Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:558/11.9BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRS
FORMALIDADES DA NOTIFICAÇÃO
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
Sumário:I-Os atos de liquidação de IRS efetuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte estão sujeitos a notificação por mera carta registada.
II-No entanto, estando em causa notificações de atos de alteração dos rendimentos declarados e atos de fixação de rendimentos sujeitos a tributação e não declarados, as mesmas têm de ser efetuadas através de expedição de carta registada com aviso de receção.
III-Daí que, uma liquidação adicional ou oficiosa que materialize um ato de fixação ou alteração da matéria tributável declarada pelo contribuinte deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com aviso de receção.
IV-In casu, encontrando-nos perante um ato de liquidação oficiosa que corporiza a fixação de matéria tributável não declarada, decorrente da consideração da alienação de um bem imóvel, e consequente tributação enquanto rendimento de mais valias, a mesma carecia de ser efetuada por carta registada com AR, em conformidade com o disposto nos artigos 65.º nº 4, 66.º e 149.º nº 2 do CIRS, pelo que não tendo sido cumprida essa formalidade, e não tendo sido demonstrado que a notificação da liquidação chegou ao conhecimento do Recorrido através do meio utilizado ou de qualquer outro, ter-se-á de concluir que a mesma não foi notificada ao visado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou procedente a oposição deduzida por J..... no âmbito do processo de execução fiscal nº....., respeitante a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2005, cuja quantia exequenda ascende a €75.075,98 e acrescidos no montante de €10.074,35.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“1. A presente Oposição refere-se ao PEF ....., instaurado por dívida de IRS do ano de 2005.

2. Por douta sentença de 28/02/2015, a Oposição foi julgada procedente por falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade, decisão com a qual a FP não pode concordar pelas seguintes razões:

3. A liquidação de IRS exigida na execução fiscal foi emitida em nome do Recorrido, bem como de sua esposa Y....., por constituírem o agregado familiar nos termos previsto no CIRS, mais concretamente no art. 13º n.ºs 1, 2 e 3.

4. Respeitando a liquidação a rendimentos do agregado familiar cuja direcção incumbe a ambos os cônjuges, as notificações foram efectuadas tendo em consideração essa realidade.

5. Assim como a douta decisão recorrida considerou o Oponente parte legítima para a execução fiscal, independentemente do regime de bens em vigor no casamento, também o deveria ter considerado, com base no mesmo princípio, validamente notificado da liquidação em causa.

6. Para que a notificação da liquidação de IRS seja considerada válida, basta a notificação de um dos cônjuges a quem incumbe a direcção do agregado familiar.

7. A lei não impõe o envio de uma carta para cada um dos domicílios fiscais, dos sujeitos passivos A e B, quando diversos.

8. Por cruzamento de informação constante nas relações enviadas pelos cartórios notariais, a AT teve conhecimento que Y..... alienou um bem imóvel no ano de 2005 e não entregou a respectiva declaração de rendimentos Mod. 3 de IRS.

9. Em consequência, foi a mesma notificada nos termos do art. 76º n.º 3 do CIRS para proceder à entrega da declaração em falta através do ofício n.º ..... da Divisão de Tributação e Cobrança da Direcção de Finanças de Faro datado de 2009-09-15 enviado sob carta registada com aviso de recepção sob o n.º dos CTT ..... (v. Doc. 1 junto à contestação).

10.Foi enviada uma 2ª notificação através do ofício n.º .....datado de 2009-09-29 enviado sob carta registada com aviso de recepção sob o n.º dos CTT ..... (Doc. 2 junto à contestação).

11.Ambas as cartas, apesar de enviadas para o domicílio fiscal comunicado à AT, vieram devolvidas com a menção dos CTT “não reclamado”.

12.Não tendo sido apresentada a declaração de rendimentos em falta, foi recolhido o respectivo documento de correcção único.

13.Dispõe o art. 149º n.º 3 do CIRS, que as notificações devem ser feitas por carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja útil.

