Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04881/09
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:05/26/2011
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE PORTUGUESA
ÓNUS DE PROVA
LIGAÇÃO EFECTIVA À COMUNIDADE NACIONAL
Sumário:1.O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio [artigo 3°, n° l da Lei n° 25/94).

2. Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, entre outros, a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional [alínea a) do artigo 9° da Lei n° 37/81, de 3/10, na redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica n° 2/2006, de 17/4].

3. Incumbe ao Ministério Público, na acção para oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, o ónus da prova da existência dos factos impeditivos do direito [aquisição da nacionalidade] que o interessado quis fazer valer [artºs. 342°, n° 2 e 343º do Cód. Civil].
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: O Ministério Público inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. Face aos documentos constantes dos autos e não tendo a Requerida (que foi citada e não contestou) apresentado outros elementos, entende-se que se pode concluir pela inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional.
2. A própria decisão recorrida reconhece, aliás, que, perante a factualidade apurada, é até discutível que se possa afirmar que a Requerida possui ligação efectiva à comunidade portuguesa.
3. Tratando-se de uma acção de simples apreciação negativa, impunha-se que a Requerida trouxesse ao processo os elementos que pudessem fundar o direito à aquisição da nacionalidade portuguesa, afirmado nas declarações que prestou na Conservatória do Registo Civil de Viseu.
4. A conduta processual da Requerida (que nem sequer apresentou contestação) não pode redundar em prova efectiva do direito à aquisição da nacionalidade portuguesa.
5. Tendo decidido como decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 9.°, alínea a) da Lei n.° 37/81, na redacção da Lei n.° 2/2006, de 17 de Abril, artigo 56.°, n.° 2, alínea a) do Decreto-Lei n.° 237-A/2006, de 14 de Dezembro e artigo 343.°, n.° l, do Código Civil.
6. Pelo que deve ser revogada e substituída por outra, que julgue procedente a acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a que se reportam os autos.

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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.
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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. Rute ……………., nasceu no Brasil, a 13 de Março de 1974 e está registada como filha de Alexandre ……….. e de Luba ………….., ambos naturais do Brasil;
2. A Ré celebrou matrimónio no Brasil a 23 de Março de 2002, com José …………, cidadão nacional de Portugal;
3. A Ré vive com o seu marido, na Vila ………., V……..;
4. A 26 de Junho de 2006, na Conservatória do Registo Civil de Viseu, a Ré, ao abrigo do art. 3º, da Lei 37/81, declarou a vontade de aquisição da nacionalidade portuguesa, com fundamento na celebração do seu casamento com nacional português, tendo declarado que estabeleceu residência em Portugal, na vila de ………, não pretendendo regressar ao Brasil. Convive com a comunidade daquela vila, na qual se encontra perfeitamente inserida económica e socialmente; É solicitada e participa nos principais eventos sociais que decorrem naquela comunidade. Reside com o marido em casa própria cedida pelos sogros. O marido exerce uma actividade profissional cuja remuneração é suficiente para sustentar sem dificuldades a família. Conhece perfeitamente os costumes deste país; Encontra-se inscrita no Ministério das Finanças e está inscrita no Ministério da Saúde desde 18-4-2006, sendo utilizadora das Bibliotecas Municipais de …… e V……….
5. Com base em tal declaração foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais o processo nº 22287/06, onde se questionou a existência de facto impeditivo da pretendida aquisição de nacionalidade portuguesa, razão pela qual foi remetida ao MP certidão para efeitos de instauração do presente processo
6. A presente acção foi instaurada a 4.5.2007.






