Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2278/19.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/21/2021
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Sumário:i) Em regra, os vícios dos actos administrativos implicam a sua mera anulabilidade, só ocorrendo nulidade quando falte qualquer elemento essencial do acto, quando a lei expressamente o determine, ou quando se verifiquem as circunstâncias referidas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, designadamente quando ocorra ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental.
ii) O vício de falta de fundamentação não é susceptível de inquinar o acto impugnado de nulidade por falta de um elemento essencial, nos termos do disposto no artigo 161.º, n.º 2, alínea g), do CPA.
iii) Nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º 2, al. b) do CPTA, é de três meses o prazo para impugnação do acto administrativo impugnado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

J... intentou no TAC de Lisboa contra a COMISSÃO DE PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS DE CRIMES, acção administrativa destinada a obter declaração de nulidade/anulação da decisão final de arquivamento proferida no processo administrativo n.º 251/2016.

A Autora, ora Recorrente, pedia a final que, na procedência da acção, fosse “o presente pedido de Nulidade/Anulabilidade da Decisão Final de Arquivamento da Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes, proferida no âmbito do processo administrativo nº 251/2016 e supra melhor identificada, (DOC. 4 ORA JUNTO), [ser] aceite, por provado, revogando-se aquela Decisão/Ato Administrativo, e sendo esta substituída por outro ato administrativo, que considere verificados todos os requisitos previstos na Lei 104/09 de 14 de Setembro, atribuindo-se à ora Autora, o adiantamento da indemnização que requereu ao abrigo do disposto na referida Lei 104/09 de 14 de setembro”.

Por saneador de 22.06.2020 foi julgada procedente a excepção dilatória de intempestividade, prevista no art. 89.º, n.º 4, al. k), do CPTA e, absolvida da instância a ora Recorrida.

Nas alegações do recurso interposto a ora Recorrente, conclui do seguinte modo:

1. A Autora e ora Recorrente, J..., impugnou, nos presentes autos, a Decisão Final e Arquivamento da Comissão, proferida pela Ré e ora Recorrida, COMISSÃO DE PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS DE CRIMES, no âmbito do processo administrativo nº 251/2016 e notificada à ora Recorrente em 30 de Julho de 2019.

Pois,

2. Entende a ora Recorrente, que a decisão referida no antecedente e que negou à ora Recorrente o seu pedido de adiantamento de indemnização, enquanto mãe de uma vítima de crime violento, (Lei 104/09 de 14 de Setembro), é NULA, por ter sido tomada em violação dos Princípios Fundamentais da Legalidade, da Proporcionalidade, da Justiça, da Boa-Fé e da Boa-Administração, constantes, designadamente, dos artigos 268º nº3, 266º, 272º nº2 da Constituição da República Portuguesa e também o Direito ao Bom-Nome, Honra e Consideração do filho da ora Recorrente, C..., vítima de sequestro, seguido de homicídio, Direito Fundamental que se encontra previsto no artigo 26º da mesma CRP.

Na sequência,

3. No passado dia 26 de Junho de 2020 foi a Autora e ora Recorrente notificada da sentença proferida nos presentes autos e de que ora se recorre, que julgou a presente ação totalmente improcedente, por caducidade do direito de ação, atenta a suposta extemporaneidade da Petição Inicial.

Sucede que,

4. A douta sentença recorrida nunca se pronuncia sobre a possibilidade do ato administrativo em causa ser também NULO, para além de anulável, conforme havia alegado a ora Recorrente com a ação administrativa que intentou – VIDE DESIGNADAMENTE ARTIGOS 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º E 60º DA P.I., QUE AQUI SE DÃO POR TOTALMENTE REPRODUZIDOS COM OS DEVIDOS E LEGAIS EFEITOS.

Pelo que,

5. A douta sentença de que ora se recorre padece de Falta de Fundamentação, por não se pronunciar sobre todas as questões levantadas pela Autora e ora Recorrente com a sua ação, designadamente, sobre se o ato administrativo impugnado padeceria de NULIDADE e não apenas de anulabilidade, conforme erroneamente julgou o douto Tribunal a quo.

Senão vejamos,

6. Veio a Ré e ora Recorrida, COMISSÃO DE PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS DE CRIMES,

(CPVC), a afirmar, na sua Decisão Final de Arquivamento, (ato administrativo impugnado), que antes do seu homicídio tiro, o filho da Autora/Recorrente, C..., teria tido um comportamento “criticável à luz dos valores éticos porque se rege a nossa sociedade” – TUDO CONFORME PARÁGRAFO 7 DA PÁGINA 21 DA DECISÃO FINAL DA RÉ E ORA RECORRIDA, CPVC, JUNTA COMO DOCUMENTO Nº4 DA PETIÇÃO INICIAL, E QUE NESTA PARTE SE DÁ POR REPRODUZIDA COM OS DEVIDOS E LEGAIS EFEITOS.

