Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:532/17.1BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/05/2017
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
REQUISITOS DE QUE DEPENDE A UTILIZAÇÃO NO CASO DE PEDIDO DE CONCESSÃO OU PRORROGAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA.
Sumário:I)- Os requisitos de que depende a utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias reconduzem-se aos seguintes critérios práticos (i) o juiz do processo (não urgente) principal não chegaria a tempo de ditar a justiça para a situação, isto é, para protecção de um direito, liberdade ou garantia e (ii) o juiz da causa cautelar se ditasse a justiça para a situação teria antecipado ilegitimamente a decisão de mérito.

II) - Não se verifica o pressuposto enunciado sem segundo lugar - impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa -, dado que é possível e é suficiente o decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa.

III) - Com efeito, o recorrente poderá intentar uma acção administrativa, sendo-lhe possível obter a tutela urgente dos direitos que invoca através de um processo cautelar, no qual formule pedido de intimação do recorrido a emitir, provisoriamente, o título de residência.

IV) – No caso concreto, a própria Autora alegou que quando formulou o pedido de concessão de autorização de residência no passado dia 29/09/2015, junto ao Posto de Atendimento de Alverca do SEF (PDA ALVERCA), por este Posto de Atendimento foi autorizada a prorrogação de permanência, nos termos do n.°1, do artigo 71.° e do n°2, do artigo 72.°, ambos da Lei 23/2007, de 4 de Julho.

V) - Decorre do disposto no artigo 71.°, n°1 da referida Lei n°23/2007 que "Aos cidadãos estrangeiros admitidos em território nacional nos termos da presente lei que desejem permanecer no País por período de tempo superior ao inicialmente autorizado pode ser prorrogada a permanência".

V) – E "A prorrogação de permanência pode ser concedida: (...) Até 90 dias, prorrogáveis por um igual período, se o interessado for titular de um visto de curta duração ou tiver sido admitido no País sem exigência de visto''' — cfr. alínea d), do n.°1 do artigo 72.° da Lei n° 23/2007.

VI) -Por força do disposto n° 2, do artigo 72.° da referida Lei "A prorrogação de permanência pode ser concedida, (...), na pendência de pedido de autorização de residência, bem como em casos devidamente fundamentados", sendo que "A prorrogação de permanência concedida aos cidadãos admitidos no País sem exigência de visto e aos titulares de visto de curta duração é limitada a Portugal sempre que a estada exceda 90 dias por semestre, contados desde a data da primeira passagem das fronteiras externas."- cfr. n.° 4 do referido artigo 72.°.

VII) -Num tal desiderato a Autora está autorizada a permanecer em Portugal na pendência do pedido de autorização de residência temporária, e, no que tange à necessidade de se deslocar ao Nepal, nada de concreto foi alegado que nos permita concluir que não o poderá fazer mediante pedido devidamente fundamentado que dirija à ER e que em caso de recusa não possa ser acautelado pela via cautelar.

VII) – Por isso que o da Autora não tem de considerar-se um caso de “especial urgência” dos previstos no artº 111º do CPTA visto que a petição não permite reconhecer a possibilidade de lesão iminente e irreversível dos direitos, liberdades e garantias invocados.

VIII) - É, pois, inelutável que se verifica a excepção dilatória de falta de idoneidade do meio processual, o que invalida a instância já que, tendo o Mº Juiz apreciado as questões que prioritariamente se impunham e se ligavam a pressupostos processuais cuja verificação impedia o conhecimento de quaisquer outras questões.

IX) - Uma vez que o Tribunal a quo conheceu de uma excepção dilatória, consistente na falta de idoneidade do meio processual utilizado, isso impõe a prejudicialidade do conhecimento das restantes questões não cabendo conhecer da falta/errada/insuficiente fundamentação de facto, pois, tendo em conta que o conhecimento da excepção dilatória prejudica o conhecimento dos restantes pedidos, nada mais se logrou provar com relevância para a decisão da arguida excepção de falta de idoneidade do meio processual.

X) - Significa que em via da procedência da ajuizada excepção não poderia, nem deveria, o Tribunal a quo conhecer dos demais factos ou reconhecer o défice instrutório da sentença, não merecendo a conduta do julgador qualquer censura também nesse plano.

