Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:957/11.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/10/2020
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO;
ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES;
REMUNERAÇÃO
Sumário:i) Os magistrados do Ministério Público só têm o direito à remuneração prevista no art. 63.º, n.º, 6 do EMP, por acumulação de funções, se esta derivar de um acto enquadrável no tipo legal previsto nos nºs. 4 e 5 do mesmo artigo.
ii) Se a alegada acumulação de funções adveio de sucessivos provimentos alheios ao condicionalismo referido nos nºs. 4 e 5 desse art. 63.º EMP, não ocorreu o antecedente legalmente indispensável para que se constitua o direito mencionado no nº 6 do mesmo artigo.
iii) Faltando o direito, inexiste também qualquer obrigação que lhe fosse correlativa – designadamente a do Ministério da Justiça fixar o quantum remuneratório que corresponderia a uma acumulação de funções.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. C....., magistrada do Ministério Público, Recorrente nos autos, notificada da decisão sumária proferida, não se conformando com o seu conteúdo, vem, ao abrigo do n.º 3 do artigo 652.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, requerer que sobre o recurso apresentado incida acórdão.

O Ministério da Justiça não respondeu.

A decisão sumária reclamada negou provimento ao recurso e manteve a sentença recorrida do TAC de Lisboa onde havia sido concluído pela improcedência do pedido de condenação do ora Recorrido a fixar a remuneração suplementar que a A., ora Recorrente, reclama como contrapartida pelo exercício, invocado, de funções em regime de acumulação.

1.1. A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo art. 635º, n.º 4, do CPC CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do art. 636º, n.º 1 CPC, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final. A reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária.

Cumpre, pois, reapreciar as questões suscitadas pela Recorrente em sede de conclusões, fazendo retroagir o conhecimento do mérito do recurso ao momento anterior à decisão singular de mérito proferida.

1.2. Recapitulando as conclusões apresentadas no recurso interposto para este TCAS pela Recorrente.:

I. Vem o presente recurso interposto do Saneador-Sentença proferido pelo TAC de Lisboa, de 30.01.2020, que, julgando improcedente a acção, absolveu o ora Recorrido do pedido, por entender que, atenta a matéria de facto dada como assente, não estaríamos aqui perante uma “acumulação de funções”, mas antes perante uma “distribuição de serviço", conforme decidido nos Acórdãos do STA, de 10.03.2016, proferido no processo n.° 01428/15 e do TCA Sul, de 02.06.2016, proferido no processo n.° 13278/16, arestos para os quais remete para efeitos de fundamentar tal decisão.

II. A presente acção foi interposta como acção administrativa especial, com vista a obter a condenação do Recorrido a praticar os actos de fixação da remuneração suplementar devida, por acumulação de funções, nos termos do disposto nos preceitos normativos acima referidos, tendo sido determinada a respectiva convolação para acção administrativa comum, por erro na forma de processo, com fundamento em que em causa estaria a condenação “da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que directamente decorram de normas jurídico- administrativas e não envolvam a emissão de um acto administrativo impugnável", conforme previsto no artigo 37.°, n.° 1, alínea e) do CPTA, na sua redacção inicial.

III. A fundamentação de direito constante do Saneador-Sentença recorrido é feita, na íntegra, através de uma remissão em bloco para os aludidos Acórdãos do STA, de 10.03.2016 e do TCA Sul, de 02.06.2016, remissão essa que estava aqui absolutamente vedada, já que o legislador exige a especificação dos fundamentos de direito da decisão, sob pena de nulidade da sentença, conforme preceituado no artigo 615.°, n.° 1 alínea b) do CPC, aplicável ex vi artigo 140.°, n.° 3 do CPTA.

IV. Logo, o Saneador-Sentença em crise é nulo por falta de especificação dos fundamentos de direito, nos termos dos preceitos normativos acima citados, nulidade essa que se invoca para os devidos efeitos legais.

V. A questão controvertida nos presentes autos consiste em saber se a Recorrente, tendo, no período entre 25.02.1998 e 31.08.2008 exercido funções de representação do Ministério Público na 1.a Secção do 1.° Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, onde foi colocada pela Ordem de Serviço n.° 329, de 23.02.1998 e, posteriormente, entre 01.09.2008 e 01.07.2010, exercido funções de representação do Ministério Público na 3.a Secção do 6.° Juízo Criminal, onde foi colocada pelo Provimento n.° 5/2008, de 31.07.2008 e, em virtude de determinação hierárquica (em concreto, os Provimentos n.os 1/99 e 3/99, de 15.01.1999 e de 20.09.1999 e o referido Provimento n.° 5/2008), desempenhado funções próprias dos magistrados do Ministério Público no Tribunal de Instrução Criminal, mais concretamente no DIAP de Lisboa, se encontrava numa situação de acumulação de funções que, nos termos do artigo 63.°, n.° 6 do EMP, confira o direito à atribuição da remuneração suplementar.

VI. Efectivamente, e em virtude de determinação hierárquica, a Recorrente cumulou, para além do serviço próprio dos Juízos mencionados, funções próprias dos magistrados do Ministério Público no Tribunal de Instrução Criminal, que cabem no conteúdo funcional dos magistrados do Ministério Público junto do DIAP de Lisboa, nos termos do artigo 73.°, n.° 1, alínea a) do EMP, assegurando, entre 01.09.2008 e 01.07.2010, a investigação e direcção penal em processos de inquérito e a instrução de inquéritos nos processos abreviados, entre 25.02.1998 e 31.08.2008.