Sucede que,

7. Ao longo de toda a sua Decisão Final, a Ré e ora Recorrida, nunca concretiza qual foi o comportamento do falecido C..., (filho da Autora e ora Recorrente), considerado criticável pela CPVC, nem que valores éticos foram supostamente ofendidos com a conduta do falecido C....

Aliás,

8. Estas insinuações e especulações não concretizadas pela Ré e ora Recorrida, já constavam do seu projeto de decisão, notificado à Autora e ora Recorrente em 26 de Fevereiro de 2019 e junto como Doc.2 da P.I.

Sendo que,

9. A Autora e ora Recorrente já havia alegado na sua Defesa/Exposição Escrita – DOC. 3 DA P.I. – que não conseguia entender que comportamento ou conduta do seu filho C... é que teria sido contrária à ordem pública ou de algum modo reprovável.

Pois,

10. A Ré e ora Recorrida, nunca concretiza porque considera que o falecido C... não agiu de modo correto, nem o que este fez de tão grave, que não deveria ter feito…

Cumprindo nesta parte dizer que,

11. Da factualidade considerada como Provada e constante da sentença proferida no âmbito do processo-crime com o NUIPC: 438/14.6PEAMD e que condenou os arguidos I... e P..., pelo sequestro e homicídio do C..., filho da Autora e ora Recorrente, e relativamente aos alegados comportamentos/condutas deste, anteriores ao crime, consta apenas que, naquele fatídico dia 19 de Junho de 2014, cerca das 20 horas, quando o falecido

C..., filho da Autora/Recorrente, saía do seu trabalho, na empresa “T...”, recebeu um telefonema do seu amigo L..., para ir ao seu encontro e tendo ido, acabou morto com 4 (quatro) tiros na cabeça – TUDO CONFORME FACTOS PROVADOS DA SENTENÇA PROFERIDA NOS AUTOS DO PROCESSOCRIME COM O NUIPC: 438/14.6PEAMD E MELHOR EXPLANADOS NO PONTO 1 DO PARECER DA COMISSÃO/PROJETO DE DECISÃO FINAL, (FACTOS), JUNTO COMO DOC.2 DA PETIÇÃO INICIAL E QUE NESTA PARTE SE DÃO POR REPRODUZIDOS COM OS DEVIDOS E LEGAIS EFEITOS.

Ora,

12. Ao contrário do que é afirmado pela Ré e ora Recorrida, CPVC, com a sua Decisão Final, nos autos do processo-crime com o nº 438/14.6PEAMD, não existem quaisquer indícios de que o falecido C..., filho da Autora e ora Recorrente, tenha aceite participar em qualquer esquema de falsificação de notas, ou que tivesse, sequer, conhecimento do mesmo.

Inclusivamente,

13. O que ficou demonstrado para lá de qualquer dúvida no julgamento do referido processo-crime com o NUIPC: 438/14.6PEAMD é que o falecido C..., só é contactado telefonicamente pelo seu amigo L..., várias semanas depois de o esquema de falsificação de notas já ter sido acordado, entre este e os dois arguidos, I... e P....

14. Não tendo o falecido C... falsificado quaisquer notas, e muito menos recebeu qualquer dinheiro com esta descrita situação.

Aliás,

15. Se o falecido C..., filho da Autora e ora Recorrente, tivesse de facto aceite participar no esquema de falsificação de notas, engendrado entre o ofendido, L..., e os arguidos, I... e P..., como infundadamente insinua a Ré e ora Recorrida, CPVC, na sua Decisão Final, certamente não teria sido morto, como foi, com vários tiros na cabeça, pelos arguidos I... e L....

Sendo que,

16. Não pode a Autora e ora Recorrente aceitar, que a Ré e ora Recorrida, CPCV, na sua Decisão Final, que nega o pedido de adiantamento de indemnização à Autora e ora Recorrente, advirta para o facto de a versão dos factos relatada pelo L..., ser especulativa, por não ter sido provada em juízo, para logo em seguida considerar como certa esta versão dos factos, baseando toda a sua decisão final de indeferimento do pedido de adiantamento de indemnização da Autora e ora Recorrente, na suposição, totalmente infundada, de que o falecido C... saberia de todo o esquema de falsificação de dinheiro, engendrado entre o L... e os dois arguidos, (I... e P...), e que aceitou participar nele, o que é uma invenção maldosa, sem qualquer suporte factual, como confessa a Ré e ora Recorrida CPVC, na sua Decisão Final – VIDE PARÁGRAFOS 4 E 5 DA PÁGINA 21 DA DECISÃO FINAL/ATO ADMINISTRATIVO IMPUGNADO, JUNTO COMO DOC.4 DA P.I. E QUE NESTA PARTE SE DÁ POR REPRODUZIDO COM OS DEVIDOS E LEGAIS EFEITOS.

