Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:947/20.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/08/2021
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS;
DOCUMENTO COMPROVATIVO DO LICENCIAMENTO DA ACTIVIDADE;
REGISTO E LICENCIAMENTO NA ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE;
RECTIFICAÇÃO DAS PEÇAS DO PROCEDIMENTO;
COMPETÊNCIA PARA RECTIFICAR AS PEÇAS DO PROCEDIMENTO;
PRAZO PARA A ALTERAÇÃO DAS PEÇAS DO PROCEDIMENTO;
AJUSTE DIRETO.
Sumário:I – A exigência de apresentação de um documento comprovativo do “licenciamento da entidade nos termos da legislação aplicável”, juntamente com a proposta, não pode enquadrar-se no art.º 57.º, n.º 1, al. c), do Código dos Contratos Públicos (CCP);
II – O indicado documento não comprova os termos ou condições, relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência, mas relaciona-se, sim, com a comprovação de um requisito legalmente exigido para o acesso e exercício da actividade de prestação de serviços, que só poderia ser pedido em fase de habilitação;
III – Nos termos dos art.ºs 4.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 2, dos Estatutos da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22/08, 2.º, 3.º e 7.º a 10.º, do Regulamento n.º 66/2015, de 26/11/2014, 1.º, 2.º e 4.º a 12.º, do Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22/08, uma empresa que se apresenta frente a um Centro Hospitalar, no âmbito de um procedimento de contratação pública, como prestadora de serviços de telerradiologia para leitura de exames de TAC do Corpo e enquanto “um conjunto de meios organizado para a prestação de serviços de saúde”, deve estar registada e deter o respectivo licenciamento junto da ERS;
IV - O CCP, na actual redacção, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31/08, permite quer a rectificação quer a correcção de erros - ainda que manifestos e ostensivos – das peças do procedimento, desde que tais rectificações e correcções sejam feitas pela entidade competente e dentro dos prazos legais;
V- Porém, nos termos dos art.ºs 50.º, n.ºs 2, al. a), 7, 69.º, n.º 2 e 116.º, do CCP, a rectificação das peças do procedimento tem de ser efectuada pelo órgão competente para a decisão de contratar (cf. também os art.ºs 40.º, n.º 1, al. a), 2, 116.º do CCP);
VI – Igualmente, essa rectificação tem de ser feita nos prazos legalmente definidos, no caso, relativo a um ajuste directo, até ao dia anterior ao termo do prazo fixado para a apresentação da proposta – cf. art.º 116.º do CCP;
VII - O estabelecimento pelo CCP de um prazo limite até ao qual as peças do procedimento podem ser rectificadas ou alteradas visa a salvaguarda dos princípios da estabilidade das regras concursais, da transparência, da igualdade, da boa-fé e da tutela da confiança;
VIII- Ultrapassado tal prazo limite, a alteração das peças do procedimento nos seus aspectos fundamentais já não poderá ocorrer. Se por circunstâncias supervenientes essa alteração for necessária, determinam os art.ºs. 79.º, n.ºs 1, al. c), 3, 80.º do CCP, que cumpre à entidade adjudicante extinguir o procedimento e dar início a um novo no prazo máximo de 6 meses, a contar da decisão de não adjudicação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

O Centro Hospitalar do Porto, EPE (CHP) interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou procedente a acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual e anulou o acto do Conselho de Administração (CA) do CHP, de 13/05/2020, de adjudicação dos lotes 2 e 3, relativos à “Consulta prévia n.° 50/2020 - Contratação de Serviços de Telerradiologia para Leitura de Exames TAC de Corpo”.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:” 1ª Uma retificação das peças do procedimento que se limite a ajustar o teor do convite à legalidade administrativa e seja ratificada a posteriori pela entidade adjudicante, através do despacho de adjudicação, não deve reputar-se subsumível àquela previsão da norma do artigo 69°/2 do CCP sobretudo quando realizada em oportunidade que não contenda com a transparência e a publicidade, por ocorrer antes do termo do prazo de apresentação das propostas;
2ª O n° 3.1 b) do Convite ao adotar a redação segundo a qual se exige o «Licenciamento da Entidade nos termos da legislação em vigor» não se harmoniza com o raciocínio da sentença recorrida reportado ao «licenciamento do estabelecimento» o que constitui uma situação jurídica distinta daquela reportada ao «licenciamento» ou registo da entidade; trata-se de situações distintas, a inscrição ou registo do profissional na ERS como prestador de serviços daquela outra de registo de um estabelecimento de prestação, e onde se prestam cuidados de saúde;
3ª E o licenciamento no sentido de «registo» da entidade na ERS ou na Ordem dos Médicos constitui um requisito habilitacional e não uma condição de admissibilidade das propostas;
4ª A exigência de um estabelecimento comercial em sentido restrito, de um espaço físico onde exerçam a atividade médicos de radiologia, praticando atos de teleradiologia, essa sim seria uma exigência restritiva da concorrência por favorecer grandes grupos, em reduzido número no panorama nacional, em detrimento de profissionais que, sendo dotados de diferenciação habilitacional - na subespecialidade de teleradiologia - estão aptos a intervir no mercado, violadora do princípio de promoção da concorrência.
5ª Ao ter decidido como o fez, não obstante o aparente acerto, desviou-se a douta sentença recorrida da correta interpretação das normas do regime jurídico da ERS onde se determina a obrigatoriedade de licenciamento do estabelecimento, mas se impõe o mero registo dos profissionais médicos não detentores de qualquer estabelecimento, que estão fora do âmbito de regulação da ERS, conforme resulta da alínea a) do n° 3 do artigo 4° do Dec-Lei n° 126/2014, de 22-08;
6ª Impondo-se, por isso, a sua revogação.”

