Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11094/14
Secção:CA- 2º JUIZO
Data do Acordão:04/16/2015
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA NECESSÁRIA – SILÊNCIO ADMINISTRATIVO - CASO JULGADO
Sumário:1. O CPTA não obsta à existência de impugnações administrativas necessárias.

2.Independentemente de omissão ou recusa de decisão administrativa, há lugar à interposição de recurso hierárquico necessário quando for exigido por lei especial.

3.Em razão da previsão expressa no artº 97º nº 1 DL 100/99 de 21.03, do acto de contagem do tempo de serviço fixado em lista de antiguidade cabe reclamação seguida da interposição de recurso hierárquico necessário.

4.Decorrido o prazo de decisão da reclamação dita em 3., o silêncio administrativo não tem o alcance de abrir o acesso à via contenciosa (artº 175º nº 3 CPA) se, em razão de disposição legal expressa (artº 97º nº 1 DL 100/99) cabe interpor recurso hierárquico necessário dessa conduta factual de inércia.

5.Quando o interessado opte por impugnar o acto perante os tribunais sem ter feito prévio uso da impugnação administrativa necessária que ao caso a lei expressamente faça corresponder, deve a sua pretensão ser rejeitada porque a lei não lhe reconhece o interesse processual.

6.A dupla função do caso julgado traduz-se nos efeitos negativos que realiza – insusceptibilidade de qualquer tribunal, mesmo aquele que decidiu, se voltar a pronunciar sobre a questão objecto de decisão transitada - bem como em razão dos efeitos positivos - vinculação do tribunal que proferiu a decisão e de outros tribunais ao que nela foi definido ou estabelecido.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Ana ………………, com os sinais nos autos, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa dele vem recorrer, concluindo como segue:

1. A A. intentou a presente acção contra o R. impugnando a lista de antiguidade publicitada pelo Aviso n° 4589/2006, publicada no D. R., nº 73, de 12 de Abril de 2006, que ignorou tempo de serviço que devia ter sido contado à A. quer por ausência por doença, quer decorrente da anulação judicial de uma sanção disciplinar de demissão quer de atraso na sua reintegração após esta decisão judicial;
2. Proferido Acórdão nos presentes autos foi negada procedência à acção com os seguintes fundamentos:
a. Não assistia razão ao R. quanto à impossibilidade de impugnação judicial da lista de antiguidade pois, como era Jurisprudência dominante, o facto de a A. não ter impugnado as listas de antiguidade desde 2000, não era impeditivo de através da presente acção vir a fazê-lo;
b. Improcedia no entanto o pedido de condenação do R. a rectificar o tempo de serviço por falta de definitividade uma vez que o art. 97ºdo Dec.Lei 100/99, previa que do indeferimento da reclamação cabia recurso hierárquico e a A. não o interpusera;
c. E improcedia também o pedido de condenação do R. a indemnizar a A. pois era questão que já havia sido decidida por Acórdão do STA que lhe recusara esse direito uma vez que a A. deixara decorrer o prazo para requerer a execução do Acórdão;
3. É verdade que o art. 97° do Dec. Lei 100/99, estabelecia que do indeferimento da reclamação das listas de antiguidade cabia recurso hierárquico, mas estamos no perante um acto administrativo praticado já no domínio da vigência do actual CPTA;
4. E, se é verdade que não chegou a vingar alguma Jurisprudência que, à luz da alteração do art. 268°, n°4, da Constituição, vinha defendendo a possibilidade de impugnação judicial de um acto sem dependência do recurso à via administrativa graciosa, verdade é também que, o Tribunal Constitucional de há muito consagrou a tese de que, após a entrada em vigor do CPTA, a regra geral deixou de ser a do carácter necessário dos recursos hierárquicos, para passar a ser a regra do carácter facultativo a não ser nos casos em que a lei expressamente estabeleça o carácter necessário do recurso hierárquico - Ver por todos o Acórdão do Tribunal Constitucional, de 29 de Novembro de 2008 -e no mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do TCAS, de 18 de Novembro de 2010, levando mais longe a interpretação, citando Doutrina abundante, de que, mesmo nos casos em que lei anterior à entrada em vigor do CPTA estabeleça que o recurso hierárquico é necessário poderá haver desde logo impugnação judicial desde que o acto impugnado tenha eficácia externa ou não se estabeleça o efeito suspensivo decorrente da interposição do recurso hierárquico,
5. E, independentemente de tais orientações Jurisprudenciais e Doutrinárias, hoje em dia pacificas, no caso dos autos a reclamação apresentada pela A. e referente à lista de antiguidade foi dirigida ao Presidente do R. e, para que tivesse aplicação o art. 97° do Dec. Lei 100/99 era necessário que existisse hierarquia superior e, no caso dos autos não existia, pois, por força dos arts. 1° e 6°, n" 2, da Lei Orgânica do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil, na redacção ao tempo vigente e que era a que foi aprovada pelo Dec Lei 49/2003, de 25 de Março, com alterações introduzidas pelos Decs. Lei 97/2005, de 16 de Junho, e 21/2006, de 2 de Fevereiro, o R. era uma pessoa colectiva de direito público dotado de autonomia administrativa e patrimonial sendo o seu órgão máximo o Presidente;
6. O indeferimento da reclamação era pois um acto dotado de definitividade,
7. O acórdão recorrido enferma pois de erro de julgamento e, nesta matéria violou os arts. 289°, do Código Civil e 51°,n° l, do CPTA;
8. Quanto à reposição da situação da A. de nada serve a invocação do Acórdão do Pleno do STA, que decidiu que a A. deixara caducar o prazo para executar o Acórdão anulatório da pena disciplinar de demissão que lhe fora aplicada, e de nada serve, porquanto o Acórdão anulatório foi ultrapassado pelo Despacho do Vice-Presidente do R. de 22 de Outubro de 2003 fora determinado que a Divisão de Recursos Humanos procedesse à reintegração da A. com efeitos retroagidos à data da aplicação da sanção de demissão, com todas as consequências em matéria de registos, antiguidade na categoria e na função e em matéria de progressão na carreira;
9. Acto administrativo que não foi revogado nem o podia ter sido - art. 140º do CPA - e muito menos por uma lista de antiguidade que o ignorou;
10. Tendo o Acórdão também nesta matéria violado o art. 289º do Código Civil e 140º do CPA.

