enquanto membro da Direcção – artigos 47.º e 48.º, al. c) dos estatutos da FPC e art.º 41.º, n.º 1 e n.º 2, al. d) e g) do regime jurídico das federações desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248 -B/2008, de 31 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 93/2014 de 23 de junho.
Pelo que há que considerar que o TAD é competente, em razão da matéria, para conhecer do pedido – art.º 4.º, n.º 1 da Lei do TAD.

Da irrecorribilidade do acto.
Decidiu-se ainda no acórdão recorrido que, a entender-se que o despacho do Presidente da FPC, que indeferiu a pretensão do Recorrente, foi praticado no uso da competência própria que lhe assiste, caberia recurso necessário para o Conselho de Justiça, não sendo o mesmo directamente recorrível para o TAD, por força da aplicação do art.º 4.º, n.º 3, al. a) e do art.º 6.º da Lei do TAD.
O acórdão recorrido incorreu em erro ao assumir tal entendimento.
O Presidente da FPC é um órgão próprio da FPC, que tem, enquanto tal, os poderes previstos no art.º 40.º do regime jurídico das federações desportivas, que estatui:
“1 — O presidente representa a federação, assegura o seu regular funcionamento e promove a colaboração entre os seus órgãos.
2 — Compete, em especial, ao presidente:
a) Representar a federação junto da Administração Pública;
b) Representar a federação junto das suas organizações congéneres, nacionais, estrangeiras ou internacionais;
c) Representar a federação desportiva em juízo;
d) Convocar as reuniões da direção e dirigir os respetivos trabalhos, cabendo- lhe o voto de qualidade quando exista empate nas votações;
e) Solicitar ao presidente da mesa da assembleia geral a convocação de reuniões extraordinárias deste órgão;
f) [Revogada];
g) Assegurar a organização e o bom funcionamento dos serviços;
h) Contratar e gerir o pessoal ao serviço da federação

Para além disso, o Presidente da FPC é por inerência, conforme determinado no art.º 47.º, n.º 3 dos estatutos da FPC, o Presidente da Direcção, podendo exercer os poderes que cabem a este órgão, que é o órgão colegial de administração da FPC e a que assistem, entre outros, os poderes de garantir a efectivação dos direitos e deveres dos seus associados e, a título residual, administrar os negócios da federação em matérias que não sejam especialmente atribuídas a outros órgãos – art.º 41.º, n.º 1 e n.º 2, al. d) e g) e art.º 48.º, al. c) e f) dos estatutos da FPC.
O despacho que decidiu a pretensão do Recorrente, que condicionou o deferimento da pretensão do Recorrente à observância do estatuído no Regulamento de Transferências, em que se prevê a apresentação de uma autorização a emitir pelo clube em que o atleta se encontra inscrito, no caso o Clube F... e ainda, em certas condições, a obrigação de pagamento de um determinado montante a título compensatório, foi emitido no uso dos poderes que assistem ao Presidente da FPC enquanto Presidente da Direcção, que é, como resulta das citadas normas, o órgão de administração da FPC com competência para decidir questões relacionadas com as transferências de atletas, quer por estarem envolvidos direitos dos clubes seus associados que lhe cabe assegurar, quer por ser o órgão com competência residual a quem cabe decidir as restantes matérias que não estão atribuídas aos outros órgãos da FPC.
Não estamos perante uma situação em que esteja em causa o exercício dos poderes do Presidente da FPC, enquanto órgão dessa Federação, previstos no art.º 40.º do regime jurídico das federações desportivas, acima transcrito.
Estatui o art.º 46.º do regime jurídico das federações desportivas, sob a epígrafe “funcionamento dos órgãos colegiais”:
“No âmbito das federações desportivas há sempre recurso para os órgãos colegiais em relação aos atos administrativos praticados por qualquer dos respetivos membros, salvo quanto aos atos praticados pelo presidente da federação no uso da sua competência própria.”.
Significa isso que, do despacho proferido pelo Presidente da FPC, no uso dos poderes que lhe assistem enquanto Presidente da Direcção, cabe recurso para a Direcção, que é o órgão colegial com poderes de administração [veja-se em geral, quanto à admissibilidade deste tipo de recursos, o disposto no art.º 199.º, n.º 1, al. b) do CPA].
Tal recurso é necessário.
Não tendo sido interposto, não pode conhecer-se do pedido, por o despacho que decidiu a pretensão do Recorrente não ser directamente impugnável, conforme resulta do n.º 1 do art.º 185.º e do n.º4 do art.º 198.º, ex vi n.º 5 do art.º 199.º, ambos do CPA, que pressupõem a prévia interposição do recurso necessário para que se possa intentar a acção judicial.
Pelo que se conclui, embora com outros fundamentos, pela inimpugnabilidade do despacho que decidiu a pretensão do Recorrente.
Decisão
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida na parte em que determinou que o despacho que decidiu a pretensão do Recorrente é judicialmente inimpugnável.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 15 de Outubro de 2020

O relator consigna que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

Jorge Pelicano

Celestina Castanheira

Ricardo Ferreira Leite.