O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1. Não merece qualquer reparo a douta Sentença recorrido, o qual deverá ser mantida nos precisos termos em que foi exarada pelo Tribunal a quo.
2. A decisão de adjudicação dos Lotes 2 e 3 às contrainteressadas padece de vícios inultrapassáveis e só poderá reafirmar-se a decisão de adjudicação.
3. A atividade a exercer pelo(s) cocontratante(s) do contrato a celebrar encontra- se sujeita à regulação da ERS, na medida em que constitui(em) estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, em face do previsto no artigo 4.°, n.° 2, dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.° 126/2014, de 22 de agosto (doravante, referidos por "Decreto-Lei n.° 126/2014").
4. Assim, por se encontrarem sujeitas à atividade de regulação e fiscalização exercida pela ERS, as CONTRAINTERESSADAS encontram-se sujeitas à obrigação de registo, nos termos determinados no artigo 26.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 126/2014, que dispõe o seguinte: "3 - As entidades responsáveis por estabelecimentos sujeitos à regulação da ERS estão obrigadas a inscrevê-los no registo previamente ao início da sua atividade, bem como a proceder à sua atualização, no prazo de 30 dias a contar de qualquer alteração dos dados do registo"
5. Resulta, por conseguinte, evidente que as CONTRAINTERESSADAS se encontram sujeitas à obrigação de registo no Sistema de Registo de Estabelecimentos Regulados, prévio ao início do exercício da sua atividade.
6. De igual modo, encontram-se sujeitas à obrigação de registo de licenciamento do local onde se propõe a prestação de serviços.
7. Seguidamente, para os estabelecimentos de prestação de cuidados de saúde à distância, que usem meios de transmissão de dados, exige-se, de acordo com o previsto no artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 66/2015 da ERS, de 11 de fevereiro (doravante, referido por "Regulamento n.° 66/2015") igualmente o seu registo.
8. Com efeito, a obrigação de registo prende-se com as missões e atribuições da ERS, inscritas no artigo 5.°, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.° 126/2014, que se transcreve: "1 - A ERS tem por missão a regulação, nos termos previstos nos presentes estatutos, da atividade dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde. 2 - As atribuições da ERS compreendem a supervisão da atividade e de funcionamento dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, no que respeita: a) Ao cumprimento dos requisitos da atividade e de funcionamento, incluindo o licenciamento dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde nos termos da lei; b) À garantia dos direitos relativos ao acesso aos cuidados de saúde, à prestação de cuidados de saúde de qualidade, bem como dos demais direitos dos utentes"
9. Assim, dispõe o artigo 3.°, do Regulamento n.° 66/2015, o seguinte: "o registo no SRER destina-se a dar publicidade e a declarar a situação jurídica dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde sujeitos à jurisdição regulatória da ERS, tendo em vista o cumprimento das atribuições da ERS, e constitui condição de abertura e funcionamento dos mesmos.
10. Destarte, a tarefa de supervisão da ERS apenas pode ser exercida quanto aos estabelecimentos registados.
11. O registo dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde revela-se, por conseguinte, de crucial importância.
12. Porém, como bem assinala a douta sentença recorrida, não pode o júri retificar as peças do procedimento, conforme dispõe o n.° 2 do art.° 69.° do CCP.
13. Ou seja, desconsiderar uma exigência constante do Convite, num momento em que são conhecidas e avaliadas todas as propostas e a falta de junção do documento comprovativo do registo do estabelecimento pelas C.I.s, não constitui matéria da competência do júri.
14. E tratando-se de matéria indelegável no júri, por parte da entidade adjudicante, face ao mencionado preceito legal, este vício acarreta a invalidade da decisão final, pois que equivale a uma renúncia ao exercício de uma competência pela entidade demandada.
15. Acresce que, a qualificação da exigência do documento comprovativo do licenciamento do estabelecimento dos concorrentes, constante da al. b) do ponto 3.1. do Convite como lapso que terá passado inadvertido aquando do envio do Convite, na verdade, respeita a aspeto fundamental desta peça do procedimento pois que o cumprimento ou não de tal exigência constitui uma condição de admissão dos concorrentes.
16. A sua desconsideração em momento em que é conhecido que as duas Contrainteressadas não cumpriram tal exigência equivale a admiti-las em clara violação de uma condição previamente anunciada e que outros concorrentes, face ao conhecimento da mesma, poderão não ter respondido ao Convite por saberem que não estavam em condições de demonstrar o seu cumprimento, violando-se deste modo a matriz dos princípios gerais da contratação pública, na vertente, da igualdade, concorrência e transparência.
17. As concorrentes H........., Lda e M........., Lda, são empresas com estabelecimento como consta do registo comercial. A exigência de registo na ERS aplica-se-lhes nos termos anteriormente mencionados, irrelevando que os seus profissionais qualificados, a afetar à prestação, não necessitem de usar o local onde se situa esse estabelecimento para desempenhar a atividade a contratar, pois que tais profissionais não são concorrentes, mas sim as sociedades comerciais identificadas.
18. E assim, a sentença, julga do sentido da anulação do ato administrativo impugnado, referindo que, atento tal conhecimento do vício, "Fica, assim, prejudicado, o conhecimento dos demais vícios invocados.".
19. Pese embora não o douto tribunal não tenha conhecido dos demais vícios, a verdade é que o ato padece também do vício de violação do princípio da imutabilidade das peças do procedimento, como alegado pela ora Recorrida.
20. Conclui a Recorrida, não merecer qualquer reparo a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, devendo a mesma ser mantida nos exatos termos em que foi exarada, reafirmando-se a anulação do ato de adjudicação dos lotes 2 e 3 pela entidade demandada/Recorrente às contrainteressadas, por padecer de inultrapassável vício de ausência de registo das contrainteressadas.”

