Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:436/16.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/07/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:AUDIÇÃO PRÉVIA À REVERSÃO
NOTIFICAÇÃO
APROVEITAMENTO DO ATO
Sumário:I – A reversão é precedida de audição do revertido, devendo a notificação para tal exercício ser feita por carta registada.
II – No caso, a AT optou voluntariamente por uma forma de notificação mais exigente, isto é, recorreu ao correio registado com aviso de receção (AR), pelo que há que convocar as normas legais aplicáveis a esta forma de notificação.

III - Atento o disposto nos nºs 5 e 6 do artigo 39º do CPPT, a presunção legal de notificação nos casos em que ocorre a devolução de carta registada com aviso de receção e em que este não se mostre assinado, só funciona em duas situações, a saber: recusa do destinatário em receber a carta e não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais sem que se comprove que, entretanto, o contribuinte comunicou alteração do seu domicílio fiscal.

IV – No caso, a presunção prevista no nº 5 e 6 do artigo 39º do CPPT nunca poderia operar, pois qualquer dos ofícios de comunicação do projeto de despacho de reversão foi incorretamente dirigido ao Oponente e não, como se impunha, ao seu representante fiscal; acresce que qualquer umas das cartas de notificação foi devolvida com a indicação desconhecido.

V - O ato sindicado corresponde ao despacho de reversão operante da responsabilidade subsidiária de administrador, não restando dúvidas que não se trata de uma situação legal evidente ou perante uma atividade vinculada.

VI - Assim, não se pode afirmar a insusceptibilidade de a participação do interessado/administrador nominal influenciar a decisão final, quanto ao seu sentido e fundamentos, o que basta para afastar a aplicação, em concreto, do princípio do aproveitamento do ato.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I– RELATÓRIO

A Fazenda Pública, dizendo-se inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que, na verificação da falta de notificação para o exercício do direito de audiência prévia, julgou procedente a oposição, determinando a absolvição da instância executiva do oponente, F…………………….., tudo por referência à execução fiscal nº……………………….., contra aquele revertida depois de originariamente instaurada contra a sociedade “Imobiliária ……………… S.A.”, dela veio recorrer.

O recurso jurisdicional apresenta as seguintes conclusões:

«I - Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 30-06-2020, a qual julgou procedente a oposição à execução fiscal nº …………….., que corre termos no Serviço de Finanças de Cascais 1 e foi instaurada, originariamente, contra a sociedade “IMOBILIÁRIA ……… - S.A.”, com o NIF ………….., para a cobrança de dívidas fiscais provenientes de IRC relativas ao ano de 2007, já devidamente identificadas nos autos, no montante de € 986.692,52 (novecentos e oitenta e seis mil, seiscentos e noventa e dois euros e cinquenta e dois cêntimos) e acrescido.

II - A Sentença recorrida, tendo-se socorrido da matéria factual dada como assente no seu segmento III. Fundamentação, a qual aqui damos por plenamente reproduzida para todos os efeitos legais, e ancorando-se inteiramente no Acórdão do STA de 28-01-2015, proc. nº 0309/14, veio postular que a presunção legal de notificação prevista no ordenamento jurídico tributário não funciona se a respectiva missiva vier devolvida, e assim, não resultando provado que o Oponente tenha sido notificado para o exercício do direito de audição prévia à reversão, deu-se a violação do disposto no n.º 4 do artigo 23º da LGT, o que importa a extinção da instância executiva que corre contra si.

III - Com efeito, o presente recurso tem como desígnio demonstrar o desacerto a que, na perspectiva da Fazenda Pública e com o devido respeito, chegou a Sentença recorrida, ao não ter dado como provado que o Oponente foi regularmente notificado para efeitos de exercício do direito de audição prévia à reversão e, mesmo que tal não sucedesse (o que nunca se concede e apenas se admite por mera hipótese de raciocínio), tal irregularidade degrada-se em formalidade não essencial, por força da aplicação do princípio do aproveitamento dos actos.

IV - No âmbito da execução fiscal, e apesar da natureza inquisitória desta, o direito de audição previsto no n.º 4 do artigo 23º e no artigo 60.º da LGT justifica-se atenta a natureza graciosa da reversão, sendo que o mesmo não se eleva a direito fundamental nem a sua preterição se apresenta sempre como essencial, cfr. do STA proferido no processo nº 151/09, de 25 de Junho.

V - Com efeito, nos presentes autos, foi a notificação para o exercício do direito de audição do Oponente efectuada em 15-05-2013 (registo postal n.º RD……………PT) e, uma vez que a mesma veio devolvida em 16-05-2013, procedeu-se a uma segunda notificação no dia 27- 05-2013 (registo postal n.º RD……………..PT), cfr. cópias dos registos dos CTT já juntos aos autos.

VI - E, conforme se pode vislumbrar por fls. 74 e seguintes dos presentes autos, ambas as notificações efectuadas para efeitos do exercício do direito de audição do Oponente seguiram a modalidade de carta registada com aviso de recepção, o que se reputa de matéria factual que merece dignidade de constar dos factos assentes da Sentença recorrida, relevante para a decisão da causa e que deve ser aditada ao probatório, nos termos do disposto no artigo 640º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

VII - Assim, resultando provado nos presentes autos que ambas as notificações dirigidas ao Oponente para efeitos do exercício do direito de audição prévia foram realizadas através da modalidade de carta registada com aviso de recepção, tal obsta à aplicação da presunção prevista no nº2 do artigo 39º do CPPT, prevista para a modalidade de carta registada.