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A Entidade Recorrida contra-alegou louvando-se nos fundamentos exarados no Acórdão recorrido.

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Colhidos os vistos legais dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos e entregues as competentes cópias, vem para decisão em conferência.

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Pelo Tribunal a quo foi julgada provada a seguinte matéria de facto:

1. A A. é funcionária do R. tendo actualmente a categoria de Técnica Superior de 1a Classe;
2. Transitou para os quadros do R. vinda do Serviço Nacional de Protecção Civil, por força do previsto no art. 50° da Lei Orgânica do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil, aprovada pelo Dec.Lei 49/2003, de 25 de Março, e com alterações introduzidas pelos Decs. Lei 97/2005, de 16 de Junho, e 21/2006, de 2 de Fevereiro;
3. Por Aviso n° 4589/2006, publicado no DR, n°73, de 12 de Abril de 2006, e por afixação no local de trabalho no dia 18 de Abril de 2006 foi publicitada a lista de antiguidade dos funcionários do quadro de pessoal do ex-Serviço Nacional de Protecção Civil, reportada a 31 de Dezembro de 2005 (Doe. l junto à p.i.);
4. Na referida lista, a A. apareceu com a data de início de funções naquele serviço no dia 16 de Janeiro de 1987 e com a antiguidade de 10 anos, 2 meses e quinze dias;
5. A A. reclamou em 11.5.2006 daquela lista de antiguidade, nos termos do n° l do art. 96° do Dec. Lei 100/99, de 21 de Março, (Doe. 2) invocando que: Tinha de ser contado o tempo de serviço decorrido desde 30 de Janeiro de 1992 a 12 de Julho de 1998, pois tratara-se de tempo em que a recorrente não estivera ao serviço por causa de sanção disciplinar que lhe fora aplicada, sanção essa que viera a ser anulada por decisão do Supremo Tribunal Administrativo; e que por despacho do Presidente do R. datado de 22 de Outubro de 2003, já tal fora reconhecido, determinando-se a contagem daquele tempo de serviço, cf. doe. nº 4 junto à p.i.;
6. Decorridos que foram os prazos previstos nos n°s 3 e 4 do art. 96° do Dec. Lei 100/99 e ainda o prazo previsto no art. 109° do Código de Procedimento Administrativo, não foi notificada à recorrente qualquer decisão proferida sobre aquela reclamação;
7. A A. tomou posse em 1987 no Serviço Nacional de Protecção Civil, esteve ausente do serviço por doença desde 24 de Junho de 1991, tendo sido submetida a Junta Médica em 27 de Dezembro desse mesmo ano, Junta essa que determinou nova apresentação a Junta Médica no dia 26 de Fevereiro de 1992.
8. Por ofício datado de 29 de Janeiro de 1992 foi a A. notificada da aplicação da sanção disciplinar de demissão aplicada pelo Ministro da Administração Interna, sanção essa que entrou em vigor na data de recepção daquele ofício.
9. Aquele despacho punitivo veio a ser anulado por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 4 de Dezembro de 1997 (Doe. 3 junto à p.i.);
10. Nada lhe tendo sido comunicado, requereu a A. em 14 de Janeiro de 1998 que, em execução daquele Acórdão, fosse reintegrada ao serviço;