XI) – Tanto assim que, tendo a Autora sido convidada a substituir a petição inicial, com o fundamento que a situação em causa nos presentes autos não é de molde a justificar o decretamento de uma intimação, em virtude da factualidade alegada não permitir concluir que estamos perante uma situação em que seja necessária a "célere emissão de uma decisão de mérito", "por não ser possível ou suficiente, (...) o decretamento de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.°", do CPTA, ao invés, é possível e suficiente o decretamento de uma providência cautelar para acautelar a situação da Autora, enquanto não for decidida a acção principal (acção administrativa) e não tendo a Autora acedido ao convite, vindo alegar factos que em nada alteram a situação, como se referiu, impõe-se indeferir liminarmente a petição inicial - cfr. artigos 109.°, n.°1 e 110.°- A, n.°1 do CPTA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I- RELATÓRIO

ROJYNA …………., dizendo-se inconformada com a sentença do T.A.F. de Lisboa que, no processo de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias que intentou contra o Sr. Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, julgou verificada a excepção da inidoneidade do meio processual e, em consequência, absolveu o requerido da instância, vêm dela recorrer para este Tribunal, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:
“A — O presente meio processual é o mais adequado,
B- A Autora não revê a sua família M quatro (4) anos.
C- Tem a irmã doente no Nepal e gostaria de casar.
D- O Juiz do processo não urgente principal não chegaria a tempo de ditar Justiça para o caso em concreto.
E- De acordo cora Jorge Miranda e Rui Medeiros há uma reciprocidade ou igualdade no gozo de direitos previstos no art. 44° da Constituição da República Portuguesa entre cidadãos nacionais e cidadãos estrangeiros.
F- O decretamento de uma providência cautelar ira violar a discricionariedade que o Ministério da Administração pública tem em exclusivo quanto a decisões e concessão de residências legais ao abrigo do art. 88º/2 da lei 23/2007.
G- O decretamento de uma providência cautelar viola o princípio da separação de poderes.
H- Não tendo sido a autorização de residência para o exercício de actividade profissional subordinada ainda emitida, o Recorrente mostra-se privado da possibilidade de beneficiar da aplicação do princípio da Equiparação ou do tratamento nacional, previsto no artigo IS", n." l, da Constituição da República Portuguesa.
I- A Autora vive atualmente com MEDO e resignada: Medo que não possa trocar de trabalho e que continue a ser explorada, medo de ser alvo de um processo de expulsão e ser deportado para o Nepal, medo de nunca mais rever ou perder a sua família, medo que não aguente a pressão a que está atualmente sujeita. Peio que Urge intimar o Réu a emitir o cartão de residência para não prolongar este autêntica "agonia", este autêntico "pesadelo" em que o Autor vive,
J — Mais que uma questão legal, configura-se uma questão MORAL: o Estado Português e o Réu (porque recebe 50% destas receitas), NÃO PODEM exigir e receber taxas de centenas de cidadãos, a título de emissão e envio dos seus títulos de residência (bem. como assim, a totalidade das taxas a título de deferimento dos seus pedidos); taxas essas de valor superior a um salário mínimo nacional; reter essas quantias por meses e até anos sem qualquer justificação, e, posteriormente, vir negar a emissão dos mesmos.
L - E, que dizer das expectativas geradas pelo Réu nos requerentes era geral; e, no Recorrente em particular, mediante o pagamento da totalidade das taxas de taxas/emolumentos devidos pela análise e deferimento dos seus pedidos; e do artifício gerado pela recolha de fotos, impressões digitais e assinaturas?
M — Considerando os limites internos inerentes ao poder discricionário, temos que, no caso sub judice a Administração; o Réu, não se revelou nem correcto, nem honesto, nem justo, nem tão pouco bom.
N— O Réu violou, em especial, os princípios da decisão (artigo 13° :do CP A); da eficiência (artigo 5° do CPA); da celeridade (artigo 59° do CPA); da confiança, e da boa administração.