O DMMP não apresentou pronúncia.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto, que se mantém:
1 - As duas contrainteressadas indicadas na p.i., vêm prestando os serviços objeto do presente procedimento, por ajuste direto, cf. consta do parecer jurídico junto com o processo instrutor, cf. p. 6 do pdf incorporado a fls 84 do processo virtual;
2 - De acordo com o Convite, o prazo de apresentação das propostas é o seguinte:
2.2 Apresentação das Propostas
2.2.1 Os elementos que constituem a proposta deverão ser enviados para os emails em rodapé, até às 18h00 horas 20/03/2020.
3- Ainda de acordo com o Convite, os
2.3 Elementos da Proposta
Da proposta devem constar todos os elementos necessários à análise das propostas, devendo ser elaborada tendo em conta três componentes:
a) Componente Económica:
• Preços unitários por exame, sem IVA;
• Preço Total do lote, sem IVA
• Valor Global da Proposta, sem IVA;
• Menção ao IVA aplicado;
b) Componente Técnica:
• Corpo Clínico associado aos lotes/posições a concurso;
• Indicação do contacto telefónico do médico, no período dentro do qual decorre a prestação de serviços, que esclarecerá as dúvidas dos médicos do CHUP;
c) Componente Logística:
• Prazo máximo de resposta de cada tipo de exame/relatório, se inferior ao tempo máximo fixado
• Proposta de solução e tempo de resposta em caso de necessidade de revisão dos relatórios apresentados;
Notas: Para além dos dados atrás referidos, na proposta devem referir outros aspetos considerados relevantes para a avaliação da proposta.
4- Constava ainda do Convite que
3. DOCUMENTOS
3.1 Documentos que acompanham a proposta
A proposta é acompanhada pelos seguintes documentos:
a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do Caderno de Encargos, elaborado em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao presente programa;
b) Licenciamento da Entidade nos termos da legislação em vigor
Os documentos que acompanham a proposta devem ser assinados, pela pessoa com competência para o efeito.
5 - No Convite foi ainda indicado o seguinte:
3.2 Processo de Avaliação das Propostas
O processo de avaliação das propostas será levado a cabo por um Júri de Avaliação de Propostas nomeado pelo Conselho de Administração do CHUP para o presente procedimento de aquisição. A avaliação será feita tendo em conta o critério de adjudicação previsto no caderno de encargos.
3.3Preço Base
O preço base do procedimento são os referidos nas posições do ponto 3 do caderno de encargos.
3.4Avaliação das Propostas
As propostas que não respeitem os requisitos expressos no presente convite e respetivo Caderno de Encargos serão excluídas na fase inicial do processo de avaliação das propostas. As restantes, serão objeto de uma avaliação segundo os critérios definidos.
6- Do Caderno de Encargos constava que:
1- ÂMBITO
O presente procedimento visa a Contratação de Serviços de Telerradiologia para Leitura de Exames de TAC de Corpo do CHUP.
2.DURAÇÃO E VIGÊNCIA DO CONTRATO
O(s) Contrato(s) resultante da presente Adjudicação será válido até 31/12/2020, com possibilidade de ; renovações anuais.
3.LOTES DO PROCEDIMENTO
No âmbito do presente procedimento são lançados a concurso 3 lotes para a realização de relatórios de exames de TAC, provenientes da Urgência e Consulta Externa.
LOTE 1 - Relatórios TAC Urgência e Consulta


4. CRITÉRIO DE AVALIAÇÃO DAS PROPOSTAS
A adjudicação será feita de acordo com o preço mais baixo. A avaliação será feita lote a lote.
Os concorrentes poderão apresentar proposta apenas para um Lote ou para os vários Lotes, sendo que têm que concorrer a todas as posições de cada lote, sob pena de exclusão.