E mais se refere que,

17. A suposta fundamentação da Decisão Final/Ato Administrativo impugnado, mais não é do que um rol de insinuações e até mesmo invenções, em que a Ré e ora Recorrida, CPVC, considera como certa, factualidade que não foi provada em juízo no âmbito do processo-crime com o NUIPC: 438/14.6PEAMD.

Sendo que,

18. Analisando-se a Decisão Final de Arquivamento/Ato administrativo, proferida pela Ré e ora Recorrida, CPVC, é notório que esta nunca esclarece, nem concretiza, qual foi o comportamento do falecido C..., filho da Autora e ora Recorrente, considerado contrário à ordem pública e censurável.

Sendo certo que,

19. Nenhum dos comportamentos ou condutas do falecido C..., antes da sua morte e explicitados no antecedente, são contrárias à ordem pública e muito menos censuráveis, nem pode a Ré e ora Recorrida culpar o C..., pelas condutas e comportamentos, esses sim censuráveis e contrários à ordem pública, do seu amigo L... – TUDO CONFORME FACTOS PROVADOS DA SENTENÇA PROFERIDA NOS AUTOS DO PROCESSO-CRIME COM O NUIPC: 438/14.6PEAMD E MELHOR EXPLANADOS NO PONTO 1 DO PARECER DA COMISSÃO/PROJETO DE DECISÃO FINAL, (FACTOS), JUNTO COMO DOC.2 DA PETIÇÃO INICIAL.

Além do mais,

20. A Ré e ora Recorrida, CPVC, não considerou a Defesa/Exposição Escrita, (AUDIÊNCIA PRÉVIA – DOC.3 DA P.I.), da Autora e ora Recorrente, nem ponderou os argumentos por aquela esgrimidos, pois, com a sua Decisão Final/Ato Administrativo, volta a cometer os mesmos erros já constantes do seu Projeto de Decisão, nomeadamente, nunca concretizando objetivamente qual o comportamento ou conduta do falecido C..., que foi censurável ou contrário à ordem pública.

E,

21. No mesmo sentido, também não esclarece porque foi negado à Autora e ora Recorrente o seu pedido de adiantamento de indemnização, enquanto mãe de uma vítima de crime violento (sequestro seguido de homicídio).

Sendo certo que,

22. O que foi dado como provado no processo-crime com o NUIPC: 438/14.6PEAMD, é que o falecido C... sempre foi uma pessoa muito querida dos familiares, amigos e colegas de trabalho, por estar sempre disposto a ajudar e a quem nunca foram conhecidos comportamentos censuráveis e muito menos criminosos – TUDO CONFORME FACTOS PROVADOS NºS 91, 92, 94, 96, 97 E 99 DA SENTENÇA PROFERIDA NOS AUTOS DO PROCESSO-CRIME COM O NUIPC: 438/14.6PEAMD E MELHOR EXPLANADO NO PONTO 1 DO PARECER DA COMISSÃO/PROJETO DE DECISÃO FINAL, (FACTOS), JUNTO COMO DOC.2 DA PETIÇÃO INICIAL E QUE NESTA PARTE SE DÃO POR REPRODUZIDOS COM OS DEVIDOS E LEGAIS EFEITOS.

Resulta assim notório do supra exposto que,

23. A Decisão Final de Arquivamento/Ato Administrativo em causa é NULA e não apenas anulável.

Pois,

24. Ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, que é nos termos do artigo 26º da Constituição da República Portuguesa, o Direito ao Bom-Nome, Honra, Reputação e Consideração do filho da Autora e ora Recorrente, C..., direitos estes que não cessam com a morte e que são protegidos para além desta.

E,

25. Pelos mesmos motivos expostos no antecedente, o referido ato administrativo emitido pela Ré e ora Recorrida, (CPVC), é também NULO, por ter sido praticado em violação dos princípios fundamentais da Legalidade, da Justiça, da Proporcionalidade, da Boa-Fé e da Boa-Administração, desrespeitando em absoluto os direitos e interesses legítimos da Recorrente, bem como, o bom nome, memória e honra do filho desta, em total desconformidade com as regras da boa-administração, sendo o aludido ato administrativo manifestamente ilegal, atento o disposto nos artigos 266º, 268º nº3 e 272º nº2 da CRP, e os artigos 3º, 4º, 5º e seguintes do CPA.

Uma vez que,

26. O ato administrativo impugnado violou o Direito Fundamental do filho da Autora e ora Requerente ao seu Bom-Nome, Identidade e Honra, imputando-lhe comportamentos e condutas censuráveis e pouco éticas, que aquele nunca teve, e que nem a Ré e ora Recorrida chega a concretizar objetivamente quais foram…

Assim e atento o supra exposto,

27. Resulta notório que a Autora e ora Recorrente viu ser-lhe negado um direito que legalmente lhe assiste, sem qualquer fundamento legal ou factual que legitime tal negação.