DO DIREITO

O discurso jurídico fundamentador em sede de sentença é o que, de seguida, se transcreve:

“(..) De acordo com o disposto no art. 3º nº 1, da Lei da Nacionalidade [Lei 37/81, de 3 de Outubro, na redacção da Lei Orgânica 2/2006, de 17/4 (1) ], "O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio." [cfr., em sentido idêntico, o art. 14º nº 1, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL 237-A/2006, de 14/12 (2)].
Esta solução legal inspira-se na protecção do interesse da unidade da nacionalidade familiar.
O legislador não impõe este princípio da unidade, mas é uma realidade em que se encontra interessado e que por isso promove ou facilita sempre que ela seja igualmente querida pelos interessados.
Com efeito, o facto relevante para a aquisição da nacionalidade não é o casamento - o estabelecimento de uma relação familiar -, mas a declaração de vontade do estrangeiro que case com um nacional português - cfr., os citados arts. 3º, da Lei da Nacionalidade, e 14º nº 1, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa.
Como adverte Rui Manuel Moura Ramos, Do Direito Português da Nacionalidade, 1992, pág. 151, "o casamento não é mais do que um pressuposto de facto necessário dessa declaração mas não é ele o elemento determinante da aquisição".
Assim, no regime da nossa lei, a aquisição da nacionalidade portuguesa pode ter lugar desde que o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português declare, na constância do casamento, que pretende adquirir esta nacionalidade.
Mas o efeito da aquisição da nacionalidade não se produz inelutavelmente pela simples verificação do facto constitutivo que a lei refere - a manifestação de vontade do interessado.
De facto, importa também que ocorra uma condição negativa, ou seja, que não haja sido deduzida pelo Ministério Público oposição à aquisição da nacionalidade ou que, tendo-a sido, ela seja considerada judicialmente improcedente.
A intencionalidade deste instituto é clara: visa evitar a penetração indesejada de elementos que não reúnam os requisitos considerados, por lei, necessários para aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, ou seja, que o casamento não seja designadamente um simples meio para a aquisição da nacionalidade portuguesa.
Estipula o art. 9º, da Lei da Nacionalidade (cfr. em sentido idêntico o art. 56º nº 2, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL 237-A/2006), que:
"Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo legal igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.".
O que está em causa na presente acção é a oposição à aquisição de nacionalidade por casamento com base no fundamento inscrito na alínea a) deste art. 9º.
A "ligação efectiva à comunidade nacional" é verificada através de algumas circunstâncias objectivas que revelam um sentimento de pertença a essa comunidade, como é o caso, entre outras, da língua portuguesa falada em família ou entre amigos, das relações de amizade e profissionais com portugueses, do domicílio, dos hábitos sociais, das apetências culturais, da inserção económica, ou interesse pela história ou pela realidade presente do País.
No caso vertente verifica-se que a Ré está casada com cidadão português há mais de 6 anos, o que repudia a ideia de que se esteja perante um casamento de ocasião, simples meio de aquisição da nacionalidade portuguesa.
A Ré, para além de falar a língua portuguesa (o que é natural, já que é a língua oficial do seu país de origem), reside desde, pelo menos, 2005, em Portugal, onde se encontra inserido do ponto de vista económico e social, com situação regularizada do ponto de vista contributivo-financeiro [cfr. factualidade apurada no ponto II desta decisão].
É certo que o período de tempo em referência poderá ainda ser pequeno e ser até discutível que se possa afirmar que a Ré possui já uma real e convincente ligação à comunidade portuguesa.
Porém, não é menos seguro que também não se pode afirmar que essa ligação inexiste, já que não se apurou se aquela desconhece os usos, costumes e tradições da comunidade portuguesa, se conhece a História de Portugal e se "interiorizou" o sistema de valores e cultura da comunidade portuguesa.
Ora, face à actual Lei da Nacionalidade, é sobre o Ministério Público que recai o ónus da prova da "inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional".
Com efeito, e como ensina Rui Manuel Moura Ramos, A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 136, Março-Abril de 2007, págs. 211 a 213 e 226:
"(...) consideraremos de seguida as modificações operadas no regime da oposição à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade ou da adopção. Estas modificações atingem quer a matéria dos fundamentos da oposição quer a do processo respectivo, sendo no entanto naquele primeiro domínio que se revestem de maior importância.
O novo texto mantém, em sede de fundamentos, os três que tinham sido enunciados na versão inicial da Lei nº 37/81 quer na da modificação operada pela Lei 25/94, ainda que a formulação respectiva seja agora diferente.
Quanto ao primeiro - "a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional" - verifica-se uma aproximação do texto inicial de 1981 do qual apenas desapareceu a qualificação de "manifesta" que na altura se exigia para tal inexistência: o relevo desta alteração torna-se no entanto claramente perceptível se nos lembrarmos que, entretanto, a Lei nº 25/94 viera referir-se, ao contrário, à "não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional".
As modificações redaccionais referidas não podem contudo ser dissociadas das vicissitudes por que passou a interpretação judicial deste texto.
A cláusula indeterminada inicialmente prevista visava, pela sua latitude, permitir frustrar a inserção na comunidade portuguesa de indivíduos que, mau grado a manifestação de vontade nesse sentido e o vínculo familiar com um cidadão português, não tinham na realidade um vínculo efectivo à comunidade nacional.
Simplesmente, entendeu então a nossa jurisprudência, de acordo aliás com os princípios gerais em matéria de ónus da prova, que, tratando-se de factos impeditivos, cabia ao Estado através do Ministério Público fazer a prova da "manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional" (3) , tendo assim julgado improcedente a oposição em situações em que o casamento se não podia dizer de conveniência, pois durava há seis anos e dele resultara um filho, registado na secção consular portuguesa do país residência, como noutras, onde porventura a ligação à comunidade portuguesa seria menor mas em que o Ministério Público não fizera nem sequer esboçara tal prova.
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Perante isto, em 1994 o legislador tomaria duas medidas: por um lado, tornaria necessário um casamento com a duração de três anos para que a declaração visando a aquisição da nacionalidade portuguesa pudesse ter lugar, com o que se punha algum travão aos casamentos de conveniência; por outro lado, e agora como reacção à tendência jurisprudencial que se desenhara, procederia à inversão do ónus da prova, ao passar a enunciar como fundamentos da oposição "a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional".
Nestes termos, para além da tentativa de neutralizar os efeitos dos casamentos de conveniência, o legislador impunha ao interessado em adquirir a nacionalidade portuguesa a alegação e comprovação de uma ligação efectiva à comunidade nacional.
Este passo levaria a uma profunda modificação da prática jurisprudencial. Assim, o Supremo Tribunal de Justiça viria a considerar "esta comprovação como fundamento de aquisição da nacionalidade portuguesa é compreensivelmente necessária porque o Estado tem de ser cuidadoso e exigente na integração de pessoas no círculo dos seus nacionais, constituindo mesmo uma faculdade de sua reserva, devendo basilar-se a ligação procurada de alguém à comunidade nacional como uma ligação séria, aberta, efectivamente desejada e permanente, não meramente conjuntural portanto, ou desenhada com intenções reservadas".
E adiantaria, mais, que "a ligação efectiva à comunidade nacional constitui um autêntico pressuposto da aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade, tendo o requerente - candidato à aquisição - o ónus da correspondente alegação e prova.
Não o fazendo, há fundamento bastante para a procedência da acção de oposição", precisando ainda que "a mencionada ligação efectiva à comunidade nacional é verificada através da prova de algumas circunstâncias objectivas que revelem um sentimento de pertença a essa comunidade, como é o caso, entre outras, do domínio ou conhecimento da língua, dos laços familiares, das relações de amizade ou de convívio, do domicílio, dos hábitos sociais, das apetências culturais, da inserção económica, do interesse pela história ou pela realidade presente do país", e que "o denominador comum deve servir como pauta de referência e cimento aglutinador para aferir da ligação que a lei exige, não poderá deixar de ser a comunidade nacional e não uma concreta comunidade de nacionais no estrangeiro".