11. Por ofício do Serviço Nacional de Protecção Civil datado de 29 de Janeiro de 1998 foi a A. convocada para tomar conhecimento do Acórdão do STA que ela, como parte interessada que era, já conhecia e, por força desse conhecimento requerera já a sua reintegração no exercício de funções;
12. A A. apresentou-se ao serviço no dia 17 de Abril de 1998, tendo-lhe sido dito que deveria falar com o Presidente do Serviço Nacional de Protecção Civil;
13. Tendo sido recebida por aquele Presidente no dia 20 de Abril de 1998, deu-lhe aquele conhecimento de que não valia a pena atribuir-lhe funções pois sabia da existência de um processo disciplinar que estava a correr termos contra a A. e que, como tal, deveria aguardar o desfecho desse processo, o que a A. fez;
14. Recebeu entretanto a A. um ofício do Ministério da Administração Interna, datado de 2 de Junho de 1998, onde lhe era comunicado que contra si estava a correr termos um processo disciplinar, cujo conteúdo nunca lhe foi dado no entanto a conhecer;
15. Só vindo a ser reintegrada ao serviço em 13 de Julho de 1998;
16. Em listas de antiguidade reportadas a anos anteriores, designadamente nas que se reportam aos anos de 2000, 2002, 2003 e 2004, publicitadas através dos correspondentes avisos, respectivamente, em Março de 2001, Março de 2003, Abril de 2004 e Março de 2005, cf. Does. l a 4 junto à contestação, já lhe tinha sido descontado o período em apreço;
17. A A. não impugnou qualquer das listas de antiguidade referidas no ponto anterior;
18. A lista de antiguidade reportada a 31.12.1991 - aprovada em data anterior à aplicação da sanção disciplinar de demissão à Autora contabilizava o tempo de serviço em 4 anos e 13 dias - (Doe. 5 junto à contestação);
19. À data da propositura da presente acção, mostrava-se decorrido quer o prazo de execução espontânea por parte do Réu, cujo termo ocorreu em 02/09/1998, quer, inclusive, o prazo que era concedido à Autora para requerer a execução integral do referido acórdão, que findou em 02/09/1999 (Doe. 6 junto à contestação).
20. Por despacho do Presidente do R. de 22 de Outubro de 2003, junto à p.i. sob o doc. 4, o qual apropriando-se do proposto na Informação nº 169, datada de 20.10.2003, do Gabinete Jurídico e de Auditoria do R., foi determinado o cumprimento das conclusões da mesma Informação, as quais eram no sentido de a Divisão de Recursos Humanos proceder à reintegração da A. com efeitos retroagidos à data da aplicação da sanção de demissão, com todas as consequências em matéria de registos, antiguidade na categoria e na função e em matéria de progressão na carreira;
21. No Acórdão do STA de 20/04/2004, proferido no âmbito do recurso que, sob o nº 3 0690/92-A, correu termos pela 1a Secção - 2a Subsecção daquele Tribunal, posteriormente confirmado pelo Acórdão do Pleno de 16/02/2005, ambos já transitados em julgado (Does. 6 e 7) o processo de execução do julgado anulatório da decisão de demissão da A. foi rejeitado por extemporaneidade.



