Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03216/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/27/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO.
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO ENQUANTO FUNDAMENTO DE PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO.
ARTº.45, Nº.2, DA L.G.T. CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO DE TRÊS ANOS.
NATUREZA SUBSTANTIVA E SUBSIDIÁRIA DO MÉTODO DE AVALIAÇÃO INDIRECTA DA MATÉRIA COLECTÁVEL.
DEVER DE CUIDADA FUNDAMENTAÇÃO QUANTO À OPÇÃO PELA SUA UTILIZAÇÃO POR PARTE DA A. FISCAL.
ESPECIFICIDADE DO I.V.A.
AVALIAÇÃO INDIRECTA DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL AO ABRIGO DO ARTº.87, AL.B), DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ARTº.88, AL.C), DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ARTº.74, Nº.3, DA L.G.T. ÓNUS DA PROVA DO EXCESSO DE QUANTIFICAÇÃO COMPETE AO SUJEITO PASSIVO.
Sumário:1. Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere.
2. No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos.
3. A possibilidade de exame da caducidade do direito à liquidação pode verificar-se no âmbito do processo de impugnação, desde que estejamos perante situação que se reconduz à estruturação de liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo. Mais se dirá que a conjuntura de caducidade sob exame por contender com a legalidade, que não com a exigibilidade da dívida, deve visualizar-se como fundamento típico do processo de impugnação judicial e não do processo de oposição à execução fiscal.
4. De acordo com a jurisprudência que perfilhamos, o I.V.A. qualifica-se como imposto de obrigação única, dado incidir sobre factos tributários de carácter instantâneo, embora o prazo extintivo do direito da Fazenda Pública à liquidação do tributo tenha como termo inicial de cômputo o início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o mesmo facto tributário (cfr.artº.45, nº.4, da L.G.Tributária, na redacção introduzida pelo artº.43, nº.1, da Lei 32-B/2002, de 30/12).
5. O artº.45, nº.2, da L.G.T., estabelece que o prazo de caducidade do direito à liquidação é somente de três anos nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indirectos por motivo de aplicação à situação tributária do mesmo dos indicadores objectivos de actividade previstos na lei. A norma prevista no citado artº.45, nº.2, da Lei Geral Tributária, tem como previsão, na parte que ora interessa, a utilização de métodos indirectos por virtude da aplicação à situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objectivos de actividade previstos no mesmo diploma (cfr.artº.87, al.c), da L.G.Tributária). A aplicação da norma, como vemos, depende da verificação de dois pressupostos, os quais sejam, a utilização de métodos indirectos de determinação da matéria colectável e, por outro lado, a aplicação dos indicadores objectivos da actividade. Somente se verificando a existência destes dois elementos é que se pode concluir que o prazo de caducidade do direito à liquidação se cifra em três anos (elemento de estatuição da norma). Mais se dirá que a redução do prazo de caducidade, neste caso, se justifica pela inexistência de inspecção interna ou externa por parte da A. Fiscal e como procedimento pressuposto da liquidação, antes dependendo do mero e menos exigente confronto entre essa situação tributária e os indicadores em causa definidos pelo Ministro das Finanças nos termos do artº.89, nº.2, da L.G.T.
6. A avaliação indirecta reveste natureza substantiva, dado que através dela se pode determinar o essencial do facto tributário, isto é, a sua quantificação. Por outro lado, a mesma avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cfr.artº.85, nº.1, da L.G.T.), visto que o respectivo regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação directa ou objectiva, não se devendo a ela recorrer sem a verificação plena desse requisito. Isto significa que, mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que se deve recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g.correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr.artº.77, nº.4, da L.G.T.).
7. O recurso ao método de avaliação indirecta só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G. Tributária).
8. Atendendo à especificidade do I.V.A., não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa.
9. O artº.87, al.b), da L.G.Tributária, cuja redacção foi estabelecida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, prevê a possibilidade de avaliação indirecta da matéria tributável quando se verifica a falta dos elementos necessários para comprovar e quantificar directa e exactamente a matéria tributável, pelo que a avaliação directa é impossível. Esta impossibilidade, porém, só pode resultar das anomalias e incorrecções taxativamente indicadas nas várias alíneas do artº.88, da L. G. Tributária (cfr.artº.81, nº.1, da L.G. Tributária). Nestes casos, a avaliação da matéria tributável é feita com base em indícios, presunções ou outros elementos de que a Administração Tributária dispuser, de entre os taxativamente indicados no artº.90, nº.1, do mesmo diploma.