14.O n.º 2 do art. 149º do CIRS não é de aplicar à notificação objecto de análise. De facto, a liquidação ora posta em crise não foi efectuada nos termos do art. 66º do mesmo Código. Esta norma refere-se aos actos de fixação ou alteração previstos no art. 65º. Ora tal não é o caso dos autos, cuja liquidação foi emitida nos termos do art. 76º n.º 3 como ficou dito.

15.O legislador não impõe a notificação através de carta registada com A/R até porque a mesma matéria já foi objecto de notificação anterior no decurso do procedimento.

16.A notificação da liquidação, bem como dos juros compensatórios, foi efectuada através de cartas registadas, registos dos CTT n.ºs ..... e ....., remetidas a 24/11/2009, para o domicílio fiscal do sujeito passivo A.

17.Em matéria de caducidade, dispõe o art. 92º do CIRS que a liquidação de IRS efectua-se no prazo e nos termos previstos nos art. 45º e 46º da LGT.

18.Aplicando tais normas ao caso concreto, conclui-se que o prazo de caducidade do direito à liquidação do IRS de 2005 terminou em 31 de Dezembro de 2009.

19.Todas as notificações indicadas, as quais se encontram devidamente documentadas nos autos, foram enviadas para o domicílio fiscal declarado, constante do cadastro da AT.

20.Nos termos do disposto no art. 19º n.º 3 da LGT, é ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à Administração Tributária, sendo que é obrigatória a sua comunicação (n.º 4).

21.Acresce que, o tribunal a quo, atento o princípio do inquisitório, não indagou, questionou ou solicitou à Fazenda Pública ou aos Impugnantes, quaisquer elementos que fossem necessários à boa decisão da causa, designadamente relativos à notificação da liquidação.

22.Cabia ao tribunal, de acordo com o disposto no art. 99º da LGT, realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências úteis e necessárias ao apuramento da verdade material.

23.Mais, relativamente à mesma execução fiscal, o sujeito passivo A – Y..... deduziu igualmente Oposição, a qual correu termos no TAF de Loulé sob o n.º 534/11.1BELLE, cuja sentença de 30/04/2013, transitada em julgado, julgou totalmente improcedente o pedido formulado.

24.Nesta decisão foi considerada provada a notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade por ter sido enviada para o domicílio fiscal da Oponente naqueles autos, constante do cadastro da AT, e não ter sido comunicada qualquer alteração do domicílio fiscal.

25.A FP, na sua contestação, alertou para a existência de outra Oposição com o mesmo objecto, para evitar o que a final veio a acontecer: a prolação de duas decisões contraditórias.

26.Aliás, da consulta aos presentes autos é possível verificar que foi junto aos mesmos requerimento apresentado, pela Fazenda Pública, em 21/03/2012, naquele processo, com 2ª via da liquidação de IRS e respectiva guia de expedição dos CTT (fls. 121 a 126 do SITAF).

27.Da liquidação enviada consta a identificação de ambos os sujeitos passivos.

28. A douta sentença ora recorrida não relevou os factos anteriormente descritos, designadamente a efectiva notificação da liquidação, nem indagou sobre outros necessários ao bom julgamento da causa, limitando-se a concluir singelamente pela caducidade do direito à liquidação, pelo que, salvo o devido respeito, incorreu em erro de julgamento, tendo violado as normas supra invocadas.

Face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida, que deverá ser substituída por acórdão que mantenha a execução fiscal contra o Oponente, só assim se fazendo JUSTIÇA.”


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.