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É sobre este pano de fundo que há-de assim analisar-se a alteração a que nos reportamos e que, ao repor o entendimento tradicional quanto ao ónus da prova, vem legitimar uma posição menos restritiva quanto à aquisição da nacionalidade, ao limitar de algum modo o mecanismo de oposição, ainda
que deixe de ser tão exigente na caracterização da inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional, uma vez que esta, para efeitos do desencadear da oposição, deixa de ter de ser manifesta.
(...) Por outro lado, um outro aspecto importa ainda referir em sede de reforço do vínculo de nacionalidade e de redução do poder determinante que era conhecido do Estado na sua modelação.
Falamos do instituto da oposição à aquisição da nacionalidade, o outro elemento que permitia ao Governo intervir no delineamento concreto do vínculo de nacionalidade.
A este propósito há que recordar que ele funcionava como válvula de segurança que permitia paralisar determinadas aquisições de nacionalidade decorrentes da vontade ou da adopção quando existisse o risco de introdução na comunidade portuguesa de "elementos em relação a quem houvesse fundadas razões para que o Estado não lhes quisesse reconhecer a condição nacional portuguesa".
Introduzido no nosso direito em 1959, por influência do direito francês onde fora acolhido em 1893, este mecanismo, depois de ver o seu alcance limitado aos casos de aquisição derivada pela Lei 37/81, veria os termos em que se encontrava reconhecido neste diploma serem alargados, como referimos, com a Lei nº 25/94.
A interpretação jurisprudencial deste diploma consagraria na verdade a tese de que o interessado na aquisição da nacionalidade portuguesa tinha de comprovar, em termos que não poderiam deixar de se considerar como particularmente exigentes, a existência de uma ligação efectiva à comunidade nacional, o que permitiria restringir significativamente a aquisição da nacionalidade portuguesa.
Mas a inversão do ónus da prova a que volta a proceder a nova lei, retornando assim à solução original da Lei nº 37/81, (...) ao restringirem o alcance do mecanismo da oposição à aquisição, vêm limitar claramente as faculdades preclusivas (da aquisição da nacionalidade portuguesa) que ele comportava.
Pode assim dizer-se que o poder modelador do Estado nas situações de aquisição derivada, que já fora limitado, no domínio da naturalização, às hipóteses, algo residuais, hoje previstas nos nºs. 5 e 6 do artigo 6º, se vê também igualmente ainda mais circunscrito por uma concepção que implica um uso mais morigerado do instituto da oposição à aquisição – o que equivale afinal a reforçar a densidade do direito à nacionalidade tal como ele emerge dos diversos preceitos da nossa lei." (sublinhados e sombreados nossos).
Também neste sentido, e na jurisprudência, Ac. da RL de 6.2.2007, proc. nº 10.181/06-2, onde se escreveu o seguinte:
"Assim, enquanto no âmbito da versão originária a não ligação efectiva funcionava como facto impeditivo da aquisição de nacionalidade - cabendo a sua prova àquele que deduzia a oposição (art. 342º nº 2 do Cód. Civil) – na versão da Lei nº 25/94 a referida ligação configura-se como facto constitutivo do direito a tal aquisição, recaindo sobre quem o pretende fazer valer o ónus da respectiva alegação e prova. (...) A Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, veio porém alterar o quadro legal de referência, e assim, designadamente, ao introduzir nova redacção no sobredito art. 9º da Lei da Nacionalidade(...). Retomando pois o legislador de 2006, a configuração da ausência de ligação efectiva do interessado à comunidade nacional como facto impeditivo da aquisição da nacionalidade, com prova a cargo de quem deduzisse oposição àquela.".
Esta interpretação da lei quanto ao ónus da prova é confirmada pela exposição de motivos da Proposta de Lei nº 32/X (a qual esteve na origem da aprovação da Lei Orgânica 2/2006, de 17/4) - a qual pode ser consultada em www.parlamento.pt -, onde se escreveu o seguinte:
"PROPOSTA DE LEI N. ° 32/X
Exposição de Motivos
As profundas transformações demográficas ocorridas em Portugal ao longo dos últimos anos exigem uma adequação da Lei da Nacionalidade. (...)
O equilíbrio na atribuição da nacionalidade passa, contudo, por uma previsão de regras que, garantindo o factor de inclusão que a nacionalidade deve hoje representar em Portugal, não comprometam o rigor e a coerência do sistema, bem como os objectivos gerais da política nacional de imigração, devidamente articulada com os nossos compromissos internacionais e europeus, designadamente os que resultam da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, que Portugal ratificou em 2000.
Assim, na presente proposta de lei asseguram-se os seguintes objectivos: (...)
e) Alteração do procedimento de oposição do Estado Português à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, invertendo-se o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artº 9º que passa a caber ao Ministério Público. Regressa-se desse modo ao regime inicial da Lei nº 37/81. de 3 de Outubro.
Assim:
Nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 197. ° da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:
Artigo 1. °
Alteração à Lei n. ° 37/81, de 3 de Outubro
Os artigos 1. ° 6. °, 7. ° 9. ° 21. ° 37. ° e 38. ° da Lei n. ° 37/81, de 3 de Outubro, alterada pela Lei n. ° 25/94, de 19 de Agosto, pelo Decreto-Lei nº 322-A/2001, de 14 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n. ° 194/2003, de 23 de Agosto, e pela Lei Orgânica n. ° 1/2004, de 15 de Janeiro, passam a terá seguinte redacção: (..)
Artigo 9. °
Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
(...)" (sombreado e sublinhado nossos).

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Recaindo, face à actual Lei da Nacionalidade, sobre o Ministério Público o ónus da prova da "inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional" e não tendo este logrado provar este fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade (al. a) do art. 9º) como lhe incumbia, terá que improceder a presente oposição.
Não há lugar à condenação em custas, porquanto o responsável pelas mesmas - o Ministério Público (art. 446º nºs. 1 e 2, do CPC, ex vi art. 1º do CPTA) - delas está isento (arts. 2°- nº 1, al. a), do CCJ, e 189º nº 2, do CPTA).
Ill –DECISÃO
Pelo exposto, o tribunal julga improcedente a presente oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte da Ré, e, em consequência, ordena-se o prosseguimento do processo na Conservatória dos Registos Centrais. (..)”

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a) noção legal de presunção; valor declarativo do silêncio;

Uma primeira questão trazida a recurso pelo Recorrente traduz-se em atribuir um sentido jurídico ao silêncio processual da Recorrida ou seja, de que “(..)não tendo a Requerida (que foi citada e não contestou) apresentado outros elementos, entende-se que se pode concluir pela inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional. (..)”, itens 1 e 2 das conclusões de recurso.
Não tem razão por dois motivos de natureza substantiva: a noção legal de presunção – artº 349º C. Civil e o fundamento normativo do valor declarativo do silêncio – artº 218º C. Civil.
No tocante ao primeiro, o conceito normativo vazado no Código Civil é que – “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.”, ou seja, no tocante às presunções legais, estas “(..) caracterizam-se por dispensarem quem as tiver a seu favor de provar o facto a que ela conduz. (..) Presunções judiciais são as advindas das regras da experiência e da normal sucessão ou relacionação dos factos, e como tais, apenas admitidas nos termos em que o é a prova testemunhal – CC., artº 351º, consequentemente, impugnáveis por qualquer meio de prova. (..)” (4)
A circunstância de a Recorrida não ter contestado tem de ser apreciada no seu devido enquadramento jurídico, muito especialmente com atenção ao facto de a lei não ter estatuído nenhum efeito cominatório à falta de contestação dos factos alegados pela parte contrária, nem, para efeitos adjectivos, atribuir um específico valor declarativo ao silêncio processual.
O que significa que o Tribunal não é admitido a assumir a convicção nos exactos termos do sentido jurídico peticionado no articulado inicial pelo Autor da acção com fundamento na circunstância de a parte Ré não ter contestado.
Não há norma que permita um juízo jurídico desta natureza.

b) regras de partição do ónus de prova;