DO DIREITO


1. impugnações administrativas necessárias;

Decorre do probatório que a ora Recorrente reclamou em 11.5.2006 da lista de antiguidade reportada a 31 de Dezembro de 2005, nos termos do artº 96º nº 1 DL 100/99 de 21.03 com fundamento em que “(..) Tinha de ser contado o tempo de serviço decorrido desde 30 de Janeiro de 1992 a 12 de Julho de 1998,(..)”.
Todavia, em listas de antiguidade anteriores, reportadas aos anos de 2000, 2002, 2003 e 2004, publicitadas através dos correspondentes avisos, respectivamente, em Março de 2001, Março de 2003, Abril de 2004 e Março de 2005, já lhe tinha sido descontado o período em apreço, sendo que a ora Recorrente não impugnou qualquer das listas de antiguidade referidas.
Ora, a lei é expressa no sentido de que,
(i) “Da organização das listas cabe reclamação …”, cfr. artº 96º nº 1 DL 100/99;
(ii) “A reclamação não pode fundamentar-se em contagem de tempo de serviço ou em outras circunstâncias que tenham sido consideradas em listas anteriores.”, cfr. artº 96º nº 3 DL 100/99;
(iii) “Das decisões sobre reclamações cabe recurso para o membro do Governo competente, a interpor no prazo de 30 dias consecutivos a contar da data da recepção da notificação”, artº 97º nº 1 DL 100/99.

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Na circunstância do caso concreto a ora Recorrente não reclamou das listas de antiguidades reportadas aos anos de 2000, 2002, 2003 e 2004, devidamente publicitados e em que também não fora contado em tempo de serviço no período de 30 de Janeiro de 1992 a 12 de Julho de 1998, tão só reclamou da lista de antiguidades reportada a 2005.
Todavia, decorrido o prazo fixado no artº 97º nº 4 DL 100/99 a Administração nada disse, o que significa que estamos face a uma omissão de acto administrativo de primeiro grau, desencadeada na sequência do silêncio administrativo decorrido o prazo legal de decisão da citada reclamação cujo conteúdo substancia pretensão da ora Recorrente de incluir no tempo de serviço para efeitos de antiguidade o período entre 30 de Janeiro de 1992 a 12 de Julho de 1998.
Recurso hierárquico que a ora Recorrente não interpôs, com a consequência de preclusão de recurso à via impugnatória jurisdicional pelas razões que seguem.


2. preclusão de acesso à impugnação jurisdicional;

Diz-nos a doutrina que, independentemente do disposto nos artºs. 51º e 59º nºs. 4 e 5 CPTA no tocante a actos administrativos com eficácia externa e lesivos de direitos ou interesses juridicamente protegidos, é necessária a impugnação administrativa quando a lei se expressa inequivocamente nesse sentido, isto é, sempre que o texto legal disponha que de determinado acto cabe tal impugnação.
O que significa, como referido, que não tendo o interessado recorrido, no prazo consignado, à impugnação administrativa preclude o acesso à impugnação jurisdicional do acto administrativo em causa. (1)
Efectivamente, “(..) o CPTA não obsta à existência de impugnações administrativas necessárias e, portanto, não tem, só por si, o alcance de erradicar a figura do recurso hierárquico necessário.
Justifica-se, por isso, uma referência à situação em que fica colocado o titular de uma posição subjectiva de conteúdo pretensivo que, tendo apresentado um requerimento a um órgão subordinado, se veja confrontado com uma atitude de omissão do dever de decidir em situações em que, nos termos da lei, deva haver lugar à interposição de recurso hierárquico necessário.
A nosso ver, quer haja omissão, ou recusa, há lugar à interposição de recurso hierárquico necessário, quando ele for exigido por lei especial.
O recurso não tem por objecto necessariamente um acto do subordinado, mas a sua conduta, ainda que omissiva (..) quando o subordinado tenha, porém, permanecido omisso, o objecto do recurso hierárquico não é um acto ficto ou presumido, mas a própria conduta factual de inércia do subordinado. (..)” (2)
De modo que, em razão da previsão legal expressa no artº 97º nº 1 DL 100/99, do acto de contagem do tempo de serviço fixado em lista de antiguidade cabe reclamação seguida da interposição de recurso hierárquico necessário, que “(..) tanto pode ter de ser interposto contra um acto administrativo de conteúdo positivo, que de algum modo tenha restringido ou comprimido a esfera do interessado, como contra um acto administrativo de conteúdo negativo ou mesmo contra uma omissão do órgão subordinado, que tenha vedado ao interessado a ampliação da sua esfera jurídica: no primeiro caso, o interessado é titular de um interesse opositivo, dirigido à remoção do acto lesivo; mas no segundo já é titular de um interesse pretensivo, dirigido à emissão do acto necessário à ampliação da sua esfera jurídica. (..)” (3)