10. Como se constata pelas situações descritas no artº.87, da L.G.Tributária, o que releva para determinar o impedimento não é uma impossibilidade absoluta de avaliação directa da matéria tributável, mas sim a impossibilidade de tal avaliação no momento em que ela deve ser efectuada (impossibilidade relativa), assim se fazendo cessar a presunção de veracidade dos elementos declarativos e de escrita do sujeito passivo e incidindo sobre a A. Fiscal o ónus da prova de tal factualidade (cfr.artºs.74, nº.3, e 75, nº.1, da L.G.T.).
11. O artº.88, al.c), da L.G.Tributária, por sua vez, consagra um dos casos em que pode ser impossível a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, prevendo os casos de existência de mais do que uma contabilidade ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a Administração Fiscal.
12. Quando o sujeito passivo contesta o critério que serviu de base à quantificação administrativa da matéria tributável por métodos indirectos, sobre si impende o ónus da prova do alegado excesso de quantificação, em ordem à anulação das liquidações em causa, tudo nos termos do artº.74, nº.3, da L.G.T.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“... , L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Almada, exarada a fls.242 a 250 do presente processo, através da qual julgou improcedente a presente impugnação tendo por objecto liquidações adicionais de I.V.A. e juros compensatórios, relativas aos anos de 1999 e 2000 e no montante total de € 32.030,04.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.264 a 270 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Julgou a douta sentença, ora recorrida, improcedente a impugnação apresentada pela ora recorrente, absolvendo a Fazenda Pública do pedido;
2-Alegando para tal, em síntese, que ao caso vertente se aplica o prazo de caducidade de quatro anos, dado que no caso em apreço, o apuramento da matéria colectável através de métodos indirectos foi efectuada com fundamento na alínea b), do art°.87, da L.G.T.;
3-Que a utilização de métodos indirectos foi correcta, dado que perante as anomalias e incorrecções detectadas na contabilidade da impugnante não seria possível a comprovação e quantificação directa e exacta do lucro tributável nos anos de 1999 e 2000;
4-No que concerne aos rácios aplicados alega o Meretíssimo Juiz do Tribunal "a quo" que os depoimentos das testemunhas foram vagos e genéricos e que cabia à impugnante o ónus da prova;
5-Ora, salvo o devido respeito, não concorda a ora recorrente com tais entendimentos, pois;
6-No que respeita à caducidade entende-se ser aplicável ao caso vertente o nº.2, do art°.45, da L.G.T., dado que houve recurso à utilização de métodos indirectos;
7-Contando-se o prazo de caducidade a partir do início do ano civil, de acordo com o disposto na L.G.T.;
8-Pelo que se entende caduco o direito a liquidar o I.V.A. relativo ao ano de 1999 já que a nota de liquidação foi notificada à recorrente em 9 de Dezembro de 2003;
9-Relativamente à utilização dos métodos indirectos entende-se terem sido fornecidos, pela ora recorrente, elementos suficientes para se proceder ao apuramento do imposto;
10-Pelo que não haveria que recorrer aos métodos indirectos para a liquidação do imposto;
11-Também os rácios aplicados para o apuramento do imposto são manifestamente superiores aos fixados pela Administração Fiscal para a actividade em questão, pois;
12-Foram aplicados rácios de 20,15% quando deveriam ser aplicados rácios de 11,77% e 12,44%;
13-Sendo esses valores do domínio público não deve a aplicação dos mesmos estar dependente de prova a produzir pela ora recorrente;
14-Face ao exposto não pode a ora recorrente concordar com o sentido da douta sentença recorrida, devendo, como tal, ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente ser declarado caduco o direito à liquidação do I.V.A. relativo ao ano de 1999, bem como que nada é devido pela ora recorrente a título de I.V.A. relativo aos anos de 1999 e 2000 ou caso assim não se entenda, deverá ser corrigida a matéria tributável;
15-NESTES TERMOS, deverá o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente ser alterada a douta sentença, ora recorrida, nos termos supra expostos.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.280 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.289 do processo), vem o processo à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.243 e 244 dos autos):
1-A impugnante encontra-se enquadrada para efeitos de I.V.A. no regime normal com periodicidade mensal e registada com a actividade de "comércio de veículos automóveis" - CAE 50.100 (cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.24 a 65 do processo administrativo apenso);
2-Na sequência de uma acção de inspecção efectuada entre 17/06/2003 a 01/09/2003 à contabilidade da ora impugnante aos exercícios de 1999 e 2000 foi elaborado o respectivo relatório de inspecção onde foram propostas correcções à matéria colectável em sede de I.V.A. e I.R.C. com recurso a métodos indirectos nos termos da alínea b), do artº.87, da L.G.T., e alínea c), do artº.88, do mesmo diploma, tendo sido apurado I.V.A. em falta nos anos de 1999 e 2000 nos montantes de € 13.221,70 e € 14.901,60, respectivamente (cfr.cópia de relatório de inspecção e anexos junta fls.24 a 203 do processo administrativo apenso);
3-Os serviços de inspecção tributária procederam ao cruzamento dos dados da contabilidade da impugnante com dados de clientes e fornecedores e outra documentação tendo concluído pela impossibilidade de quantificação directa e exacta da matéria colectável com base em:
"(...)