VIII - Destarte, havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data da respectiva assinatura e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no mesmo domicílio, presumindo-se neste caso que a missiva foi oportunamente entregue ao destinatário.

IX - Sendo que, em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal, cfr. nº 5 do artigo 39º do CPPT.

X - Na situação sub judice, tendo sido a notificação para o exercício do direito de audição efectuada por duas vezes através de carta registada com aviso de recepção dirigida ao domicílio fiscal do Oponente e em conformidade com a informação facultada pelo mesmo, e não resultando dos autos qualquer justo impedimento ou impossibilidade de comunicação da mudança de residência, funciona a presunção em desfavor do mesmo.

XI - E, não demonstrando o Oponente o facto de não lhe ter sido imputável a falta de notificação, tem-se a mesma por validamente efectuada, em conformidade com a presunção acima descrita, a qual, note-se, não foi ilidida.

XII - Consequentemente, o presente procedimento de notificação satisfaz, na íntegra, o ónus que impende sobre a administração tributária em cumprir o dever de notificar, colocando a informação ao dispor do interessado e cumpre também o interesse do Oponente em conhecer os actos susceptíveis de se repercutirem na sua esfera jurídica.

XIII - Sendo o interesse do Oponente salvaguardado com a possibilidade de invocar o justo impedimento, a ocorrência de evento não imputável, que obstaculizou a recepção da carta, o que nunca se verificou no caso em apreço.

XIV- Não merece aqui acolhimento, portanto, o entendimento vertido no acórdão do STA de 28-01-2015, proc. nº 0309/14, o qual se debruça sobre a aplicação da presunção de notificação a que alude o n.º 2 do artigo 39º do CPPT, ou seja, quando a missiva haja sido enviada através da modalidade de carta registada, o que não é o caso dos autos.

XV - Impunha-se, pois, ao Douto Tribunal a quo, perante a causa de pedir esgrimida, o comportamento processual do Oponente e a prova produzida pela Fazenda Pública, que não logrou, por aquele, ser contrariada, convencer-se que esta foi devidamente notificada para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 23º e no artigo 60º, ambos da LGT.

XVI - De qualquer forma, mesmo que assim não se entenda, o que nunca se concede e apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, ainda que o Oponente não tivesse sido notificado para efeitos do exercício direito de audição prévia à reversão, tal não implica, necessariamente, que tenha de ser anulado o despacho de reversão e absolvido o Oponente da instância executiva.

XVII - Pois que, em harmonia com o preceituado no n.º5 do artigo 163º do CPA e ao abrigo do princípio do aproveitamento do acto administrativo, é manifesto que a decisão tributária em abstracto, não podia ser outra da que foi tomada no caso concreto, e por isso se impõe, o seu aproveitamento, cfr. Acórdão do pleno do STA de 22-01-2014, proc. nº 0441/14.

XVIII - Na verdade, compulsadas as circunstâncias concretas do caso em apreço, verificamos que, para o processo de execução fiscal ora em apreço, já tinham sido carreadas pelo órgão de execução fiscal, em momento anterior ao exercício do direito de audição, todos os elementos probatórios tendentes a dar como verificados os requisitos legalmente previstos para efeitos da efectivação a responsabilidade tributária subsidiária a que alude o artigo 24.º da LGT.

XIX - Note-se, neste ponto, que já tinha sido constatada a insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária, estando os autos de execução fiscal nº ......................... devidamente documentados de tal facto e, outrossim, já tinham sido carreados para tal processo executivo diversos elementos probatórios documentais que atestam que o Oponente exerceu, de facto, a gerência da sociedade devedora originaria, cfr. alíneas j) a n) do probatório fixado na Sentença recorrida.

XX - Assim, quaisquer outros argumentos ou elementos que o ora Oponente, eventualmente, poderia trazer aos autos de execução em sede de direito de audição prévia não teriam a virtualidade de contrariar ou, por qualquer forma, melindrar, os elementos que já tinham sido recolhidos pelo órgão de execução fiscal.

XXI - Assim, é manifesto que a decisão de reversão, independentemente da participação ou não do Oponente na sua formação, só podia ter o conteúdo que teve e não outro, sendo que a sua audição no procedimento de reversão não tinha a mínima probabilidade de influenciar a decisão final tomada, conduzindo a um resultado diferente, impondo-se o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur.

XXII - Tendo em conta as circunstâncias concretas do caso em apreço, a formalidade essencial do direito de audição prévia à reversão degradou-se em formalidade não essencial, pelo que não se verifica o vício imputado pela Sentença recorrida ao despacho de reversão.

XXIII – Destarte, com o devido e muito respeito, a Sentença sob recurso, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.

XXIV – Por último, no caso dos presentes autos, o valor total do processo para efeitos de apuramento de taxa de justiça a pagar é superior a € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros), cfr. artigo 6º, n.º 1 e 11º, ambos do RCP, sendo que os mesmos não afrontaram questões de grande ou especial complexidade e a conduta processual das partes sempre se pautou pelo princípio da colaboração com a justiça e pela abstenção da prática de actos inúteis ou susceptíveis de provocar uma dilação na prolação da sentença, em zeloso e diligente respeito pelos habituais trâmites do processo judicial tributário.