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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a seguinte factualidade:

Com base nos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão julgo assente a seguinte factualidade:

A) Em 05.09.2002, a esposa do Oponente adquiriu por escritura pública e pelo valor de €114.723,00, o prédio urbano sito na ....., concelho de Lagos, designado por lote número onze, destinado a habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos, sob o número ....., inscrito a favor da vendedora pela inscrição G-três e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....., com o valor patrimonial de 114 474,12 Euros (cfr. fls. 23 e 24 dos autos);

B) Em 20.11.2005 a esposa do Oponente alienou por escritura pública o imóvel identificado na alínea anterior pelo valor de 665.000,00 (cfr. 25 a 28 dos autos);

C) Em 31.12.2005, a esposa do Oponente com o NIF n.º ..... tinha o domicílio fiscal na ....., LAGOS (cfr. fls. 50 a 54 dos autos);

D) Pelos registos n.º ..... e ..... foram remetidas para o endereço referido na alínea anterior, as liquidações de IRS n.º .....e Juros compensatórios, n.º ..... em 24.11.2009 (cfr. fls. 112 a 116 dos autos);

E) O Oponente e a sua esposa omitiram a entrega de declaração de IRS de 2005, o que originou a emissão de uma declaração oficiosa e liquidação nº..... (cfr. fls. 71 a 73 dos autos);

F) Em 20/01/2010 foi instaurado no Serviço de Finanças de Lagos o processo de execução fiscal nº ..... (cfr. fls. 37 dos autos);

G) Em 20/01/2010, aquando da instauração do processo de execução fiscal, ao Oponente foi identificada a seguinte morada: ..... (cfr. fls. 37 dos autos);


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não ficou provado que o Oponente tinha, em 2005, residência em Portugal.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”


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A motivação da matéria de facto, fundou-se “[n]a documentação junta com os articulados e no processo de execução fiscal. Quanto aos factos não provados, os mesmos decorrem da falta de elementos de prova juntos pela Fazenda Pública.”

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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

H) A 15 de setembro de 2009, foi expedido ofício n.º ....., endereçado para Y....., para a ....., pela Divisão de Tributação e Cobrança da Direção de Finanças de Faro, através de carta registada com aviso de receção com a indicação alfanumérica CTT ....., para proceder à entrega de declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, respeitante ao ano de 2005, com o seguinte teor:

(facto não controvertido; cfr. fls. 71 a 73 dos autos);

I) O ofício referido na alínea antecedente foi devolvido ao Remetente com a menção dos CTT “não reclamado” (facto não controvertido; cfr. fls. 71 a 73 dos autos);

J) A 29 de setembro de 2009, foi expedido novo ofício com o nº ....., tendente à notificação constante em H) e com o mesmo teor, endereçado para Y....., para a ....., pela Divisão de Tributação e Cobrança da Direção de Finanças de Faro, através de carta registada com aviso de receção com a indicação alfanumérica CTT R..... (facto não controvertido; cfr. fls. 74 a 76 dos autos);

K) O ofício referido na alínea antecedente foi devolvido ao Remetente com a menção dos CTT “não reclamado” (facto não controvertido; cfr. fls. 74 a 76 dos autos);


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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.[1]

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação do facto que infra se identifica, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

E) Na sequência do referido em H) a K), Y..... e o ora Oponente, não procederam à entrega da declaração de IRS, respeitante ao ano de 2005, tendo sido emitido o ato de liquidação oficiosa de IRS e respetivos JC, melhor referidos em D) (facto não controvertido; cfr. fls. 111 a 116 dos autos);


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou procedente a oposição à execução fiscal atenta a falta de notificação do ato de liquidação de IRS do ano de 2005.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, compete ao Tribunal ad quem aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao decidir que o Recorrente não foi notificado da liquidação de IRS referente ao ano de 2005, competindo, nessa medida, avaliar se face à prova produzida se pode extrair que o mesmo foi, devidamente, notificado do aludido ato de liquidação de IRS, aquilatando, desta feita, das formalidades inerentes à notificação e suas consequências legais.

De relevar, ab initio, que não tendo o Oponente apresentado contra-alegações ou requerido a ampliação do objeto do recurso a questão atinente à legitimidade face à responsabilidade conjunta da dívida encontra-se consolidada na ordem jurídica, carecendo, por isso, de realizar qualquer abordagem concernente à mesma e às suas consequências.

Vejamos, então.