- Indícios claros da existência de duas contabilidades;
- Existência de contas bancárias, tanto em nome da sociedade, bem como em nome dos três sócios (conta solidária) ... movimentada por um dos sócios maioritário... com o conhecimento dos restantes sócios;
- Custos suportados com documentos, sem qualquer credibilidade em termos da lei fiscal, bem como a subvalorização de alguns desses custos;
- Contabilização de compras de veículos em determinado exercício, cujas facturas do fornecedor respectivo, possuem datas de exercícios seguintes;
- Existência de stock de veículos automóveis bastante superior ao existente na contabilidade oficial, o qual se encontra noutros locais, diferentes da sede da empresa;
- Inexistência de facturas em falta na sequência numérica, no exercício de 1999, bem como a anulação de outras, cujos originais, não se encontram arquivados e não nos foram presentes;
- Omissão de proveitos, tanto de proveitos relacionados com a actividade normal da empresa (venda de veículos), como de proveitos financeiros, os quais estão directamente relacionados com a concessão de crédito que a empresa tem praticado, ao longo da sua existência.
(...)"
(cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.24 a 65 do processo administrativo apenso);
4-Com base nos artºs.82 e 84, do C.I.V.A., os serviços de inspecção tributária apuraram I.V.A. a entregar nos cofres do Estado, tendo em atenção os seguintes pressupostos:
"(...)
- Considerar como vendas estimadas e não tributadas as resultantes da diferença encontrada entre as vendas estimadas totais e as já anteriormente tributadas, deduzidas do seu respectivo custo.
- Liquidar segundo as regras previstas no Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão - Decreto-Lei n° 196/96 de 18 de Outubro (regime da margem)
(...)"
(cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.24 a 65 do processo administrativo apenso);
5-Em 17/09/2003, foi proferido despacho pelo Director de Finanças Adjunto, por delegação, concordante com as conclusões e propostas do relatório e a fixar, nos termos do artº.84, do C.I.V.A., o I.V.A. em falta nos anos de 1999 e 2000 nos montantes de € 13.221,70 e € 14.901,60, respectivamente (cfr.despacho constante de fls.24 do processo administrativo apenso);
6-Em 18/09/2003, a ora impugnante foi notificada do relatório de inspecção (cfr.documentos juntos a fls.153 e 154 dos presentes autos);
7-Em 20/10/2003, foi apresentado pedido de revisão da matéria tributável em sede de I.R.C. e I.V.A. dos anos de 1999 e 2000 (cfr.documento junto a fls.173 a 189 dos presentes autos);
8-Não tendo havido acordo entre os peritos, em 17/11/2003, o Director de Finanças Adjunto, no uso de poderes delegados decidiu fixar o I.V.A. em falta nos anos de 1999 e 2000 em € 11.802,61 e € 13.407,08, respectivamente (cfr.documento junto a fls.158 a 160 dos presentes autos);
9-Na sequência da fixação do lucro tributável foram efectuadas as liquidações adicionais de I.V.A. e juros compensatórios dos anos de 1999 e 2000 no montante total de € 32.030,04, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 31/01/2004 (cfr. documentos juntos a fls.28 a 40 dos presentes autos);
10-A impugnante foi notificada da liquidação de I.V.A. do ano de 1999 em 9/12/2003 (cfr.factualidade admitida no artº.10 da petição inicial).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se mostra provado o erro na quantificação como veremos de seguida…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo e dos depoimentos das testemunhas melhor identificadas na acta de inquirição de fls. 215/216 e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório.