XXV - Pelo que se encontram reunidos os pressupostos legais para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº7 do RCP, o que ora se requer.

TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS:

- DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA ORA RECORRIDA; E

- DEVE SER ORDENADA A DISPENSA DO PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA CORRESPONDENTE AO VALOR SUPERIOR A € 275.000,00, NOS TERMOS DO DISPOSTO NO N.º7 DO ARTIGO 6º DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS;

TUDO COM AS DEMAIS E DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS E ASSIM

SE FAZENDO A COSTUMADA

JUSTIÇA!»



*



O Recorrido, F …………………….., apresentou a sua contra-alegação e, prevenindo a hipótese de o Tribunal conceder provimento ao recurso, requereu a título subsidiário e no uso da faculdade consentida pelo artigo 636º do CPC, ex vi artigo 2º, al.c) do CPPT, a ampliação do objeto do recurso, tudo com base no seguinte quadro conclusivo:

«A) No probatório da Douta sentença recorrida ficou demonstrado que o Recorrido, não residente fiscal em Portugal à data dos factos, não tomou conhecimento de ambas as missivas da AT remetidas para o domicílio fiscal do seu representante fiscal;

B) O paradeiro de tal representante fiscal era desconhecido, o que motivou o Recorrido a alterar o seu representante fiscal em Portugal em Dezembro de 2013;

C) Nas suas alegações de recurso a Fazenda Pública considera que o Recorrido foi validamente notificado para o exercício do direito de audição prévia, aplicando a presunção constante do artigo 39º do CPPT, por não resultar dos autos justo impedimento ou impossibilidade de comunicação da mudança de residência;

D) Todavia, demonstrou o Recorrido cabal e inequivocamente existir “justo impedimento” e uma verdadeira “impossibilidade de comunicação da mudança de residência” do respectivo representante fiscal, o que é suficiente para ilidir a presunção de notificação do artigo 39º, nº 5, do CPPT, uma vez que desconhecia, e não tinha como saber, o paradeiro do seu representante fiscal à data, o Sr. J…………………….;

E) Verifica-se, nestes termos, que a sentença do Douto Tribunal recorrido, que concluiu pela anulação do despacho de reversão e procedimentos subsequentes por ter sido preterida a formalidade essencial de exercício do direito de audição prévia, não merece ser sancionada;

F) A Fazenda Pública alega, no entanto, que, em respeito pelo princípio do aproveitamento dos actos, a preterição de tal formalidade essencial deverá degradar-se em não essencial por entender ser manifesto que a audição prévia seria insusceptível de influenciar a decisão final;

G) O Recorrido não pode concordar com esse entendimento, tal como oportunamente invocado na respectiva Oposição, desde logo porque a AT não comprovou os pressupostos de responsabilidade subsidiária, nomeadamente o exercício de facto (e não apenas de direito) da administração da sociedade devedora, elementos que poderiam ter sido devidamente ponderados caso o Recorrido tivesse exercido o respectivo direito de audição prévia;

H) Termos em que o recurso interposto pela Fazenda Pública deverá improceder, por não provado;

I) Efectivamente, não constam do processo quaisquer diligências que demonstrem que o Recorrido era administrador de facto da devedora originária no momento do pagamento da dívida, pois o facto de o Recorrido constar do contrato social como administrador único é apenas indicador da administração de direito, sendo necessário, para a prova da administração de facto a demonstração de que a sociedade originária devedora se manteve em actividade no período em causa;

J) Acresce que não foram, em momento algum, provados actos típicos de administração compreendidos no objecto social, e consubstanciados na representação da sociedade pelo Recorrido perante terceiros e no interesse desta como forma de assegurar o seu giro comercial, designadamente a contratação e/ou o despedimento de trabalhadores, contactos com clientes e/ou fornecedores, aposição de assinatura em documentos bancários;

K) Esses indícios objectivos são abundantemente invocados pela jurisprudência para efeitos de qualificação da gerência de facto;

L) Termos em que, não constando do despacho de reversão qualquer prova dos pressupostos de que depende a responsabilidade tributária subsidiária do Recorrido, designadamente no que respeita ao exercício da administração de facto, a reversão em apreço padece de vício de violação de lei, por violação dos pressupostos de facto e de Direito e por falta de fundamentação material;

M) Acresce que na certidão de dívida consta somente como devedora a Imobiliária Alto da Guia, S.A., não sendo indicado no mencionado título o nome do Recorrido, conforme se prevê na alínea j) do nº2 do artigo 88º do CPPT, estando devidamente comprovada a ilegitimidade do Recorrido por não figurar no título executivo;