3. interesse em agir do interessado;

Esta necessidade recorrer à impugnação administrativa necessária legalmente prevista em ordem a aceder à impugnação jurisdicional deve ser juridicamente enquadrada no plano do interesse em agir do interessado, pois que “(..) nos casos em que legislação especial institui impugnações administrativas necessárias, a lei entende fazer depender o reconhecimento de interesse processual ao autor – ou seja, o reconhecimento da sua necessidade de tutela judiciária – da utilização das vias legalmente estabelecidas para tentar obter a resolução do litígio por via extrajudicial.
Por conseguinte, quando, nesses casos, o interessado opte por impugnar o acto perante os tribunais sem ter feito prévio uso da impugnação administrativa necessária que ao caso a lei expressamente fazia corresponder, a sua pretensão deve ser rejeitada porque a lei não lhe reconhece o interesse processual. Que, no caso, se deveria sustentar na demonstração de ter tentado infrutiferamente obter o resultado pretendido pela via extrajudicial legalmente estabelecida. (..)” (4)
Donde “(..) Uma vez decorrido o prazo para decisão sem que esta haja sido proferida, considera-se rejeitada a impugnação administrativa (cfr. artº 175º nº 3 do CPA). Começa, pois, nesse momento, a correr o prazo de propositura da acção em tribunal que será de impugnação do acto subordinado.
Uma vez intentada a impugnação administrativa necessária, a via de reacção contenciosa a seguir no caso de ela não surtir efeito é, portanto, a mesma que teria sido utilizada, logo desde o início, se a lei não impusesse o ónus de prévia impugnação administrativa – e isto quer a reclamação ou o recurso hierárquico necessários tenham sido objecto de indeferimento expresso, quer não tenham merecido resposta da parte do órgão competente para os decidir dentro do prazo legal de decisão.
O regime aplicável nesta matéria não é, portanto, afectado pela circunstância de o CPTA ter introduzido a possibilidade de condenação à prática de actos administrativos. (..)
Por conseguinte, o eventual indeferimento ou o decurso do prazo legalmente fixado para que a reclamação ou o recurso hierárquico necessários fossem decididos sem a emissão de uma decisão limitam-se a ter, nesse contexto, o alcance de abrir o acesso à via contenciosa – via que será, naturalmente, a via impugnatória, em ordem à apreciação das causas de invalidade que podem conduzir à anulação ou declaração de nulidade do acto ilegal.
Não haverá, entretanto, em caso algum, lugar, neste contexto, à dedução de um pedido de condenação à prática de um acto administrativo, com fundamento no facto de a impugnação administrativa ter sido indeferida ou não ter merecido resposta da parte do órgão competente para a decidir. (..)” (5)
Embora não tenha sido proferida decisão sobre a reclamação apresentada contra a contagem do tempo de serviço relativo ao não de 2005, o silêncio administrativo decorrido o respectivo prazo de decisão não tem o alcance de abrir o acesso à via contenciosa, no caso, requerer ao tribunal a condenação da Administração à prática do acto administrativo devido ex vi artº 67º nº 1 a) CPTA porque, em razão de disposição legal expressa cabia interpor recurso hierárquico necessário dessa conduta factual de inércia, nos termos expostos.

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Pelo que vem de ser dito improcedem todas as questões trazidas a recurso nos itens 1 a 7 das conclusões.