As testemunhas prestaram o seu depoimento de forma vaga e genérica traduzindo-se muitas vezes em meras opiniões tendo sido valorada pelo tribunal nos termos do artigo 396 do Código Civil e que mais adiante se analisará com maior detalhe…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos e apenso este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
11-No relatório de inspecção identificado no nº.2 do probatório igualmente consta o seguinte:
"(...)
Após as correcções efectuadas e propostas no quadro imediatamente anterior, resulta uma rentabilidade fiscal (resultado fiscal/proveitos) de 5,69% e 5,32 %, tendo em consideração a actividade operacional normal da referida empresa (compra e venda de veículos automóveis), respeitante aos exercícios de 1999 e 2000.
(...)".
(cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.24 a 65 do processo administrativo apenso);
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar improcedente a presente impugnação, devido ao decaimento dos respectivos fundamentos, mais mantendo os actos tributários objecto do presente processo (cfr.nº.9 do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e como supra se alude, no que respeita à caducidade entende-se ser aplicável ao caso vertente o nº.2, do art°.45, da L.G.T., dado que houve recurso à utilização de métodos indirectos, contando-se o prazo de caducidade a partir do início do ano civil, de acordo com o disposto na L.G.T. Pelo que se entende caduco o direito a liquidar o I.V.A. relativo ao ano de 1999 já que a nota de liquidação foi notificada à recorrente em 9 de Dezembro de 2003 (cfr.conclusões 6 a 8 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Apuremos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere. A necessária brevidade da relação jurídica que comporta um direito caducável determina que o não exercício do mesmo no prazo legal ou convencionalmente definido acarreta a sua extinção. Refira-se, ainda, que a caducidade, determinando a extinção do direito e da correspondente vinculação sem mais, não gera o consequente aparecimento de uma obrigação natural, contrariamente ao que acontece com o instituto da prescrição. Por último, a caducidade deve consubstanciar-se como uma excepção peremptória passível de apreciação oficiosa pelo Tribunal (cfr.artºs.328, 331 e 333, todos do C.Civil; artº.579, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Luis A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, A.A.F.D.L., 1983, pág. 567 e seg.; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª.edição, Coimbra Editora, 1989, pág.372 e seg.; Aníbal de Castro, A Caducidade na doutrina, na lei e na jurisprudência, 3ª.edição, 1984, pág.29 e seg.).
No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/10/2012, proc.5792/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.7031/13; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. Edição, 2012, pág.359 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.259 e seg.; Joaquim Casimiro Gonçalves, A caducidade face ao direito tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, pág.225 e seg.).
A possibilidade de exame da caducidade do direito à liquidação pode verificar-se no âmbito do processo de impugnação, desde que estejamos perante situação que se reconduz à alegada estruturação de liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação sendo efectuada fora do prazo. O fundamento de caducidade sob exame por contender com a legalidade, que não com a exigibilidade da dívida, deve visualizar-se como fundamento típico do processo de impugnação judicial e não do processo de oposição à execução fiscal (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção,12/10/2005,rec.633/05; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2012, proc.5594/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.7031/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.109).
No caso "sub judice", está em causa o exame da eventual caducidade do direito à liquidação de dívida tributária de I.V.A., relativa ao ano fiscal de 1999, conforme defende o recorrente.
De acordo com a jurisprudência que perfilhamos, o I.V.A. qualifica-se como imposto de obrigação única, dado incidir sobre factos tributários de carácter instantâneo, embora o prazo extintivo do direito da Fazenda Pública à liquidação do tributo tenha como termo inicial de cômputo o início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o mesmo facto tributário (cfr.artº.45, nº.4, da L.G.Tributária, na redacção introduzida pelo artº.43, nº.1, da Lei 32-B/2002, de 30/12). A referida alteração normativa aplica-se ao caso “sub judice”, visto que aplicável aos prazos em curso (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/11/2008, rec.598/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.7031/13; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.361 e seg.).
Sustenta, no entanto, o apelante que se deve apor ao caso concreto o prazo de caducidade de três anos consagrado no artº.45, nº.2, da L.G.T., visto que houve recurso à utilização de métodos indirectos no acto tributário em causa (I.V.A. de 1999).