Ora,

28. A negação de atribuição do pedido de adiantamento de indemnização a que a Autora e ora Recorrente tinha direito, com base na especulação totalmente infundada de que o comportamento do filho da Autora e ora Recorrente, antes do crime, teria sido contrário à ordem pública e ao sentimento de justiça, constitui uma violação do direito fundamental ao Bom-Nome e Honra do filho da Autora e ora Recorrente, C..., pelo que, tal indeferimento proferido pela Ré e ora Recorrida, CPVC, padece de NULIDADE, nos termos da alínea d) do nº2 do artigo 161º do Código do Procedimento Administrativo.

Sendo que,

29. O artigo 58º nº1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais isenta de qualquer prazo a impugnação de atos nulos.

Assim sendo e atento tudo o supra exposto,

30. O Tribunal ad quem deverá forçosamente concluir que o ato administrativo em causa, que negou à Autora e ora Recorrente o adiantamento da indemnização a que tinha direito é NULO, pois violou o direito fundamental do seu falecido filho C..., ao Bom-Nome, Identidade, Honra, Reputação e Consideração, previsto no artigo 26º da Constituição da República Portuguesa.

Bem como,

31. Os Princípios Fundamentais da Legalidade, da Justiça, da Proporcionalidade, da Boa-Fé e da Boa-Administração, atento o disposto nos artigos 266º, 268º nº3 e 272º nº2 da CRP, e os artigos 3º, 4º, 5º e seguintes do CPA.

Uma vez que,

32. Ao decidir como decidiu, a Ré e ora Recorrida, violou o conteúdo essencial do direito fundamental do filho da Autora e ora Recorrente ao seu Bom-Nome, quando, com as suas especulações infundadas, extrapolou injustificadamente, que o falecido C..., conhecia (e queria) o esquema criminoso de falsificação de notas engendrado pelos arguidos, I... e P..., e pelo ofendido, L..., o que é totalmente falso!

Ora,

33. Conforme já alegado no antecedente, a NULIDADE é invocável a todo o tempo, pelo que, ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal a quo, a ação da Autora e ora Recorrente é tempestiva e por este motivo deve o douto Tribunal ad quem considerar totalmente improcedente a exceção dilatória de caducidade do direito de ação da Autora e ora Recorrente.

Atento que,

34. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou os artigos 26º, 266º, 268º nº3 e 272º nº2 da Constituição da República Portuguesa e os artigos 3º, 4º, 5º e seguintes, bem como, a alínea d) do nº2 do artigo 161º, todos do Código do Procedimento Administrativo e o artigo 58º nº1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Pelo que,

35. Deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra que considere tempestiva a presente Ação Administrativa Para Declaração de Nulidade de Ato Administrativo e Condenação no Ato Devido, intentada pela Autora e ora Recorrente, em 26/11/2019, (referência: 609970).

Por outro lado,

36. A fundamentação dos atos administrativos é considerada como um elemento essencial do ato administrativo se, em concreto, servir para a defesa de um direito fundamental, como sucede no presente caso concreto.

Senão vejamos:

37. A afirmação proferida pela Ré e ora Recorrida, CPVC, de que o falecido C... sabia do esquema criminoso de falsificação de notas, quando foi ao encontro dos arguidos, I... e P..., naquele fatídico dia 19 de Junho de 2014, carece de total e absoluta fundamentação, pois tal facto não consta da factualidade provada em julgamento nos autos do processo-crime com o NUIPC: 438/14.6PEAMD – E MELHOR EXPLANADA NO PONTO 1 DO PARECER DA COMISSÃO/PROJETO DE DECISÃO FINAL, (FACTOS), JUNTO COMO DOC.2 DA PETIÇÃO INICIAL E QUE NESTA PARTE SE DÃO POR REPRODUZIDOS COM OS DEVIDOS E LEGAIS EFEITOS.

Além de que,

38. É uma extrapolação/especulação da Ré e ora Recorrida, CPVC, sem motivo ou justificação que possa ser entendida pela Autora e ora Recorrente, J..., o que, consequentemente, prejudicou o seu direito de defesa, além da ofensa que tais extrapolações/especulações/insinuações da CPVC, (que nunca são por esta devidamente concretizadas), causam ao Bom-Nome, Memória, Honra e Consideração do falecido C..., filho da Autora e ora Recorrente.

Ora,

39. A Falta de Fundamentação, neste caso em concreto, constitui uma NULIDADE que invalida o ato administrativo praticado.

Pois,

40. Carecem de ser fundamentados todos os atos que: “Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções;” – CONFORME O DISPOSTO NO ARTIGO 152º Nº1 ALÍNEA DO CPA – devendo tal fundamentação constar obrigatoriamente do ato – CONFORME O DISPOSTO NA ALÍNEA D) DO Nº1 DO ARTIGO 151º DO CPA.