6. ELEMENTOS DA PROPOSTA
• Preço unitário por exame sem IVA;
• Preço total do lote;
• Taxa de IVA se aplicável;
• Prazo máximo de resposta de cada tipo de exame/relatório, se inferior ao tempo máximo fixado;
• Corpo Clínico associado aos lotes/posições a concurso;
• Proposta de solução e tempo de resposta em caso de necessidade de revisão dos relatórios apresentados;
• Indicação do contacto telefónico do médico, no período dentro do qual decorre a prestação de serviços, que esclarecerá as dúvidas dos médicos do CHUP;
• Outros elementos que considerem relevantes para a apreciação da proposta.
7- No último dia do prazo de apresentação de apresentação das propostas foi enviado a destinatários desconhecidos, com conhecimento à Senhora Presidente do Júri, o seguinte e-mail: 
«imagem no original»


Cf. p. 39 do pdf que constitui o processo administrativo, incorporado a fls 84 do processo virtual;
8- Não consta do p.a. ter existido qualquer reunião do Júri relativa a tal matéria;
9- As duas contra-interessadas indicadas na p.i. não instruíram as suas propostas com o documento exigido na a. b) do ponto 3.1. do Convite (acordo e ausência de tais documentos no processo administrativo);
10- Nenhuma das propostas apresentadas pelas CONTRAINTERESSADAS contêm quer o registo como prestador de serviços de saúde ou sequer o registo de licenciamento do local onde se propõem realizar a prestação de serviços, conforme resulta da pesquisa efetuada ao registo público de prestadores de cuidados de saúde, da ENTIDADE REGULADORA DE SAÚDE (doravante, abreviadamente referida por “ERS”), bem como da pesquisa efetuada no sítio da internet dessa entidade reguladora (acordo);
11- Após a apresentação da proposta aos três lotes pela AUTORA, foi emitido pelo Exmo. Júri do Procedimento o competente relatório preliminar, no qual foi proposta a adjudicação do primeiro lote à AUTORA, pelo preço global de €94.500,00. Quanto aos restantes lotes, foi proposta pelo Exmo. Júri do Procedimento a adjudicação do lote 2 à CONTRAINTERESSADA H......... - SERVIÇOS MÉDICOS DE RADIOLOGIA, pelo preço global de €29.682,00 e foi proposta a adjudicação do lote 3 à CONTRAINTERESSADA M........., LDA., pelo preço global de €97.291,00.
12- A AUTORA apresentou a sua pronúncia em sede de audiência dos interessados, na qual peticionou a exclusão das propostas das CONTRAINTERESSADAS e a adjudicação dos lotes 2 e 3 à AUTORA, cf. doc. 4 junto à p.i.;
13- O júri solicitou parecer jurídico sobre a exigência prevista na al. b) do ponto 3. do Convite, tendo sido emitido o seguinte parecer:
Assunto: CPR n° 50/2020 para «Contratação de serviços de teleradiologia para leitura de exames de Tac de corpo»; pronúncia da concorrente I........., SA; prossecução do procedimento.
Coloca-nos o Exmo Júri do procedimento em refª , através do Serviço de Aquisições, a análise e ponderação dos aspectos jurídicos da pronúncia de uma concorrente.
Com efeito, no exercício do seu direito de audiência prévia, vem a concorrente I........., SA insurgir-se contra o teor do relatório preliminar do Júri, concluindo por pedir a exclusão das propostas apresentadas pelas concorrentes H........., Lda e também M........., Lda
Em síntese, imputa à análise do Júri do procedimento o ter desconsiderado que as concorrentes em causa não se acham registadas na ERS conforme seria exigível, sendo que se acham assim em situação violadora das normas que especificam, vg as do art 26°/3 do Estatuto da ERS onde se determina que «As entidades responsáveis por estabelecimentos sujeitos à regulação da ERS estão obrigadas a inscrevê-los ...» (sublinhado nosso) e ainda as do art 2° do Dec-Lei n° 127/2014, de 22-08 onde se dispõe que «A abertura e funcionamento de um estabelecimento prestador de cuidados de saúde dependem ...»
E com o que estariam igualmente violadas as regras, vinculativas constantes dos n°s 3. E 3.4 do Convite do procedimento e por consequência as dos artigos 146°/2 e por remissão, do artigo 122° do Código dos Contratos Públicos.
Vejamos: sucede que no procedimento concursal em causa se adotou um modelo de ‘convite’ seguindo-se «por defeito» um modelo em uso nos serviços, que não se pretendeu seguir, e o qual nem sequer se mostra adaptado ao procedimento; ou seja, praticou-se o lapso de mencionar a exigência de «Licenciamento da entidade nos termos da legislação aplicável» (n° 3.1 do Convite) quando, para as posições de que são virtualmente adjudicatárias aquelas concorrentes visadas, não se exige a detenção de qualquer estabelecimento.
Tem razão a pronunciante I….., SA quando afirma que às clínicas onde se pratique a atividade de teleradiologia é exigível o licenciamento junto da ERS.
Porém, quanto aos concorrentes H........., Lda e M........., Lda, que através dos seus profissionais qualificados, a afetar à prestação, desempenharão a atividade a contratar, não carecem de qualquer estabelecimento no sentido segundo o qual «por estabelecimento prestador de cuidados de saúde, para efeitos de registo obrigatório na ERS, entende-se toda a instalação onde, com caráter profissional, sejam prestados cuidados de saúde a clientela disposta a contratar a aquisição dos seus serviços, haja ou não contacto direto com aquele» (do site da ERS), dada a natureza telemática (no sentido de acesso remoto, eletrónico a exames, cuja análise é objecto da prestação) visando o respetivo relato, sem contacto com doentes nem de trabalho de equipa.
Na verdade, aquelas pessoas colectivas H........., Lda e M........., Lda não representam senão formas societárias de enquadramento do exercício singular dos profissionais que as compõem e representam, não detendo qualquer estabelecimento / clínica, que careça de licenciamento junto da ERS.
E, esporadicamente até, para conferências com os colegas, na logística e no espaço físico do CHUP, EPE, não carecendo, pois, de «estabelecimento».
Assim, fica clarificado, e é plausível, que aquela regra do Convite constitui um lapso e, ainda, que tal lapso conflui com a circunstância relevante de não fazer sentido exigir-se a detenção de licenciamento para atividades exercidas, remotamente com acesso eletrónico, e esporadicamente até no próprio espaço e logística interna da própria entidade adjudicante, pelo que é de desatender o sentido da pronúncia da concorrente I….., SA não obstante o seu mérito intrínseco.
Conclusão: deverá o Exmo Júri, no acolhimento da presente informação, prosseguir com o procedimento, convertendo o ‘relatório preliminar' em relatório final e submetendo-o à competente adjudicação.
Tal é tudo quanto cumpre informar,
2020-05-05
O Jurista,
Cf. p. 112-114 do pdf incorporado a fls 84 do processo virtual;
14 - O Exmo. Júri do Procedimento acolheu tal parecer e converteu o relatório preliminar em relatório final e, por ratificação, o Conselho de Administração da ENTIDADE DEMANDADA, decidiu manter a ordenação das propostas, tendo adjudicado, em 13.5.2020, as propostas da CONTRAINTERESSADAS nos termos constantes do relatório preliminar, Cf. p. 116-119 e 124 do pdf incorporado a fls 84 do processo virtual;
14 - À AUTORA foi adjudicada o Lote 1 do procedimento pré-contratual objeto dos presentes autos, Cf. p. 116-119 e 124 do pdf incorporado a fls 84 do processo virtual;.
15 - O teor do relatório final do Júri é o seguinte:

«imagens no original»




16 - Não foram ainda celebrados os contratos relativos aos lotes 2 e 3 na sequência da adjudicação às Contrainteressadas (cf. p.a.).

Nos termos dos art.ºs. 662.º, n.º 1 e 665.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) e 147.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), acrescentam-se os seguintes factos, por provados:
17 – Consta do PA que o presente procedimento foi aberto por decisão do CA do CHUP de 04/03/2020, tendo sido nomeados como membros do correspondente júri P........., J........., M........., F......... e J.......... (cf. o correspondente doc. no PA, não numerado).
18 - Constam do PA os diversos mails, datados de 12/03/2020, através dos quais foram enviados os convites aos concorrentes e naqueles mails indica-se que o prazo de entrega das propostas termina às 18h de dia 20/03/2020 (cf. os referidos mails no PA).

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir do erro decisório porque a rectificação do convite pelo júri do concurso antes do termo do prazo para a apresentação das propostas - depois ratificado pela entidade adjudicante na data da adjudicação - que se limita a corrigir um lapso decorrente da indicação no ponto 3.1. da exigência de “licenciamento da entidade nos termos da legislação aplicável”, que é um requisito habilitacional e não uma condição de admissibilidade das propostas, não ofende os princípios da transparência e da igualdade.
Considera o Recorrente que para o exercício da actividade objecto da contratação não era legalmente exigível a detenção de um estabelecimento prestador de cuidados de saúde, podendo essa prestação ser executada por profissionais de saúde que não detenham tal estabelecimento físico. Logo, para o Recorrente, por aplicação dos art.ºs 4.º, n.º 3, al. a), 26.º dos Estatutos da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), constantes do Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22/08 e do art.º 10.º do Regulamento n.º 66/2015, de 02/11, a indicada exigência de licenciamento só poderia ser entendida como se referindo a um registo dos estabelecimentos na ERS, se estes existissem, ou a um registo da actividade dos profissionais.
Na decisão recorrida determinou-se a procedência da acção e, em consequência, anulou-se o acto de adjudicação dos lotes 2 e 3, por se considerar que a alteração do convite pelo júri do concurso, que não tinha competências para tal, após o início do prazo para a apresentação das propostas e relativamente a uma condição de admissibilidade das propostas, violava os princípios da igualdade, da concorrência e da transparência.
Conforme a factualidade provada, do ponto 3.1., al. b), do convite para apresentação de propostas, no procedimento de consulta prévia em apreço, constava que as propostas apresentadas deviam ser acompanhadas de documento comprovativo do “licenciamento da entidade nos termos da legislação em vigor”.
Desse mesmo convite constava um ponto 8. relativo aos “documentos de habilitação do Adjudicatário”.
No último dia do prazo para a apresentação das propostas foi enviado às empresas convidadas o mail indicado em 7), que indica que o documento referido no ponto 3.1., al. b), do convite “poderá, se aplicável, ser entregue em fase de habilitação”. Tal mail vem assinado por S........., Assistente Técnica, e nele é indicado que é dado conhecimento a P........., um dos membros do júri do concurso.
Ficou provado que não ocorreu uma reunião do júri do concurso em que se tenha decidido acerca da matéria indicada no mail supra.
As duas empresas, ora Contra-interessadas, não instruíram as suas propostas com o documento referido no ponto 3.1., al. b) do convite. Essas empresas também não têm registo como prestadoras de serviços de saúde ou registo de licenciamento do local onde se propõem prestar a realização dos serviços.