O artº.45, nº.2, da L.G.T., estabelece que o prazo de caducidade do direito à liquidação é somente de três anos nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indirectos por motivo de aplicação à situação tributária do mesmo dos indicadores objectivos de actividade previstos na lei.
A norma prevista no citado artº.45, nº.2, da Lei Geral Tributária, tem como previsão, na parte que ora interessa, a utilização de métodos indirectos por virtude da aplicação à situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objectivos de actividade previstos no mesmo diploma (cfr.artº.87, al.c), da L.G.Tributária). A aplicação da norma, como vemos, depende da verificação de dois pressupostos, os quais sejam a utilização de métodos indirectos de determinação da matéria colectável e, por outro lado, a aplicação dos indicadores objectivos da actividade. Somente se verificando a existência destes dois elementos é que se pode concluir que o prazo de caducidade do direito à liquidação se cifra em três anos (elemento de estatuição da norma). Mais se dirá que a redução do prazo de caducidade, neste caso, se justifica pela inexistência de inspecção interna ou externa por parte da A. Fiscal e como procedimento pressuposto da liquidação, antes dependendo do mero e menos exigente confronto entre essa situação tributária e os indicadores em causa definidos pelo Ministro das Finanças nos termos do artº.89, nº.2, da L.G.T. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/11/2011, rec.247/11; António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Reis dos Livros, 2000, pág.215).
Ora, conforme resulta da matéria de facto provada, embora o acto tributário em causa se fundamente na aplicação de métodos indirectos (cfr.nº.4 do probatório), tal não deriva da aplicação de indicadores objectivos da actividade, pelo que não é aplicável ao caso “sub judice” o prazo de três anos previsto na norma em análise, antes sendo de aplicar o prazo geral de quatro anos consagrado no artº.45, nº.1, da Lei Geral Tributária (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/11/2011, rec.247/11).
O prazo de caducidade de quatro anos teve o seu termo inicial no final do ano civil em que se verificou o mesmo facto tributário (cfr.artº.45, nº.4, da L.G. Tributária), portanto em 31/12/1999, sendo o termo final em 31/12/2003. Tendo a liquidação impugnada, e relativa ao ano de 1999, sido notificada ao recorrente em 9/12/2003 (cfr.nº.10 da matéria de facto provada), não operou a caducidade do direito à liquidação por este defendida.
Atento o mencionado, o Tribunal julga improcedente este esteio do recurso, mais confirmando a sentença recorrida neste segmento.
Aduz também o recorrente que, relativamente à utilização dos métodos indirectos, entende-se terem sido fornecidos por si elementos suficientes para se proceder ao apuramento do imposto, pelo que não haveria que recorrer aos métodos indirectos para a liquidação do tributo. Que os rácios aplicados para o apuramento do imposto são manifestamente superiores aos fixados pela Administração Fiscal para a actividade em questão, visto que foram aplicados rácios de 20,15% quando deveriam ser aplicados rácios de 11,77% e 12,44%. Que sendo esses valores do domínio público não deve a aplicação dos mesmos estar dependente de prova a produzir pela ora recorrente (cfr.conclusões 9 a 13 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
No exame do presente esteio do recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; artº.72, da L.G.T.).
"In casu", examinemos, então, se a A. Fiscal fez prova, contrariamente ao que defende o recorrente, dos pressupostos para recurso ao método de avaliação indirecta da sua matéria colectável, na cédula de I.V.A. e relativamente aos anos de 1999 e 2000.
A avaliação indirecta reveste natureza substantiva, dado que através dela se pode determinar o essencial do facto tributário, isto é, a sua quantificação. Mais se dirá que a avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cfr.artº.85, nº.1, da L.G.T.), visto que o respectivo regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação directa ou objectiva, não se devendo a ela recorrer sem a verificação plena desse requisito. Isto significa que, mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que é mester recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g.correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr.artº.77, nº.4, da L.G.T.; João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, pág.201 e seg.).