Na sequência,

41. In casu, a Falta de Fundamentação inquina o ato de Nulidade por falta do elemento essencial, nos termos do disposto no artigo 161º nº2 alínea g) do CPA.

E mais se refere que,

42. A exigência de fundamentação, mais do que uma exigência legal, é também uma exigência constitucional, nos termos estabelecidos no artigo 268º nº3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), motivo também porque o ato administrativo em crise nos presentes autos, mais do que Nulo, é

Inconstitucional.

E,

43. É inconstitucional de mais do que uma forma, desde logo, no que respeita à direta Falta de Fundamentação, mas, de igual forma, pela consequência que resulta dessa Falta de Fundamentação e que se traduz no desrespeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos – CONFORME ARTIGO 266º Nº1 DA CRP – e na desobediência à constituição e à Lei a que estão subordinados os órgãos e agentes administrativos – CONFORME ARTIGO 266º Nº2 DA CRP.

Ora,

44. É de se considerar como Falta de Fundamentação, gerando a referida Nulidade por força do disposto no artigo 161º nº2 alínea g) do CPA, a contradição entre a fundamentação e a decisão, por não permitir esclarecer concretamente a motivação do ato, nos termos do disposto no artigo 153º nº2 do CPA.

Sendo que,

45. Não se coloca em crise a afirmação de inexistência de uma norma que comine de Nulidade a omissão da fundamentação, mas o mesmo não se pode afirmar quanto ao facto de a fundamentação não se tratar de elemento essencial ou ao facto de a sua falta não ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental.

Inclusivamente,

46. A essencialidade da fundamentação advém da consagração constitucional nos termos do disposto no nº3 do artigo 268º CRP, mas está igualmente consagrado na lei geral, relativamente a todos os atos que: “Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções;” – VIDE ALÍNEA A) DO ARTIGO 152º Nº1 DO CPA – devendo tal fundamentação constar, obrigatoriamente, do ato – CONFORME ARTIGO 151º Nº1 ALÍNEA D) DO CPA.

Assim sendo,

47. Resulta notório que, por consagração constitucional, (artigo 268º nº3 CRP), todos os atos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos carecem de fundamentação, (artigo 152º nº1 alínea a) do CPA), devendo tal fundamentação constar obrigatoriamente do ato, (alínea d) do nº1 do artigo 151º do CPA), constituindo, assim, elemento de tal ato administrativo, e elemento essencial face à obrigatoriedade da sua existência.

Pelo que,

48. Por tudo o supra exposto, deve a douta sentença recorrida ser revogada e a exceção de caducidade do direito de ação ser considerada improcedente, por não verificada, apreciando-se o mérito da causa da impugnação do ato administrativo viciado.

Uma vez que,

49. A douta sentença recorrida incorreu em erro de análise e de julgamento, padecendo também de Falta de Fundamentação, por nunca apreciar verdadeiramente o pedido de nulidade do ato administrativo da Autora e ora Recorrente, devendo como tal ser revogada e substituída por outra que considere procedente o pedido impugnatório deduzido, e em consequência, declare NULO o ato administrativo em crise nos autos.

E,

50. Deverá também o Tribunal ad quem condenar a entidade recorrida, CPVC, à prática do ato administrativo devido, ou seja, ao ato que defira a atribuição do referido adiantamento de indemnização ao abrigo do disposto na Lei nº 104/2009 de 14 de Setembro, o que se refere com os devidos e legais efeitos.

A Recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença recorrida. Concluiu como segue:

A. O ato impugnado nos presentes autos é o ato proferido pela CPVC, de 25 de julho de 2019, que determinou o arquivamento do Processo n.º 251/2016, por se ter concluído não ter a aqui Recorrente direito ao adiantamento da indemnização prevista no artigo 2.º da Lei n.º 104/2009, de 14 de setembro, conforme melhor consta da Contestação oportunamente apresentada pela ora Recorrida;

B. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 144.º do CPTA, os recursos devem cingir-se aos vícios imputados à decisão recorrida, formulando as respetivas conclusões;

C. Não obstante, verificamos que a Recorrente, além de assentar grande parte da sua argumentação nos vícios já imputados na p.i. à decisão final da CPVC, de 25 de julho de 2019, invoca, nesta sede, argumentos novos, isto é, não constantes da p.i., como seja, a nulidade do ato em crise com fundamento no disposto nas alíneas d) e g) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, pelo que, atento o previsto no n.º 2 do artigo 144.º do CPTA, cingir-nos-emos, essencialmente, aos vícios que a Recorrente imputa à sentença aqui em crise;

D. Na douta sentença decidiu-se, e bem, verificada a exceção (dilatória e insuprível) da intempestividade da presente ação (alínea k) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA), com a consequente absolvição da Recorrida, não se tendo, por isso, apreciado o mérito da causa;