A Recorrente defende que contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a notificação da liquidação em contenda não carecia de ser realizada por carta registada com aviso de receção, mas apenas por mera carta registada, como o foi, porquanto não se subsume no n.º 2 do artigo 149.º do CIRS, visto que não foi elaborada ao abrigo do artigo 66.º, mas antes do artigo 76.º n.º 3 do mesmo diploma legal.

Pelo que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo foi o mesmo devida e validamente notificado.

O Tribunal a quo fundamentou a procedência relevando, designadamente, o seguinte:

“[n]o caso concreto, tratando-se de liquidação oficiosa, por falta de entrega de declaração por parte do Oponente e sua esposa, atentos os normativos referidos, mais propriamente, o art., 149º nº 2 e 66º do CIRS, conclui-se que, a notificação deveria ter sido feita por carta registada com aviso de recepção.

Nos casos em que a notificação da liquidação é feita por carta registada quando deveria ter sido feita através de carta registada com aviso de recepção, constitui preterição de formalidade legal que pode degradar-se em formalidade não essencial se aquando da citação para a execução o Executado já tenha tido conhecimento da liquidação que originou a dívida exequenda.

Ora, a Administração Fiscal não demonstra que o Oponente tomou conhecimento da liquidação apesar da notificação não ter observado a forma legalmente prescrita.”

Vejamos, então.

In casu, encontramo-nos perante uma liquidação de IRS, respeitante ao ano de 2005, cujo ofício de expedição postal registado tendente à sua notificação foi remetido em 2009.

Face ao exposto vejamos, então, qual o quadro normativo aplicável aos autos.

Comecemos por convocar o artigo 149.º, do CIRS, o qual consagra regras especiais, quanto às notificações dos sujeitos passivos, estipulando que:

“ 1 - As notificações por via postal devem ser feitas no domicílio fiscal do notificando ou do seu representante.

2 - As notificações a que se refere o artigo 66º, quando por via postal, devem ser efetuadas por meio de carta registada com aviso de receção.

3 - As restantes notificações devem ser feitas por carta registada, considerando-se a notificação efetuada no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja dia útil.

4 - Não sendo conhecido o domicílio fiscal do notificando, as notificações podem ser feitas por edital afixado no serviço de finanças da área da sua última residência.

5 - Em tudo o mais, aplicam-se as regras estabelecidas no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

O que está em consonância com o disposto no artigo 38.º, nº1, do CPPT, segundo o qual:

“1 – As notificações são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção, sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em atos ou diligências.”

Dispondo, outrossim, o artigo 65.º, do CIRS que:

1 - O rendimento coletável de IRS apura-se de harmonia com as regras estabelecidas nas secções precedentes e com as regras relativas a benefícios fiscais a que os sujeitos passivos tenham direito, com base na declaração anual de rendimentos apresentada em prazo legal e noutros elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha.

2 - A Direcção-Geral dos Impostos procede à fixação do conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação quando ocorra alguma das situações ou factos previstos no n.º 4 do artigo 29.º, no artigo 39.º ou no artigo 52.º (…)

4 - A Direcção-Geral dos Impostos procede à alteração dos elementos declarados sempre que, não havendo lugar à fixação a que se refere o nº 2, devam ser efetuadas correções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correções decorrentes de divergência na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto.

5 - A competência para a prática dos atos de apuramento, fixação ou alteração referidos no presente artigo é exercida pelo diretor de finanças em cuja área se situe o domicílio fiscal dos sujeitos passivos, podendo ser delegada noutros funcionários sempre que o elevado número daqueles o justifique.”

De convocar, outrossim, o preceituado no artigo 66.º, nº1, do mesmo diploma legal o qual dispõe que:

“1 - Os atos de fixação ou alteração previstos no artigo 65º são sempre notificados aos sujeitos passivos, com a respetiva fundamentação.”

Ora, atentando no regime supra expendido retira-se que os atos de liquidação de IRS efetuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte estão sujeitos a notificação por mera carta registada.

No entanto, estando em causa notificações de atos de alteração dos rendimentos declarados e atos de fixação de rendimentos sujeitos a tributação e não declarados, as mesmas têm de ser efetuadas através de expedição de carta registada com aviso de receção.