O — O nº 1 do artigo 82°, da Lei 23/2007, estipula que "o pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido ao prazo de 60 dias.".
P — O Réu nada decidiu nesse prazo, nem tão pouco nos dez meses subsequentes; pelo que omitia claramente o seu dever de decisão consagrado ao artigo 52°, n. °1, in fine, a da Constituição, e no artigo 13° do CPA sob a epígrafe "Princípio da Decisão".
Q — Com essa omissão, o Réu violou ainda o princípio da confiança, porque, o Recorrente requereu a autorização de residência em apreço, instruiu o pedido com todos os documentos exigidos, pagou todas as taxas devidas inerentes ao seu pedido e não obteve decisão, decorridos dez meses.
R - Ademais; para além do Recorrente ter demonstrado possuir — naquele momento temporal — todos os requisitos legais exigidos, também é inquestionável que e o Réu admitiu — na mesma data — o uso do meio excepcional e oficioso constante do n.° 2 do artigo 88, da Lei 23/2007,
S — Ou seja, o Réu auto vinculou-se a decidir. E, não decidiu.
T - Não procede a alegação que a discricionariedade que cabia ao Réu ao abrigo do disposto no n.° 2, do artigo 88°, da Lei 23/2007, não está subordinada a prazos, ou está subtraída à observação e cumprimento dos princípios constitucionais da actividade administrativa.
U. — Todo o cidadão é, perante a Administração, um sujeito jurídico de pleno direito, que, numa relação jurídica procedimental tem direito a uma decisão e NUNCA a uma "discricionariedade do silêncio", ou ao "silêncio incumprimento"; que corresponde, afinal, à violação do dever de decidir.
V — Mesmo no caso das autorizações de residência emitidas as abrigo do chamado ''regime excepcional' (para os cidadãos que são preencham os requisitos dos restantes tipos de autorização de residência), o SEF está adstrito a agir em conformidade com os princípios constitucionais da actividade administrativa, ou seja, os princípios da prossecução do interesse público, do respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (cfr. artigo 266° da Constituição).
X — Citando António Francisco de Sousa: "não há discricionariedade sem limites", sendo que "a discricionariedade administrativa é sempre limitada pela lei e pelo Direito" (in "Direito Administrativo em Geral, 4a edição, Porto: FDIIP, 2001, págs. 358 e 298),
Z — A discricionariedade administrativa encontra-se limitada tanto pelas imposições do ordenamento jurídico (limites externos), como pelas exigências do bem comum, da ética administrativa, da boa administração e de todos os princípios que regem a Administração Pública (limites internos); limites que no caso subjudice não foram observados.
AÃ — Se, como afirma Marcelo Caetano "discricionário significa livre dentro dos limites permitidos pela realização de certo fim visado pela lei (in "Princípios Fundamentais do Direito Administrativo", Coimbra: Almedina, a 1996, pág. 129), temos então que, em termos temporais, muito depressa o Réu entrou no domínio da arbitrariedade.
BB-- A lei especial - artigo 82°, nº l, da Lei 23/2007, de 4 de Julho - determina o prazo de 60 dias para a decisão de concessão de autorização de residência. E, a Lei Geral - artigo 86°,nº1l, do (novo) CPA — fixa o prazo de 10 dias.
CC- Este escritório tem Jurisprudência pacífica, unânime, firmada no STA em matéria da Idoneidade do presente Meio processual e na área de Imigração.
TERMOS EM QUE SE CONCLUI NO SENTIDO DE E COM O MUI DOUTO PROVIMENTO DE VOSSAS EXAS:
A) SER REVOGADA A SENTENÇA DO DOUTO TRIBUNAL A QUO.
B) SER CONSIDERADO PROCEDENTE O RECURSO.
C) SEJA CONFIRMADO COMO LIMITE TEMPORAL INSTRUTÓRIO OU DECISÓRIO PARA A CONCESSÃO DE RESIDÊNCIA POR VIA DO ARTIGO 82° N.°1 DA LEI 23/2007 O PRAZO MÁXIMO DE SESSENTA DIAS.
D) OU O PRAZO DE DEZ DIAS POR FOEÇA DO DISPOSTO NO ARTIGO 86°, N.1, DO CPA.
E) DEVE O SER INTIMADO A EMITIR O TÍTULO DE RESIDÊNCIA RELATIVO AO RECORRENTE DE FORMA URGENTE E DEFINITIVA.
f) NO MAIS DEVE SER DECLARADA COMO PROCEDENTE E PROVADA A INTIMAÇÃO,
ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!”

Contra-alegou o SEF, concluindo nos termos do seguinte quadro conclusivo:

“No que à presente intimação concerne, damos por assente que:
-Os processos urgentes devem ser reservados para as situações de verdadeira urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa (que coincidem com aquelas para as quais não é possível ou suficiente a utilização de um processo não urgente);
-E para aquelas onde exista necessidade de uma protecção acrescida dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;
-Está em causa a concessão de autorização de residência ao abrigo do art. 88º n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 4/7, o qual configura um mecanismo excepcional e oficioso;
-Não se denota a violação de qualquer direito da ora requerente, que não é possuidora de qualquer direito "à legalização";
-Pelo contrário, ao cidadão nacional de país terceiro é exigível, em regra, que cumpra as leis nacionais, designadamente solicitando no país de origem, junto das autoridades consulares portuguesas, o competente visto de residência, com o qual, deve solicitar autorização de residência para exercício de actividade profissional subordinada no nosso país;
-Só excepcional e oficiosamente é dada oportunidade de requerer uma autorização de residência sem a posse de visto de residência, apresentando manifestação de interesse para averiguação do preenchimento (ou não) das condições vinculativas/cumulativas para abertura do procedimento administrativo;
-Foi apresentada manifestação de interesse e efectuadas diligências instrutórias, as quais não se repercutem na obrigatoriedade de abertura do procedimento nem, consequentemente, na obrigatoriedade de concessão de autorização de residência;
-Não foram violados quaisquer dos direitos constitucionais genericamente alegados e (parecidos da indispensável concretização ou densificação.
Nestes termos e nos mais de Direito deve a presente resposta ser admitida e em consequência ser julgado improcedente o pedido formulado, pela verificação da excepção dilatória inominada de inadequação do meio processual, ou à cautela, por não se verificarem os requisitos previstos no n.º1 do art. 109º do CPTA.”

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, sufragando inteiramente a tese consagrada na sentença.

Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.


*
2.- DA FUNDAMENTAÇÃO

Em termos fácticos, na decisão recorrida e com interesse para a decisão, foram tidas em consideração as seguintes realidades e ocorrências:
-A Recorrente instaurou Processo de Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias contra o Ministério da Administração Interna/Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, no qual peticionou que a Entidade Demandada seja intimada a emitir o título de residência da Recorrente, conforme consta do petitório.
-A Autora defendeu desde logo, em sede de petição inicial, que o caso sub iudice não é susceptível de uma decisão provisória, ou seja, de uma decisão cautelar para o que alegou ter concluído com sucesso o seu pedido de concessão de autorização de residência no passado dia 29/09/2015, junto ao Posto de Atendimento de Alverca do SEF.
-Na mesma data, pelo Posto de Atendimento do SEF de Alverca foi autorizada a prorrogação de permanência, nos termos do n.°1, do artigo 71.° e do n° 2, do artigo 72.°, ambos da Lei 23/2007, de 4 de Julho.
-E no mesmo dia foi elaborada proposta de concessão de autorização de residência ao abrigo do regime excepcional previsto no n° 2, do artigo 88.° da Lei n° 23/2007.
-Referiu que está privada da possibilidade de beneficiar da aplicação do Princípio da Equiparação, ou do tratamento nacional, previsto no artigo 15.°, n.°1, da CRP, permanece ainda hoje em situação irregular em território nacional; o que não lhe traz qualquer tranquilidade; nem sequer para andar em público. Pois, a todo o tempo, e em qualquer local (na rua, no metro, no seu local de trabalho), pode ser objecto de acções de fiscalizações, e pode ser mandado parar pela polícia (em que se inclui o próprio SEF), pelo que, está em causa o seu direito à liberdade e à segurança.
-Que sofre também enorme pressão por parte da entidade patronal que lhe faz saber diariamente que quer provas que concluiu o seu processo de regularização em território nacional; sob pena de ser despedido, pelo que está em causa o seu direito ao trabalho.
-Referiu, também, que apenas tem acesso ao sistema de saúde se pagar a integralidade das taxas; seja qual for a circunstância, não obstante descontar mensalmente e desde Janeiro de 2016, a favor da Segurança Social e pagar impostos em território Português, pelo que está em causa o seu direito à saúde e acesso à saúde.
-Mais referiu que sem ver regularizada a sua situação em território nacional, não pode visitar/estar com a sua família no seu País de Origem, nem pode pedir o seu reagrupamento familiar, pelo que, está em causa o seu direito à família. E que necessita de se deslocar ao Nepal para acompanhar uma irmã na doença e para casar.
-A Autora foi convidada a substituir a petição inicial, com o fundamento em que a situação em causa nos presentes autos não é de molde a justificar o decretamento de uma intimação, em virtude de a factualidade por si alegada não permitir concluir que se esteja perante uma situação em que seja necessária a "célere emissão de uma decisão de mérito", "por ser possível ou suficiente, o decretamento de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131", do CPTA pois que, ao invés, é possível e suficiente o decretamento de uma providência cautelar para acautelar a situação da Autora, enquanto não for decidida a acção principal (acção administrativa).
-Neste sentido, conferir o despacho judicial datado de 9 de Março de 2017, constante de fls. 17 e aqui dado por inteiramente reproduzido quanto ao seu teor.
-A Autora, ora Recorrente, nesta sequência, veio dizer que existem factos e informação supervenientes que podem permitir o uso do presente meio processual, concretamente e a saber:
-Tem uma irmã no Nepal de nome …………………, que está doente, da qual é muito próxima e faz questão de estar com a mesma neste momento muito difícil da sua vida o mais depressa possível;
-Não vai ao Nepal desde 2013;
-Necessita de deslocar-se ao Nepal para poder casar como seu noivo de nome ………………… nascido a 4 de Setembro de 1990 para mais tarde reagrupar o mesmo em território nacional ao abrigo do art.° 98°, n°1 da actual lei de estrangeiros;
-Ficou noiva em 2013, se demorar na obtenção definitiva do seu cartão de residência seguramente irá desfazer o seu casamento, correndo o sério risco de continuar só em Portugal e sem família.
-Pela sentença proferida, ora posta em causa, veio a ser indeferida liminarmente a petição inicial.
Do fundamentado e decidido na sentença se extrai, em síntese útil, que o julgador entende que os pressupostos previstos para a admissibilidade do mecanismo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, não se verificam, uma vez que não está em causa a protecção de qualquer direito, liberdade ou garantia da Recorrente.
Esta, no fundamental, sustenta que lhe é legalmente consentido o uso do meio processual de que fez uso pelas razões atrás expostas.
O Recorrido, pelo seu lado, defende que apenas está a exigir à Recorrente que cumpram os requisitos legalmente previstos para a concessão da pretendida autorização.
Antecipe-se que a razão está do lado da Recorrido e do EPGA nos exactos termos expendidos no discurso jurídico da sentença por aqueles sufragados.
Se não, vejamos.
O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias cujos pressupostos estão expressos no art 109º do CPTA, é um meio processual urgente, de natureza principal e não cautelar, consistindo numas “das novidades absolutas” do CPTA, conforme dizem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., 2007, pág., 629 e ss.), sendo um meio processual urgente inovador que se destina a salvaguardar o exercício de direitos, liberdades e garantias, mas cujo êxito está dependente da verificação dos pressupostos legalmente previstos.
Dispõe o art. 109º, nº 1 do CPTA que:
“1 - A intimação para projecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável ao exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelas segundo o disposto no artigo 131º.”
Extrai-se do inciso legal transcrito que estamos perante um processo principal, processo de intimação, cuja finalidade é a obtenção, por parte do interessado de uma sentença de condenação, mediante a qual o tribunal impõe a adopção de uma conduta, que tanto pode consistir numa acção (conduta positiva ou de facere), como consistir numa abstenção (conduta negativa ou de non facere).
E também decorre daquele preceito que estamos perante um processo destinado a proteger direitos, liberdades e garantias, sejam eles pessoais ou patrimoniais, posto que se verifique o preenchimento dos requisitos (dois) contidos no nº 1 do art. 109º do CPTA: situação de especial urgência carecida de tutela definitiva através da prolação de uma decisão de intimação para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia (1º); que a célere intimação se revele indispensável por não ser possível, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar (2º), de acordo com o disposto no artigo 131º, nº 1 do CPTA.
Flui com absoluta clareza deste 2º requisito - indispensabilidade da célere intimação, que a consagração legal deste processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não permite usar tal processo de intimação como uma “(...) via normal de reacção a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias.
A via normal de reacção é a da propositura de uma acção não urgente (acção administrativa comum ou acção administrativa especial), associada à dedução de um pedido de decretamento de providências cautelares, destinadas a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa acção. Só quando, no caso concreto, se verifique que a utilização da via normal não é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia é que deve entrar em cena o processo de intimação. (...)”- Cfr. Autores e obra supracitados, pág. 631 e ss.
Daí o carácter subsidiário do processo de intimação previsto no art. 109º do CPTA (cfr. sobre os requisitos deste meio processual, Acs. do TCAS de 03.05.07, Proc. 02402/07; de 27.05.07, Proc. 06235/07; de 25.10.07, Proc. 03074/07).
No caso dos autos não estão reunidos os requisitos legais acima apontados desde logo porque, não estão aqui em causa a ofensa de direitos fundamentais consagrados, designadamente, nos artigos 17.º (Regime dos direitos, liberdades e garantias: O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga), 18.º( Força jurídica: 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.); Artigo 43.º (Liberdade de aprender e ensinar); 53.º(Segurança no emprego); Artigo 58.º (Direito ao trabalho); Artigo 67.º (Família: 1. A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. 2. Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família: a) Promover a independência social e económica dos agregados familiares; b) Promover a criação e garantir o acesso a uma rede nacional de creches e de outros equipamentos sociais de apoio à família); Artigo 68.º (Paternidade e maternidade:1. Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.); 69.º (Infância: 1. As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições); 73.º (Educação, cultura e ciência); 74.º (Ensino:1. Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar. 2. Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito; b) Criar um sistema público e desenvolver o sistema geral de educação pré-escolar; c) Garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo); 75.º (Ensino público, particular e cooperativo: 1. O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população. 2. O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei.).
Por outro lado, no caso concreto, não se verifica uma situação de especial urgência carecida de tutela definitiva, através da prolação de uma decisão de intimação para assegurar o exercício, em tempo útil, daquele direito. Isso porque a célere intimação não se afigura indispensável por ser suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, de acordo com o disposto no artigo 131º, nº 1 do CPTA como se demonstrou na sentença.
É que, como bem enfatiza o recorrido, a requerente não é titular de qualquer direito, liberdade ou garantia posto em crise por um acto administrativo pois não é titular de qualquer direito à concessão de um título que a habilite a permanecer e/ou a residir em Portugal, exigindo-se-lhe para efeito o cumprimento dos requisitos previstos na Lei nº 23/2007, de 4/7, e, bem assim, no Decreto Regulamentar nº 84/2007, de 5/11, o que, in casu, não terá acontecido.
Concordamos ainda com o recorrido no sentido de que o art. 15.º nº1 da CRP consagra o Princípio da Equiparação ou do tratamento nacional, mas este princípio não é absoluto: o respectivo âmbito de aplicação abrange tão só os cidadãos estrangeiros cuja entrada e permanência tenha sido autorizada em conformidade com o regime previsto nos diplomas supra referidos, em nome dos interesses constitucionalmente tutelados por aqueles - a segurança interna e a ordem pública.
Isto porque, como também salienta o recorrido e se nos afigura pacífico, é princípio geral da regulação da circulação das pessoas, acolhido nas normas de direito interno e internacional, que nenhum cidadão estrangeiro pode entrar e/ou permanecer num país sem a competente autorização das suas autoridades.
Dito de outro modo: inexiste um direito de entrada e permanência em território nacional, cujo reconhecimento está dependente de autorização, em função do preenchimento de requisitos previstos na já referida Lei, em que pontifica e para o que ao caso releva, a exigência ao cidadão estrangeiro que no país pretenda exercer uma actividade profissional, que seja titular do competente visto consular, que no caso posto assume a forma de visto de residência para exercício de actividade profissional subordinada.
Donde que não existe na esfera jurídica da requerente qualquer direito a uma autorização de residência, sendo que a "existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia (...) a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de grave ameaça ou violação (...) não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade e garantia (...) impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar
(...) uma análise perfunctória de aparência do direito " (cf. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F.Cadilha, Comentário ao Código do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 3- Edição, 2010, pág. 722 e 723).
Resulta evidente nos autos que tal exigência não foi cumprida e é também incontroverso que na situação da recorrente era efectivamente possível ou suficiente, o recurso ao art. 131º, nº.2 do CPTA, já que " o requerente não se pode limitar a alegar a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de exercer os direitos: deve provar que, sob pena de perda irreversível de faculdades de exercício daquele, ou mesmo de desaparecimento do direito no seu todo " (cf. Carla Amado Gomes, Pretexto, Contexto e texto da intimação para direitos, liberdades e garantias, págs. 15 e 16).
E á patente que a requerente não logrou fazer essa imprescindível prova pois se limitou a invocar que a não concessão da autorização de residência desrespeita diversos direitos constitucionais que indica sem os substanciar devidamente, ficando-se por uma genérica invocação, sem demonstrar sequer a necessidade dos actos a praticar para a evitação de uma afronta ou compressão dos seus direitos.
Não é configurável, pois, a verifica da violação de qualquer direito, liberdade e garantia, nem tão pouco a necessidade e indispensabilidade da intimação para a sua defesa, pressupostos da utilização deste meio processual como o exige o art. 109.º n.°1 do CPTA, ocorrendo a excepção dilatória inominada de inadequação do meio processual, isso na senda dos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, datados de 15/12/2016, em sede dos processos n.ºs 1453/16.0BELSB e 1668/16.1BELSB.
Da concatenação da factualidade supra apontada e tida em conta na decisão recorrida com o pedido formulado pela Autora de intimação da Entidade Demandada a emitir o título de residência da Autora, somos forçados a concluir que a decisão a proferir em sede cautelar, não esgota os efeitos da acção principal, sendo possível e suficiente o decretamento de uma providência cautelar, no âmbito de uma acção administrativa para acautelar os invocados direitos da Autora, não se verificando uma situação que imponha a célere emissão de uma decisão de mérito.
Nessa linha de entendimento se pronunciaram vários arestos de que se destaca o acórdão do TCA Sul, de 15/12/2016, proferido no processo n° 1668/16.1BELSB, em que se expendeu, com pertinência para o caso:
"Os requisitos de que depende a utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias - e acima enunciados - reconduzem-se aos seguintes critérios práticos:
1). o juiz do processo (não urgente) principal não chegaria a tempo de ditar a justiça para a situação, isto é, para protecção de um direito, liberdade ou garantia;
2) o juiz da causa cautelar se ditasse a justiça para a situação teria antecipado ilegitimamente a decisão de mérito.
(...) não se verifica o pressuposto supra enunciado sob o n° 2) - impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa -, dado que é possível e é suficiente o decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa.
Com efeito, o recorrente poderá intentar uma acção administrativa, sendo-lhe possível obter a tutela urgente dos direitos que invoca através de um processo cautelar, no qual formule pedido de intimação do recorrido a emitir, provisoriamente, o título de residência - neste sentido, Carla Amado Gomes Pretexto, contexto e texto da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, Março de 2003, pág. 21, in www.icjp.pt/sites/default/files /media/291-l 35.pdf (.. .)".
Diga-se ainda e em reforço argumentativo não despiciendo, como adverte o EPGA no seu douto parecer que nesta parte vimos seguindo, que a própria Autora alegou que quando formulou o pedido de concessão de autorização de residência no passado dia 29/09/2015, junto ao Posto de Atendimento de Alverca do SEF (PDA ALVERCA), por este Posto de Atendimento foi autorizada a prorrogação de permanência, nos termos do n.°1, do artigo 71.° e do n°2, do artigo 72.°, ambos da Lei 23/2007, de 4 de Julho.
Ora, decorre do disposto no artigo 71.°, n° 1 da referida Lei n°23/2007 que "Aos cidadãos estrangeiros admitidos em território nacional nos termos da presente lei que desejem permanecer no País por período de tempo superior ao inicialmente autorizado pode ser prorrogada a permanência".
"A prorrogação de permanência pode ser concedida: (...) Até 90 dias, prorrogáveis por um igual período, se o interessado for titular de um visto de curta duração ou tiver sido admitido no País sem exigência de visto''' — cfr. alínea d), do n.°1 do artigo 72.° da Lei n° 23/2007.
E, por força do disposto n° 2, do artigo 72.° da referida Lei "A prorrogação de permanência pode ser concedida, (...), na pendência de pedido de autorização de residência, bem como em casos devidamente fundamentados.'".
"A prorrogação de permanência concedida aos cidadãos admitidos no País sem exigência de visto e aos titulares de visto de curta duração é limitada a Portugal sempre que a estada exceda 90 dias por semestre, contados desde a data da primeira passagem das fronteiras externas."- cfr. n.° 4 do referido artigo 72.°.
É forçoso, pois, concluir que a Autora está autorizada a permanecer em Portugal na pendência do pedido de autorização de residência temporária, e, no que tange à necessidade de se deslocar ao Nepal, nada de concreto foi alegado que nos permita concluir que não o poderá fazer mediante pedido devidamente fundamentado que dirija à ER e que em caso de recusa não possa ser acautelado pela via cautelar.
Daí a conclusão geral e definitiva: o da Autora não tem de considerar-se um caso de “especial urgência” dos previstos no artº 111º do CPTA pois, pelo que já se disse, a petição não permite reconhecer a possibilidade de lesão iminente e irreversível dos direitos, liberdades e garantias invocados.
É, pois, inelutável que se verifica a excepção dilatória de falta de idoneidade do meio processual, o que invalida a instância já que, tendo o Mº Juiz apreciado as questões que prioritariamente se impunham e se ligavam a pressupostos processuais cuja verificação impedia o conhecimento de quaisquer outras questões.
Donde que, uma vez que o Tribunal a quo conheceu de uma excepção dilatória, consistente na falta de idoneidade do meio processual utilizado, isso impõe, como se disse, a prejudicialidade do conhecimento das restantes questões não cabendo conhecer da falta/errada/insuficiente fundamentação de facto, pois, tendo em conta que o conhecimento da excepção dilatória prejudica o conhecimento dos restantes pedidos, nada mais se logrou provar com relevância para a decisão da arguida excepção de falta de idoneidade do meio processual.
Dito de outro modo: em via da procedência da ajuizada excepção não poderia, nem deveria, o Tribunal a quo conhecer dos demais factos ou reconhecer o défice instrutório da sentença, não merecendo a conduta do julgador qualquer censura também nesse plano.
Em face do exposto, tendo a Autora sido convidada a substituir a petição inicial, com o fundamento que a situação em causa nos presentes autos não é de molde a justificar o decretamento de uma intimação, em virtude da factualidade alegada não permitir concluir que estamos perante uma situação em que seja necessária a "célere emissão de uma decisão de mérito", "por não ser possível ou suficiente, (...) o decretamento de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.°", do CPTA, ao invés, é possível e suficiente o decretamento de uma providência cautelar para acautelar a situação da Autora, enquanto não for decidida a acção principal (acção administrativa) e não tendo a Autora acedido ao convite, vindo alegar factos que em nada alteram a situação, como se referiu, impõe-se indeferir liminarmente a petição inicial - cfr. artigos 109.°, n.°1 e 110.°- A, n.°1 do CPTA.

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3. -DECISÃO

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes do 2º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
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Lisboa, 05-07-2017
(José Gomes Correia)
(António Vasconcelos)
(Pedro Marchão)