A tributação por métodos indirectos não só não constitui o meio normal, como a possibilidade do seu uso está restringida aos casos em que a lei expressamente a admite, verificados que estejam determinados pressupostos (cfr.artºs.81, nº.1, 87 e 88, da L. G. Tributária). O que vale por dizer que nem a Fazenda Pública, nem o contribuinte, podem, de seu livre alvedrio, optar pela tributação indiciária, ainda que aquela cuide assim arrecadar receita maior, ou este acredite furtar-se a uma tributação mais pesada. Por outras palavras, o apuramento alternativo pela A. Fiscal deve ser feito, sempre que possível, com recurso a métodos directos ou correcções técnicas, isto é, pela determinação da matéria colectável através dos elementos da própria contabilidade do sujeito passivo, e só pode haver recurso a métodos presuntivos quando aquele apuramento directo se mostre de todo inviável, não gozando a Fazenda Pública de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (directo ou indirecto) de avaliação da matéria tributável. Em suma, o recurso aos métodos indiciários só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/2/2006, rec.1011/05; ac.T.C.A.Sul, 15/5/2012, proc.2956/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.303).
O recurso ao método indirecto está legitimado por força do princípio da capacidade contributiva que só se respeita fielmente quando se mede directamente a matéria tributável e sendo, por isso, uma faculdade da A. Fiscal (cfr.artº.82, nº.2, da L.G.T.) no exercício do seu poder/dever de liquidar impostos quando, comprovadamente, demonstre não poder, por via directa, calcular o rendimento tributável do sujeito passivo em causa.
As situações em que a matéria colectável é fixada por métodos indirectos são as taxativamente indicadas no actual artº.87, da L. G. Tributária. Subjacente a todas elas encontra-se uma de duas situações: ou a inexistência de elementos de escrituração ou a sua não idoneidade para comprovarem o lucro revelado pela escrita do contribuinte. De notar a preocupação do legislador em objectivar as aludidas situações, por forma a evitar valorações subjectivas por parte da A. Fiscal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4397/10).
No que diz respeito ao específico regime do I.V.A., o legislador socorre-se de presunções que estabelecem a prova legal para alguns factos particulares, as quais implicam uma verdadeira inversão do ónus da prova e se explicam pela natureza deste tributo (cfr.v.g.artº.80, do C.I.V.A.; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.314 e seg.). Por outro lado, atendendo também à especificidade do I.V.A., mais se refere que não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 26/11/97, rec.21676, Ap.Dr., 30/3/2001, pág.3108 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/10/98, rec.20568, Ap. Dr., 21/1/2002, pág.2964 e seg.; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 16/3/1999, proc.280/97, Antologia de Acórdãos, ano II, nº.2, pág.288 e seg.).
Relativamente à possibilidade de recurso à aplicação de métodos indiciários, com vista à determinação da matéria colectável no âmbito do I.V.A., faz-se esta de acordo com os vectores consagrados nos citados artºs.87 e seg. da L.G.Tributária, "ex vi" do artº.84, do C.I.V.A.
Revertendo ao caso dos autos, do probatório se retira que a determinação do resultado tributável do impugnante/recorrente, nos exercícios de 1999 e 2000, foi efectuada por recurso a métodos indirectos ao abrigo dos vectores constantes dos artºs.87, al.b), e 88, al.c), ambos da Lei Geral Tributária ("ex vi" do artº.84, do C.I.V.A.), tendo como fundamentos os seguintes vectores constatados no exame à contabilidade da sociedade impugnante e ora recorrente (cfr.nºs.2 e 3 do probatório):
- Indícios claros da existência de duas contabilidades;
- Existência de contas bancárias, tanto em nome da sociedade, bem como em nome dos três sócios (conta solidária) ... movimentada por um dos sócios maioritário... com o conhecimento dos restantes sócios;
- Custos suportados com documentos, sem qualquer credibilidade em termos da lei fiscal, bem como a subvalorização de alguns desses custos;
- Contabilização de compras de veículos em determinado exercício, cujas facturas do fornecedor respectivo, possuem datas de exercícios seguintes;
- Existência de stock de veículos automóveis bastante superior ao existente na contabilidade oficial, o qual se encontra noutros locais, diferentes da sede da empresa;
- Inexistência de facturas em falta na sequência numérica, no exercício de 1999, bem como a anulação de outras, cujos originais, não se encontram arquivados e não nos foram presentes;
- Omissão de proveitos, tanto de proveitos relacionados com a actividade normal da empresa (venda de veículos), como de proveitos financeiros, os quais estão directamente relacionados com a concessão de crédito que a empresa tem praticado, ao longo da sua existência.