A segunda questão trazida a recurso traduz-se na desvalorização das regras do ónus de prova, pois em sede de “(..) acção de simples apreciação impunha-se que a Requerida trouxesse ao processo os elementos que pudessem fundar o direito à aquisição da nacionalidade (..)” e o facto de que não “(..) apresentou contestação não pode redundar em prova efectiva do direito à aquisição da nacionalidade (..)”, itens 3 e 4 das conclusões de recurso.
Independentemente do entendimento que se tenha sobre o que é que se entende por objecto da prova, se este apenas diz respeito aos factos ou se abrange no seu âmbito factos (eventos do mundo real) e afirmações (geração de uma convicção), é pacífico que “(..) o objecto da prova é uma representação intelectual apresentada como correspondente à realidade, assim se explicando que a lei diga que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos. Esta é a concepção clássica à qual se objecta a sua inadaptação à prova legal; daí (não obstante as tentativas de ajustamento) haver quem exclua dos meios de prova a confissão e as presunções. (..)” (5)
Ora, atendendo a que é em abstracto que o ónus da prova tem de ser considerado no âmbito dum “(..) processo regido pelo princípio da aquisição processual – como sucede entre nós e na maioria das legislações – não interessa, como é óbvio, o que a parte respectiva tenha provado, mas o que se acha provado por via dela ou da contraparte ou do tribunal.
O ónus da prova é, assim, não um ónus subjectivo, mas um ónus objectivo. (..)
O problema da distribuição do ónus da prova entre as partes, reconduz-se, assim, a um problema de aplicação da lei. Ela traduz-se em determinar quais são os elementos verdadeiramente constitutivos da norma fundamentadora do direito invocado em juízo e os que já fora dela constituem elemento de uma norma que se lhe oponha – contra-norma (impeditiva ou extintiva) – decidindo contra a parte a quem interessa no processo a aplicação da norma constitutiva do direito ou da contra-norma. (..)”
Ou seja, não há temas probatórios fixos, não há, por natureza, factos constitutivos, impeditivos ou extintivos, há que recorrer às normas aplicáveis no domínio dos direitos invocados pelas partes atento o direito material, sendo esta a posição assumida no Código Civil, v.g. no artº 342º nº 1 declarando que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” e no nº 2 “a prova dos factos impeditivos, modificativos e extintivos do direito invocado, compete àquele contra quem a invocação é feita.”
Seguindo a doutrina citada, “É, assim, inequívoca a lei no sentido de lançar sobre a contraparte o ónus da prova dos pressupostos da norma impeditiva, abstraindo da posição das partes no processo e atendendo apenas à sua posição na relação material.
Claramente o mostra o artº 343º: “Nas acções de simples apreciação negativa compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.” (..) o único ónus primário que ao autor se impõe cumprir na petição dessas acções (de simples apreciação negativa) é a alegação da arrogação do direito ostentado, pelo réu, em termos de afectar a sua integridade jurídica, ou seja, o interesse em agir – causa justificativa da acção. (..)” (6)
Por tudo quanto vem de ser dito e em consonância com os fundamentos constantes da sentença proferida no Tribunal a quo, no domínio da presente acção de simples apreciação negativa as razões de facto constitutivas da oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa constantes do artº 9º a) da Lei da Nacionalidade, LO 2/06 de 17.04 - “A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional”, correm por conta da parte que deduz oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, ou seja, a cargo do Ministério Público em representação do Estado Português, correndo por conta do réu, isto é, da parte interessada na aquisição da nacionalidade portuguesa, a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, prova que, no caso dos autos, não logrou fazer o que leva, consequentemente, à improcedência das questões suscitadas nas conclusões de recurso.



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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença proferida.

Custas a cargo da Recorrente.


Lisboa, 26.05.2011,



(Cristina dos Santos) ………………………………………………………………………………


(António Vasconcelos) ……………………………………………………………………………


(Paulo Gouveia) …………………………………………………………………………………...

(1) A qual entrou em vigor em 15 de Dezembro de 2006 - cfr. art. 9° dessa Lei Orgânica, conjugado com o art. 4° n.° l, do DL 237-A/2006 -, e aplica-se aos processos pendentes (cfr. art. 5°, dessa Lei 2/2006).
(2) O qual entrou em vigor em 15 de Dezembro de 2006 e aplica-se aos processos pendentes (cfr. art. 4° n.° l, desse DL 237-A/2006).
(3) Neste sentido, entre outros, Acs. do STJ de 17.3.1988, proc. nº 76.033 (Na oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa com fundamento na "manifesta inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional" por parte do requerente, estando-se perante facto impeditivo de um direito de que este pretende prevalecer-se, compete ao Estado, representado pelo Ministério Público, o ónus da prova de tal fundamento), e de 4.10.1988, proc. nº 76.487.
(4) Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, Vol. III, Almedina, págs. 343/344.
(5) Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, Vol. III, Almedina, págs. 344/345.
(6) Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, Vol. III, Almedina, pág. 358, nota (1).