Na sequência da pronúncia do ora Recorrido em sede de audiência prévia, é elaborado um parecer por um jurista/advogado, que refere que constava do convite um lapso, decorrente do uso de um modelo anterior, não aplicável ao caso e que para a prestação dos serviços em causa não era necessária ou exigível a existência de uma “instalação onde, com carácter profissional, sejam prestados cuidados de saúde a clientela disposta a contratar a aquisição dos seus serviços”. Mais se indica em tal parecer, que os concorrentes H........., Lda e M........., Lda, são pessoas colectivas que “não representam senão formas societárias de enquadramento de exercício singular dos profissionais que as compõem e representam, não detendo qualquer estabelecimento/clinica que careça de licenciamento junto da ERS”, que as actividades em causa são desenvolvidas telematicamente e que o desenvolvimento físico destas actividades pode ser feito “esporadicamente até, para conferências com os colegas, na logística e no espaço físico do CHUP, EPE, não carecendo, pois, de «estabelecimento»”.
O júri do concurso acolheu esse parecer jurídico, decidiu manter a ordenação das propostas e adjudicou as propostas relativas aos lotes 2 e 3 às Contra-Interessadas.
Subsumindo a factualidade provada na legislação aplicável, decorre que a exigência constante do ponto 3.1., al. b), do convite, relativa à apresentação do documento comprovativo do “licenciamento da entidade nos termos da legislação em vigor” – por lapso ou não – foi inicialmente enquadrada pela entidade adjudicante no determinado nos art.ºs 57.º, n.º 1, al. c) e 115.º, n.º 1, al d), do Código de Contratos Públicos (CCP).
Entretanto, no último dia do prazo para a apresentação das propostas, a entidade adjudicante terá revisto o seu entendimento e passou a considerar que tal exigência era relativa a um documento de habilitação e, por isso, considerou que tal entrega só teria de fazer-se nessa fase – cf. art.º 81.º do CCP.
O documento em questão, que se exige no ponto 3.4 do Convite, tal como resulta do teor literal deste ponto, é comprovativo do “licenciamento da entidade nos termos da legislação em vigor”. Portanto, visará comprovar a detenção de uma permissão – de uma licença – para o exercício da actividade contratada.
Na verdade, nos termos do art.º 4.º, n.ºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22/08, que aprovou os Estatutos da ERS, “estão sujeitos à regulação da ERS, no âmbito das suas atribuições e para efeitos dos presentes estatutos, todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, do setor público, privado, cooperativo e social, independentemente da sua natureza jurídica, nomeadamente hospitais, clínicas, centros de saúde, consultórios, laboratórios de análises clínicas, equipamentos ou unidades de telemedicina, unidades móveis de saúde e termas”, ficando não sujeitos a essa regulação apenas os “os profissionais de saúde no que respeita à sua atividade sujeita à regulação e disciplina das respetivas associações públicas profissionais” e “os estabelecimentos sujeitos a regulação específica do INFARMED (…) nos aspetos respeitantes a essa regulação”.
Por seu turno, da aplicação conjugada dos art.º s 2.º, 3.º, 7.º a 10.º, do Regulamento n.º 66/2015, de 26/11/2014, que estabeleceu as regras do registo obrigatório no SRER dos estabelecimentos sujeitos à jurisdição regulatória da ERS, ficam abrangidos por tal registo não só as entidades responsáveis por estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, como, também, os “sujeitos autónomos”, sejam estes pessoas singulares ou colectivas, desde que sejam proprietários, ou que tutelem, giram, detenham ou de qualquer forma explorem um estabelecimento onde são prestados cuidados de saúde, ou que exerçam a sua actividade profissional por conta própria em estabelecimento de saúde, ou até quando exerçam a actividade por conta própria e em tempo parcial. Ficam também abrangidos por tal registo quer os estabelecimentos fixos e abertos a público, quer os estabelecimentos instalados em unidade móvel e os estabelecimentos que prestem serviço à distância, “nomeadamente os que utilizem para o efeito qualquer meio de transmissão de dados, ou de comunicação electrónica”.
Em suma, por aplicação conjugada dos art.ºs 4.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 2, dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22/08, 2.º, 3.º e 7.º a 10.º do Regulamento n.º 66/2015, de 26/11/2014, a prestação de serviços alvo contratação em questão – de serviços de telerradiologia para leitura de exames de TAC do Corpo do CHUP – exige necessariamente o registo da actividade na ERS.