E. Ao contrário do alegado pela Recorrente, a sentença recorrida pronunciou-se acerca da questão da nulidade do ato impugnado, face aos termos invocados na petição inicial, tendo concluído, e bem, que as ilegalidades apontadas como fundamento dessa nulidade, e que se reportam à violação de princípios constitucionais da atividade administrativa, não são geradoras do desvalor da nulidade, tendo antes como consequência jurídica, em caso de procedência das mesmas, a anulabilidade;

F. Veja-se, que no artigo 5.º da petição inicial a Recorrente refere que a decisão da Ré (CPVC) fez errada representação de facto e de direito da realidade objetiva dos factos e que a mesma padece de falta de fundamentação; nos artigos 6.º e seg. (p.i.) refere que a decisão da Ré ofende também os princípios fundamentais da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da boa-fé e da boa-administração; no artigo 59.º (p.i.) conclui que o ato que impugna enferma de vício de forma por falta de fundamentação, merecendo por isso ser anulado, e no artigo 60.º (último artigo da p.i.) refere que o ato impugnado é também nulo, porque viola os princípios fundamentais da legalidade, da justiça, da proporcionalidade, da boa-fé e da boa-administração, sendo ilegal por violação do disposto nos artigos 266.º, 268.º, n.º 3, e 272.º, n.º 2, da CRP, bem como os artigos 3.º, 4.º e 5.º e seguintes do CPA;

G. Não há, pois, qualquer dúvida de que as ilegalidades imputadas na p.i. ao ato em crise não são geradoras do desvalor da nulidade, porquanto não se reconduzem nem ao disposto no n.º 1 do artigo 161.º do CPA nem são suscetíveis de se integrarem no elenco previsto no n.º 2 desse mesmo artigo, pelo que, frisa-se, as ilegalidades apontadas na p.i. ao ato em crise são somente geradoras de anulabilidade;

H. Não tem razão a Recorrente ao afirmar que a sentença recorrida não se pronunciou acerca da invocada nulidade do ato impugnado e que por isso padece do vício de falta de fundamentação, pois, como vimos, existe essa pronúncia e a conclusão de que as ilegalidades apontadas não são geradoras de nulidade, mas sim de anulabilidade;

I. Assente que a eventual existência dos vícios invocados só poderá acarretar a anulabilidade do ato impugnado, decidiu também a douta sentença, e bem, pela verificação da exceção dilatória da intempestividade/caducidade do direito de ação, nos termos do disposto na alínea k) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, considerando que a presente ação foi interposta a 26 de novembro de 2019, quando o termo do prazo para a interposição da mesma ocorreu a 30 de outubro de 2019, circunstância que a Recorrente não pôs em causa;

J. Diremos, ainda, que a agora invocada nulidade do ato em crise ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA (são nulos os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental), não poderá proceder, uma vez que nos presentes autos não está em causa a ofensa grave a nenhum direito do filho (vítima) da ora Recorrente, como, na verdade, esta pretende convencer o Tribunal ad quem;

K. E também nunca a agora alegada nulidade do ato em crise ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA (são nulos os atos que careçam em absoluto de forma legal) poderia proceder, uma vez que o referido ato encontra-se devidamente fundamentado, conforme melhor consta dos artigos 52.º a 59.º da Contestação, que aqui damos por reproduzidos, circunstância que permitiu à Recorrente acionar os meios legais de impugnação desse mesmo ato, não havendo, pois, qualquer razão para duvidar da falta de fundamentação;

L. Diremos, por fim, que a sentença recorrida julgou de acordo com os factos constantes da p.i., fez uma correta interpretação do quadro legal aplicável e está bem fundamentada, não merecendo qualquer reparo, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica.

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.



Com dispensa de vistos do colectivo, importa apreciar e decidir.



I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia, não tendo conhecido das causas de nulidade do acto alegadas; e

- Se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que a presente acção havia sido apresentada após o decurso do prazo de impugnação de actos anuláveis, isto é, do prazo de 3 meses, previsto no art.º 58.º, n.º 1, al. b) do CPTA e, assim, ter absolvido a R. da instância.



II. Fundamentação

II.1. De facto

Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto:

A) Por decisão da Ré ¯ CPVC ¯ de 25 de julho de 2019foi indeferido o pedido da Autora de concessão do adiantamento de indemnização ao abrigo do disposto na Lei n.º 104/2009, de 14 de setembro, no âmbito do processo administrativo sob o n.º 251/2016 [cfr. DOC 4 junto com a PI].

B) A decisão mencionada na alínea anterior foi notificada ao mandatário da Autora constituído naquele procedimento ¯ que igualmente a patrocina nestes autos ¯ a 30 de Julho de 2019 ¯ acordo e fls. 145 e 146 do PA.

C) A petição inicial da presente acção deu entrada neste Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, via SITAF, a 26 de Novembro de 2019 — conforme registo no mencionado sistema.