Daí que, uma liquidação adicional ou oficiosa que materialize um ato de fixação ou alteração da matéria tributável declarada pelo contribuinte deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com aviso de receção.

Visto o direito que releva para o caso vertente, regressemos ao recorte probatório.

In casu, encontramo-nos perante um ato de liquidação oficiosa que corporiza a fixação de matéria tributável não declarada, decorrente da consideração da alienação de um bem imóvel, e consequente tributação enquanto rendimento de mais valias.

Conforme resulta do probatório, a AT aquiescendo que Y.....  alienou um bem imóvel, no ano de 2005, e não entregou a respetiva declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, procedeu à notificação, mediante carta registada com aviso de receção, atinente à sua regularização.

Face ao incumprimento declarativo, a AT procedeu ao documento de correção, tendo emitido o respetivo ato de liquidação oficiosa no qual procedeu à visada correção e tributação enquanto rendimento de mais valias.

Com efeito, o ato de liquidação subsume-se no conceito “atos (…) suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes”, conforme entende de forma unânime a Jurisprudência e a doutrina. Neste particular, vejam-se, designadamente, os Arestos do STA, proferidos nos processos nºs 25310, 0412/06, 01940/13, de 18.10.00, 29.11.2006 e 05.02.2015, respetivamente.

Em termos doutrinais descreve Jorge Lopes de Sousa[2]:
“[c]omo atos e decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes devem considerar-se não só aqueles que efetivamente determinam uma alteração desta, mas também aqueles em que está em discussão a possibilidade de se concretizar essa alteração.
Assim, deverão ter essa qualificação os atos ou decisões que criam deveres ou encargos para os destinatários ou lhes restringem ou negam direitos que aqueles entendem ter. Serão assim de efetuar por carta registada com aviso de receção, entre outras, as notificações de atos de liquidação de tributo (…)”.

Neste âmbito, importa, outrossim, chamar à colação o Acórdão do STA, proferido no processo nº 01940/13, de 05 de fevereiro de 2015, extratando-se na parte que para os autos releva o seguinte:

“Como se sabe, o art. 38.º do CPPT preceitua, no seu nº 1, que «as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências».

O que significa que, estando em causa actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, a lei impõe a notificação por carta registada com aviso de recepção; e como os actos ou decisões susceptíveis de alterar a situação tributária são, não só, os actos de alteração, pela administração, dos rendimentos declarados e os actos de fixação, pela administração, dos rendimentos sujeitos a tributação, como, também, os actos de liquidação de impostos (…)

 O referido Dec. Lei nº 198/2001 introduziu uma alteração na redacção do art. 149º do CIRS e, abrindo uma excepção àquela regra, passou a estipular que apenas as notificações a que se refere o art. 66º do CIRS devem ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção (nº 2), sendo que as restantes devem ser feitas por carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja dia útil. (nº 3).

Isto é, apenas a notificação dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção, ficando os actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte sujeitos a notificação por mera carta registada.

Por conseguinte, após a alteração introduzida na redacção do art. 149º do CIRS pelo Dec. Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, apenas são efectuadas por carta registada com a.r. as notificações a que se refere o art. 66º do CIRS, ou seja, as notificações referentes a actos de fixação ou alteração da matéria tributável previstos no art. 65º desse Código. “ (destaques e sublinhados nossos).

Assim, face ao supra aludido, a liquidação de IRS respeitante ao ano de 2005, teria de ser realizada por carta registada com aviso de receção.

É certo que a AT aduz que a liquidação foi efetuada ao abrigo do artigo 76.º, nº3 do CIRS, e por isso não se subsume no artigo 149.º, do CIRS.

Porém, não logra provimento a sua esteira de entendimento, porquanto tal normativo apenas preceitua os pressupostos prévios à emissão da liquidação oficiosa mas não retira, necessária e naturalmente, essa natureza ao ulterior ato de liquidação[3].

