Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1380/10.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/22/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IVA
FATURAS FALSAS
PROVA
Sumário:I - Cabe à AT o ónus da prova da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais.
II - Reunidos os indícios mencionados em I., cabe ao Impugnante a demonstração da efetividade das operações tituladas pelas faturas.
III - A inércia probatória por parte do Impugnante não pode sustentar o recurso ao disposto no art.º 100.º, n.º 1, do CPPT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A…, Lda. (doravante 1.ª Recorrente ou Impugnante) e a Fazenda Pública (doravante 2.ª Recorrente ou FP) vieram recorrer da sentença proferida a 29.03.2022, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada pela primeira, que teve por objeto as liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e as dos respetivos juros compensatórios, relativas aos meses compreendidos entre fevereiro e dezembro de 2006.

A 1.ª Recorrente, nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“1ª A obra a que a factura 704 se reporta, pertenceu à Câmara Municipal de Lisboa, que foi a dona da obra.

2ª A mesma consta de contrato escrito, que a CML contratou, fiscalizou e pagou.

3ª Tal prova documental sobrepesa sobre a testemunhal conforme artº 364º do C.C.

4ª Em caso de dúvida, sempre o tribunal se poderia/deveria ter servido do estatuído no artº 116º nº 2 do CPPT, que mais não fosse para os efeitos do artº 100º do mesmo código.

5ª Se a AT se serviu de presunções, também o tribunal se poderia servir, bem como o impugnante.

6ª A decisão não se baseou em critérios lógico/jurídicos sistemáticos, incluindo a absolvição no processo criminal de faturas falsas, não tendo lógica que aqui se provasse a realização das obras e no presente processo não.

7ª Na verdade, está provado, documental e testemunhalmente, que as seis facturas “sub judice” foram pagas pelo empreiteiro ao subempreiteiro.

8ª Embora não provados se os serviços foram efectivamente prestados quanto à última factura, tal não tem relevância para os efeitos do art.º 23º do CIRC, posto que não houve enriquecimento do recetor das facturas em empobrecimento da AT, o qual só se verificou em relação ao subempreiteiro (emitente) por este não ter pago o IRC/IVA.

9ª A AT não provou, nem tentou provar, como lhe competia face à repartição do ónus da prova, que o subempreiteiro não prestou serviços, tanto mais que sendo o dono da obra uma autarquia (a CML) esta deve saber de tudo, quer pelo livro de obras, quer pelos seus fiscais.

10ª Os fundamentos invocados para o subempreiteiro não poder realizar as obras, como não ter descontado para a SS e ser insuficiente a sua estrutura produtiva/humana não releva, pois, como se vê das facturas, são de pequena monta, podendo até só um ser humano fazê-las em alguns meses.

11ª Não é, assim, de aceitar-se tais presunções, bem como a da numeração das facturas não ser sequencial, até porque o ora recorrente desconhece as demais obras em que o subempreiteiro opera.

12ª Os poucos pagamentos feitos em numerário, o foram a pedido do subempreiteiro, mas as quantias constam da contabilidade do empreiteiro como custos.

13ª Se se provou que o empreiteiro laborou em duas obras, à míngua de prova quanto à outra, deveria aplicar-se logicamente e por analogia o raciocínio de que nestas também laborou ou, na fundada dúvida, pela aplicação do art.º 100º nº 1 do CPPT.

14ª E se as facturas não foram consideradas falsas para efeitos criminais (com o tipo nas normas mais apertado, pois até exige a laboração efectiva), é incoerente que sirva para correcções técnicas tributárias.

15ª Não basta à AT alegar “indícios sérios e credíveis”, pois podia (e devia!) ter-se baseado em factos reais e concretos da contabilidade.

16ª Além de constar do “site” da DGCI, para os anos de 2001/2003, nunca alterado, os pagamentos de fornecimento de serviços.

17ª E as presunções do Anexo I do relatório, se referem unicamente ao subempreiteiro e não ao empreiteiro.

TERMOS EM QUE DEVERÁ REVOGAR-SE A DECISÃO RECORRIDA, NA PARTE EM QUE O ORA RECORRENTE DECAÍU, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS”.

A FP não apresentou contra-alegações.

Por seu turno, a 2.ª Recorrente, nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:

“I. O presente Recurso vem reagir contra a Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, anulando os atos de liquidação adicional de IVA referentes a 2006 que resultaram de ação de inspeção realizada pelos serviços de inspeção tributária (SIT) da direção de finanças (DF) de Lisboa na sequência de recolha de indícios sérios de emissão de faturação falsa pelo sujeito passivo A… UNIPESSOAL, LDA, NIF 5…….. (processo de inquérito nº 848/09.0 IDLSB), na qual a impugnante é indicada como utilizadora das referidas faturas..

II. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, total e acertada aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice e, bem assim, uma correta apreciação da matéria de facto relevante.

III. O relatório de inspeção enumera os factos que no seu conjunto patenteiam a existência de faturação falsa referente aos serviços descritos pela subempreiteira A… Unipessoal, Lda, que não correspondem a serviços efetivamente prestados por aquela empresa, referindo nomeadamente que a referida sociedade A… é não declarante em sede de IRC e de IVA, tendo sido remetidas notificações para regularizar a sua situação tributária e apresentar elementos de escrita, mas aquela nunca compareceu nem respondeu às notificações, tendo os serviços de inspeção ainda realizado diligências junto da Segurança Social no sentido de saber o número de trabalhadores declarados por aquela sociedade, tendo apurado que a sociedade não entregou folhas de remuneração de trabalhadores no exercício 2006.

IV. Em suma, os serviços de inspeção recolheram fortes indícios de emissão de faturas falsas pelo sujeito passivo A…, sendo a impugnante indiciada como utilizador das referidas faturas, como decorre dos nºs 4 e 13 do probatório da sentença.

V. Relativamente às faturas em que a sociedade A… LDA figura como emitente da fatura à ora impugnante, os serviços de inspeção verificaram que estas apresentam uma descrição vaga sem pormenorizarem a natureza e dimensão das obras, nem as datas de realização dos trabalhos, não permitindo estabelecer uma relação entre os serviços prestados e a referida sociedade emitente. Relativamente à referida sociedade emitente de faturação, verificaram ainda os serviços de inspeção que as faturas foram impressas em duas tipografias diferentes, com numerações diferentes, existindo um grande salto na numeração das faturas emitidas.

VI. Os factos detetados constituem indícios muito fortes da existência se faturação falsa, motivo pelo qual os serviços de inspeção solicitaram à ora impugnante, ARIEPE, para apresentar um conjunto de elementos que permitissem a comprovação inequívoca dos serviços faturados e alegadamente prestados pela A… LDA, nomeadamente os contratos, nome e número de trabalhadores, sendo igualmente fundamental a demonstração do fluxo financeiro correspondente aos pagamentos pela prova de que o dinheiro correspondente aos cheques saiu da conta da sociedade e foi depositado pela sociedade A… e não pela própria impugnante ou pelos seus sócios, como acontece muitas vezes em situações de faturação falsa.

VII. A douta sentença recorrida reconhece que a AT cumpriu o ónus de demonstrar a existência de indícios de faturação falsa e o consequente ónus do sujeito passivo de demonstrar a veracidade das operações.

VIII. A douta sentença recorrida dá como provado que a sociedade A… realizou obras no Bairro da Galiza, em Cascais, a pedido da impugnante, tendo por base o depoimento da testemunha António C… (cfr. nº 16 do probatório), dando igualmente como provado que, em 2006, a referida sociedade realizou obras no Largo Domingos Tendeiro, tendo por base o depoimento da testemunha O… (cfr. nº 17 do probatório).

IX. Contudo, com o devido respeito que é muito, a Fazenda entende que a sentença não poderia concluir como concluiu porquanto dos depoimentos não resulta demonstrado que foi a sociedade A… quem realizou as obras a que se referem as faturas.

X. Importa salientar que se encontram evidenciados factos que consubstanciam indícios sérios de faturação falsa, pelo que, como bem refere a douta sentença, a documentação da operação exige mais do que a mera existência de documento formalmente válido, sendo necessário que a operação ocorra e que os intervenientes sejam de facto os referenciados, sendo que ao contribuinte não basta gerar a mera dúvidas sobre a falsidade das faturas para conseguir ganho de causa (cfr páginas 15 e 16 da sentença).

XI. É de referir ainda que a testemunha António C… é atualmente funcionário da impugnante sendo o responsável pelo seu alvará, sendo pois questionável se prestou o seu depoimento de forma livre e espontânea.

XII. Verificando-se igualmente que a testemunha O… refere ter conhecido um senhor F…, sem contudo indicar a sociedade A… como interveniente na realização das obras.

XIII. As testemunhas referem a existência de um senhor José F…, que terá prestado serviços para a sociedade. Contudo, dos depoimentos das testemunhas não resulta que os trabalhos descritos nas faturas tenham sido executados pelos trabalhadores do Sr F… e nenhuma delas refere a sociedade A…, pessoa coletiva distinta da pessoa singular.

XIV. Importa salientar que não está em causa que as obras tenham sido realizadas, mas sim que o foram pela empresa emitente das faturas porquanto em situações de faturação falsa é frequente os serviços serem realizados por prestadores em economia paralela (sem emissão de fatura e recibo), sendo essa falta “colmatada” com faturação falsa podendo esta ser fornecida por pessoas com alguma ligação ao utilizador da faturação.

XV. Não basta por isso demonstrar que as obras foram feitas, nem referir que foi visto por lá um Sr F…, que realizou alguns trabalhos. Nem tão-pouco que as faturas eram conferidas pela contabilidade em função de autos de medição, porquanto se alguém realizou os trabalhos isso não significa que tenha sido a sociedade emitente das faturas, bem podendo os cheques e o dinheiro serem depositados nas contas de terceiros. Com efeito, o que importa demonstrar é que as faturas em causa correspondem a serviços e que estes foram prestados pela sociedade que emitiu a fatura.

XVI. Um dos elementos que pode demonstrar quem fez o quê e quando está relacionado com a identificação das pessoas que se encontravam na obra e realizaram os trabalhos e quem é o responsável pelos respetivos trabalhadores.

XVII. Acresce ainda referir que a impugnante teria necessariamente de ter um registo dos montantes envolvidos para cada um e a sua identificação, sob pena de não lhe ser possível justificar posteriormente os pagamentos efetuados em dinheiro.

XVIII. Face ao exposto, impõe-se dar como não provado que tenha sido a sociedade A… a realizar as obras descritas nas faturas emitidas em seu nome, impugnando-se os nº 16 e 17 do probatório.

XIX. Em suma, os factos descritos pelos serviços de inspeção constituem indícios fortes da existência de faturação falsa, encontrando-se assim amplamente preenchido o ónus da AT de demonstrar os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante das faturas não corresponde à realidade, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação. Neste sentido veja-se o acórdão do TCA Sul de 08-06-2017, processo 362/13.0BEALM, cujo sumário é elucidativo, esclarecendo nomeadamente que o fenómeno da faturação falsa é, muitas vezes, acompanhado pela preocupação em documentar todo o circuito de pagamento através de cheques, com cópias dos documentos emitidos, de forma a que se estabeleça a exata correspondência entre a fatura e o meio de pagamento. Contudo, este circuito documental não tem a suportá-lo, muitas vezes, o correspondente circuito financeiro ou do dinheiro, tratandose, por isso, de uma mera aparência de pagamentos e recebimentos.

XX. Importa salientar que o sujeito passivo, ora impugnante, não forneceu cópia frente e verso dos cheques, cópias essas que permitiriam verificar quem afinal recebeu os cheques, não podendo essa falta ser imputada à AT porquanto as referidas cópias só poderiam ser obtidas pelo sujeito passivo junto da sua entidade bancária.

XXI. A impugnante alega que muitos pagamentos eram feitos em dinheiro e que também acontecia serem feitos pagamentos em dinheiro diretamente aos trabalhadores da A… a pedido do Sr José F…, responsável pela sociedade. Contudo, este argumento revela-se incoerente porquanto como pode a impugnante efetuar pagamentos de salários diretamente aos trabalhadores de outra sociedade se a mesma alega desconhecer a identidade dos mesmos trabalhadores. E como poderia saber o que teria de pagar a cada um, sendo ainda mais incoerente não ter depois não ter qualquer registo do que supostamente teria entregue diretamente aos trabalhadores

XXII. Não obstante, certo é que constam cheques emitidos sem que se saiba se foram levantados e, sobretudo, por quem. Em face dos factos detetados e descritos no relatório de inspeção, impunha-se a apresentação das cópias frente e verso dos cheques ao invés das cópias dos meros duplicados, ónus da impugnante.

XXIII. A douta sentença recorrido incorre assim em erro de julgamento de facto ao concluir que a impugnante adquiriu à sociedade A… o fornecimento dos trabalhos a que se reportam as faturas e que esses trabalhos foram realizados.

XXIV. Em sede de IVA não é possível presumir a existência de IVA dedutível, sendo dedutível apenas o imposto que tenha sido suportado e que conste em faturas regularmente emitidas por sujeito passivo que tenha prestado o serviço.

XXV. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de apreciação da prova e de erro de interpretação de lei, violando assim o disposto no artigo 19º do CIVA e 74º da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente. Porém, V. Exªas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA”.

A Impugnante não contra-alegou.

Os recursos foram admitidos, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento a ambos os recursos.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

No recurso apresentado pela Impugnante:

a) Há erro de julgamento, quanto à fatura atinente à obra no Pátio Bastos, obra essa realizada?

No recurso apresentado pela FP:

b) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

c) Há erro de julgamento, por não ter sido provada a efetividade das operações relativas às obras no Bairro da Galiza e no Largo Domingos Tendeiro?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. – A Impugnante encontrava-se colectada, em 2006, para o exercício da actividade de «Construção de Edifícios (residenciais e não residenciais) – CAE 41200»;

2. Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI200901076, de 04/03/2009, a Impugnante foi submetida a acção de inspecção tributária interna, em sede de IRC e de IVA, ao exercício de 2006;

3. A ordem de serviço referida no ponto anterior foi emitida em consequência da realização de acção de inspecção externa à actividade do sujeito passivo «A… Unipessoal, Lda.», NIF 5………. ;

4. Os serviços de inspecção tributária apuraram, quanto ao sujeito passivo «A… Unipessoal, Lda.», o seguinte: «(…) O SP A…, LDA. é um não declarante em sede de IRC e IVA. O(s) sócio(s) e gerente(s) da A…, LDA., em resposta às notificações efectuadas, nunca compareceu, nem respondeu às nossas solicitações. Impossibilidade da realização dos trabalhos facturados em 2006, por insuficiência da estrutura produtiva/humana da (…) A…, LDA. (…). Anexo I – (…) Das diligências efectuadas salientamos o seguinte: Relativo aos clientes (…) os montantes facturados, cerca de €607.470,84 (…) valor recolhido nas facturas em nosso poder correspondem a um conjunto de serviços prestados no Território Nacional, nos mesmos períodos de tempo, o que obriga a empresa prestadora a ter uma estrutura empresarial incluindo recursos humanos, vasta e deslocalizada (…) Solicitada à Segurança Social para nos informar o n.º de trabalhadores declarados ao serviço da A…, LDA., no exercício de 2006, fomos informados que a sociedade não entregou folhas de remunerações referente a 2006. Face ao exposto, constatamos da impossibilidade da realização dos trabalhos facturados em 2006, por insuficiência de estrutura produtiva/humana da (…) A…, LDA. (…) Da numeração das facturas recolhidas nos clientes, verificamos que a numeração não é sequencial. Apresentam um conjunto de facturas impressas em 2 tipografias diferentes, com numerações diferentes, no entanto todas as “séries” de facturas apresentam saltos de números nas facturas emitidas»;

5. O sujeito passivo «A… Unipessoal, Lda.», com o NIF 5………, emitiu em nome da Impugnante as facturas n.º 0461, 0462, 0701, 0702, 0703, 0704, nas seguintes datas e com o seguinte teor:



6. Em sede do procedimento de inspecção tributária referido no ponto 2. a Impugnante foi notificada para enviar os seguintes elementos relativos ao exercício de 2006 e ao sujeito passivo «A… Unipessoal, Lda.»: «a) Fotocópias da conta corrente, das facturas e dos meios de pagamento (…); b) Provas documentais – contratos de empreitada, autos de medição, seguros de pessoal em obra, bem como quaisquer outros elementos que provem inequivocamente a realização das obras (…); c) Identificação dos trabalhadores da A… (…)que prestaram serviço nas vossas obras (…); d) No caso de os trabalhadores não pertencerem ao quadro de pessoal daquela empresa, queira identificar o sub-empreiteiro a quem a A… (…) recorreu para prestar os serviços contratados; e) Deve ainda indicar a pessoa (da parte do fornecedor) que entregava a facturação em causa»;

7. Em 15/12/2002, a «A…, Lda.» emitiu uma declaração com o seguinte teor: «(…) autoriza a empresa A… (…) com que trabalho para proceder o pagamento do meu pessoal dado que tenho estado a [ilegível] frequentemente para África por motivos familiares e os pagamentos serão feitos em dinheiro (…). O resto da conta só é pago em cheques aquando regressar e entregar os recibos. (…)»;

8. Em 28/06/2005, a Impugnante e a Câmara Municipal de Lisboa celebraram «Contrato de Empreitada 05004640 – 13/DEPSO/2005» referente à reparação e conservação do prédio particular sito no Largo D…, n.º 1…»; 9. Em 02/09/2005, a Impugnante e a «EMGHA – Empresa de Gestão do Parque Habitacional do Município de Cascais» celebraram «Contrato de Empreitada de “Reabilitação de Nove Lotes (1 a 9) de Habitação situados no Bairro da Galiza em Cascais»;

10. Em 27/10/2005, a Impugnante e a Câmara Municipal de Lisboa celebraram «Contrato de Empreitada 05005343 – 35/DEPSO/2005» referente a obras de reparação de rupturas – ETD em Lisboa;

11. Em 11/01/2006 e em 14/09/2006, a Impugnante elaborou duas comunicações dirigidas à «A… Unipessoal, Lda.» com o seguinte teor: «(…) Serve a presente carta para se adjudicar as obras de construção dos telhados dos prédios do Bairro da Galiza – Estoril pelo valor global de 49.880,00€ e ainda as obras da cobertura dos lotes 6, 7 e 8 pelo valor de 15.643,00€; (…)» e «(…) Serve a presente carta para se adjudicar as obras de construção dos telhados e reparação de interiores em várias obras que temos em Lisboa pelo valor global de 45.000,00€; (…)»;

12. Em 2006, a Impugnante emitiu, à ordem de «A…, Lda.», o cheque n.º 6739937653, no valor de €19.410,05, o cheque n.º 6873135965, no valor de €2.000,00, o cheque n.º 4039937656, no valor de €1.777,52, o cheque n.º 6873129369, no valor de €13.000,00, o cheque n.º 6873084458, no valor de €500,00, o cheque n.º 6873136450, no valor de €4.150,00;

13. No âmbito da acção de inspecção tributária referida no ponto 2., os serviços de inspecção apuraram e concluíram que: «(…) aos custos contabilizados pelo sujeito passivo A… (…), referentes aos serviços prestados pelo subempreiteiro «A… Unipessoal, Lda.», que contribuíram para o apuramento e declaração da matéria colectável (…) não correspondem a serviços efectivamente prestados (…) pelos motivos que resumidamente indicamos: O SP A…, LDA. é um não declarante em sede de IRC e IVA. O(s) sócio(s) e gerente(s) da A…, LDA., em resposta às notificações efectuadas, nunca compareceu, nem respondeu às nossas solicitações. Impossibilidade da realização dos trabalhos facturados em 2006, por insuficiência da estrutura produtiva/humana da (…) A…, LDA.(…) Por outro lado, o sujeito passivo (…) não enviou os elementos solicitados que visavam a comprovação inequívoca das prestações de serviços facturadas, alegadamente realizadas pela A…, LDA, nomeadamente os contratos, nome e número de trabalhadores, etc. (…) respondeu à notificação enviando facturas, extractos de conta e documentos, informando não ter outros elementos (…)infringiu o sujeito passivo o disposto no art.º 23º do CIRC (…) por se tratar de operações materialmente inexistentes, logo, às quais não correspondem quaisquer gastos ou perdas efectivas.»;

14. No âmbito do procedimento de inspecção tributária referido em 2. efectuaram-se as seguintes correcções em sede de IVA:




15. Em consequência da correcção referida no ponto anterior, foi emitida a liquidação adicional de IVA ora impugnada e dos consequentes juros compensatórios, no valor total de €29.989,71;

16. Em 2006, a «A… Unipessoal, Lda.» realizou obras no Bairro da Galiza, em Cascais, a pedido da Impugnante, como a reparação de coberturas e da parte interna de cerca de onze edifícios, reparação das caixilharias e da parte exterior do edifício, como pinturas, e colocação de forras exteriores; - depoimento da testemunha António M….

17. Em 2006, a «A… Unipessoal, Lda.» realizou obras no Largo Domingos Tendeiro, n.º 1… a pedido da Impugnante - depoimento da testemunha O…”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não se provou que:

1. Em 2006, a «A… Unipessoal, Lda.» realizou obras no Pátio Bastos a pedido da Impugnante Factura 704.

(…) Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na posição das partes assumidas nos articulados, na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e no processo administrativo apenso.

No que respeita aos factos descritos nos pontos 16. e 17., o Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base no depoimento das testemunhas António M… e O…, que os prestaram de forma credível, espontânea e segura.

(…) A decisão da matéria de facto não provada baseou-se no facto de a prova produzida (documental e testemunhal) não ter logrado convencer o Tribunal de que os factos alegados pela Impugnante correspondem à verdade.

No que concerne ao depoimento da testemunha C…, a mesma afirmou que, em 2006, exercia as funções de técnico oficial de contas da Impugnante, tendo declarado que nunca se deslocou às obras realizadas pela Impugnante, que não conhece o Sr. J…, sócio da «A… Unipessoal, Lda.» e que sabe que as facturas foram pagas pela Impugnante a esta empresa por cheque e algumas em dinheiro, pelo que a mesma não demonstrou ter um conhecimento directo da efectiva prestação de serviços pela «A… Unipessoal, Lda.» à Impugnante descritas nas facturas em causa nos presentes autos.

Quanto ao depoimento da testemunha F…, a mesma declarou que exerceu funções de natureza administrativa para a Impugnante, nomeadamente em 2006, competindo-lhe fazer a conferência dos documentos e preparar a documentação para entregar ao contabilista, tendo declarado que nunca conheceu os trabalhadores da «A… Unipessoal, Lda.» e que falou, algumas vezes, com o Sr. J…, dono daquela empresa, porque este ia às instalações da Impugnante para entregar as facturas e que estas eram pagas por cheque ou em dinheiro, e que nunca se deslocou ao local das obras, pelo que a mesma não demonstrou ter um conhecimento directo da efectiva prestação de serviços pela «A… Unipessoal, Lda.» à Impugnante descritas nas facturas em causa nos presentes autos.

Na ausência de depoimento das testemunhas e de prova documental bastante e específica quanto aos factos alegados na petição inicial, não pode o Tribunal dar por provado que, em 2006, a «A… Unipessoal, Lda.» realizou os trabalhos descritos na factura n.º 704”.

II.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

A 2.ª Recorrente (FP) insurge-se quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, entendendo que deveriam ser suprimidos, dos factos dados como provados, passando a constar dos factos não provados, os seguintes:

“16. Em 2006, a «A… Unipessoal, Lda.» realizou obras no Bairro da Galiza, em Cascais, a pedido da Impugnante, como a reparação de coberturas e da parte interna de cerca de onze edifícios, reparação das caixilharias e da parte exterior do edifício, como pinturas, e colocação de forras exteriores.

17. Em 2006, a «A… Unipessoal, Lda.» realizou obras no Largo Domingos Tendeiro, n.º 1… a pedido da Impugnante”.

Vejamos.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169..

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados (2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada..

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se, atento o teor das alegações, que foram globalmente cumpridas as exigências legalmente impostas, indicando-se os termos em que a prova produzida foi insuficiente e/ou inexistente, pelo que se passará à apreciação do requerido.

Vejamos, então, proposta a proposta.

¾ Quanto ao facto 16., mencionado em II.A.:

O facto em causa tem a seguinte redação:

“Em 2006, a «A… Unipessoal, Lda.» realizou obras no Bairro da Galiza, em Cascais, a pedido da Impugnante, como a reparação de coberturas e da parte interna de cerca de onze edifícios, reparação das caixilharias e da parte exterior do edifício, como pinturas, e colocação de forras exteriores”.

A motivação do Tribunal a quo a este respeito centrou-se no depoimento da testemunha António M…, que, sendo certo que à data da inquirição era responsável pelo alvará da Impugnante, era, em 2006, fiscal de obra da dona da obra em causa. O seu depoimento revelou-se coerente, credível e convincente, não nos suscitando as reservas que a FP invoca, no sentido de o mesmo não ser livre e espontâneo.

A testemunha afirmou de forma clara que conhecia A… e respetivos funcionários, por força das funções que desempenhava, identificando-os como relacionados com a sociedade emitente das faturas em causa, sendo a mesma subempreiteira da Impugnante. Explicou que o contexto em que teve conhecimento da factualidade teve a ver com o que decorria do próprio exercício das suas funções de fiscal, no qual tinha de conhecer os subempreiteiros, saber o que faziam concretamente e contactar com os mesmos diretamente.

Logo, indefere-se o requerido.

¾ No que respeita ao facto 17., mencionado em II.A.:

O referido facto tem a seguinte redação:

17. Em 2006, a «A… Unipessoal, Lda.» realizou obras no Largo Domingos Tendeiro, n.º 1… a pedido da Impugnante”.

A este respeito a FP põe em causa a prova frágil produzida, designadamente pelo facto de a testemunha não indicar a sociedade em causa como interveniente da realização das obras.

Como resulta do depoimento de O…, assistente técnico da Câmara Municipal de Lisboa, que foi fiscal da obra realizada no Largo Domingos Tendeiro, o mesmo identificou a existência de trabalhadores africanos na obra, referindo-se ainda ao Senhor F…, com quem chegou a falar uma vez.

No entanto, o seu depoimento foi muito vago, não sabendo dizer o nome da sociedade em concreto nem especificando que concretas obras terão sido feitas. Assim sendo, entende-se que a prova produzida é insuficiente, não sendo de molde a sustentar a convicção do Tribunal, quanto à concreta intervenção da sociedade A… Unipessoal, Lda.

Como tal, nesta parte, defere-se o requerido, eliminando-se o facto 17. do elenco de factos provados, passando, em consequência, o mesmo a ser o facto não provado n.º 2.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento invocado pela Impugnante

Alega a 1.ª Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, no tocante ao decidido quanto à fatura n.º 704, na medida em que a mesma respeita a obra da qual foi a Câmara Municipal de Lisboa a dona da obra, que contratou, fiscalizou e pagou, prova que deve ser sopesada, podendo o Tribunal a quo lançar mão do disposto no art.º 116.º, n.º 2, do CPPT, que mais não fosse para os efeitos do art.º 100.º do mesmo código. Considera que está provado, documental e testemunhalmente, que as 6 faturas foram pagas pelo empreiteiro ao subempreiteiro e que a administração tributária (AT) não cumpriu com o seu ónus da prova.

Antes de mais, refira-se que o objeto do recurso da Impugnante se circunscreve à parte em que decaiu.

Apreciando.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

O direito à dedução do IVA é um direito que assiste aos sujeitos passivos de IVA, desde que os bens e os serviços, a que respeita tal imposto a deduzir, sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis.

O IVA funciona, pois, pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

Trata-se de um reflexo do princípio da neutralidade, subjacente a este imposto, que, no que toca ao direito à dedução em específico, se reflete na necessidade de o IVA não condicionar os produtores a alterar o seu processo produtivo.

Como reflexo da mecânica do imposto, resulta do n.º 3 do art.º 19.º do CIVA que não se pode deduzir o IVA que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.

“[C]omo decorre do preâmbulo do CIVA, ao fazer intervir na recolha do imposto a generalidade dos operadores económicos, diluindo-se o seu peso por um maior número de operadores e sendo a dívida tributária de cada operador calculada pelo método do crédito do imposto, decorre daqui a importância que uma dedução indevida do imposto reveste (…). O objecto da dedução são as quotas suportadas pelos sujeitos passivos nos termos prescritos nos artigos 19 e segs. do CIVA. Ora o artigo 19 nº3 deste diploma legal exclui de dedução o imposto resultante de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura” (3) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.05.2002 (Processo: 5650/01)..

Por outro lado, nos termos do art.º 75.º da LGT:

“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo…”.

Cabe, pois, à AT ilidir esta presunção de veracidade da contabilidade, carreando, maxime em sede de fundamentação do ato tributário, elementos suficientes para esse efeito.

É pacífico o entendimento de que, em situações como a dos autos, para efeitos designadamente do art.º 74.º, n.º 1, da LGT, a AT não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do art.º 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais (4) Vejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.02.2016 (Processo: 0591/15), de 16.03.2016 (Processos: 0400/15, 0587/15), de 19.10.2016 (Processo: 0511/15), de 16.11.2016 (Processo: 0600/15) e de 27.02.2019 (Processo: 01424/05.2BEVIS 0292/18).. Assim, reunidos e demonstrados que estejam tais indícios, cessa a presunção de veracidade prevista no art.º 75.º da LGT, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a efetividade das operações.

In casu, em sede de relatório de inspeção tributária (RIT), a AT elencou uma série de indícios, que, em seu entender, permitiriam pôr em causa a presunção de veracidade mencionada.

Vejamos, então, quais foram os elementos factuais e indícios considerados no RIT (cfr. facto 13.), atinentes ao exercício de 2006:

1. Relativos à sociedade emitente das faturas:

a) É não declarante em sede de IRC e IVA;

b) Os sócios e gerentes não responderam a quaisquer pedidos de informação da AT;

c) A estrutura produtiva/humana impossibilitava a realização dos trabalhos faturados em 2006, sendo que alguns dos trabalhos faturados foram nos mesmos períodos de tempo;

d) Não entregou as folhas de remunerações referentes a 2006;

e) A numeração das faturas não é sequencial

2. Relativos à Impugnante:

a) Não enviou documentos que comprovavam a prestação inequívoca dos trabalhos faturados, designadamente contratos, nome e número de trabalhadores;

b) Apenas apresentou faturas, extratos de conta e outros documentos, informando não ter mais elementos.

É referido pelo Tribunal a quo que a Impugnante não questionou a reunião pela AT dos indícios em causa e sua suficiência, o que não foi posto em causa. E, na verdade, atentando na petição inicial, a Recorrente centra-se na alegação da efetividade das operações tituladas pelas faturas. Logo, partiremos deste pressuposto, que, reiteramos, não foi posto em causa – não podendo, pois, ser agora aferida a bondade de alguns dos indícios elencados, designadamente o alegado nas conclusões 10.ª, 11.ª, 12.ª e 13.ª, primeira parte, uma vez que os mesmos não foram atacados oportunamente.

Posto isto, vejamos se se pode concluir pela demonstração da efetividade das operações tituladas pela fatura n.º 704, única em relação à qual o Tribunal a quo considerou não assistir razão à Impugnante.

Cumpre, antes de mais, atentar em alguns pontos de partida:

1. Não é posta em causa, em momento algum, a existência de um contrato com a Câmara Municipal de Lisboa (CML), nem mesmo que tais obras tenham sido realizadas;

2. O que é posto em causa é que essas obras tenham sido realizadas pelo concreto emitente das faturas ou por alguém por si contratado;

3. Portanto, carece de relevância o alegado a propósito de a CML ser a dona da obra e da existência de um contrato com aquela entidade – o que implica, por essa via, que seja igualmente irrelevante fazer qualquer tipo de prova pericial, com vista a aferir do estado da obra, dado não ser essa a prova que se pretende nem que é necessário fazer. O que se teria de provar é que aquelas concretas obras foram efetuadas pelo emitente das faturas ou por alguém pelo mesmo contratado;

4. Como já referimos supra, a Recorrente, apesar de mencionar que deve prevalecer a prova documental, não impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos exigidos pelo art.º 640.º do CPC, designadamente em termos de factualidade não provada;

5. Carece de qualquer relevância o alegado a propósito do processo de inquérito n.º 848/09.0IDLSB, porquanto a alegada inexistência de despacho de acusação não implica que esteja demonstrado, em sede de processo tributário, o que cabe à Impugnante demonstrar, nada tendo sido alegado e provado no sentido de ali ter sido considerado que as faturas foram pagas pelo seu valor real.

Reiteramos: neste tipo de caso, a prova a produzir pela Impugnante é a de que as faturas titulam operações reais efetuadas pela respetiva emitente.

Ora, como a própria Impugnante admite [cfr. conclusão 8.ª], não resultou provado que os serviços tenham sido efetivamente prestados pela emitente da fatura em causa, situação cuja prova, como já referimos, se afigura como fundamental em casos como o presente.

Ademais, o ónus da prova, nestes casos, cabe à Impugnante e não à AT, como já referido supra.

À AT, como aludimos anteriormente, basta-lhe reunir indícios sérios e credíveis de que se estar perante um caso de faturação falsa, cabendo à Impugnante a prova da efetividade da operação. O que, in casu, não logrou fazer – sendo que não se pode lançar mão do disposto no art.º 100.º, n.º 1, do CPPT, quando estamos perante um caso de inércia probatória por parte do Impugnante, a quem cabia o ónus da prova da efetividade das transações.

Como tal, não assiste razão à 1.ª Recorrente.

III.B. Do erro de julgamento invocado pela Fazenda Pública

Considera, por seu turno, a 2.ª Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, dado que a Impugnante não logrou efetuar a prova que lhe competia.

Em termos de enquadramento, remete-se para o já mencionado em III.A.

Tal como já referimos, nunca foi posto em causa o decidido pelo Tribunal a quo em termos de reunião de indícios por parte da AT, pelo que carece de pertinência apreciar tudo o alegado em torno dessa mesma suficiência.

Nesta parte, estamos perante a apreciação do decidido quanto às faturas 0461, 0462 e 0701 (relativas a obras no Bairro da Galiza) e às faturas 0702 e 0703 (relativas a obra no Largo Domingos Tendeiro).

Refira-se que a FP não põe em causa que as obras tenham sido efetuadas, como decorre claramente da sua posição (cfr. conclusão XIV), mas sim que a sua realização tenha sido feita pela emitente das faturas.

Como se pode antecipar, a decisão a proferir encontra-se interligada com a apreciação da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (cfr. II.D., supra).

Ora, atenta a factualidade provada, decorre da mesma que resultou provado que foi a emitente das faturas quem realizou os serviços a que tais documentos se referem, no que toca às obras no Bairro da Galiza.

É certo que existem algumas limitações quanto à relação entre emitente das faturas e Impugnante (designadamente em termos de pagamentos, dado os alegados pagamentos em numerário), mas foram justamente essas limitações que permitiram concluir estar-se perante situação com fortes indícios de se tratar de faturação falsa.

E, no caso concreto das obras no Bairro da Galiza, entende-se que foi provada de forma suficiente a sua efetivação, como decorre de 16. do probatório.

No entanto, o mesmo não consideramos em relação às obras realizadas no Largo Domingos Tendeiro – como, aliás, se antecipa face ao decidido supra em II.D.

Com efeito, como referido, cabe, em casos como o presente, ao Impugnante demonstrar a efetividade das prestações de serviço realizadas.

Ora, quanto às obras no Largo Domingos Tendeiro, nada ficou provado.

Efetivamente, como referimos, não há o mínimo de consubstanciação, na prova produzida, que permita relacionar as obras que lá terão sido feitas com as faturas emitidas.

Não se sabe em concreto que obras foram feitas e por quem, nem se consegue, pois, fazer uma relação entre as faturas emitidas e a circunstância de lá ter eventualmente havido intervenção da A… Unipessoal, Lda.

Nesse seguimento, atenta a falta de prova e a circunstância de o ónus da prova caber à Impugnante, assiste razão à FP nesta parte.

Como tal, o recurso da FP merece parcial provimento.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso apresentado pela Impugnante, mantendo-se, nessa parte, a sentença recorrida;

b) Conceder parcial provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública e, em consequência:

a. Revogar a sentença na parte relativa às faturas atinentes a obras no Largo Domingos Tendeiro (faturas 0702 e 0703), julgando-se, nesse segmento, improcedente a impugnação, com a consequente manutenção das liquidações impugnadas na parte respetiva;

b. Manter a sentença quanto ao demais.

c) Custas pela Impugnante, quanto ao recurso referido em a);

d) Custas por ambas as partes, quanto ao recurso referido em b), na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 25% pela Impugnante e 75% pela Fazenda Pública;

e) Registe e notifique.


Lisboa, 22 de junho de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Maria Cardoso)

(Susana Barreto)