II.2. De direito

O presente recurso vem interposto do despacho saneador do TAC de Lisboa que julgou procedente a excepção dilatória de intempestividade da prática do acto processual, prevista no art. 89.º, n.º 4, al. k), do CPTA, absolvendo da instância a Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes.

II.2.1. Da nulidade por omissão de pronúncia

Começa a Recorrente por suscitar a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, com o fundamento de nesta não se ter conhecido das causas de nulidade do acto alegadas na p.i. apresentada.

Mas não lhe assiste razão.

Com efeito, no tribunal a quo foi expressamente afirmado que “o acto que a Autora impugna nestes autos, com fundamento em vícios geradores de anulabilidade, é o mencionado em A).// (…) apesar de a Autora alegar que aquele acto deve ser declarado nulo, as ilegalidades que aponta como fundamento dessa nulidade ¯ que se reconduzem à violação de princípios constitucionais da actividade administrativa ¯ não são geradoras do desvalor da nulidade; as causas de nulidade dos actos administrativos estão previstas legalmente (art.º 161.º/1 do CPA) e, em termos gerais, resultam do disposto no art.º 161/2.º do CPA. Ora, a violação de princípios constitucionais não se encontra aí mencionada nem pode, em caso algum, reconduzir-se à situação de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [cfr. alínea d) do preceito] ¯ o que, de resto, não surge alegado”.

Donde, o tribunal a quo conheceu expressamente da questão jurídica alegada e decidiu-a.

Pelo que, não se verificando a nulidade por omissão de pronúncia, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, improcede o recurso nesta parte.

II.2.2. Do erro de julgamento

Vejamos agora se o TAC de Lisboa incorreu no erro de julgamento que lhe vem imputado.

Sustenta a Recorrente para fundamentar a existência da nulidade do acto impugnado e assim beneficiar do disposto no art. 58.º, n.º 1, do CPTA, ao que aqui releva e em síntese, que: “a negação de atribuição do pedido de adiantamento de indemnização a que a Autora e ora Recorrente tinha direito, com base na especulação totalmente infundada de que o comportamento do filho da Autora e ora Recorrente, antes do crime, teria sido contrário à ordem pública e ao sentimento de justiça, constitui uma violação do direito fundamental ao Bom-Nome e Honra do filho da Autora e ora Recorrente, C..., pelo que, tal indeferimento proferido pela Ré e ora Recorrida, CPVC, padece de NULIDADE, nos termos da alínea d) do nº2 do artigo 161º do Código do Procedimento Administrativo.// O Tribunal ad quem deverá forçosamente concluir que o ato administrativo em causa, que negou à Autora e ora Recorrente o adiantamento da indemnização a que tinha direito é NULO, pois violou o direito fundamental do seu falecido filho C..., ao Bom-Nome, Identidade, Honra, Reputação e Consideração, previsto no artigo 26º da Constituição da República Portuguesa. //Bem como, os Princípios Fundamentais da Legalidade, da Justiça, da Proporcionalidade, da Boa-Fé e da Boa-Administração, atento o disposto nos artigos 266º, 268º nº3 e 272º nº2 da CRP, e os artigos 3º, 4º, 5º e seguintes do CPA. De igual modo invoca a falta de fundamentação do acto.

No TAC de Lisboa concluiu-se que a proceder qualquer um dos vícios do acto administrativo alegados pela Autora, sempre a consequência jurídica seria a da anulabilidade do acto, nos termos gerais do art. 163.º, n.º 1, do CPA. Sendo que, nos termos do art. 58.º, n.º 2, al. b) do CPTA, era de três meses o prazo para impugnação do acto, por o mesmo se fundamentar na sua anulabilidade.

A decisão recorrida é de manter, pode já adiantar-se.

Nos termos do previsto no art. 161.º do CPA (como ocorria no art. 133.º do CPA revogado):

1 - São nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.

2 - São, designadamente, nulos:

a) Os atos viciados de usurpação de poder;

b) Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre;

c) Os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime;

d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;

e) Os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado;

f) Os atos praticados sob coação física ou sob coação moral;

g) Os atos que careçam em absoluto de forma legal;

h) As deliberações de órgãos colegiais tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quorum ou da maioria legalmente exigidos;

i) Os atos que ofendam os casos julgados;

j) Os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes;

k) Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei;

l) Os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido.

E de acordo como disposto no art. 163.º, n.º 1, do mesmo Código, [s]ão anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção.

Ora, as ilegalidades imputadas na p.i. ao acto em crise não são geradoras do desvalor da nulidade, porquanto não se reconduzem nem ao disposto no n.º 1 do artigo 161.º do CPA nem são suscetíveis de se integrarem no elenco previsto no n.º 2 desse mesmo artigo, pelo que, os vícios imputados ao acto impugnado são somente geradoras de anulabilidade.

Por outro lado, a violação do “conteúdo essencial de um direito fundamental” só gera a nulidade do acto administrativo e, consequentemente, a possibilidade da sua impugnação a todo o tempo, quando, em consequência do acto administrativo em causa, seja afectado o mínimo sem o qual esse direito não pode subsistir enquanto tal (cfr., o ac. do TCAN de 8.01.2016, proc. n.º 1665/10); o que não é o caso, pois o procedimento administrativo de referência apreciou a pretensão da Autora, denegando-a embora.

Não se discute que os vícios alegados sejam susceptíveis de determinarem, em abstracto ressalve-se, a violação dos direitos fundamentais invocados - direito ao Bom-nome e Honra -, porém, a ilegalidade pretensamente cometida não se reconduz à nulidade do acto, mas sim ao regime regra da anulabilidade. Uma inconstitucionalidade de um acto administrativo não o torna necessariamente nulo (v. art. 161.º CPA), como se afirmou no ac. deste TCAS de 23.02.2012, proc. n.º 6621/00.

Sustenta, também, a Recorrente que foram violados os princípios fundamentais da Legalidade, da Justiça, da Proporcionalidade, da Boa-Fé e da Boa-Administração (artigos 266.º, 268.º, n.º 3, e 272.º, n.º 2, da CRP). Porém, a violação desses princípios por um acto administrativo não corresponde automaticamente à violação de um direito fundamental, nem, muito menos, à afectação de um seu núcleo essencial, mas sim e apenas à violação de um princípio (cfr., o ac. deste TCAS de 6.06.2019, proc. nº 111/06.9BESNT). O que significa que a violação desses princípios é geradora da mera anulabilidade do acto administrativo, não o inquinando de nulidade.

E quanto à alegação de que a putativa falta de fundamentação inquinaria o acto impugnado de nulidade por falta de um elemento essencial, nos termos do disposto no artigo 161.º, n.º 2, alínea g), do CPA, falece, igualmente, a tese da Recorrente.

É jurisprudência pacífica que a aqui invocada violação do dever de fundamentação dos actos lesivos é uma causa de anulabilidade do acto administrativo. E não causa de nulidade.

Relativamente ao dever de fundamentação dos actos administrativos constitui linha jurisprudencial dominante que, não obstante se tratar de uma imposição constitucional, não constitui um direito de natureza fundamental cuja ofensa possa determinar a nulidade do acto. Como se disse no citado acórdão deste TCAS de 23.02.2012, proc. n.º 6621/00, “a falta de fundamentação nem sequer põe em causa a identificabilidade orgânica ou a identificabilidade material do acto, repercutindo-se, apenas, e em princípio, na sua inteligibilidade e justificação perante os interessados (por estar em causa essencialmente a sua compreensibilidade), pelo que também não implica a falta de qualquer elemento essencial do acto, não podendo, assim, gerar a sua nulidade”.

Aliás, o Tribunal Constitucional emitiu já pronúncia neste domínio, no Acórdão n.º 594/2008, cuja doutrina sufragamos, e onde se conclui que a fundamentação dos actos administrativos não constitui um direito fundamental, ou, sequer, um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (por não constituir, sequer, garantia do direito fundamental de recurso contencioso contra actos administrativos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados), embora possa vir a ser permeado com as exigências dos direitos fundamentais nos casos, pontuais e específicos, em que a fundamentação do acto seja condição indispensável da realização de direitos fundamentais.

Pelo que, tal como vem decidido, nos termos do art. 58.º, n.º 2, al. b) e 59.º, n.º 1, do CPTA, era de três meses o prazo para impugnação do acto objecto dos autos. Prazo esse que, levando em consideração o provado, teve o seu termo final a 30 de Outubro de 2019, volvidos três meses sobre a respectiva notificação (cfr. factualidade em B) supra), tendo a petição inicial destes autos sido apresentada tão-só a 26 de Novembro (cfr. factualidade em C) supra).

Assim, nesta sequência, terá, também nesta parte, que julgar-se o recurso improcedente.

Nada mais importa apreciar.





III. Conclusões

i) Em regra, os vícios dos actos administrativos implicam a sua mera anulabilidade, só ocorrendo nulidade quando falte qualquer elemento essencial do acto, quando a lei expressamente o determine, ou quando se verifiquem as circunstâncias referidas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, designadamente quando ocorra ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental.

ii) O vício de falta de fundamentação não é susceptível de inquinar o acto impugnado de nulidade por falta de um elemento essencial, nos termos do disposto no artigo 161.º, n.º 2, alínea g), do CPA.

iii) Nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º 2, al. b) do CPTA, é de três meses o prazo para impugnação do acto administrativo impugnado.




IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário com que litiga.

Notifique.

Lisboa, 21 de Janeiro de 2021



Pedro Marchão Marques

Alda Nunes

Lina Costa


O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 1.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento. Pedro Marchão Marques