VII. Não obstante, considerou o TAC de Lisboa não estarem aqui preenchidos os requisitos dos quais depende o direito à remuneração suplementar pela acumulação de funções, atenta a jurisprudência vertida nos aludidos Acórdãos do STA e do TCA Sul, da qual decorre, em síntese, que a acumulação de funções causal do surgimento do direito do magistrado a uma remuneração acrescente tem de se suportar num acto com as seguintes características: um acto do Procurador-Geral Distrital que atribua ao Procurador-Adjunto “o serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos"; um acto motivado por "acumulação de serviço, vacatura do lugar ou impedimentos do seu titular, por período superior a 15 dias”; um acto precedido de “prévia comunicação” ao CSMP; e um acto cuja “medida” não pode vigorar por mais de seis meses".

VIII. Sucede que a Recorrente não pode conformar-se com a jurisprudência supra exposta, desde logo, pelo facto de, no período em que a mesma acumulou funções, valer o entendimento {vertido, nomeadamente, no Parecer n.° 499/2000, de 16.06.2004, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e no Acórdão do STA de 07.02.2001, proferido no Processo n.° 33679) segundo o qual, à luz do disposto nos n.os 4 e 6 do artigo 63.° do EMP, aplicáveis por força do n.° 4 do artigo 64.° do EMP, na redacção então em vigor, aplicável in casu, para que tal acumulação se verificasse e surgisse o correspectivo direito à remuneração suplementar, teriam que estar verificados cumulativamente os seguintes pressupostos: i) acumulação de funções para além daquelas compreendidas no respectivo cargo (afecto a um determinado tribunal, juízo, vara, departamento, serviço ou lugar) com outras correspondentes a cargo atribuído {ou a atribuir) a outro magistrado, ao qual corresponde um lugar no respectivo quadro; ii) por motivos de acumulação de serviço, falta ou impedimento do titular do segundo cargo; iii) que tal acréscimo de funções resultasse de determinação hierárquica; iv) e que a mesma se prolongasse por período superior a 30 dias.

IX. Ou seja, ao longo de todo o período em que se verificou a acumulação de funções, nunca foi imposto, desde logo pelos Tribunais Superiores, qualquer acto administrativo revestido das formalidades que vêm sendo exigidas pela jurisprudência mais recente para que surja o direito patrimonial correspectivo.

X. Ora, não há dúvidas que no presente caso ocorreu uma situação de acumulação de funções, já que, aplicando-se o referido entendimento doutrinário e jurisprudencial vigente à data do exercício de funções em acumulação pela Recorrente, as funções compreendidas no cargo a que a mesma estava afecta encontravam-se delimitadas pela competência dos Juízos Criminais e dos juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, tal como definida, respectivamente, pelos artigos 100.° e 102.° da LOFTJ então em vigor.

XI. Isto é, o conteúdo funcional do cargo da Recorrente estava circunscrito a representar o Ministério Público nos actos judiciais próprios dos Juízos Criminais de Lisboa e dos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa.

XII. Ora, o EMP institucionalizou os chamados Departamentos de Investigação e Acção Penal, conforme decorre dos artigos 70.°, 72.° e 73.° do EMP, na redacção então vigente, em especial a alínea a) do n.° 1 deste último, tendo sido estabelecidos os respectivos quadros e as regras de provimento dos magistrados do Ministério Público nestes quadros (cfr. artigo 120.° do EMP).

XIII. Assim, na Comarca de Lisboa, a direcção do inquérito e o exercício da acção penal cabem ao DIAP de Lisboa, estando tais funções, ab initio, excluídas do conteúdo funcional do cargo dos magistrados do Ministério Público colocados nos Juízos Criminais de Lisboa e nos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, como era o caso da Recorrente, o que leva a que a ampliação do âmbito das funções exercidas pela Recorrente consubstancie uma acumulação relevante para efeitos do disposto nos artigos 63.° e 64.° do EMP, já que se verificam os demais requisitos aplicáveis à data em que tal acumulação se verificou (a acumulação de funções em virtude de determinação hierárquica e a sua duração ininterrupta por mais de 30 dias).

XIV. Pelo que andou mal o Tribunal ao remeter, sem mais, para a jurisprudência assinalada e que faz tábua rasa do regime legal vigente à data a que se reporta a factualidade em causa nestes autos, ignorando, assim, que a colocação dos magistrados do Ministério Público deve ser efectuada para lugares com um conteúdo funcional perfeitamente definido, sob pena de violação do princípio da especialização,

XV. Mais, tal jurisprudência abre portas à possibilidade de imposição de uma “acumulação" indiferenciada, sob as vestes de uma pretensa “distribuição de serviço" pela hierarquia.

XVI. Em todo o caso, não é clara a distinção que se faz no Acórdão do STA a que nos vimos reportando entre “distribuição/reorganização de serviço" e “acumulação de funções’’, já que se reconhece que se estaria perante uma situação de acumulação de funções, não obstante tal situação seja depois reconduzida a uma “reorganização de serviço".

XVII. Mas, ainda que assim fosse, a verdade é que a interpretação que é feita pelo Tribunal recorrido dos artigos 63.° e 64.° do EMP, mediante remissão para a jurisprudência assinalada, não pode ser aceite, já que permitiria que um magistrado acumule as suas funções com quaisquer outras, em clara subversão do regime de acumulação de funções, porquanto teria de desempenhar trabalho suplementar sem, no entanto, receber qualquer compensação por tal facto e sem que pudesse contestar as ordens recebidas nesse sentido, atento o princípio da hierarquia.

XVIII. Labora, ainda, em erro o Saneador-Sentença recorrido (ao acolher na íntegra o entendimento vertido no Acórdão do STA de 10.03.2016), na interpretação que faz os artigos 63.° e 64.° do EMP, na parte em que confunde dois planos distintos de intervenção: o do CSMP, cujo parecer é obrigatório (mas não vinculativo), e o do Ministério da Justiça a quem cabe a competência para decidir.

XIX. Com efeito, não resulta dos aludidos artigos que seja ao CSMP que compete decidir sobre a alegada verificação de uma situação de acumulação de funções mas, outrossim, que a este cabe emitir parecer, não vinculativo, sendo este, aliás, o entendimento sufragado no Acórdão do TCA Sul de 19.12.2007, proferido no processo n.° 06018/02 e no Acórdão do TCA Norte, de 08.05.2015.

XX. Para além disso, a interpretação dos artigos 63.° e 64.° do EMP feita pelo Tribunal a quo afigura-se ainda inconstitucional, por violar o princípio da igualdade consagrado no artigo 13° da CRP, o que se invoca, com todas as legais consequências.

XXI. E isto, porquanto a situação da Recorrente é em tudo semelhante à de outros magistrados do Ministério Público que viram a sua situação reconhecida como acumulação de funções e foram abonados da correspectiva remuneração suplementar sem que estivessem reunidos os requisitos enunciados na jurisprudência citada pelo Tribunal recorrido, inexistindo qualquer fundamento objectivo que justifique a diferenciação no tratamento destas situações, operada pelo Tribunal a quo.

XXII. Assim, o não reconhecimento in casu de uma situação de acumulação de funções configura uma flagrante violação do predito princípio constitucional, a cujo cumprimento os tribunais estão adstritos, ao discriminar negativamente a primeira face aos demais magistrados do Ministério Público que se encontravam numa posição em tudo semelhante à sua.

XXIII. Acresce que ao não reconhecer aqui verificação de uma situação de acumulação de funções, o TAC de Lisboa sufraga uma interpretação dos artigos 63.° e 64.° do EMP que afecta de forma intolerável viola o princípio da boa-fé e da confiança, constitucionalmente consagrado, desde logo, porquanto de a Recorrente ver reconhecida a sua situação de acumulação de funções e, consequentemente, de ser-lhe abonada a remuneração suplementar devida por tal acréscimo de funções, tanto mais que, como vimos, os magistrados do Ministério Público em igualdade de circunstâncias foram remunerados pela acumulação de funções exercidas.

XXIV. Pelo que, também por violação do princípio da protecção da confiança o entendimento sufragado pelo Tribunal recorrido é inconstitucional, o que se invoca, com todas as legais consequências.

XXV. Em face de todo o exposto, deve o Saneador-Sentença ser revogado com fundamento em erro de direito, por violação dos artigos 63.° e 64.° do EMP, e substituído por outro que acolha o pedido formulado pela Recorrente.

O Recorrido apresentou contra-alegações de recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção do decidido. Concluiu:

A) O despacho saneador-sentença do TAC de Lisboa de 30 de janeiro de 2020, objeto do presente recurso, é válido e deve-se confirmar por não padecer de nulidade por omissão de fundamentação de direito e de violação de lei, concretamente de violação dos artigos 63.º e 64.º do EMP e dos princípios da igualdade e da proteção da confiança.

B) A fundamentação de direito per relatione ou per remissionem contida no despacho saneador-sentença em recurso encontra-se prevista na lei e assume informação que satisfaz os fins e os requisitos essenciais da fundamentação, contendo uma exposição dos fundamentos de direito onde identifica o pedido, as normas jurídicas interpretadas e aplicadas à situação e onde conclui que as razões apresentadas pela Autora /Recorrente não se enquadram no tipo legal de ato previsto no disposto nos artigos 63.º e 64.º do EMP (cf. Acórdão do TCA Norte de 20 de setembro de 2007, Proc. 213/06.01BEPNF). C) A falta de fundamentação de direito geradora de nulidade de despacho saneador-sentença ou de decisão judicial, nos termos previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 615.º do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA, só ocorre quando falte em absoluto a especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão, isto é, quando a exposição dos fundamentos de direito é totalmente omissa na determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes à decisão e não permita ao seu destinatário apreender as razões de direito que a motivam. D) O que não é o caso.

E) O despacho saneador-sentença em recurso carecia e foi dotado de fundamentação de direito, à semelhança das demais decisões judiciais, em virtude de ter conhecido totalmente do mérito da causa, lhe pôr termo e se revestir do valor de sentença para todos os efeitos, designadamente de interposição do presente recurso (nº s 1, alínea b), e 4 do artigo 88 do CPTA e artigos 619.º e 644.º do CPC ex vi nº 5 do artigo 88.º do CPTA).

F) Quanto à forma da fundamentação de direito per relatione ou per remissionem do despacho saneador-sentença em recurso, cumpre-se o disposto na lei que estabelece, a propósito do conteúdo das decisões judiciais, que na exposição dos fundamentos de direito a sentença deve indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes à matéria objeto do litígio (nºs 2, 3 e 5 do artigo 94.º do CPTA e nº 5 do artigo 663.ºdo CPC ex vi nº 3 do artigo 140.º do CPTA). G) Neste sentido, a justificação de direito per relatione ou per remissionem da decisão consistiu numa uniforme especificação dos fundamentos de direito - resultante da composição ou junção do sumário de acórdão precedente, de que cita e transcreve copia, do STA de 10/03/2016 (P.º n.º 01428/15) e das exposições dos fundamentos de direito de acórdão precedente do TCA Sul de 02/06/2016 (Pº n.º 13278/16), citando a jurisprudência relevante, unitária e reiterada, do STA, e do despacho saneador-sentença em recurso - com a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes à matéria objeto da causa. H) Na verdade, as normas constantes do nº 5 do artigo 94.º do CPTA e do nº 5 do artigo 668.º do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consagram uma hipótese legal de fundamentação per relationem ou per remissionem, através da qual os órgãos jurisdicionais de 1ª ou 2ª instância - neste caso o TAC de Lisboa ou o tribunal a quo - faz sua - nela se louvando - a fundamentação de direito dos tribunais de hierarquia superior (em que se inclui a do tribunal ad quem), como que a absorvendo e integrando na sua própria decisão.

I) Ao 'adotar' a decisão assim fundamentada, e ao 'apropriar-se' do respetivo conteúdo, o TAC de Lisboa assegura plenamente o imperativo constitucional e infra-constitucional da necessidade de fundamentação das decisões judiciais (artigos 205, n.º 1, da CRP, e 158 do CPC).

J) Só uma ausência absoluta de fundamentação de direito, que não uma fundamentação per relationem ou per remissionem que não é genérica, mas sumária e especificada, pode ser geradora da nulidade das decisões judiciais.

K) Ora, o despacho saneador-sentença do TAC de Lisboa em recurso não é omisso ao especificar os fundamentos de direito per relationem ou per remissionem que justificam a decisão uma vez que nele, nos termos citados supra, se procedeu à identificação e interpretação das normas jurídicas, os artigos 63.º e 64.º do EMP, aplicáveis à causa e se decidiu «Mutatis mutandis (…), atenta a factualidade apurada, (…) [segundo a citada jurisprudência] (…), quod erat demonstratum».

L) Por último, a descrita forma de especificar os fundamentos de direito per relationem ou per remissionem que justificam a decisão no despacho saneador-sentença em recurso - bem como de identificar as partes, o objeto do litígio, com a enunciação das questões de mérito que ao tribunal cabe dirimir, de expor os fundamentos de facto, a decisão e a condenação em custas – atingiu os seus fins e, por esta via, a fundamentação de direito também não é alheia ao direito ou à lei.

M) Com efeito, prova-se que a Recorrente apreendeu toda a argumentação de direito per relatione ou per remissionem que serviu de suporte ao despacho saneador-sentença recorrido por ao mesmo ter agora apresentado a oposição que já tinha apresentado em sede de 1.ª instância, não se lhe revelando difícil seguir o itinerário cognoscitivo e valorativo do Julgador.

N) Por último, verifica-se que o julgador na exposição dos fundamentos de direito da decisão por remissão teve em consideração todos os casos que mereceram tratamento análogo e obteve uma interpretação e aplicação uniforme e atual do direito e que esta permitirá ao tribunal ad quem pronunciar-se sem dificuldades.

O) Em conformidade, a fundamentação de direito do despacho saneador-sentença recorrido não padece de omissão de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão por seguir a via da per relatione ou per remissionem, sumaria e especificada, para os acórdãos precedentes, de que junta copia, do STA de 10/03/2016 (Pº n.º 01428/15) e do TCA Sul de 02/06/2016 (Pº n.º 13278/16) e, consequentemente, ter alcançado os seus fins.

P) Em face do exposto, o despacho saneador-sentença em recurso é válido e deve-se confirmar, por não padecer de nulidade, prevista no disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 615.º do CPC ex vi nº 3 do artigo 140.º do CPTA, improcedendo o invocado pela Recorrente.

Q) Quanto ao alegado erro de julgamento de direito por violação do disposto nos artigos 63.º e 64.º do EMP, considera-se que o despacho saneador-sentença do TAC de Lisboa de 30 de janeiro de 2020 em recurso deve-se confirmar por efetuar uma interpretação e aplicação correta das referidas normas jurídicas ou conforme às regras e princípios de interpretação consagrados no artigo 9.º do Código Civil.

R) No despacho saneador-sentença em recurso fixa-se o reto sentido e alcance do disposto nos artigos 63.º e 64.º do EMP e traduz-se com fidelidade o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, inexistindo qualquer fundamento para se considerar que o despacho saneador-sentença em recurso padece de violação da citada lei. S) Por conseguinte, nos termos do disposto nos nºs 4 a 6 do artigo 63.º do EMP, o Ministro da Justiça não pode, por despacho, proceder à fixação de remuneração por acumulação de funções, entre 1/5 e a totalidade do vencimento do magistrado, porque não existe uma deliberação do CSMP ou uma determinação do procurador-geral distrital, precedida de comunicação ao CSMP, a atribuir o serviço à magistrado do MP em regime de acumulação de funções; ainda que tivesse sido apresentado um requerimento dirigido, por via hierárquica do MP, ao Ministro da Justiça com o pedido de fixação de remuneração pela acumulação de funções e emitido um parecer do CSMP a propor o quantum remuneratório à Requerente.

T) No caso concreto, prova-se que existiu um ato contrário ao enquadrável no tipo legal previsto nos nºs 4 e 5 do artigo 63.º do EMP por do PA constar um parecer do CSMP e um despacho da PGR a afirmar que não se verifica, no caso em presença, uma situação de acumulação de funções e que, consequentemente, NÃO HÁ LUGAR À FIXAÇÃO DE QUALQUER SUPLEMENTO REMUNERATÓRIO PELO SENHOR MINISTRO DA JUSTIÇA.

U) Assim, nos termos e fundamentos do despacho saneador-sentença, terá de se reconhecer que «I - Os magistrados do MP só têm o «direito a remuneração», previsto no artigo 63º, n.º 6, do EMP, por acumulação de funções se esta derivar de um ato enquadrável no tipo legal previsto nos nºs 4 e 5 do mesmo artigo. II - Se a alegada acumulação de funções adveio de sucessivos provimentos alheios ao condicionalismo referido nos nºs 4 e 5 desse artigo 63º, não ocorreu o antecedente legalmente indispensável para que se constituísse o direito mencionado no n.º 6 do mesmo artigo. III - Faltando o direito, inexiste também qualquer obrigação que lhe fosse correlativa - designadamente a do Ministro da Justiça fixar o «quantum» remuneratório que corresponderia a uma acumulação de funções.» (Sumário do Ac. do STA, de 10-03-2016, proc. nº 01428/15).

V) Em consequência, encontra-se prejudicada a resposta do MJ às questões/alegações da Recorrente de saber se a atribuição de serviço, no período em causa, em qualquer das suas vertentes, é uma acumulação ou uma distribuição de serviço; se as funções compreendidas no cargo da Recorrente se delimitam pela competência dos Juízos Criminais e dos Juízos de Pequena Instância Criminal, em que se encontrava colocada, e se há uma ampliação das funções que configure uma acumulação de serviço relevante para efeito do disposto nos artigos 63.º e 64.º do EMP com o consequente acréscimo de trabalho não remunerado e não subsumível numa distribuição de serviço.

W) Em face do exposto, adere-se e dá-se aqui por reproduzida a fundamentação e decisão do contida no despacho-saneador-sentença do TAC de Lisboa de 30 de janeiro de 2020 em recurso, na parte em que se reporta e transcreve a jurisprudência do STA e do TCA Sul X) Nestes termos, o despacho saneador-sentença em recurso não padece de erro de julgamento de direito por violação do disposto nos artigos 63.º e 64.º do EMP pelo que se deve confirmar, também improcedendo nesta parte o alegado pela Recorrente.

Y) O facto de o CSMP ter omitido praticar um ato enquadrável no tipo legal previsto nos nºs 4 e 5 do artigo 63.º do EMP e do PA constar um parecer do CSMP e um despacho da PGR a corroborar que o caso em presença não se enquadrou no regime previsto nos artigos 63.º e 64.º do EMP, não é, na vertente do princípio da igualdade, uma atuação discriminatória por não se provar que há uma desigualdade de decisão/atuação em relação a outras situações, material e substancialmente análogas à em apreço ou que não se diferenciou o que é desigual.

Z) Finalmente, não se prova que o CSMP, o procurador-geral distrital ou os órgãos hierárquicos do MP tivessem criado ou potenciado a confiança da Recorrente no reconhecimento de uma situação de acumulação de funções relevante para efeitos patrimoniais uma vez que tal atuação se configurava contrária ao disposto nos artigos 63.º e 64.º do EMP na ausência de um ato enquadrável no tipo legal previsto nos nºs 4 e 5 do artigo 63.º do EMP, pelo que terá também de improceder a alegada violação do princípio da proteção da confiança.

AA) Em síntese, o despacho saneador-sentença contém «a determinação do direito aplicável aos factos, [a resolução de ] todas as dúvidas suscitadas, quer na seleção e na interpretação das normas legais correspondentes à situação de facto, quer na aplicação das normas, formuladas em abstrato, ao caso concreto a decidir, com as particularidades da sua constituição e desenvolvimento» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, 1984, pág. 647 e 648), não padecendo da invocada invalidade de omissão de fundamentação de direito e de erro de julgamento de direito por violação dos artigo 63.º e 64.º do EMP e dos princípios da igualdade e da proteção da confiança, pelo que se deve confirmar.


2. Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto não se pronunciou.



3. Com dispensa de vistos, conhecendo do recurso, vem o processo agora à conferência para apreciação da reclamação deduzida.

4. Dá-se por reproduzida, nos termos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do CPC, a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, a qual não é sujeita a impugnação.


5. A questão objecto do presente recurso, nos termos em que foi colocada pela Recorrente no presente recurso jurisdicional, tal como identificado na decisão sumária reclamada, consiste em saber:

- Se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação

- Se o tribunal a quo errou ao ter julgado improcedente o pedido de condenação da Entidade Demandada à prática do acto devido, consubstanciado na fixação à ora Recorrente da remuneração suplementar entendida por devida, nos termos dos n.ºs 4 e 6 do art.º 63.º e n.º4 do art.º 64.º do EMP, na redacção então vigente (Lei n.º 60/98, de 27/08).



6. Apreciando, temos que a Recorrente e ora Reclamante vem reclamar da decisão sumária do relator de 23.06.2020 que concluiu pela manutenção da sentença recorrida e que havia julgado improcedente a presente acção administrativa especial. A decisão reclamada, que negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida, foi proferida ao abrigo do disposto nos artigos 652.º, n.º 1, al. c), e 656.º do CPC ex vi art. 140.º do CPTA, por remissão para a fundamentação do acórdão deste TCAS de 2.03.2017, proc. nº 3326/11.4BELSB, que cita e cuja cópia (extraída da base de dados) se anexou.

A decisão em causa do relator, na sua parte relevante, é do seguinte teor:

(…)

Em primeiro lugar, a apontada nulidade por falta de fundamentação não se verifica.

É pacífica a jurisprudência no sentido de que só a absoluta falta de fundamentação, não apenas a sua insuficiência, determina a nulidade da decisão, sendo que à falta absoluta assimila-se a fundamentação que não permita descortinar as razões de decidir (cfr., entre tantos outros, o ac. do STA de 27.06.2019, proc. n.º 507/11.4BALSB).

A fundamentação por remissão para decisão judicial anterior - fundamentação per relationem ou per remissionem – não determina por si só nulidade por falta de fundamentação, desde que cumpra com a razão de ser da imposição constitucional e legal da fundamentação: dar a conhecer as razões de decidir de modo que, nomeadamente, permita dissentir.

Ora, no caso, apresenta-se como manifesto que a ora Recorrente, conforme demonstrou nas suas alegações de recurso ter aquilatado das razões, de facto e de direito, da improcedência da acção.

Donde, não só a fundamentação per relationem ou per remissionem é autorizada pela lei, conforme resulta do art. 94.º, n.º 5, do CPTA, como no caso concreto satisfaz os requisitos essenciais da fundamentação, contendo uma exposição dos fundamentos de direito onde identifica o pedido, as normas jurídicas interpretadas e aplicadas à situação e onde conclui que as razões apresentadas pela Autora e ora Recorrente não se enquadram no tipo legal de acto previsto no disposto nos artigos 63.º e 64.º do EMP. E tanto assim é que a mesma Recorrente no recurso interposto não deixou de apresentar, de modo especificado e extenso, as razões da sua discordância relativamente ao decidido.

Não se verifica, portanto, a nulidade por falta de fundamentação suscitada, com o que improcede o recurso nesta parte.

É tempo de entrar na questão nuclear do recurso: o imputado erro de julgamento do tribunal a quo, que não concluiu pela condenação do ora Recorrido a fixar a remuneração suplementar que a A., ora Recorrente, reclama como contrapartida pelo exercício, invocado, de funções em regime de acumulação.

Mas o recurso está, também aqui, votado ao insucesso.

Em situação em tudo análoga à presente, com idêntico contexto factual, e cuja doutrina é aqui integralmente replicável, já este TCAS se pronunciou, i.a., no acórdão de 2.03.2017, proc. nº 3326/11.4BELSB (relatado pelo ora signatário), em que se sumariou:

i) “Os magistrados do Ministério Público só têm o direito à remuneração prevista no art. 63.º, n.º, 6 do EMP, por acumulação de funções, se esta derivar de um acto enquadrável no tipo legal previsto nos nºs. 4 e 5 do mesmo artigo.

ii) Se a alegada acumulação de funções adveio de sucessivos provimentos alheios ao condicionalismo referido nos nºs. 4 e 5 desse art. 63.º EMP, não ocorreu o antecedente legalmente indispensável para que se constitua o direito mencionado no nº 6 do mesmo artigo.

iii) Faltando o direito, inexiste também qualquer obrigação que lhe fosse correlativa – designadamente a do Ministério da Justiça fixar o quantum remuneratório que corresponderia a uma acumulação de funções.

Como nesse aresto se refere, sobre a temática trazida a recurso existe já jurisprudência firmada. Veja-se os acórdãos deste TCAS de 2.06.2016, proc. nº 13178/16, e de 22.09.2016, proc. n.º 12950/16; também os acórdãos do STA de 12.05.2016, proc. n.º 1427%15, 10.03.2016, proc. n.º 1428/15, 14.04.2016, proc. n.º 904/15, e de 7.04.2016, proc. n.º 1389/15.

viola o princípio da boa-fé e da confiança, constitucionalmente consagrado, desde logo, porquanto de a Recorrente ver reconhecida a sua situação de acumulação de funções e, consequentemente, de ser-lhe abonada a remuneração suplementar devida por tal acréscimo de funções, tanto mais que, como vimos, os magistrados do Ministério Público em igualdade de circunstâncias foram remunerados pela acumulação de funções exercidas.

E quanto à alegada violação do princípio da protecção da confiança, nada se provou que permita sustentar essa conclusãono dizer do Recorrido, nada vem provado relativamente a que o procurador-geral distrital ou os órgãos hierárquicos do MP tivessem criado ou potenciado a confiança da Recorrente no reconhecimento de uma situação de acumulação de funções relevante para efeitos patrimoniais -, sendo que, relembre-se, sempre o acto reivindicado haveria que cumprir regime previsto nos artigos 63.º e 64.º do EMP.

O mesmo se diga relativamente à alegada violação do princípio da igualdade, desde logo por ausência factual de suporte. Mas mais, seguro é que o principio da igualdade não confere um direito à igualdade na ilegalidade; este princípio só funciona no contexto da legalidade (cfr., a este propósito, i.a., o ac. do STA de 6.12.2018, proc. nº 1062/08.8BEPRT).


Assim, por remissão para a fundamentação do acórdão deste TCAS supra citado, haverá que negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida..

A decisão proferida pelo relator sobre o mérito da causa é de manter integralmente, nos exactos termos da sua fundamentação que aqui se reitera.

Com efeito, no acórdão do TCAS que fundamentou o acórdão ora reclamado, escreveu-se:

Sobre a temática trazida a recurso existe já jurisprudência firmada. Veja-se os acórdãos deste TCAS de 2.06.2016, proc. nº 13178/16, e de 22.09.2016, proc. n.º 12950/16; também os ac.s do STA de 12.05.2016, proc. n.º 1427%15, 10.03.2016, proc. n.º 1428/15, 14.04.2016, proc. n.º 904/15, e de 7.04.2016, proc. n.º 1389/15.

Assim, sendo a situação em tudo semelhante à presente, limitar-nos-emos a transcrever, nos termos permitidos pela lei processual civil, o acórdão deste TCAS de 22.09.2016, proc. n.º 12950/16, a cujo discurso fundamentar aderimos integralmente:

(…)

Do Direito

Os ora recorridos instauraram no TAC de Lisboa, contra o Ministério da Justiça, a presente acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido, no caso o acto de fixação da remuneração suplementar que considera devida, nos termos dos n.°s 4, 5 e 6 do artigo 63° e n.° 4 do artigo 64°, ambos do Estatuto do Ministério Público (EMP).

Sustentam, para tanto e em síntese, que, por determinação hierárquica, vêm acumulando com as funções que exercem nos Juízos Criminais da Comarca de Lisboa, a direcção e investigação criminal em processos de inquérito, funções essas legalmente atribuídas (cfr. artigos 72° e 73° do Estatuto do Ministério Público, na redacção então vigente) aos magistrados do Ministério Público colocados no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa.

O TAC de Lisboa julgou a acção procedente e condenou a entidade demandada a praticar os actos peticionados.

Inconformado, o Ministério da Justiça interpôs recurso jurisdicional, imputando à sentença recorrida erro de julgamento de direito, pois entende, em síntese, que, ao contrário do que foi entendido pelo TAC de Lisboa, não estamos perante uma situação de acumulação de funções, mas antes de mera distribuição do serviço como mecanismo de gestão.

A questão que se coloca é, assim, a de saber se os autores/recorridos, magistrados do MP colocados nos Juízos Criminais da Comarca de Lisboa que, por determinação hierárquica, tiveram de assegurar, além desse serviço, a direcção e investigação criminal em processos de inquérito, estão numa situação de acumulação de funções que confira o direito à atribuição da remuneração suplementar prevista no artigo 63.°,n.°6, do EMP.

Esta questão foi apreciada (recentemente) pelo STA nos Acórdãos de 10/03/2016, proc. n.° 01428/15, 7/04/2016, proc. nº 01389/15, 14/04/2016, proc. nº 0904/15 e 12/05/2016, proc. nº 01427/15.

Assim, no acórdão de 10/03/2016, cuja jurisprudência veio a ser inteiramente secundada nos demais acórdãos citados, entendeu-se que:

«(...) Pareceria, pois, que, «ante omnia», haveríamos - decerto por referência aos conteúdos funcionais dos magistrados do M°P" em exercício nos Juízos Criminais e no DIAP - de apurar se aquela afectação de inquéritos à recorrida traduzira uma verdadeira acumulação de funções ou, antes, uma mera distribuição do serviço por imposição legítima da hierarquia. Mas não é exactamente assim, porquanto - e como melhor veremos «infra» - o desfecho da causa não depende, em absoluto rigor, da resolução dessa alternativa.

É certo que o «direito» previsto no art. 63°, n.° 6, do EMP - «direito a remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça» - pressupõe que o Procurador-Adjunto haja acumulado funções por período superior a 30 dias (cf. também o art. 64°, n.° 4, do mesmo diploma). Todavia, esse n.° 6 não pode desligar-se dos ns.° 4 e 5, que o antecedem e explicam. Assim, o referido direito não brota de uma qualquer acumulação de funções; é que ele só verdadeiramente se constitui se derivar de um acto enquadrável no tipo legal previsto no art. 63°, n.°s 4 e 5, do EMP.

Estes números dizem-nos o seguinte: a acumulação de funções causal do surgimento do direito do magistrado a uma remuneração acrescente tem de se suportar num acto com as seguintes características: um acto do Procurador-Geral Distrital que atribua ao Procurador-Adjunto «o serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos»; um acto motivado por «acumulação de serviço, vacatura do lugar ou impedimento do seu titular, por período superior a 15 dias»; um acto precedido de «prévia comunicação» ao CSMP; e um acto cuja «medida» não pode vigorar por mais de seis meses.

O condicionalismo legal dos actos desse género existe para protecção dos magistrados, pois não apenas delimita os casos em que pode impor-se-lhes «o serviço de outros círculos, tribunais e departamentos», como configura o modo e o tempo dessa imposição. Mas o dito condicionalismo também existe para salvaguarda do Estado, que só se verá na contingência de custear uma acumulação de funções nos casos -aliás, sempre restringidos no tempo - em que a lei tipicamente preveja que ela se justificaria.

Portanto, o regime da acumulação remunerada de funções opera dentro de um quadro que abrange os n.°s° 4, 5 e 6 do art. 63° do EMP. Não é possível cindir o n.° 6 dos anteriores e encarar uma qualquer acumulação de funções como geradora do direito aí previsto. O direito somente emerge de uma acumulação imposta ao magistrado dentro do circunstancialismo dito nos números anteriores - onde precisamente se prevê o tipo legal do acto determinativo da acumulação de funções, acto esse que funciona como causa mediata da constituição do direito à remuneração suplementar. E, no fundo, tudo isto se adequa a uma ideia jurídica geral: a de que é impossível que algum direito subjectivo nasça ou se constitua sem previamente se dar o condicionalismo legal de que ele dependa.

Aliás, o problema «sub specie» não pode ter outra solução satisfatória. Se olharmos o n.° 6 do art. 63° do EMP, logo vemos que a intervenção do CSMP, aí aludida, se restringe à emissão de parecer sobre o «quantum» da remuneração a fixar. Isso deduz-se do pormenor da referência à audição do CSMP estar intercalada dentro da previsão da única pronúncia exigida ao Ministro da Justiça - a qual consiste em fixar a remuneração «entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento».

É apenas sobre isso que o CSMP é «ouvido»; o que bem se compreende, visto ser esse órgão quem está nas melhores condições para avaliar a quantidade e a qualidade do trabalho acrescente desempenhado pelo titular do direito, isto é, para fornecer ao Ministro da Justiça os critérios relevantes na concretização do abono.

E a questão de saber se deveras ocorreu uma acumulação de funções - potencialmente geradora de despesa pública - há-de ser resolvida pelo CSMP. Por isso é que o acto atributivo do «serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos», previsto nos n.°s 4 e 5 do art. 63° do EMP, tem de ser previamente comunicado ao CSMP.

Dando o seu aval, expresso ou tácito, a essa medida, o CSMP automaticamente reconhece que o magistrado referido no acto entrará em acumulação de funções - e obterá o direito à remuneração suplementar correspondente se ela se prolongar por mais de 30 dias. Ao invés, qualquer serviço atribuído pela hierarquia fora do condicionalismo previsto nos n.°s 4 e 5 do art. 63° do EMP não pode assumir-se como um antecedente da consequência dita no n.° 6 do mesmo artigo; é que a lei une incindivelmente as previsões constantes desses números, articulando-os numa relação lógica - em que o «direito» só se segue dessa outra coisa, se anteriormente posta.

Portanto, a acção dos autos perspectivou mal o problema.

O Ministério da Justiça não tem de ser convencido de que houve uma acumulação de funções - visto que a intervenção do Ministro se localiza a jusante disso, limitando-se à fixação do «quantum» remuneratório.

Com efeito, das duas, uma: ou as coisas se passaram no âmbito dos n.°s 4 e 5 do art. 63° do EMP - ou seja, com prévio reconhecimento, pelo CSMP, de que o magistrado esteve em acumulação - e o direito à remuneração suplementar surge ao fim de 30 dias, restando pedi-la e fixá-la; ou as coisas não se passaram naquele âmbito - e tal direito, pura e simplesmente, não surge nem existe.

Ora, os provimentos que oneraram a autora - bem como outros colegas dela, colocados nos Juízos Criminais - com um acréscimo de trabalho não se inscreveram no tipo legal de acto previsto no art. 63°, n.°s 4 e 5, do EMP.

Na verdade, esse acréscimo resultou de uma reorganização do serviço que não se deveu a uma acumulação transitória de processos - e a exigência dessa transitoriedade acompanha a caducidade, «ao fim de seis meses» (n.° 5), da «medida» prevista no n.° 4 - ou à vacatura de um lugar ou ao impedimento do seu titular.

Tais provimentos - com excepção do primeiro, de 4/1/94 - não emanaram do Procurador-Geral Distrital nem foram, face aos dados disponíveis, objecto de «prévia comunicação» ao CSMP. Estas circunstâncias evidenciam imediatamente que os mencionados provimentos não são enquadráveis no tipo de actos impositivos de uma acumulação de funções causal de um direito remuneratório.

Donde fatalmente se conclui que o circunstancialismo em que a autora se encontra desde que tomou posse nos Juízos Criminais do Porto não configura a precisa acumulação de funções que, segundo os n.°s 4, 5 e 6 do art. 63° do EMP, lhe conferiria o direito patrimonial cuja titularidade invoca.

Portanto, e carecendo a autora e aqui recorrida de tal direito, a acção destes autos está votada à improcedência; pois, na ausência do direito, inexiste também a obrigação correlativa da entidade demandada - a de praticar o acto que a autora crê ser devido e que precisamente consistiria no reconhecimento do direito e na concomitante fixação do «quantum» a pagar"

(…).

A situação que se discute nos presentes autos é em tudo semelhante à que se apreciou no acórdão acabado de citar, pelo que concluímos que não se configura a acumulação de funções invocada pelos autores/recorridos.

Assim sendo, não têm os mesmos direito à atribuição da remuneração suplementar, nos termos dos n.°s 4, 5 e 6 do artigo 63° e n.° 4 do artigo 64° do Estatuto do Ministério Público.

Ao entender em sentido diverso, a sentença do TAC de Lisboa errou no julgamento que fez, o que determina a sua revogação. (...)».

Razões pelas quais o exercício de funções do ora Recorrido na qualidade de Magistrado do Ministério Público junto nos antigos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, concretamente na 2ª Secção do 1º Juízo e posteriormente no 6.º Juízo, 3.ª Secção dos Juízos Criminais de Lisboa nos períodos de 18.09.2000 a 31.08.2007 e de 1.09.2007 a 31.08.2008 em simultaneidade com o desempenho de funções de direcção e investigação criminal no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), não pode ser subsumível no quadro normativo da acumulação de funções, tal como decorre do regime do art. 63°, n.°s 4 e 5, do EMP.

Assim sendo, terá que revogar-se a decisão recorrida e, em substituição, julgar a acção improcedente, absolvendo a Entidade Demandada do pedido.

Pelo que, nada mais importando apreciar, na improcedência da presente reclamação, terá que manter-se a decisão do relator.



7. Sumariando (adoptando as conclusões do ac. deste TCAS de 22.09.2016 e de 2.03.2017, proc. nº 3326/11.4BELSB):

i) Os magistrados do Ministério Público só têm o direito à remuneração prevista no art. 63.º, n.º, 6 do EMP, por acumulação de funções, se esta derivar de um acto enquadrável no tipo legal previsto nos nºs. 4 e 5 do mesmo artigo.

ii) Se a alegada acumulação de funções adveio de sucessivos provimentos alheios ao condicionalismo referido nos nºs. 4 e 5 desse art. 63.º EMP, não ocorreu o antecedente legalmente indispensável para que se constitua o direito mencionado no nº 6 do mesmo artigo.

iii) Faltando o direito, inexiste também qualquer obrigação que lhe fosse correlativa – designadamente a do Ministério da Justiça fixar o quantum remuneratório que corresponderia a uma acumulação de funções.



8. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação apresentada, confirmando-se a decisão sumária do relator.

Custas pela Recorrente/Reclamante.

Lisboa, 10 de Setembro de 2020



Pedro Marchão Marques

Alda Nunes

Lina Costa