N) O Recorrido requer desde já, a título subsidiário e por cautela de patrocínio, no caso de proceder a argumentação da Fazenda Pública exposta nas respectivas alegações de recurso, a apreciação dos fundamentos referidos nos pontos L) e M) anteriores, nos termos do artigo 636º do CPC, ex vi do artigo 2.º, alínea e), do CPPT, por via de ampliação do objecto do presente recurso, verificando-se que tais fundamentos - não analisados pelo Douto Tribunal recorrido por procedência do vício de falta de exercício do direito de audição prévia – se enquadram ainda no âmbito da Oposição deduzida pelo Recorrido, designadamente no respectivo ponto III.2, tendo aí sido devidamente densificados, ponto esse para o qual se remete para os devidos efeitos.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, e em face das motivações e das conclusões atrás enunciadas, se requer:

- Que as presentes contra-alegações sejam consideradas e o recurso da Fazenda Pública julgado improcedente por não provado, mantendo-se a anulação do despacho de reversão e dos procedimentos subsequentes;

- Por mera cautela de patrocínio, e no caso de proceder a argumentação da Fazenda Pública, que os fundamentos subsidiários formulados no ponto III. 2 das presentes contra-alegações, no âmbito da ampliação do objecto do presente recurso, nos termos do artigo 636. º do CPC, ex vi do artigo 2º, alínea e), do CPPT, sejam apreciados, sendo o recurso da Fazenda Pública julgado improcedente.»


*


O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP), junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

*


Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

*


II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«a) A 05/12/2013, foi entregue declaração no SF Amadora 3, onde o aqui oponente identificou como seu representante J ………………….., com morada na Pc ....................... n.º .... cfr. documento de fls. 64 dos autos);

b) A 21/01/2013, foi instaurado o PEF nº …………………, para cobrança de dívida no valor de 986.692,52euros, relativa a IRC de 2007, e respectivos juros (cfr. documento de fls. 107 a 110 do PEF apenso);

c) A 06/05/2013, foi proferido despacho, onde se lê (cfr. documento de fls. 71 dos autos):

«Texto no original»

d) A 06/05/2013, foi emitido ofício “Notificação audição-prévia (reversão)”, dirigido a “F ………………. R ……… R/C ……….. S…………….” (cfr. documento de fls. 74 dos autos);

e) O ofício a que se refere a alínea anterior, foi devolvido, com a indicação “desconhecido” (cfr. documento de fls. 77 dos autos)

f) A 15/05/2013, no cadastro do oponente, constava como local da sua residência “Espanha”, sendo seu representante J …………………., com endereço em “R ………. n ... R/C” (cfr. documento de fls. 132 e 114 do PEF);

g) A 20/05/2013, foi emitido ofício “Notificação Audição-Prévia (reversão), dirigido a “F ………………….. R ………….. n ... R/C ……… S…………” (cfr. documento de fls. 78 dos autos);

h) A missiva a que se refere a alínea anterior, foi devolvida, com a indicação “Desconhecido” (cfr. documento de fls. 79 dos autos);

i) A 18/09/2013, foi proferido despacho no PEF n.º…………………., onde se lê (cfr. documento de fls. 38 dos autos):

«Texto no original»

j) Na sequência da Ap. 31/1991, foi registada a constituição da sociedade com a firma “Imobiliária ………………….., S.A., logo ficando designado como administrador único o aqui oponente (cfr. documento de fls. 112 e 113 dos autos)

k) A 30/09/2011, foi assinada pelo aqui oponente, na qualidade de adminsitrador, nota de diligência, relativa a procedimento de inspecção externa, à sociedade Imobiliária …………………., S.A. (cfr documento de fls. 133, verso);

l) Dirigida à Direcção Geral de Finanças, o aqui oponente remeteu missiva, onde se lê (cfr. documento de fls. 134 dos autos):

«Texto no original»

m) A 31/07/2012, foi lavrada certidão de notificação, lendo-se da mesma (cfr. documento de fls. 136 dos autos):

«Texto no original»

n) Com data de 16/08/2012, foi emitida procuração, lendo-se da mesma (cfr. documento de fls. 136, verso dos autos):

«Texto no original»

Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.

Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório.»


*


- De Direito


Veio a Fazenda Pública interpor o presente recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, que julgou procedente a oposição e anulou o despacho de reversão, mais determinando a absolvição do Oponente da instância executiva.

Insurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, a mesma padecer de erro de julgamento na aplicação do direito, concretamente em relação à notificação para o exercício do direito de audição prévia à reversão, a qual a Fazenda Pública considera ter sido validamente efetuada.

Antes, porém, a Recorrente aponta a necessidade de um aditamento à matéria de facto, de modo a ficar consignado no probatório que “ambas as notificações efectuadas para efeitos do exercício do direito de audição do Oponente seguiram a modalidade de carta registada com aviso de recepção”, sendo indicado o respetivo suporte documental – cfr. conclusão VI).

Começando por este último aspeto, tendo em consideração que se discute a questão da efetivação (ou não) de uma notificação, reputa-se útil fazer incluir no probatório os exatos termos em que a mesma teve lugar.

Assim sendo, com apelo aos elementos constantes dos autos que seguidamente se indicam, adita-se ao probatório o seguinte:

o) Os ofícios de notificação m.i nas alíneas d) e g) do probatório foram remetidos por correio registado, com aviso de receção (cfr. fls. 77 e 92 dos autos).


*


Estabilizada a matéria de facto, avancemos.

Para mais fácil a compreensão daquilo que aqui se discute, deixamos devida nota do discurso fundamentador alinhado na sentença. Assim, aí se escreveu, além do mais, o seguinte:

“(…)

O artigo 60º n.º 4 da LGT determina que a notificação para exercício do direito de audição seja notificado ao contribuinte "em carta registada a enviar para esse efeito para o domicilio fiscal do contribuinte".

E do artigo 39º n.º 5 do CPPT, resulta que em caso de devolução do expediente postal, e se "não se comprovar que, entretanto, o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal", haverá novo envio postal da notificação "nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo.se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada". A mesma norma salvaguarda a possibilidade de provar "justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal".

Resulta dos autos que foram remetidas duas cartas dirigidas ao Oponente para que aquele exercesse o seu direito de participação anterior à reversão, sendo aquelas remetidas para a morada do seu representante fiscal, tendo ambas sido devolvidas ao OEF.

Ora, a primeira carta veio devolvida com a menção "Desconhecido", o que desde logo indiciava que da segunda carta constaria a mesma menção, o que veio, de facto, a acontecer. Assim, e de igual modo, a segunda carta, remetida com aviso de recepção, dirigida ao Oponente, e não, em conformidade com o alegado, a J ……………………….., na qualidade de representante do Oponente), foi devolvida.

Ora, encontrando-se ambas as cartas em poder da Administração Tributária, é certo que o Oponente as não recebeu.

A respeito desta questão, invocamos a fundamentação expendida no acórdão proferido em 12 de Maio de 2016, no processo n.º 04627/11, pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), a que aderimos e de cujo teor, com plena aplicação ao caso dos autos, se extrai:

(…)

E daí que a presunção legal da notificação por via postal de acto administrativo só possa funcionar se a carta não vier devolvida.

Por conseguinte, recaindo o dever de notificação sobre a administração pública, sobre a qual impende o ónus de diligenciar pela sua efectiva concretização, de forma a levar o acto ao conhecimento do seu destinatário, não pode dar-se como concretizada a notificação efectuada através de uma carta que, comprovadamente, veio devolvida e que não chegou, assim, à esfera de cognoscibilidade do respectivo destinatário.

Em suma, atendendo à função garantística que a notificação representa e ao papel integrativo de eficácia que se lhe reconhece, cremos que qualquer outra afirmação se torna inviável, por inexistência da necessária situação objectiva de certeza legal da cognoscibilidade do acto notificando.

(…)

Acresce dizer, como bem nota o Exmº Magistrado do Ministério Público, que também o Tribunal Constitucional, apreciando a questão sobre os termos em que deve ser assegurada a cognoscibilidade do acto notificando, tem entendido que não recai sobre o destinatário o ónus de diligenciar por esse conhecimento, mas sim sobre a Administração.

(…)

Assim sendo, e por da factualidade assente resultarem contornos fácticos idênticos aos analisados no acórdão citado – em concreto a devolução das cartas, ora, como se conclui no acórdão citado, "a falta de notificação para o exercício do direito de audição gera, no caso, a invalidade do despacho de reversão proferido que se traduz na anulabilidade do despacho".

Pelo exposto, haverá que concluir que não foi assegurado o direito de audição prévia do Oponente e determinar a anulação do despacho de reversão, com as consequências subsequentes na tramitação da instância executiva, no que ao ora Oponente respeita.

(…)”

De acordo com as conclusões transcritas, insurge-se, desde logo, a Fazenda Pública contra tal por considerar que “tendo sido a notificação para o exercício do direito de audição efectuada por duas vezes através de carta registada com aviso de recepção dirigida ao domicílio fiscal do Oponente e em conformidade com a informação facultada pelo mesmo, e não resultando dos autos qualquer justo impedimento ou impossibilidade de comunicação da mudança de residência, funciona a presunção em desfavor do mesmo”. Para mais, “não demonstrando o Oponente o facto de não lhe ter sido imputável a falta de notificação, tem-se a mesma por validamente efectuada, em conformidade com a presunção acima descrita, a qual, (…), não foi ilidida”. Assim, conclui a Recorrente que “o presente procedimento de notificação satisfaz, na íntegra, o ónus que impende sobre a administração tributária em cumprir o dever de notificar, colocando a informação ao dispor do interessado e cumpre também o interesse do Oponente em conhecer os actos susceptíveis de se repercutirem na sua esfera jurídica”.

Vejamos.

Dispõe o nº 4 do artigo 23º da LGT que “a reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação”.

Por seu turno, o artigo 60º, nº 4 da LGT preceitua que “o direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte”.

Temos, pois, que a reversão é precedida de audição do revertido e, bem assim, que a notificação para tal exercício deve ser feita por carta registada.

No caso - não oferece dúvidas – a Administração Tributária (AT) optou voluntariamente por uma forma de notificação mais exigente, isto é, recorreu ao correio registado com aviso de receção (AR), quando apenas lhe era exigido o recurso ao correio registado simples. Apesar de o AR não ser, neste caso, legalmente exigido, nada obsta à sua utilização, a qual se traduz em garantias acrescidas na comunicação, para além das que o simples registo já encerra.

Assim, tendo sido remetido o primeiro ofício para notificação do projeto de despacho de reversão através de carta registada com AR, teremos que convocar as normas legais aplicáveis a esta forma de notificação.

E aqui rege o disposto no artigo 39º, nºs 3 a 6 do CPPT, nos termos dos quais:

“3 - Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

4 - O distribuidor do serviço postal procederá à notificação das pessoas referidas no número anterior por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial.

5 - Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.

6 - No caso da recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.”

Ora, segundo a Recorrente, frustrada a primeira tentativa de notificação através de carta registada com AR, foi efetuada nova notificação nos 15 dias seguintes, tudo de acordo com o transcrito nº 5 do artigo 39º. Para a Fazenda Pública, a notificação deve presumir-se efetuada, posto que não vem invocado justo impedimento para seu recebimento, nem a impossibilidade de comunicação da mudança de residência.

Adianta-se, desde já, que a Fazenda Pública nenhuma razão tem no caso concreto.

Vejamos em detalhe as razões para assim entendermos, tendo presente o quadro legal aplicável que deixámos evidenciado e, bem assim, as ocorrências factuais que rodearam a notificação para o exercício do direito de audição no caso em apreciação.

Como refere J. Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, I Volume, Áreas Editora, págs. 384 e 385, “No n.º 5 deste artigo prevê-se que, quando o aviso de recepção for devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a receber a carta ou não a ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, seja efectuada nova notificação nos 15 dias seguintes à devolução, também por carta registada com aviso de recepção.

Mesmo que esta segunda carta não seja recebida ou levantada, presume-se efectuada a notificação, apenas podendo ser ilidida a presunção se o notificando provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal. Para funcionar a presunção de recebimento da segunda carta com a notificação, é necessário, naturalmente, que ambas tenham sido bem endereçadas.

Esta restrição da possibilidade de ilidir a presunção referida pode suscitar algumas dúvidas de compatibilidade com o direito constitucional à notificação dos actos lesivos (art. 268.°, n.° 3, da CRP), na medida em que pode conduzir a que sejam dadas como efectuadas notificações que se comprova que não o foram.

Por isso, justificar-se-á que se análise o condicionalismo em que esta presunção pode funcionar e em que pode ser ilidida.

Esta presunção funciona nos casos de o destinatário se ter recusado a receber a notificação; ou não ter levantado a carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou alteração do seu domicílio fiscal.

De harmonia com o disposto no n.° 6 deste artigo, na redacção introduzida pelo DL n.° 160/2003, de 19 de Julho, nestas situações de recusa ou não levantamento da carta, a notificação presume-se feita no 3.º dia útil posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. Embora se faça aqui referência às situações de recusa e de não levantamento da carta que estão previstas, com esta terminologia, para o primeiro envio de carta referido no n.° 5 deste artigo, a presunção estabelecida no n.° 6 não pode deixar de reportar-se apenas à segunda carta, expedida 15 dias após a devolução da primeira, uma vez que, por um lado, é apenas relativamente a esta segunda carta que este n.º 5 estabelece uma presunção de recebimento e, por outro lado, não se justifica o estabelecimento da data de um recebimento presumido para a primeira carta, por a lei não lhe atribuir outro relevo que não seja o de viabilizar a utilização da segunda e, para este efeito, não é relevante a data da recusa ou do não levantamento, pois o prazo para o envio da segunda carta conta-se a partir da data da devolução da primeira. Aliás, no próprio preâmbulo do DL n.° 160/2003, esclarece-se que a intenção que presidiu a esta alteração foi a de «clarificar quando se considera efectuada a notificação nos casos de repetição da mesma por carta registada com aviso de recepção».

Temos, assim, e em síntese, atento o disposto nos nºs 5 e 6 do artigo 39º do CPPT, que a presunção legal de notificação nos casos em que ocorre a devolução de carta registada com aviso de receção e em que este não se mostre assinado, só funciona em duas situações, a saber: recusa do destinatário em receber a carta e não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais sem que se comprove que, entretanto, o contribuinte comunicou alteração do seu domicílio fiscal (vide acórdão STA 21/0508, recurso 01031/07; acórdão STA 08/0709, recurso 0460/09).

Ora, no caso, pelas razões que se apontam, a presunção prevista no nº 5 e 6 do artigo 39º do CPPT nunca poderia operar.

Em primeiro lugar, deve dizer-se que qualquer um dos ofícios de comunicação do projeto de despacho de reversão (alíneas c) e g) dos factos provados) foi incorretamente dirigido ao Oponente, aqui Recorrido, e não a J……………………………, pessoa que, em maio de 2013, constava do cadastro como sendo representante fiscal do Frederico Silva que, naquela data, residia em Espanha. Temos, assim, que qualquer um dos referidos ofícios foi para a morada do representante fiscal, mas dirigido ao Oponente.

Em segundo lugar, e diretamente relacionado com o ponto anterior, qualquer umas das cartas de notificação foi devolvida com a indicação de desconhecido, o que não se estranha face à circunstância referida de a morada para a qual as mesmas foram dirigidas (R. ………….., R/C, ……………), não ser o endereço do F…………. mas sim a o J……………….

Temos, assim, que nenhum dos ofícios chegou ao conhecimento do visado, sem que tal lhe seja imputável. Com efeito, se as cartas vieram devolvidas por o destinatário ser desconhecido na morada, se não foram dirigidas ao representante fiscal constante do cadastro, se não chegaram (nem podiam chegar, por terem sido devolvidas) à esfera de cognoscibilidade do executado, não pode aqui atuar a presunção de notificação da segunda carta, tal como se prevê nos nºs 5 e 6 do artigo 39º do CPPT.

Não estamos perante um caso de recusa de recebimento, nem de não levantamento do expediente postal nos correios, nem da falta de indicação atempada de qualquer alteração à morada a utilizar para efeitos de notificação (no caso, alteração da morada do representante), pelo que a nenhum título – repete-se – pode a AT lançar mão da presunção de notificação prevista para o envio da 2ª carta com AR.

No caso, aliás, bastava à AT ter dirigido o objeto postal para o representante fiscal para, com grande probabilidade, não ter havido qualquer devolução por motivo de desconhecimento do destinatário.

Temos, pois, que não pode ter-se como notificado o projeto de reversão remetido através de correio registado com AR que, como os elementos documentais comprovam, foi devolvido e que, como tal, não chegou ao conhecimento do seu destinatário.

Ora, cabendo à FP, aqui Recorrente, a prova da concretização da notificação do ato em questão e não tendo, nos termos expostos, logrado demonstrar tal notificação, tal só pode levar-nos a concluir, como decidido, pela preterição do direito de audição prévia à reversão, em violação, portanto, dos já citados artigos 23º e 60 da LGT.

Portanto, e até aqui, há que julgar improcedentes as conclusões atinentes à questão que vimos de analisar, mantendo a sentença que assim decidiu.


*


Nas conclusões XVI e seguintes, a Recorrente vem apelar ao princípio do aproveitamento do ato, defendendo que “ainda que o Oponente não tivesse sido notificado para efeitos do exercício direito de audição prévia à reversão, tal não implica, necessariamente, que tenha de ser anulado o despacho de reversão e absolvido o Oponente da instância executiva”. Com efeito, sustenta a Fazenda Pública que “compulsadas as circunstâncias concretas do caso em apreço, verificamos que, para o processo de execução fiscal ora em apreço, já tinham sido carreadas pelo órgão de execução fiscal, em momento anterior ao exercício do direito de audição, todos os elementos probatórios tendentes a dar como verificados os requisitos legalmente previstos para efeitos da efectivação a responsabilidade tributária subsidiária a que alude o artigo 24.º da LGT”. Assim sendo, “quaisquer outros argumentos ou elementos que o ora Oponente, eventualmente, poderia trazer aos autos de execução em sede de direito de audição prévia não teriam a virtualidade de contrariar ou, por qualquer forma, melindrar, os elementos que já tinham sido recolhidos pelo órgão de execução fiscal”.

Vejamos o que se nos oferece dizer a este propósito.

Fazendo o devido enquadramento da questão, lançamos mão de jurisprudência do STA que aborda precisamente a questão aqui em discussão, em termos que acompanhamos integralmente. Trata-se de acórdão de 20/03/19, proferido no processo nº 1437/14.3 BELRS, cujo discurso fundamentador passamos a transcrever naquilo que para aqui releva.

“A Lei Geral Tributária consagra, no seu artigo 60.°, o princípio de participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, consubstanciado no direito de audição prévia, anterior à verificação das situações prefiguradas nas alíneas a) a e) do seu n.º 1.

Este direito de audição do contribuinte constitui, assim, um corolário do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes digam respeito, consagrado no artigo 267.°, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

Aliás, esta concretização do princípio da participação foi consagrada na LGT em termos idênticos ao princípio do contraditório regulado no artigo 45.° do CPPT e aos princípios da participação e da audiência, proclamados, respetivamente, nos artigos 8.° e 100.° a 103º, todos do CPA de 1991, diploma que se encontrava em vigor à data da prolação do despacho de reversão em causa.

Sucede que a participação dos contribuintes pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, entre outras formas, pelo exercício do direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, conforme dispõe o artigo 60.°, n.º 1, alínea b), da LGT.

Acresce que a audição é dispensada se a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição for favorável ao contribuinte (v. o n.º 2 do citado preceito).

Em adição, os elementos novos suscitados na audição do contribuinte são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão, conforme estabelece o n.º 7 do mesmo artigo 60.º (sobre a interpretação deste preceito, cfr. o acórdão do STA, de 07/06/2017, tirado no processo 0354/15.

O que significa que o direito de participação não assume natureza meramente formal, ou seja, não se queda pelo simples cumprimento de uma obrigação legal de notificação do contribuinte a fim de se pronunciar sobre o projeto de decisão, mas, ao invés, reveste uma função conformadora da própria decisão a proferir pela administração tributária (neste sentido cfr. o acórdão de 19/04/2017, no Processo nº 01114/16).

Ademais, a falta de audição dos interessados, quando obrigatória, constitui um vício formal que se repercute na decisão final do procedimento, podendo conduzir à sua anulação.

E, em abono da tese da imperatividade do exercício do direito de audição e bem assim sobre as suas repercussões no âmbito do procedimento tributário, poderemos invocar, inter alias, o entendimento que emerge dos acórdãos de 19/04/2017, no processo n.º 01114/16, de 24/10/2007, no processo n.º 0429/07 e de 06/12/2006, no processo n.º 0496/06.

Todavia, importa acentuar que, pese embora o incumprimento e/ou a deficiente observância do direito de audição, a sua omissão não acarreta, inapelavelmente, a anulação do ato proferido.

É o que decorre do princípio do aproveitamento do ato que, à data do despacho de reversão em causa, era reconhecido e aplicado pela jurisprudência, mas que não se mostrava positivado, sendo que, atualmente, se encontra contemplado na norma do n.º 5 do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de janeiro, que entrou em vigor em 08/04/2015.

Porém, o ato final só não será inválido se tal irregularidade conseguir degradar-se em formalidade não essencial (neste sentido, por todos, vide os atrás mencionados acórdãos de 24/10/2007, tirado no processo n.º 0429/07 e de 06/12/2006, no processo nº 0496/06).

Assim, esta manifestação do princípio do aproveitamento do ato não pode valer a todo e custo e sem limites.

Na verdade, há que chamar aqui à colação a jurisprudência emanada deste Supremo Tribunal, mormente no acórdão de 10/11/2010, no processo n.º 0671/10, nos termos da qual “( ... ) III - Não afastam a relevância do vício de violação do direito de audiência os factos de, depois de efetuadas as liquidações, o contribuinte ter tido oportunidade de as impugnar judicialmente e ter sido ouvido no âmbito da reclamação graciosa. IV - A preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente”.

Com efeito, de acordo com o princípio do aproveitamento do ato, tal só ocorrerá se o interessado na prática do direito omitido não dispuser de qualquer elemento novo que pudesse ter influenciado a decisão que foi tomada com preterição desse direito.

(…)

Com efeito, analisado o processado, torna-se imperativo concluir, sem grande esforço exegético, que, se acaso tivesse sido realizada a referida diligência, o Recorrido poderia ter carreado novos elementos probatórios, em ordem à fixação de matéria de facto com relevo para a tomada da decisão de reversão e, desse modo, contribuir para modelar a exata conformação desse despacho.

Assim, a irregular observância do direito de audição, por banda da Recorrente Fazenda Pública, constituiu a preterição de uma formalidade essencial e daí que não possa degradar-se em não essencial”. – fim de citação.

Nesta linha de entendimento, evidencia a doutrina que “este princípio apenas poderá ser aplicado em situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto, o que conduz, na prática, à sua restrição aos casos em que não esteja em causa a fixação de matéria de facto relevante para a decisão” (Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição).

No caso em apreço, em que o ato sindicado corresponde ao despacho de reversão operante da responsabilidade subsidiária de administrador, não restam dúvidas que não estamos perante uma situação legal evidente ou perante uma atividade vinculada, não se podendo afirmar a insusceptibilidade de a participação do interessado/administrador nominal influenciar a decisão final, quanto ao seu sentido e fundamentos.

Analisando a p.i vemos que aí vem questionado, precisamente e além do mais, o exercício efetivo da administração por parte do visado, no período temporal relevante no caso e, bem assim, a alegada insuficiência do património da devedora originária para solver a dívida, tudo de molde a afastar a efetivação da responsabilidade subsidiária.

Nesta medida, parece-nos claro que a participação do potencial revertido na fase anterior à reversão era suscetível de contribuir para a alteração do projeto de decisão, na fase do procedimento de reversão, através da junção de elementos de prova e/ou requerendo a produção de outros, como a prova testemunhal.

A aplicação em concreto do princípio do aproveitamento do ato, traduzindo uma limitação ao exercício de direitos (no caso, de audição prévia), deve ser feita com especiais cautelas e requisitos apertados, só se justificando – repete-se – quando se possa concluir pela insusceptibilidade de influenciar a decisão final. Como, em síntese, se escreveu no acórdão do STA, de 24/10/12, no processo n 548/12, “a preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final, o que acontece em geral nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente (Cfr. Acórdão do STA de 15/2/2007, proc nº 1071/06.) ou se trate de actividade administrativa vinculada. E, mesmo aqui, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal que “(…) pode ainda ser possível, em certos casos de actividade vinculada, admitir a influência da participação do interessado no sentido daquela. Consequentemente, a formalidade em causa (essencial) só se degrada em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que a audiência prévia não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto - utile per inutile non viciatur - já que, como se salientou, a audiência dos interessados não é um mero rito procedimental.” (cfr. o Acórdão de 14/5/2003, recurso nº 317/03)”.

Em suma, e sem necessidade de nos alongarmos, conclui-se que não pode afirmar-se com segurança, como a Recorrente pressupõe, que o despacho de reversão teria de apresentar necessariamente o conteúdo que veio a ter, ainda que sem a observância do direito de audição.

Em face do exposto, o recurso não merece provimento, devendo a sentença recorrida ser mantida, pois que, com acerto, julgou procedente a oposição à execução fiscal.

Consequentemente, fica prejudicado o conhecimento de qualquer outra questão.


*


Nos termos do artigo 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

No caso, face à simplicidade das questões apreciadas, todas devidamente tratadas na doutrina e na jurisprudência sobre a matéria, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no artigo 6º, nº 7, do RCP.


*


III - Decisão


Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os € 275.000,00.

Registe e notifique.

Lisboa, 07/12/21


__________________________

(Catarina Almeida e Sousa)

_________________________

(Isabel Fernandes)

_________________________

(Jorge Cortês)