Quanto à exigência de licenciamento, regula o Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22/08.
Conforme o preâmbulo deste diploma “estende-se o regime de verificação de requisitos mínimos de abertura e funcionamento a todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, independentemente da sua natureza jurídica ou entidade titular de exploração, por forma a que o cidadão disponha de um meio que ateste da conformidade com as exigências de qualidade das instalações onde são realizadas as prestações de saúde.”
Por conseguinte, por aplicação dos art.ºs 1.º, 2.º, 4.º a 12.º, do Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22/08, ficam sujeitos ao regime deste diploma e à obrigação de licenciamento - ou, no caso de estabelecimentos detidos por pessoa colectiva pública ou abrangidos pelo artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 138/2013, de 09/10, a declaração de conformidade – todos os “estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, qualquer que seja a sua denominação, natureza jurídica ou entidade titular da exploração, incluindo os estabelecimentos detidos por instituições particulares de solidariedade social (IPSS), bem como os estabelecimentos detidos por pessoas coletivas públicas”.

Para efeitos do indicado diploma entende-se por “estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, um conjunto de meios organizado para a prestação de serviços de saúde, podendo integrar uma ou mais tipologias” e por “prestação de cuidados de saúde, as atividades de promoção da saúde, prevenção da doença ou qualquer intervenção com intenção terapêutica.” – cf. art.º 1.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22/08.

O procedimento em apreço visa contratar “Serviços de Telerradiologia para Leituras de Exames em TAC de Corpo”. Pretende-se a “realização de relatórios de exames de TAC, provenientes da Urgência de Consulta Externa”.

Nos termos dos pontos 2.3 do Convite e 5. e 6. do CE, os serviços contratados apresentam uma “Componente Técnica”, exigem a indicação do “corpo técnico associado aos lotes/posições do concurso”, implicam o “acesso à rede de dados do Ministério da Saúde (RIS) através de ligação segura recorrendo a um sistema cliente VPN”, o “acesso, através de ligação aos estudos imagiológicos, de forma segura”, o “registo e validação do relatório imagiológico no sistema de radiologia do CHUP” e a elaboração, por um médico, de um relatório do resultado do exame.
Portanto, os serviços que se visam contratar constituem uma prestação de cuidados de saúde e implicarão a existência de “um conjunto de meios organizado para a prestação de serviços de saúde”.

Logo, a prestação de serviços alvo da contratação em questão – de serviços de telerradiologia para leitura de exames de TAC do Corpo do CHUP – estará, igualmente, sujeita a licenciamento nos termos do Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22/08.

No restante, admitindo-se que as Contra-interessadas não detém um estabelecimento – entendido como um “conjunto de meios organizado para a prestação de serviços de saúde” – e apresentaram proposta apenas para o “exercício singular dos profissionais” que integram os órgãos sociais da correspondente sociedade, que se apresentam perante o cliente CHUP a exercer a sua actividade profissional por conta própria e com autonomia face à sociedade que integram, dificilmente se compreende que também cumpram as exigências dos pontos 2.3 do convite e dos 5. e 6. do CE.

Em suma, nos termos dos art.ºs 4.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 2, dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22/08, 2.º, 3.º e 7.º a 10.º, do Regulamento n.º 66/2015, de 26/11/2014, 1.º, 2.º e 4.º a 12.º, do Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22/08, uma empresa que se apresenta frente a um Centro Hospitalar, no âmbito de um procedimento de contratação pública, como prestadora de serviços de telerradiologia para leitura de exames de TAC do Corpo e enquanto “um conjunto de meios organizado para a prestação de serviços de saúde”, deve estar registada e deter o respectivo licenciamento junto da ERS.

Sem embargo, essas duas exigências não se relacionam com condições de admissibilidade das propostas mas constituem, sim, requisitos habilitacionais.

Na verdade, quer a apresentação do documento comprovativo do registo na ERS, quer a apresentação de documento comprovativo do licenciamento, em ambos os casos, não se relacionam com os “termos ou condições relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, ao qual a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule” – cf. art.º 57.º, n.º 1, al. c), do CCP. Diversamente, aqueles documentos confirmarão, apenas, o preenchimento pelos concorrentes de um requisito legal de acesso e exercício da actividade, ou da titularidade das habilitações legais – cf. art.ºs 36.º, n.º 5, 70.º, n.º 2, al f) e 81.º, n.º 6, do CCP.

Nessa mesma medida, os referidos documentos não são reconduzíveis aos previstos no art.º 57.º, n.º 1, al. c), do CCP, pelo que as propostas apresentadas – dos Contra-interessados – que não vinham acompanhadas de tais documentos, não poderiam ser excluídas nos termos do art.º 146.º, n.º 2, do d), do CCP.

Em suma, há que aceitar que o ponto 3.1. do convite e a exigência da junção à proposta de documento comprovativo do “licenciamento da entidade nos termos da legislação aplicável”, corresponde a um erro na elaboração do convite, pois o invocado documento não comprova os termos ou condições relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência, mas relaciona-se, sim, com a comprovação de um requisito legalmente exigido para o acesso e exercício da actividade de prestação de serviços.

Como decorre da matéria factual apurada, para resolver tal erro foi enviado aos concorrentes no último dia do termo do prazo para a apresentação das propostas um mail, subscrito por uma assistente técnica, do qual é dado conhecimento a um membro do júri do concurso, que rectificando o convite, vem informá-los que tal documento “poderá, se aplicável, ser entregue em fase de habilitação”.