O artº.87, al.b), da L.G.Tributária, prevê a possibilidade de avaliação indirecta da matéria tributável quando se verifica a falta dos elementos necessários para comprovar e quantificar directa e exactamente a matéria tributável, pelo que a avaliação directa é impossível. Esta impossibilidade, porém, só pode resultar das anomalias e incorrecções taxativamente indicadas nas várias alíneas do artº.88, da L. G. Tributária (cfr.artº.81, nº.1, da L.G.Tributária). Nestes casos, a avaliação da matéria tributável é feita com base em indícios, presunções ou outros elementos de que a Administração Tributária dispuser, de entre os indicados no artº.90, nº.1, do mesmo diploma. Como se constata pelas situações descritas no preceito, o que releva para determinar o impedimento não é uma impossibilidade absoluta de avaliação directa da matéria tributável, mas sim a impossibilidade de tal avaliação no momento em que ela deve ser efectuada (impossibilidade relativa). Já o artº.88, al.c), da L. G. Tributária, consagra um dos casos em que pode ser impossível a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita, 4ª. edição, 2012, págs.757 e seg.; João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, pág.247 e seg.).
Na indicada al.c), do artº.88, da L.G.T., prevêem-se os casos de existência de mais do que uma contabilidade ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a Administração Fiscal (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita, 4ª. edição, 2012, págs.768; João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, pág.247 e seg.).
"In casu", todos os factos que determinaram o recurso à avaliação indirecta se mostram detalhadamente descritos no relatório de inspecção (cfr.nº.3 do probatório), contrariamente ao que pretende fazer crer o impugnante/recorrente. A Administração Tributária, no exercício da sua competência de fiscalização, cumpriu o ónus de demonstrar a existência de todos os pressupostos do recurso necessário à avaliação indirecta, conforme disposto no artº.74, nº.3, da L.G.T., não se limitando a afirmar a falta de fiabilidade da contabilidade, mas fazendo um esforço no sentido de trazer à evidência um conjunto de situações que demonstram a sua falta de rigor e verdade.
Por outras palavras, a Administração Tributária fez prova de que a contabilidade do recorrente contém irregularidades e omissões tais que impossibilitavam o apuramento da matéria tributável através de correcções meramente técnicas, tal implicando o recurso a métodos indirectos de apuramento da mesma.
Por consequência se impõe concluir que, no caso vertente, se encontravam verificados os necessários pressupostos legais para que a A. Fiscal lançasse mão da metodologia indirecta com base na factualidade constante do probatório, assim naufragando, nessa precisa medida, as conclusões de recurso sob análise, ou seja, a invocação da ilegalidade das liquidações por inexistência dos pressupostos de recurso à avaliação indirecta.
Alega, ainda o recorrente que os rácios aplicados para o apuramento do imposto são manifestamente superiores aos fixados pela Administração Fiscal para a actividade em questão, visto que foram aplicados rácios de 20,15% quando deveriam ser aplicados rácios de 11,77% e 12,44%. Que sendo esses valores do domínio público não deve a aplicação dos mesmos estar dependente de prova a produzir pela ora recorrente.
Quanto a esta matéria, o que se retira do exame do relatório da Inspecção Tributária referente à utilização dos métodos indirectos na fixação da matéria colectável do recorrente, na cédula de I.R.C. é que a rentabilidade fiscal (resultado fiscal/proveitos) encontrada foi de 5,69% e 5,32 %, respectivamente para os anos de 1999 e 2000 (cfr.nº.11 do probatório).
Assim se deve concluir, com o Tribunal "a quo", que o impugnante e ora recorrente, apesar de contestar o critério que serviu de base à quantificação administrativa da matéria tributável, não fez prova de outro ou outros que fossem mais credíveis, por coerentes e adequados à quantificação exacta e justa, propiciando uma certeza (exigível) como meio de prova, revelando-se por isso incapaz de, justificadamente, se desonerar do ónus da prova que nesta matéria do alegado excesso de quantificação sobre si impendia, em ordem à anulação das liquidações em causa, tudo nos termos do artº.74, nº.3, da L.G.T. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/11/2011, rec.247/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/6/2011, proc.2477/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/03/2014, proc.7216/13).
Pelo que se julga improcedente também este fundamento do recurso.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 27 de Março de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)
(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)

(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)