Com efeito, o que dimana do aludido normativo é que antes de estruturar a liquidação oficiosa de sua iniciativa, a AT deve notificar o sujeito passivo faltoso, por carta registada, para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, sendo que, só após esta notificação, e caso a situação de incumprimento do dever declarativo persista, é que pode ter lugar a tributação com base nos elementos que a AT disponha.

Destarte, a liquidação sub judice e correspondente ato de liquidação de juros compensatórios, materializam atos de fixação da matéria tributável que cabem na previsão dos artigos 65.º e 66.º, do CIRS face ao qual, estatui o legislador, que a respetiva notificação se deve efetuar através de carta registada com aviso de receção, tudo conforme já decidira o Tribunal a quo.

Em sentido consonante, convoque-se o Aresto do STA, proferido no processo nº0297/16, de 15 de junho de 2016, cujo sumário se extrata na parte que para os autos releva: “Uma liquidação oficiosa que materialize ou revele um ato de fixação ou alteração da matéria tributável declarada pelo contribuinte deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto nos arts. 65.º nº 4, 66.º e 149º nº 2 do CIRS.[4]

In fine, cumpre ressalvar que contrariamente ao evidenciado pela Recorrente o Tribunal a quo esteou a procedência na circunstância de não terem sido cumpridas as formalidades legais, mormente, a expedição por carta registada com aviso de receção, carecendo, por isso, de qualquer relevância todas as considerações concatenadas com a direção do agregado familiar. Note-se, de resto, que o Tribunal a quo, desde logo, sentencia que “[e]stando em causa dívidas provenientes de IRS, a responsabilização do Oponente pelo seu pagamento, assenta na circunstância de, no ano em questão, se manter casado com Y..... e com ela constituindo um agregado familiar, gerador de rendimentos tributáveis em sede daquele imposto.”

Ademais, é não controvertido, sendo asseverado pela Recorrente que só a notificação ao abrigo do artigo 76.º do CIRS, foi efetuada por carta registada com aviso de receção, o mesmo já não sucedendo quanto ao ato de liquidação oficiosa, sendo que, como já evidenciado anteriormente, este sim foi remetido por mera carta registada.

Logo, carece, outrossim, de qualquer relevância para a presente lide a alegação atinente ao princípio do inquisitório até porque não se vislumbram que outras diligências necessitavam de ser realizadas para a descoberta da verdade material, as quais, de resto, não são substanciadas com o rigor que se imporia para efeitos de densificação do aludido vício. Ademais, sublinhe-se, consta no probatório toda a factualidade que releva para a presente lide, não tendo, de resto, sido impugnada a matéria de facto ao abrigo do artigo 640.º do CPC.

O mesmo se refira quanto às considerações acerca do outro processo de oposição, o qual não vincula este Tribunal até porque a decisão não foi objeto de qualquer recurso jurisdicional.

Face a todo o exposto, e no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, a visada notificação carecia de ser efetuada por carta registada com aviso de receção, pelo que não tendo sido cumprida essa formalidade, e não tendo sido demonstrado que a notificação da liquidação chegou ao conhecimento do Recorrido através do meio utilizado ou de qualquer outro, ter-se-á de concluir que a mesma não foi notificada ao visado.

Destarte, a falta de notificação da liquidação constitui fundamento de oposição à execução, nos termos do artigo 204.º nº 1, al. i) do CPPT, não se mostrando, dessa forma, violadas quaisquer das disposições legais citadas pela Recorrente, improcedendo, na íntegra, o recurso sendo de manter a decisão recorrida.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 15 de abril de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

___________________
[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
[2] In ob. Citada, p.371.
[3] Vide, designadamente, Acórdão deste TCA, proferido no processo nº 08818/15, de 10.09.2015.
[4] No mesmo sentido, vide Arestos do STA, proferidos nos processos nºs 0974/16, de 15.11.2017, 0685/11, de 28.11.2012, e deste TCA prolatados nos processos nºs 341/09, de 03.12.2020, 1901/11, de 17.09.2020, 1368/11, de 09.07.2020 e 634/10, de 15.11.2018.