Nos termos dos art.ºs 50.º, n.ºs 2, al. a), 7, 69.º, n.º 2 e 116.º, do CCP, a rectificação das peças do procedimento tem de ser efectuada pelo órgão competente para a decisão de contratar (cf. também os art.ºs 40.º, n.º 1, al. a), 2 e 116.º do CCP).

Logo, a rectificação do convite por via do indicado mail ofende os citados preceitos legais.

No demais, o CCP, na actual redacção, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31/08, permite quer a rectificação quer a correcção de erros - ainda que manifestos e ostensivos, como ocorrerá neste caso – das peças do procedimento, desde que tais rectificações e correcções sejam feitas pela entidade competente e dentro dos prazos legais.

Isto é, ressalvado o princípio da estabilidade ou da intangibilidade das peças do procedimento, o CCP admite a rectificação de erros ou de lapsos constantes dessas peças, quer se trate de erros ostensivos, de meros lapsos de escrita ou cálculo, quer se trate de outros erros ou lapsos, ainda que impliquem a “alteração de aspectos fundamentais das peças do procedimento” (cf a este propósito, MONIZ, Ana Raquel Gonçalves - As peças do procedimento (Algumas reflexões). Em Estudos de Contratação Pública. Org. Pedro Gonçalves. Coimbra: Coimbra Editora, 2013. V.IV. p. 117-119).

Conforme factos provados, os convites foram enviados aos concorrentes por mail datado de 12/03/2020 e as propostas deviam ser entregues até às 18h00 do dia 20/03/2020. Por seu turno, a rectificação/alteração do convite ocorreu por via do mail enviado às 10h18, do dia 20/03/2020.

Assim, considerando que no caso sub judice o prazo fixado para a apresentação da proposta era inferior a nove dias, o convite poderia ser rectificado ou alterado até 19/03/2020. Consequentemente, no caso em apreço, também não foi respeitado o prazo previsto nos art.ºs 116.º do CCP (cf. também o art.º 50.º, n.º 7, do CCP).

Em conclusão, no caso em análise, apesar do ponto 3.1. do convite poder ser alterado, essa alteração teria de ter sido efectivada através de uma decisão expressa do órgão competente para a decisão de contratar até 19/03/2020.

O estabelecimento pelo CCP de um prazo limite até ao qual as peças do procedimento podem ser rectificadas ou alteradas visa a salvaguarda dos princípios da estabilidade das regras concursais, da transparência, da igualdade da boa-fé e da tutela da confiança. Consequentemente, a alteração do convite após o prazo legal indicado no art.ºs 116.º do CCP, no caso, após a data de 19/03/2020, também implica a violação daqueles princípios – cf. identicamente o art.º 1.º-A, n.ºs 1 e 3, do CCP.

Ultrapassado tal prazo limite, a alteração das peças do procedimento nos seus aspectos fundamentais já não poderá ocorrer. Se por circunstâncias supervenientes essa alteração for necessária, determinam os art.ºs. 79.º, n.ºs 1, al. c), 3, 80.º do CCP, que cumpre à entidade adjudicante extinguir o procedimento e dar início a um novo no prazo máximo de 6 meses, a contar da decisão de não adjudicação.

Quando a entidade adjudicante enviou o convite aos vários concorrentes indicou-lhes que seria exigível comprovarem o licenciamento na ERS. Tal exigência, ainda que erradamente configurada como subsumível no art.ºs 57.º, n.º 1, al. c) e 115.º, n.º 1, al d), do CCP, foi efectivamente feita nesse convite.

A alteração de tal exigência - que passou depois a ser entendida como um requisito de habilitação – não constitui uma mera rectificação das peças do procedimento, sem qualquer relevo, mas é, sim, uma verdadeira alteração dessas peças. Basicamente, foi retirada uma exigência antes comunicada, constituindo tal modificação, nessa mesma medida, uma alteração num aspecto fundamental do convite.

Portanto, ter-se-á de concluir que o acto do CA do CHP, de 13/05/2020, de adjudicação dos lotes 2 e 3, relativos à “Consulta prévia n.° 50/2020 - Contratação de Serviços de Telerradiologia para Leitura de Exames TAC de Corpo” é ilegal, por violar os art.sº 50.º, n.º 7, 69.º, n.º 2 e 116.º do CCP e os princípios da transparência, da igualdade, da boa-fé e da tutela da confiança.
Há, assim, que confirmar a decisão recorrida, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente.

Nos termos do art.º 15.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22/08, qualquer entidade pública que, no exercício das suas funções, detecte qualquer incumprimento ao disposto naquele decreto-lei, tem o dever de comunicação imediata à ERS.

Por conseguinte, conforme o citado preceito, deverá ser comunicado o teor deste Acórdão à ERS, para os devidos efeitos.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida, com a fundamentação ora adoptada;
- custas pelo Recorrido (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA);
- comunique-se o teor do citado Acórdão à ERS.

Lisboa, 8 de Abril de 2021.
(Sofia David)

O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo.