Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:234/09.2BELRS
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:11/15/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CONCEITO DE CUSTOS EM SEDE DE I.R.C.
RETENÇÃO NA FONTE DE I.R.C. ENQUANTO IMPOSTO DE OBRIGAÇÃO ÚNICA.
DISPENSA DE RETENÇÃO NA FONTE DE I.R.C.
FORMULÁRIOS. MEROS DOCUMENTOS “AD PROBATIONEM”.
CONTRATO DE APOIO TÉCNICO/PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS. NOÇÃO.
CONCEITO DE ACTIVIDADES DE INVESTIGAÇÃO E DESENVOLVIMENTO.
ARTº.31, Nº.2, DO C.I.R.C., E ARTº.18, Nº.2, DO DECRETO REGULAMENTAR 2/90, DE 12/1.
PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS RELACIONADAS COM ACÇÕES DE FORMAÇÃO E CONFERÊNCIAS.
NÃO ENQUADRÁVEIS NA PREVISÃO DO ARTº.4, Nº.3, AL.C), PONTO 7, DO C.I.R.C.
“ROYALTIES”. NOÇÃO.
CONTRATO DE “KNOW-HOW”. NOÇÃO.
“SOFTWARE”. NOÇÃO.
FALTA DE PROVA, PELA FAZENDA PÚBLICA, DE PAGAMENTO DE “ROYALTIES”.
ARTº.4, Nº.3, AL.C), PONTO 1, DO C.I.R.C.
Sumário:1. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
2. Embora o I.R.C. seja considerado como um imposto periódico, a retenção na fonte de I.R.C., a título definitivo como é o caso dos autos, deve ser qualificado/considerado como sendo um imposto de obrigação única. Por outras palavras, a retenção de I.R.C. incidente sobre pagamentos efectuados a entidades residentes no estrangeiro é feita a título definitivo e, como tal, deve considerar-se que o imposto a reter é de obrigação única.
3. Existe jurisprudência uniforme do S.T.A. no sentido de que os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de I.R.C. dos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos “ad probationem” pelo que podem ser apresentados “a posteriori” dentro dos prazos legalmente fixados, mais podendo ser substituídos nos termos do artº.364, nº.2, do C. Civil.
4. No contrato de apoio técnico/prestação de serviços técnicos, o foco do serviço é auxiliar terceiros a solucionar problemas específicos de um produto, excluindo-se do seu âmbito o treino ou formação, personalização de um determinado produto ou qualquer outro serviço de suporte. Ainda, o contrato de apoio técnico/prestação de serviços técnicos deve distinguir-se do contrato de “Know-how”.
5. Para uma noção do conceito de actividades de investigação e desenvolvimento no sistema fiscal português, pode partir-se do disposto no artº.31, nº.2, do C.I.R.C., e artº.18, nº.2, do Decreto Regulamentar 2/90, de 12/1, preceitos relativos a despesas de investigação e desenvolvimento aceites como custos fiscais. Do exame das mencionadas normas resulta que actividades de investigação são aquelas que visam “a aquisição de novos conhecimentos científicos e técnicos”. Já as actividades de desenvolvimento, consistem na “exploração de resultados de trabalhos de investigação ou de outros conhecimentos científicos ou técnicos com vista à descoberta ou melhoria substancial de matérias-primas, produtos, serviços ou processos de fabrico”.
6. As prestações de serviços relacionadas com acções de formação e conferências, não podem ser consideradas como actividades de apoio técnico, investigação e desenvolvimento, nem de algum modo relacionadas com essas actividades, o que significa que o rendimento delas proveniente para a entidade não residente e sem estabelecimento estável que as organizou no estrangeiro, não se encontra sujeito a I.R.C., ainda que a entidade remuneradora seja residente em Portugal, assim não sendo enquadráveis na previsão do artº.4, nº.3, al.c), ponto 7, do C.I.R.C.
7. As “royalties” devem configurar-se como remunerações de qualquer natureza que são recebidas em contrapartida da utilização, ou concessão do direito de utilização, de direitos de autor sobre obras literárias, artísticas ou científicas, ou em contrapartida de informações relativas a experiência adquirida no domínio industrial, comercial ou científico. Mais serão considerados “royalties” os pagamentos efectuados em contrapartida da utilização ou da concessão do direito de utilização de equipamento industrial, comercial ou científico (cfr.artº.2, al.b), da Directiva relativa aos pagamentos de juros e “royalties” 2003/49/CE, do Conselho, de 3/06/2003). Não configuram, porém, a noção de “royalties” os rendimentos resultantes da alienação de bens ou direitos, as prestações que representam o preço de compra.
8. O direito interno português não utiliza a noção de “royalties”, antes fazendo referência aos rendimentos provenientes de propriedade intelectual e industrial, tal como da prestação de informações respeitantes a experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico (cfr.v.g.artº.4, nº.3, al.c), ponto 1, do C.I.R.C.).
9. Ligado à transmissão de experiência adquirida surge-nos a noção de contrato de “Know-how”, o qual tem por objecto a transmissão de informações tecnológicas preexistentes e não reveladas ao público, em si mesmas consideradas, na forma de cessão temporária ou definitiva de direitos, para que o adquirente as utilize por conta própria e sem que o transmitente intervenha na aplicação da tecnologia cedida ou garanta o seu resultado.
10. Como é do conhecimento comum, os componentes dos sistemas informáticos, incluem “hardware” (parte física dos computadores) e “software” (componente lógica). A noção de “software” refere-se a programas informáticos de tipo operacional ou de mera aplicação. Pode ser transferido material ou electronicamente, em banda magnética ou disco (laser ou CD-ROM), constituindo parte integral do “hardware” do computador ou parte autónoma para ser utilizado em diferentes computadores. Nestes casos, a caracterização dos pagamentos para efeitos fiscais depende da natureza dos direitos transmitidos nos contratos concluídos entre as partes. Na maioria das situações estamos perante direitos do autor, protegidos pelo Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos. No entanto, um grande número de países autonomiza juridicamente o direito de autor relativo a programa informático, do seu suporte ou forma de transmissibilidade: o “software”, atribuindo-lhes consequências jurídico-fiscais diferentes. Dependendo dessa qualificação, podemos ter rendimentos de “royalties” ou, diferentemente, rendimentos comerciais ou empresariais.
11. No caso dos autos, os elementos recolhidos pela Fazenda Pública e consistentes unicamente nas facturas relativas à aquisição das licenças de “software” informático, não permitem concluir que o respectivo pagamento visasse remunerar qualquer transferência de “know-how” (na acepção da convenção modelo da OCDE) ou de direitos de autor, não estando, assim, suficientemente demonstrado pela A. Fiscal que se trate de pagamento de “royalties” e, consequentemente, de rendimentos sujeitos a tributação em I.R.C. ao abrigo do citado artº.4, nº.3, al.c), ponto 1, do C.I.R.C. (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.366 a 388 do presente processo, através da qual julgou procedente a impugnação pela sociedade recorrida, "V… P… - Comunicações Pessoais, S.A.", intentada, visando acto de liquidação de I.R.C., a título de retenção na fonte, relativo ao ano de 2005 e com o montante total a pagar de € 25.654,33.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.458 a 471 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que as acções de formação não eram apoio técnico e que as licenças de software não eram royalties mas sim aquisições de bens;
2-Neste âmbito, o thema decidendum, consiste em saber dos efeitos relativos aos pagamentos efectuados por entidades não residentes, constantes da Modelo 30 mas sem formulários e dos pagamentos efectuados por não residentes mas não constantes da Modelo 30 e, por outro lado se as acções de formação devem ser consideradas como apoio técnico por haver transferência de know how ou não;
3-A Fazenda Pública considera que foi violado o art.º 88, 89.ºA e 90.º bem como o art.º 4.º n.º 4 do CIRC, pois o mesmo refere que quanto haja pagamentos deverá ser elaborado um formulário contendo o certificado de residência, o que a impugnante não fez, pois em sede de direito de audição mencionou que não tinha formulário;
4-Ora, ao ter declarado na Mod. 30 mas não tendo emitido o formulário nem o entregou até ao termo do prazo para a retenção, a impugnante violou os artigos mencionados no ponto anterior bem como a douta sentença que os não valorou, pelo que se requer que aquela seja revogada por outra;
5-Com respeito às acções de formação a impugnante alega que não podem ser classificadas como apoio técnico, o que contradiz a Fazenda pois aquelas são apoio técnico com transferência de know how sendo este utilizado pela impugnante, pelo que, independentemente da localização da acção, o certo é que é a impugnante em território nacional, que beneficia daqueles conhecimentos sendo os mesmo tributados;
6-Pelo exposto, o Tribunal ad quo estribou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes à classificação quer das licenças de software como royalties e quer as acções de formação como apoio técnico, tendo a douta sentença do Tribunal a quo violado os artºs 4.º, 80, 88, 89 °- A e 90º, todos do CIRC, pelo que se requer que seja anulada a decisão e substituída por outra;
7-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.500 a 521 dos autos), tendo Concluído nos seguintes termos:
1-O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu julgar procedente a impugnação judicial apresentada pela ora recorrida do ato de liquidação de retenções na fonte de IRC do exercício de 2005, no montante total de EUR 11.245,21, com fundamento em vício de violação de lei decorrente da ilegalidade de que padecem as correções efetuadas em sede da ação de inspeção ao exercício de 2005;
2-A questão material objeto do presente recurso prende-se em determinar se a ora recorrida deveria ter efetuado no exercício de 2005 a retenção na fonte do IRC sobre os pagamentos efetuados a entidades não residentes em Portugal respeitantes a i) ações de formação ocorridas no estrangeiro e ii) aquisição de licenças permanentes;
3-Na ótica da recorrida, a posição sustentada pela recorrente no presente recurso carece de qualquer base legal, violando, de forma frontal e direta os artigos 4.º/3 e 4.º/4 do CIRC, pelo que a sentença ora recorrida não merece qualquer censura, requerendo-se a sua confirmação por parte deste Venerando Tribunal;
4-Como resulta do relatório final de inspeção, parte das correções realizadas pelos serviços de inspeção tributária e que fundamentaram a emissão do ato tributário ora sindicado dizem respeito a pagamentos efetuados a entidades não residentes, relativos a ações de formação e conferências integralmente realizadas no estrangeiro em que participaram os colaboradores da recorrida;
5-Sobre esta matéria, e para esclarecimento deste Venerando Tribunal, importa salientar que se encontra devidamente assente a circunstância das referidas ações de formação terem ocorrido no estrangeiro, não tendo a Fazenda Pública - ora recorrente - logrado invocar ou apresentar qualquer argumento em sentido contrário, o que se invoca para os devidos efeitos legais;
6-Ora, conforme amplamente explicado pela recorrida ao longo dos presentes autos, as correções efetuadas quanto a esta matéria padecem de vício de ilegalidade, uma vez que as situações em apreço têm pleno enquadramento na cláusula de exclusão de sujeição a imposto prevista no número 4 do artigo 4.º do CIRC, ao contrário do que pretende fazer crer a Fazenda Pública em sede do presente recurso;
7-Resulta da referida disposição legal que não se consideram obtidos em território português, os rendimentos de prestações de serviços integralmente realizados fora do território nacional, que não respeitem a bens neles situados e que não estejam relacionados com as atividades aí elencadas, a saber: i) estudos, ii) projetos, iii) apoio técnico ou à gestão, iv) serviços de contabilidade ou auditoria e v) serviços de consultoria, vi) organização, vii) investigação e viii) desenvolvimento;
8-Estamos assim perante uma enumeração taxativa dos serviços que não podem beneficiar da cláusula de exclusão de tributação prevista no artigo 4.º/4 do CIRC, sendo que de entre as atividades taxativamente elencadas pelo legislador na referida disposição legal não se encontram as prestações de serviço de formação;
9-A ora recorrida não pode assim concordar com o entendimento exposto pela Administração Tributária nas diversas fases do presente procedimento, uma vez que o mesmo padece de manifesto erro nos pressupostos de direito e não encontra qualquer apoio no texto legal, violando, assim, o princípio da legalidade tributária, o que motivará por si só a improcedência do presente recurso;
10-Aliás, a admitir-se um entendimento com tamanha abrangência, sempre se teria de concluir que a norma em causa era destituída de qualquer aplicabilidade uma vez que todo e qualquer serviço contratado por um sujeito passivo pressupõe uma utilidade passível de ser aplicada na sua atividade económica em território nacional, sendo, esse, aliás, um dos pressupostos para a sua dedutibilidade como custo fiscal;
11-De facto, parece claro que os serviços de formação não estão previstos no elenco taxativo do artigo 4°, n.º 4, sendo possível identificar sem margem para dúvidas o local onde os mesmos são realizados, sendo ainda evidente que, ao contrário do defendido pela recorrente, não se trata de um serviço de desenvolvimento ou investigação, sob pena de se cair no ridículo de considerar que uma prestação de serviços de manutenção de um servidor informático situado fora de Portugal se destina ao desenvolvimento da empresa e se destina a uma utilização em benefício da atividade aqui prosseguida;
12-Por outro lado, não tem qualquer base legal a interpretação defendida pela recorrente no sentido de que as ações de formação por contribuírem para um desempenho mais eficaz das funções dos colaboradores deveriam, sem mais, ser consideradas como de apoio técnico;
13-Acresce que, reconduzir o preenchimento do conceito específico de investigação e desenvolvimento ao facto de estarmos perante uma atividade que contribui para o desenvolvimento da empresa, tal como pretende a ora recorrente, é no mínimo redutor, simplista e retiraria ainda qualquer conteúdo útil à norma prevista no artigo 4.º/4 do CIRC, pois no limite, qualquer serviço contratado pelas empresas tem como objetivo, espera-se, o desenvolvimento da sua atividade;
14-Pelo que, em virtude dos conceitos acima elencados, é inequívoco que as prestações de serviços em apreço relacionadas com ações de formação e conferências não podem ser consideradas como despesas de apoio técnico, investigação e desenvolvimento, nem de algum modo relacionadas com estas atividades, o que significa que o rendimento decorrente de tais conferências e ações de formação organizadas por uma entidade não residente em Portugal e integralmente realizadas fora do território nacional, não se encontra sujeito a IRC, ainda que o devedor do rendimento seja uma entidade residente em Portugal, o que se invoca para efeitos de anulação do imposto retido na fonte no valor total de EUR 10.125,83 e de manifesta improcedência do presente recurso;
15-A ora recorrente vem igualmente contestar a sentença proferida pelo Tribunal a quo na parte em que o mesmo determinou a anulação das correções relativas à alegada falta de retenção na fonte de IRC sobre os pagamentos efetuados pela ora recorrida relativos a aquisição de licenças permanentes a entidades não residentes em território nacional;
16-Entende a recorrente, em estrita consonância com os argumentos defendidos pela inspeção tributária para fundamentar o ato tributário ora sindicado que, "(...) as licenças de software são consideradas como direitos de autor e consequentemente como royalties.";
17-Conforme exposto pela recorrida ao longo do presente procedimento e conforme resulta da prova documental junta aos presentes autos, as importâncias pagas às referidas entidades respeitam a aquisição de licenças permanentes, pelo que devem ser qualificadas como aquisições de bens e não como royalties, não tendo a ora recorrente logrado apresentar qualquer elemento de prova em sentido contrário, tal como expressamente defendido pelo Tribunal a quo na decisão ora recorrida;
18-Trata-se de uma mera aquisição de uma licença de utilização que não implica a transferência dos conhecimentos para o cliente no sentido em que estes possam ter uma determinada aplicação industrial;
19-Estamos perante um mero fornecimento de bens na medida em que os fornecedores da recorrida se limitam a disponibilizar as licenças permanentes para utilização pelos seus clientes, não havendo qualquer transferência de tecnologia ou de know-how no sentido acima explicitado nas presentes alegações, o que se invoca para efeitos de improcedência dos argumentos defendidos pela Autoridade Tributária e, em particular pela ora recorrente;
20-Recorde-se que, na ausência de uma definição autónoma do conceito de royalties no próprio texto do CIRC, e tendo em conta os princípios gerais de interpretação das normas fiscais, deve ser interpretado de acordo com o sentido que lhe é dado por outros textos de natureza fiscal, os quais procedem à explicitação do conceito para efeitos de tributação do rendimento das pessoas singulares e coletivas, tal como sucede no caso em apreço, mormente no Modelo de Convenção da OCDE;
21-Ora, com relevo para os presentes autos, importa referir que o número 2 do artigo 12.º do Modelo da OCDE consagra uma definição de royalties no seguinte sentido, "O termo «royalties», usado no presente artigo, significa as retribuições de qualquer natureza pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secretos, e por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico.";
22-Resumidamente, a interpretação que é dada pela maioria dos países membros da OCDE relativamente à definição de royalties aponta no sentido de subsumir no artigo 12.º apenas os pagamentos devidos pela utilização de software quando essa utilização tenha objetivos de natureza comercial, como sejam a sua reprodução e/ou distribuição;
23-Em sentido oposto, quando a transmissão dos direitos relativos ao software se limita aos necessários à utilização do mesmo por parte do beneficiário da transferência, deverá concluir­se pelo enquadramento dos pagamentos deste tipo de operações no artigo 7.º dos ADT, relativo a lucros de empresas;
24-Tudo ponderado, parece relativamente cristalino concluir que a aquisição de licenças com carácter permanente deve ser juridicamente qualificada como aquisição de bens, sendo a recorrida o utilizador final dos mesmos, o que determinará o enquadramento dos pagamentos efetuados no artigo 7.º do Modelo de Convenção, inexistindo, pois, qualquer obrigação de retenção na fonte de IRC em Portugal ao abrigo do artigo 4.º/3 do CIRC, o que se invoca para efeitos de anulação das presentes correções e de improcedência do presente recurso;
25-Requer-se assim a este Venerando Tribunal que se digne julgar manifestamente improcedente o presente recurso, requerendo-se a integral confirmação da sentença proferida pelo Tribunal a quo, no sentido da ilegalidade das correções ora sindicadas por violação dos artigos 4.º/3 e 4.º/4 do CIRC e, consequentemente, da anulação do ato tributário relativo a retenções na fonte de IRC do exercício de 2005 emitido na esfera da ora recorrida, tudo com as devidas consequências legais;
26-Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela recorrente ser julgado totalmente improcedente, requerendo-se a este Venerando Tribunal que confirme a sentença recorrida, determinando a consequente anulação do ato tributário ora sindicado, por vício de violação de lei, tudo com as devidas consequências legais. Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cfr.fls.541 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.544 dos autos), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.369 a 376 dos autos):
1-A sociedade impugnante, "V… P… - Comunicações Pessoais, S.A.", com o n.i.p.c. ….., foi objecto de uma acção inspectiva externa, polivalente, abrangendo o exercício de 2005, que culminou com o relatório final de 26/02/2008, que constitui fls.66 a 95 do apenso instrutor e damos aqui por integralmente reproduzido face à sua extensão;
2-No referido relatório são propostas diversas correcções em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, nomeadamente, no que respeita ao montante de retenções na fonte em falta relativo a pagamentos efectuados às entidades não residentes OSS Nok… e Call… V…, nos valores de 774,15€ e 1.900,00€, bem como relativo a pagamentos efectuados a diversas outras entidades não residentes por acções de formação e conferências prestadas no estrangeiro, no valor global de 10.125,83€;
3-Com interesse para os autos, consta do aludido relatório de inspecção tributária, o seguinte:
“(…)
Retenções na fonte efectuadas a terceiros - pagamentos a não residentes
(…)
Os rendimentos derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português exceptuando os relativos a transportes, comunicações e actividades financeiras, são considerados obtidos em território português de acordo com o ponto 7. da alínea c) do n.º3 do art.º4.º do Código do IRC e sujeitos a retenção na fonte a título definitivo conforme disposto na alínea g) do n.º1 do art.º88.º, do Código do IRC e alínea b) , à taxa de 15% prevista na alínea e) do n.º2 do art.º80.º do mesmo diploma.
Relativamente às acções de formação refira-se que se enquadram no mesmo preceito legal, visto que:
- Os conhecimentos adquiridos e/ ou partilhados nas acções de formação constituem benefícios económicos que se repercutem no desenvolvimento da actividade da empresa;
- Estas acções de formação visam a aquisição de conhecimentos dos colaboradores para serem aplicados nas tarefas que exercem na empresa, com vista à obtenção de um melhor resultado.
Como tal, os conhecimentos adquiridos em acções de formação, acima descritos, mesmo ministrados fora do território nacional, são considerados como apoio técnico em qualquer área, visto contribuírem para uma maior eficácia das funções exercidas, considerando-se ainda como investigação e desenvolvimento em qualquer domínio, dado que se repercutem no desenvolvimento da actividade exercida pela empresa.
Daqui resulta que as acções de formação não estão abrangidas pela exclusão da tributação prevista no n.º4 do art.º4.º, do Código do IRC.
(…)
Pagamentos efectuados a entidades não residentes…, cuja natureza do serviço prestada estava incorrecta
A V… P…, S.A., declarou na Declaração Modelo 30 ter efectuado pagamentos de rendimentos por prestações de serviços, no montante de 35.740,66€ não tendo efectuado qualquer retenção, relativamente a entidades não residentes, constantes do anexo IV-3, para os quais apresentou formulários certificados pelas autoridades fiscais do Estado de residência do beneficiário.
No entanto, verificou-se que a natureza do serviço prestado pelas entidades não residentes foram incorrectamente classificados como prestações de serviços, quando de facto se trata de royalties (nomeadamente, licenças de software) e, desta forma, efectuada uma retenção à taxa 0%, quando deveria ser à taxa de 5%. Assim, uma vez que o sujeito passivo não efectuou qualquer retenção para os pagamentos controvertidos, por ter classificado incorrectamente o tipo de rendimentos, apurou-se o imposto em falta no montante de 2.074,49€ relativamente a royalties, calculado à taxa de 5% constante das Convenções para evitar a dupla tributação, celebrados entre Portugal e os países de que são residentes os beneficiários dos rendimentos. (…)”;
(cfr.relatório de inspecção cuja cópia se encontra junta a fls.66 a 95 do processo administrativo apenso);
4-As correcções dos montantes de retenção na fonte incidentes sobre rendimentos pagos a entidades não residentes, nomeadamente as aludidas, originaram para aquele ano de 2005 a liquidação adicional de retenções na fonte n.º200……., no montante de 23.166,73€ a que acrescem juros compensatórios no montante de 2.487,60€ (cfr.informação exarada a fls.161 e “print” de demonstração de compensação de fls.163, ambas do processo administrativo apenso);
5-Imputável aos montantes liquidados de imposto e juros, a sociedade impugnante efectuou o pagamento das importâncias respectivas de 13.040,91€ e 1.368,22€ (cfr. “print” de demonstração de compensação junto a fls.163 do processo administrativo apenso);
6-O remanescente das prestações de imposto e juros compensatórios, nos montantes respectivos de 10.125,82€ e 1.119,38€ seguiu para cobrança coerciva, tendo a impugnante apresentado garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal (cfr.“print” de demonstração de compensação junto a fls.163 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.287 e 288 do processo administrativo apenso; cópia da garantia bancária junta a fls.234 dos presentes autos);
7-A liquidação tinha prazo de pagamento voluntário até 14/04/2008 (cfr.“print” de demonstração de compensação junto a fls.163 do processo administrativo apenso);
8-Em 21/04/2008, a impugnante deduziu reclamação graciosa tendo por objecto a liquidação (cfr.documento junto a fls.1 a 30 do apenso de reclamação, incorporado no processo administrativo);
9-A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Sr. Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, de 15/01/2009, concordante com a informação prévia nesse sentido, tudo conforme documento junto a fls.269 a 275 dos presentes autos, da qual consta, entre o mais que damos por reproduzido, o seguinte:
“(…)
3.3. – Quanto às retenções devidas sobre o pagamento das acções de formação
3.3.1. – Resulta do disposto no n.º7 da alínea c) do n.º3 do art.º4.º do Código do IRC, que se têm por obtidos em território português os rendimentos derivados de prestações de serviços “realizados ou utilizados em território português”, quando o seu devedor tenha residência em território português, com excepção dos rendimentos relativos a transportes, comunicações e actividades financeiras.
O IRC correspondente a tais rendimentos encontra-se sujeito a retenção na fonte, por força da alínea g) do n.º1 do art.º88.º do mesmo Código.
No entanto, a retenção encontra-se excluída quando aqueles serviços “sendo realizados integralmente fora do território português, não respeitem a bens situados nesse território nem estejam relacionados com estudo, projectos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio”, conforme se dispõe na segunda parte do n.º4 do art.º4.º.
3.3.2.- Parece resultar daqui que, sendo o serviço a que respeita o pagamento (no caso, os cursos de formação) prestado integralmente fora do território português, se impõe efectuar a retenção na fonte quando esse serviço respeite a bens situados em território português e esteja relacionado com qualquer uma das seguintes actividades: estudos, projectos, apoio técnico, apoio à gestão, serviços de contabilidade, serviços de auditoria, serviços de consultoria, organização, investigação em qualquer domínio, ou desenvolvimento em qualquer domínio.
Conforme se retira da letra da lei, basta que o serviço (a formação) esteja relacionado com qualquer daquelas actividades para que se imponha a retenção. Ao contrário do que parece sustentar a contribuinte, a lei não exige que o serviço consista numa daquelas actividades, bastando que com elas possua uma relação.
3.3.3. – Os cursos de formação satisfazem desde logo o pressuposto da sua utilização em território português, no sentido de que a utilidade dos mesmos é para ser aplicada na empresa.
Além disso, e conforme se refere no relatório de inspecção…, os conhecimentos obtidos pelos colaboradores nos cursos de formação “são considerados apoio técnico em qualquer área, visto contribuírem para uma maior eficácia das funções exercidas, considerando-se ainda como investigação em qualquer domínio (…)”.
Entendido assim o serviço que se traduz na prestação de formação, ao correspondente pagamento deve efectuar-se retenção na fonte, por aplicação do disposto no art.º4.º, n.º3 alínea c) n.º7 e n.º4, assim como no art.º88.º, n.º2, não devendo aquele rendimento considerar-se abrangido pela exclusão prevista na parte final do n.º4 do art.º4.º.
(…)
3.4. – Retenções sobre pagamentos a OSS Nok… e Call… V…
Por força do disposto no ponto 1 da alínea c) do n.º3 do art.º4.º, em conjugação com o n.º1 alínea a) e n.º2 do art.º88.º, todos do CIRC, fica sujeito a este imposto, a reter na fonte, os “rendimentos provenientes da propriedade intelectual” obtidos em território português, de uma entidade aqui residente, por uma entidade não residente.
No caso em apreço, trata-se de pagamentos respeitantes à utilização de programas informáticos efectuados pela contribuinte às entidades detentoras da propriedade intelectual sobre os mesmos. Para estas entidades, tais pagamentos constituem “rendimentos provenientes da propriedade intelectual” que detêm sobre aqueles bens.
Salvo melhor opinião, tanto parece bastar para que a situação caia na previsão da norma citada.
Em face do relatório de inspecção, a contribuinte contra argumenta…, que os pagamentos que efectuou não assumem a natureza de royalties, mas sim, de “aquisição de bens” e de “licenças permanentes”, e cita a propósito o Comentário ao Modelo de Convenção da OCDE.
A verdade, no entanto, é que também o termo royalties pode variar de sentido consoante os textos, o que ressalta até da restrição incluída na definição do n.º2 do art.º12.º da Convenção mencionado pela reclamante, da qual resulta que a própria definição vale apenas para os efeitos daquele artigo, assim como das diferentes interpretações que desse artigo fazem os Estados, de acordo com o referido Comentário.
3.5. – Invoca ainda a reclamante…, a violação do princípio da livre prestação de serviços em vigor na União Europeia, em face da dispensa de retenção prevista na alínea d) do n.º1 do art.º90.º do CIRC.
Sucede que esta norma respeita aos rendimentos previstos nas alíneas b) e g) do n.º1 do art.º88.º, pelo que não parece invocável a propósito de rendimentos provenientes de propriedade intelectual, previstos numa outra alínea do mesmo número.
Acresce a faculdade que assiste aos agentes económicos de accionarem as convenções internacionais em matéria de dupla tributação.
(…)”;
10-Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, foi a impugnante notificada em 23/01/2009 (cfr.ofício de notificação n.º…. de 21/01/2009 e talão de A/R junto a fls.186 e 187 do apenso de reclamação graciosa);
11-A petição de impugnação judicial deu entrada no tribunal tributário, por telecópia, em 06/02/2009, tendo igualmente sido remetida ao tribunal naquela data por correio registado, tudo conforme datas constantes dos documentos juntos a fls.2 e 329 dos presentes autos;
12-Os pagamentos efectuados pela impugnante às entidades não residentes OSS Nok…. e Call… V…, esta última residente em Espanha, estão titulados pelas facturas que constam a fls.324 e 326 dos presentes autos e se dão aqui por reproduzidas.
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a presente impugnação, mais reconhecendo à sociedade impugnante o direito a indemnização por prestação indevida de garantia.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o recorrente, em síntese, que ao ter declarado os pagamentos efectuados na Mod. 30 mas não tendo emitido o formulário contendo o certificado de residência, nem o tendo entregue até ao termo do prazo para a retenção, a recorrida violou os artºs.4, nº.4, 88, 89-A e 90, todos do C.I.R.C., tal acontecendo, igualmente, com a sentença recorrida que os não valorou. Que as acções de formação consubstanciam apoio técnico, com transferência de “know-how”, sendo este utilizado pela recorrida, pelo que, independentemente da localização da acção, o certo é que é a sociedade recorrida, em território nacional, que beneficia daqueles conhecimentos, devendo os mesmos ser tributados. Que os pagamentos das licenças de “software” devem considerar-se “royalties” e não aquisições de bens, assim devendo ser tributados (cfr.conclusões 1 a 6 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.115, do C.I.R.C., na versão em vigor em 2005; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se retira do exame da factualidade provada (cfr.nºs.3 e 9 do probatório), a Fazenda Pública considerou que as acções de formação em causa consubstanciam apoio técnico, com transferência de “know-how”, sendo este utilizado pela sociedade recorrida, pelo que, independentemente da localização da acção, o certo é que é a mesma sociedade, em território nacional, que beneficia daqueles conhecimentos, devendo tais pagamentos ser tributados. Por outro lado, os pagamentos das licenças de “software” devem considerar-se “royalties” e não aquisições de bens, assim devendo ser tributados. Em virtude de tais conclusões estruturou a liquidação objecto dos presentes autos.
Contrariamente, o Tribunal "a quo" entendeu que a liquidação em causa padece do vício de violação de lei, sendo anulável parcialmente, pelos seguintes motivos:
1-Por erro nos pressupostos a correcção do montante de € 10.125,83 de retenções em falta correspondente a acções de formação;
2-Que a A. Fiscal não produziu prova incidente sobre o pagamento de “royalties” e, consequentemente, de rendimentos sujeitos a tributação em I.R.C. ao abrigo do preceituado no artº.4, nº.3, al.c), ponto 1, do C.I.R.C., quanto à aquisição de licenças permanentes de utilização de “software”.
Vejamos quem tem razão.
Embora o I.R.C. seja considerado como um imposto periódico, a retenção na fonte de I.R.C., a título definitivo como é o caso dos autos, deve ser qualificado/considerado como sendo um imposto de obrigação única. Por outras palavras, a retenção de I.R.C. incidente sobre pagamentos efectuados a entidades residentes no estrangeiro é feita a título definitivo e, como tal, deve considerar-se que o imposto a reter é de obrigação única (cfr.artº.45, nº.4, da L.G.Tributária; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/5/2006, proc.436/05; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2012, proc.5594/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/09/2016, proc.9409/16; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª. edição, 2007, pág.28 e seg.).
Antes de mais, defende o apelante que a sociedade recorrida violou a lei ao ter declarado os pagamentos efectuados na Mod. 30 mas não tendo emitido o formulário contendo o certificado de residência, nem o tendo entregue até ao termo do prazo para a retenção de imposto.
Apesar de não ser argumento discutido nos presentes autos em primeira instância, sempre se remete o recorrente para a jurisprudência uniforme do S.T.A. no sentido de que os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de I.R.C. dos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos “ad probationem” pelo que podem ser apresentados “a posteriori” dentro dos prazos legalmente fixados, mais podendo ser substituídos nos termos do artº.364, nº.2, do C. Civil (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/06/2011, rec.283/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/12/2016, rec.141/14).
Avancemos.
Passemos ao exame das acções de formação.
Quanto aos pagamentos referentes a acções de formação, considerou a A. Fiscal tratarem-se de rendimentos obtidos em território português de acordo com o disposto no artº.4, nº.3, al.c), ponto 7, do C.I.R.C., como tal sujeitos a retenção na fonte nos termos do disposto no artº.88, nº.1, al.g), à taxa liberatória de 15% prevista no artº.80, nº.2, do mesmo Código.
Relembre-se que nos encontramos perante pagamentos efectuados a entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português e referentes a acções de formação e conferências, efectuadas integralmente no estrangeiro e em que participaram colaboradores da sociedade recorrida (cfr.nº.9 do probatório).
Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
Dispunha o artº.4, do C.I.R.C., na versão em vigor em 2005, sob a epígrafe “extensão da obrigação de imposto”:
(…)
2-As pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos.
3-Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam:
a)…………………
b)…………………
c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado:
1) Rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial e bem assim da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico;
(…)
7) Rendimentos derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, com excepção dos relativos a transportes, comunicações e actividades financeiras;
8)…………….”.
(…)
4-Não se consideram obtidos em território português os rendimentos enumerados na alínea c) do número anterior quando os mesmos constituam encargo de estabelecimento estável situado fora desse território relativo à actividade exercida por seu intermédio e, bem assim, quando não se verificarem essas condições, os rendimentos referidos no n.º7 da mesma alínea, quando os serviços de que derivam, sendo realizados integralmente fora do território português, não respeitem a bens situados nesse território nem estejam relacionados com estudos, projectos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio.
(…)
Da exegese da norma acabada de apresentar deve, desde logo, concluir-se, com o Tribunal “a quo”, que a cláusula derrogatória do regime de extensão territorial prevista no seu nº.3 apenas não se aplica caso as prestações de serviços de que deriva o rendimento respeitem a bens situados no território português, ou sejam nele realizadas ou utilizadas (com excepção dos relativos a transportes, comunicações ou actividades financeiras) ou estejam relacionadas com estudos, projectos, apoio técnico, investigação e desenvolvimento, o que não é o caso das acções de formação.
Na verdade, no apoio técnico/prestação de serviços técnicos, o foco do serviço é auxiliar terceiros a solucionar problemas específicos de um produto, excluindo-se do seu âmbito o treino ou formação, personalização de um determinado produto ou qualquer outro serviço de suporte. Ainda, o contrato de apoio técnico/prestação de serviços técnicos deve distinguir-se do contrato de “Know-how” (cfr.Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição actualizada, Almedina, Março de 2007, pág.694 e seg.).
Por outro lado, reconduzir o conceito de utilização do serviço em território português, à contribuição que para a melhoria dos resultados da empresa impugnante sempre advém das acções de formação corresponde a uma visão excessivamente restritiva da cláusula de derrogação do regime de extensão territorial da obrigação de imposto que praticamente lhe retiraria qualquer utilidade, uma vez que, é bom lembrar numa outra perspectiva, que às empresas não é consentido deduzir custos (incluindo com acções de formação) que não sejam indispensáveis para realização dos proveitos (melhoria dos resultados) ou manutenção da fonte produtora (cfr.artº.23, do C.I.R.C.).
Em segundo lugar, também as acções de formação não se compreendem nos conceitos de investigação e desenvolvimento.
Para uma noção do conceito de actividades de investigação e desenvolvimento no sistema fiscal português, pode partir-se do disposto no artº.31, nº.2, do C.I.R.C., e artº.18, nº.2, do Decreto Regulamentar 2/90, de 12/1, preceitos relativos a despesas de investigação e desenvolvimento aceites como custos fiscais.
Do exame das mencionadas normas resulta que actividades de investigação são aquelas que visam “a aquisição de novos conhecimentos científicos e técnicos”.
Já as actividades de desenvolvimento, consistem na “exploração de resultados de trabalhos de investigação ou de outros conhecimentos científicos ou técnicos com vista à descoberta ou melhoria substancial de matérias-primas, produtos, serviços ou processos de fabrico”.
Em virtude dos conceitos enunciados, retirados do próprio sistema fiscal português, deve confirmar-se a decisão recorrida quando sustenta que as prestações de serviços em causa, relacionadas com acções de formação e conferências, não podem ser consideradas como actividades de apoio técnico, investigação e desenvolvimento, nem de algum modo relacionadas com essas actividades, o que significa que o rendimento delas proveniente para a entidade não residente e sem estabelecimento estável que as organizou no estrangeiro, não se encontra sujeito a I.R.C., ainda que a entidade remuneradora seja residente em Portugal, assim não sendo enquadráveis na previsão do artº.4, nº.3, al.c), ponto 7, do C.I.R.C.
Enferma, pois, do vício de violação de lei por erro nos pressupostos a correcção do montante de € 10.125,83 de retenções em falta correspondentes a acções de formação, em consequência do que se confirma a decisão recorrida, neste segmento.
Analisemos agora os pagamentos relativos à aquisição de licenças permanentes de utilização de “software”.
A Fazenda Pública considerou que tais pagamentos constituem rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial (“royalties”), obtidos em território português de acordo com o artº.4, nº.3, al.c), ponto 1, do C.I.R.C., mais estando sujeitos a retenção na fonte de I.R.C. nos termos do artº.88, nºs.1, al.a) e 2, do C.I.R.C. (cfr.nºs.3 e 9 do probatório).
As “royalties” devem configurar-se como remunerações de qualquer natureza que são recebidas em contrapartida da utilização, ou concessão do direito de utilização, de direitos de autor sobre obras literárias, artísticas ou científicas, ou em contrapartida de informações relativas a experiência adquirida no domínio industrial, comercial ou científico. Mais serão considerados “royalties” os pagamentos efectuados em contrapartida da utilização ou da concessão do direito de utilização de equipamento industrial, comercial ou científico (cfr.artº.2, al.b), da Directiva relativa aos pagamentos de juros e “royalties” 2003/49/CE, do Conselho, de 3/06/2003; João Sérgio Ribeiro, Direito Fiscal da União Europeia, Tributação Directa, Almedina, 2018, pág.184; Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição actualizada, Almedina, Março de 2007, pág.687 e seg.).
O direito interno português não utiliza a noção de “royalties”, antes fazendo referência aos rendimentos provenientes de propriedade intelectual e industrial, tal como da prestação de informações respeitantes a experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico (cfr.v.g.artº.4, nº.3, al.c), ponto 1, do C.I.R.C.; Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição actualizada, Almedina, Março de 2007, pág.689).
Ligado à transmissão de experiência adquirida surge-nos a noção de “contrato de Know-how”, o qual tem por objecto a transmissão de informações tecnológicas preexistentes e não reveladas ao público, em si mesmas consideradas, na forma de cessão temporária ou definitiva de direitos, para que o adquirente as utilize por conta própria e sem que o transmitente intervenha na aplicação da tecnologia cedida ou garanta o seu resultado (cfr.Alberto Xavier, ob.cit., pág.696).
Não configuram, porém, a noção de “royalties” os rendimentos resultantes da alienação de bens ou direitos, as prestações que representam o preço de compra (cfr.Alberto Xavier, ob.cit., pág.692).
Como é do conhecimento comum, os componentes dos sistemas informáticos, incluem “hardware” (parte física dos computadores) e “software” (componente lógica).
A noção de “software” refere-se a programas informáticos de tipo operacional ou de mera aplicação. Pode ser transferido material ou electronicamente, em banda magnética ou disco (laser ou CD-ROM), constituindo parte integral do “hardware” do computador ou parte autónoma para ser utilizado em diferentes computadores. Nestes casos, a caracterização dos pagamentos para efeitos fiscais depende da natureza dos direitos transmitidos nos contratos concluídos entre as partes. Na maioria das situações estamos perante direitos do autor, protegidos pelo Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos. No entanto, um grande número de países autonomiza juridicamente o direito de autor relativo a programa informático, do seu suporte ou forma de transmissibilidade: o “software”, atribuindo-lhes consequências jurídico-fiscais diferentes. Dependendo dessa qualificação, podemos ter rendimentos de “royalties” ou, diferentemente, rendimentos comerciais ou empresariais (cfr.Glória Teixeira, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2008, pág.364).
Volvendo aos autos, a factura que titula o pagamento à OSS Nok…, contém a seguinte descrição: “License n.º100…. for OSS ASN. 1/C Tools for Solaris 32 - bit Target”; a que titula o pagamento à Call… V…., contém a seguinte descrição: “Intel SS7 Host License - M3UA” (cfr.nº.12 do probatório). De tais elementos não se pode concluir que não estejamos perante a mera compra de direitos, excluída da noção de “royalties”, conforme supra aludido.
Por outras palavras, os elementos recolhidos pela Fazenda Pública e consistentes unicamente nessas facturas relativas à aquisição das referidas licenças, não permitem concluir que o respectivo pagamento visasse remunerar qualquer transferência de “know-how” (na acepção da convenção modelo da OCDE) ou de direitos de autor, não estando, assim, suficientemente demonstrado pela A. Fiscal que se trate de pagamentos de “royalties” e, consequentemente, de rendimentos sujeitos a tributação em I.R.C. ao abrigo do citado artº.4, nº.3, al.c), ponto 1, do C.I.R.C. (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.), assim devendo decidir-se, com o Tribunal “a quo”, que tal correcção padece do vício de violação de lei.
Arrematando, o acto tributário objecto dos presentes autos não pode manter-se, por enfermar do vício de violação de lei, gerador de anulabilidade, assente no desrespeito das normas constantes do artº.4, nº.3, al.c), pontos 1 e 7, do C.I.R.C., à data vigentes.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul ACORDAM EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 15 de Novembro de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)