4. caso julgado – Ac. do Pleno do STA de 16.2.2005, P. 30690/92-A;

No tocante ao pedido condenatório, fundamentou-se em sede de acórdão recorrido como segue:
“(..)
Cumulou a A. o pedido de contagem do tempo de serviço, com o pedido de pagamento de vencimentos devidos durante o período em que esteve ausente por efeito da sanção disciplinar aplicada, bem como o seu reposicionamento nos escalões e índices remuneratórios desde 30.1.1992, cf. artigos 25.° a 27.° da p.i..
Muito embora a improcedência do 1º pedido implique a improcedência dos demais pedidos porque dependentes daquele, importa dizer que a A. usou a presente acção para obter os efeitos pretendidos com a execução do julgado anulatório.
Com efeito, a A. requereu a execução daquele julgado extemporaneamente, tal como decidido no Acórdão do STA de 20/04/2004, proferido no âmbito do recurso que, sob o nº 30690/92-A, correu termos pela 1a Secção/2a Subsecção daquele Tribunal, posteriormente confirmado pelo Acórdão do Pleno de 16/02/2005, ambos transitados em julgado, cf. does. 6 e 7 juntos à contestação.
Ora tal não lhe é permitido.
Na verdade, mesmo que obtivesse êxito quanto ao tempo contado na lista de antiguidade reportada a 31.12.2005, nunca tal direito lhe permitiria reconstituir a carreira com efeitos retroactivos, mas sim apenas para o futuro.
A não se entender assim, violar-se a autoridade do caso julgado formado pelo referido Acórdão do Pleno de 16/02/2005. (..)
Na verdade, reconhecida judicialmente a caducidade do direito de acção em relação ao direito à reconstituição da sua carreira, cessaram os deveres do R. decorrentes do julgado anulatório que não foram espontaneamente cumpridos.
Reconhecê-los, através do uso de outro meio processual retiraria utilidade prática ao acórdão do Pleno do STA, de 16.2.2005, proferido no proc. 30690/92-A, correu termos pela 1a Secção - 2a Subsecção daquele Tribunal.
Tão pouco os pedidos formulados pela A. podem fundar-se no despacho do Presidente do R. de 22 de Outubro de 2003 (doe. 4 junto à p.i.) e que, apropriando-se do proposto na Informação do Gabinete Jurídico e de Auditoria do R., determinou o cumprimento das conclusões da mesma Informação, conclusões que eram no sentido de a Divisão de Recursos Humanos proceder à reintegração da A. com efeitos retroagidos à data da aplicação da sanção de demissão, com todas as consequências em matéria de registos, antiguidade na categoria e na função e em matéria de progressão na carreira.
Não obstante ser verdade que este despacho não foi expressamente revogado, a verdade é que a mencionada decisão do Pleno prevalece sobre o mesmo, extinguindo os deveres do R. decorrentes do mesmo. (..)”.
Prevalece perante os Tribunais, entenda-se, por via da chamada dupla função do caso julgado, isto é, na medida dos efeitos negativos que realiza – insusceptibilidade de qualquer tribunal, mesmo aquele que decidiu, se voltar a pronunciar sobre a questão objecto de decisão transitada - bem como em razão dos efeitos positivos - vinculação do tribunal que proferiu a decisão e de outros tribunais ao que nela foi definido ou estabelecido. (6)

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Pelo exposto improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 8 a 10 das conclusões.


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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar o acórdão proferido.

Custas a cargo do Recorrente.

Lisboa, 16.ABR.2015

(Cristina dos Santos) ……………………………………………………………

(Paulo Gouveia) …………………………………………………………………

(Catarina Jarmela) (voto a decisão mas não integralmente os seus fundamentos:
- o recurso em causa será tutelar e não hierárquico;
- o caso julgado formal só tem forma obrigatória dentro do processo – artº 672º nº 1 do CPC de 1961, mas se a pretensão deduzida em sede executiva foi considerada intempestiva, por maioria de razão é a mesma intempestiva ao ser deduzida na presente acção, pelo que não se podia conhecer da mesma).



(1) Mário Aroso de Almeida, Manual de processo administrativo, Almedina/2010, págs. 302-303; Vieira de Andrade, Justiça administrativa (lições), 10ª ed. Almedina/2009, págs.317-318
(2) Mário Aroso de Almeida, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, Almedina/2003, pág. 169.
(3) Mário Aroso de Almeida, Recurso hierárquico, acto tácito e condenação à prática de acto devido – Ac. do STA, 24.11.2004, P.903/04 – CJA/ 53, págs.19-20.
(4) Mário Aroso de Almeida, Manual … Almedina/2010, pág. 306.
(5) Mário Aroso de Almeida, Manual … Almedina/2010, pág. 308.
(6) Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, LEX/1997, pág.572