Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06125/12
Secção: CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/23/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO.
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. CÔMPUTO.
ARTº.134, NºS.1 E 2, DO C.P.P.T.
ACTOS DE FIXAÇÃO DE VALORES PATRIMONIAIS.
Sumário:1. O prazo da impugnação judicial é peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, dado versar sobre direitos indisponíveis no que diz respeito à Fazenda Pública. É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção peremptória que, nos termos do artº.493, nº.3, do C.P.Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento “de meritis” e a consequente absolvição oficiosa do pedido.
2. A contagem do prazo para interposição de recurso contencioso de impugnação deve fazer-se nos termos do artº.279, do C. Civil, isto é, de forma contínua e sem qualquer desconto dos dias não úteis (cfr.artº.20, nº.1, do C.P.P.Tributário).
3. Como resulta do artº.134, nºs.1 e 2, do C.P.P.T., os actos de fixação de valores patrimoniais podem ser impugnados autonomamente, no prazo de noventa dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade. Esta impugnabilidade autónoma está em sintonia com o preceituado no artº.86, nº.1, da L.G.T., em que se estabelece que os actos de avaliação directa são directamente impugnáveis. Estes actos, quando inseridos num procedimento de liquidação de um tributo, consubstanciam actos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa.



O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Almada, exarada a fls.85 a 91 do processo, através da qual julgou totalmente procedente a presente impugnação judicial, visando a fixação dos valores patrimoniais do imposto municipal sobre imóveis (I.M.I.) nos montantes de € 118.760,00, € 581.260,00 e € 425.550,00, tendo por objecto actos de segunda avaliação das partes independentes do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artº.4162, da freguesia da Baixa da Banheira, concelho da Moita.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.107 a 111 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A segunda avaliação ora “sub judice” foi efectuada com base nos nºs.1 e 2 do artº.76, do C.I.M.I.;
2-Os fundamentos em que a B...e a impugnante basearam os seus requerimentos de segunda avaliação são diversos;
3-Os métodos a utilizar na avaliação do prédio em questão também são diversos;
4-Atentos os fundamentos invocados pela B...a segunda avaliação foi realizada com observância do disposto nos artºs.38 e seguintes do C.I.M.I., como determinado no artº.76, nº.2 do citado Código;
5-Na avaliação requerida pela impugnante, atentos os fundamentos invocados, terá que ser devidamente fundamentada, e efectuada nos termos do nº.4, do artº.76, do C.I.M.I.;
6-Sendo o VPT, fixado em segunda avaliação, nos termos do nº.4, do artº.76, do C.I.M.I., relevante apenas para efeitos de I.R.S., I.R.C. e I.M.T.;
7-Ainda que o nº.8, do artº.76, do C.I.M.I., disponha que no caso de o alienante seja interessado para efeitos tributários deva ser notificado do resultado da primeira avaliação para, querendo, requerer segunda avaliação, caso em que poderá integrar a comissão referida no nº.2 da mesma norma ou nomear o seu representante;
8-A A.T. não tomou qualquer decisão de indeferimento da pretensão da impugnante, tendo demonstrado pretender efectuar avaliação do imóvel nos termos requeridos;
9-Atento o princípio do aproveitamento dos actos, deverá a segunda avaliação efectuada ser mantida na ordem jurídica, e determinada a realização da avaliação requerida pela impugnante, com sua participação ou do perito que indicou para a representar e que produzirá efeitos apenas em sede de I.R.S., I.R.C. e I.M.T.;
10-Ao assim não entender, na sentença ora sob recurso, o Tribunal “a quo” violou o
artº.76, do C.I.M.I.;
11-Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar procedente o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto acórdão que julgue a impugnação improcedente.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.122 dos autos), no qual suscitou a excepção de caducidade do direito de acção, visto que, no momento em que a presente acção foi intentada, já estava ultrapassado o prazo previsto no artº.102, do C.P.P.T.
Notificados os restantes intervenientes processuais da excepção alegada pelo M. P. (cfr.fls.124 a 126 dos autos), não se pronunciaram sobre a mesma.
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.130 do processo), vem o processo à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.86 a 89 dos presentes autos):
1-Por escritura pública realizada em 24 de Novembro de 2008 a ora impugnante, “A..., S.A.”, vendeu a “B...- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” o prédio sito na Estrada Nacional nº.300, na localidade e freguesia da Baixa da Banheira, e inscrito na matriz predial da mesma freguesia sob o artigo 4162, pelo preço de € 900.000,00 (cfr.cópia de certidão junta a fls.15 a 19 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
2-Através dos ofícios do Serviço de Finanças da Moita nºs.7122755, 7122757 e 7122771, datados de 3 de Novembro de 2010 foi a ora impugnante informada do resultado das primeiras avaliações efectuadas às partes independentes do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artº.4162, da freguesia 150602, Baixa da Banheira (cfr.cópia de ofícios junta a fls.6 a 8 dos presentes autos);
3-Através de requerimentos entrados no Serviço de Finanças da Moita em 3 de Dezembro de 2010, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a “B...- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” pediu a realização de segunda avaliação às partes independentes do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artº.4162, da freguesia 150602, Baixa da Banheira (cfr.requerimentos juntos a fls. não numeradas do processo administrativo apenso);
4-Através de requerimento entrado no Serviço de Finanças da Moita em 7 de Dezembro de 2010 a ora impugnante requereu a realização da 2ª. avaliação das partes independentes do prédio identificado no ponto anterior, “nos termos do artº.76, do C.I.M.I., nomeadamente, dos seus nºs.4, 5 e 6, uma vez que considera que os valores encontrados pela primeira avaliação se apresentam distorcidos relativamente ao valor normal de mercado para as construções ali existentes ao tempo da transmissão que originou as notificadas avaliações, nos termos fundamentados no Relatório do Perito que junta”, indicando no mesmo requerimento como seu representante na comissão de avaliação Aldino da Silva Ramos, e anexando-lhe uma exposição elaborada por este último, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr.requerimento e documentos anexos ao mesmo, a fls.9 a 13 dos presentes autos, maxime exposição do perito, a fls.11 e 12 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
5-Em 14 de Janeiro de 2011 realizou-se a segunda avaliação das partes independentes do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artº.4162, da freguesia 150602, aqui se dando por integralmente reproduzido o teor dos correspondentes termos, na qual esteve presente a representante da “B...- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” (cfr.comprovativos provisórios e termos de avaliação a fls. não numeradas do processo administrativo apenso);
6-Através dos ofícios do Serviço de Finanças da Moita nºs.7288985, 7288988 e 7288990, datados de 18 de Janeiro de 2011 foi a ora impugnante informada do resultado das segundas avaliações efectuadas às partes independentes do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artº.4162, da freguesia 150602, Baixa da Banheira (cfr.cópias de ofícios juntas a fls.22 a 24 dos presentes autos);
7-Os ofícios identificados no ponto anterior foram recepcionados pela impugnante em 21 de Janeiro de 2011 (cfr.cópias de A/R juntas a fls. não numeradas do processo administrativo apenso);
8-Em 9 de Maio de 2011, a p.i. da presente impugnação deu entrada no T.A.F. de Almada, para onde foi remetida através de correio postal registado no dia 6 de Maio de 2011 (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.1 e registo dos CTT de fls.1 dos presentes autos);
9-Em 14 de Junho de 2011 a ora impugnante remeteu ao Serviço de Finanças da Moita carta cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e através da qual, além do mais, refere considerar extemporânea “a notificação para apresentar fundamentação que suporte o pedido de 2ª. avaliação, quando ela já foi efectuada e impugnada” (cfr.carta e talão de aceitação de registo dos CTT juntos a fls.42 e 43 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não resulta provado que tenha sido dada a conhecer pelo Serviço de Finanças da Moita à ora impugnante ou ao perito nomeado pela mesma, Aldino da Silva Ramos, a realização da 2.ª avaliação, melhor identificada no ponto 5 dos factos provados, ou que o mesmo nela tenha estado presente…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada…”.
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Levando em consideração que a factualidade em análise se baseia em prova documental, este Tribunal julga provados mais os seguintes factos que se reputam relevantes para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
10-A p.i. identificada no nº.8 supra deu entrada no Serviço de Finanças da Moita em 3/5/2011 (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.2 dos presentes autos).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida, em síntese, julgou procedente a impugnação que originou o presente processo, mais tendo anulado o acto de segunda avaliação identificado no nº.5 do probatório, por preterição de uma formalidade essencial, a saber, a notificação oportuna da sociedade impugnante para estar presente na mesma ou nela se fazer representar, como resulta do disposto no artº.76, do C.I.M.I.
X
Deve, antes de mais, este Tribunal examinar a excepção suscitada pelo Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal e, igualmente, de conhecimento oficioso, que se consubstancia na caducidade do direito de acção.
O prazo da impugnação judicial é peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, dado versar sobre direitos indisponíveis no que diz respeito à Fazenda Pública (cfr.artº.333, nº.1, do C.Civil; artº.123, do anterior C.P.Tributário; artº.102, do C.P.P.Tributário; Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário comentado e anotado, Almedina, 2000, pág.241; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5ª. edição, I Volume, Áreas Editora, 2006, pág.267; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/6/95, rec.19056, Ap. D.R., 14/8/97, pág.1725 e seg.).
Por outras palavras, o prazo fixado para a dedução da acção, porque aparece como extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade. E a caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria (prazos para o exercício do direito de sindicar judicialmente a legalidade do acto tributário) que se encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr.artº.333, do C.Civil). É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção peremptória que, nos termos do artº.493, nº.3, do C.P.Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento “de meritis” e a consequente absolvição oficiosa do pedido (cfr.ac.T.C.A.Sul, 15/1/2013, proc.6038/12).
A contagem do prazo para interposição de recurso contencioso de impugnação deve fazer-se nos termos do artº.279, do C. Civil, isto é, de forma contínua e sem qualquer desconto dos dias não úteis (cfr.artº.49, nº.2, do C.P.Tributário; artº.20, nº.1, do C.P.P. Tributário; Jorge Lopes de Sousa, ob.cit., pág.730).
Assente que a contagem do prazo para dedução da impugnação judicial se faz de acordo com as regras previstas no artº.279, do C. Civil, haverá que apurar qual o “dies ad quem” ou termo final dessa contagem no caso concreto.
Como resulta do artº.134, nºs.1 e 2, do C.P.P.T., os actos de fixação de valores patrimoniais podem ser impugnados autonomamente, no prazo de noventa dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade. Esta impugnabilidade autónoma está em sintonia com o preceituado no artº.86, nº.1, da L.G.T., em que se estabelece que os actos de avaliação directa são directamente impugnáveis. Estes actos, quando inseridos num procedimento de liquidação de um tributo, consubstanciam actos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.433).
No caso “sub judice”, encontramo-nos perante impugnação de acto de 2ª. avaliação de imóvel (cfr.nºs.5 e 8 do probatório), assim se verificando a condição de impugnabilidade consagrada no artº.134, nº.7, do C.P.P.T. (cfr.artº.77, nº.1, do C.I.M.I.).
Resulta do probatório que a sociedade impugnante foi pessoalmente notificada dos actos de 2ª. avaliação objecto do presente processo no dia 21/1/2011 (cfr.nºs.6 e 7 da matéria de facto provada), pelo que, o termo inicial do prazo de noventa dias consagrado no citado artº.134, nº.1, do C.P.P.T., ocorre no dia 22/1/2011 (cfr.artº.279, al.b), do C.Civil). O termo final deste prazo de noventa dias verifica-se no pretérito dia 21/4/2011. Como nesta ultima data os Tribunais se encontravam em férias judiciais (férias judiciais da Páscoa), a impugnação judicial deveria ter dado entrada (ou sido enviada por correio registado) em Tribunal ou no Serviço de Finanças até 26/4/2011, o primeiro dia útil depois das férias judiciais (cfr.artº.279, al.e), do C.Civil).
Nestes termos, considera-se intempestiva a p.i. que originou o presente processo, a qual deu entrada no Serviço de Finanças da Moita em 3/5/2011 (cfr.nº.10 da matéria de facto provada).
Concluindo, julga-se procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção, devido a intempestividade do recurso de anulação apresentado pelo impugnante, a qual leva a que o Tribunal se abstenha de conhecer do mérito do recurso e absolva a Fazenda Pública do pedido (cfr.artº.660, nº.2, “ex vi” do artº.713, nº.2, ambos do C.P. Civil), ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR PROCEDENTE A EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA DE CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO, mais absolvendo a Fazenda Pública do pedido.
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Condena-se o impugnante em custas, somente em 1ª. Instância.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 23 de Abril de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)


(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)



(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)