Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:332/13.8BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IABA,
ART. 100.º DO CPPT,
CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:I. A contabilidade ou escrita do depositário autorizado não se encontra organizada de acordo com a legislação fiscal, quando não é cumprida a obrigação prevista no art. 22.º, n.º 3, alínea b) do CIEC, e assim sendo, o contribuinte não beneficia da presunção prevista no art. 75.º, n.º 1, da LGT, cabendo-lhe o ónus da prova da quantificação das alegadas perdas de vinho por evaporação, sendo que as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre essa matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos da anulação do ato impugnado com fundamento no n.º 1 do art. 100.º do CPPT;
II. Não se verifica o vício de incompetência do autor do ato quando a liquidação de IABA e juros compensatórios foi determinada em sede de ação de natureza fiscalizadora, e obteve o despacho de concordância do Diretor da Alfândega do Funchal, e a intervenção da Coordenadora do Núcleo de Procedimentos Aduaneiros da Alfândega do Funchal não se insere no procedimento de liquidação, mas tão-somente, numa fase posterior, a da notificação da liquidação;
III. A equipa de fiscalização não atua com abuso de direito ao solicitar e obter elementos à Impugnante na ação de natureza fiscalizadora quando os inspetores atuaram de acordo com o princípio da verdade material (art. 6.º do RCPIT), com o princípio da cooperação (art. 9.º do RCPIT), relativamente ao qual também a Impugnante está vinculada (cf. n.º 1 do art. 9.º do RCPIT), e quando as ações integradas no procedimento sejam as adequadas e proporcionais aos seus objetivos, respeitando-se o princípio da proporcionalidade (art. 7.º do RCPIT);
IV. Ainda que se verifique a ilegal prorrogação do prazo para a realização da inspeção, tal violação não acarreta a ilegalidade da liquidação, mas apenas a cessação do efeito suspensivo da própria inspeção, pelo que corre, então, desde o início, o prazo de caducidade da liquidação (artigo 46.º, n.º 1, da LGT);
V. Estando em causa IABA devido no âmbito de operações internas, aplica-se o regime do art. 45.º da LGT, que dispõe no seu n.º 1 que o direito de liquidar este tributo caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, sendo que o prazo, contando-se o prazo a partir da data em que o facto tributário ocorreu, pois estamos perante um imposto de obrigação única;
VI. Não sendo possível determinar com exatidão o momento em que teve lugar a introdução em consumo, em que ocorreu o facto tributário, o prazo de caducidade, atenta a impossibilidade do exercício do direito à liquidação enquanto a ATA dele não toma conhecimento [cf. art. 329.º do Código Civil (CC)], deve contar-se do momento em que esta verificou a irregularidade, devendo ter-se esta como sendo a data em que ocorreu o facto tributário;
VII. Não viola o princípio da legalidade na sua dimensão material, consagrado no art. 103.º, n.º 2 da Constituição, nem o princípio da precedência da lei consagrado no n.º 3 daquele preceito constitucional, a interpretação segundo a qual o prazo de caducidade de 4 anos previsto no n.º 1 do art. 45.º da LGT, se inicia a partir do momento em que autoridade aduaneira tem possibilidade de constar que ocorreu a introdução no consumo, na situação, como a dos autos, em que não é possível determinar, com exatidão, o momento em que ocorreu a introdução no consumo;
VIII. Não se aplica o art. 78.º, n.º 3 do CIEC que estabelece uma taxa reduzida de tributação nas situações, como a dos autos, em que há apurado de diferenças no âmbito de um varejo, uma vez que estamos perante vinho não declarado, e, portanto, excluídos do benefício fiscal previsto no preceito legal, que pressupõe que o vinho tenha sido declarado para consumo na Região Autónoma da Madeira.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem apresentar recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal na IMPUGNAÇÃO Judicial deduzida por H... – S..., LDA do ato de liquidação “a posteriori” de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) a que corresponde o registo de liquidação n.º 2013/9... de 05 de agosto de 2013, respetivos juros compensatórios e valor do impresso, no montante global de € 28.071,70.

A recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«1. A douta sentença desconsiderou a fatualidade apurada na ação de fiscalização efetuada pela Alfândega do Funchal ao entreposto fiscal da Impugnante, fazendo apreciação errada e não conforme à lei dos factos n.º 12, 17, 18, 19 e 24 dados como provados.

2. E com base nessa omissão considerou o Tribunal que se encontravam demonstradas circunstâncias que se afiguravam idóneas a suscitar uma dúvida fundada sobre a quantificação do facto tributário, o que determinou a anulação da liquidação impugnada , por aplicação do disposto no n.º 1 do art. 100.º do CPPT.

3. O Tribunal na sua apreciação dos factos começa por referir que do relatório final da ação fiscalizadora (cfr. fls. 1059 a 1085 PA) consta que a Alfândega do Funchal, primeiro considerou existir em armazém para amadurecimento 1 093 327 litros de vinho Madeira e que perante as dúvidas suscitadas pela Impugnante alterou essa quantidade para 1 063 064 litros, reduzindo a quantidade de vinho existente em armazém em 30 263 litros (2,768%), concluindo que a alteração teria sido feita sem critério fidedigno.

4. Esta apreciação desconsidera totalmente todas as diligências efetuadas pela Alfândega do Funchal para quantificação das existências físicas de vinho a granel à data do varejo conforme se prova do relatório final da ação fiscalizadora (cfr. fls. 1059 a 1085 PA).

5. Para inventariação das existências, aquando do varejo, a Impugnante apresentou aos funcionários aduaneiros uma lista com a indicação dos recetáculos, número, quantidade e qualidade de produto acondicionada em cada um dos recetáculos (cfr. fls. 27 a 45 e 947 a 967 PA), que foi sendo confrontada com cada recetáculo, assim se confirmando as quantidades de cada recetáculo, tudo conforme se encontra descrito no ponto 15 do relatório final (cfr. fls. 1072 e 1073 PA), prática habitualmente utilizada nos varejos, perante a impossibilidade de se proceder à medição do produto, passando-o de um recipiente para outro, pois isso poderia acarretar riscos para o produto armazenado.

6. A alteração da quantidade resultou de indicação dada durante o varejo pelas representantes da empresa aos funcionários aduaneiros, de que os dados inicialmente fornecidos não estariam corretos, por não refletirem as perdas por evaporação e a deterioração da mercadoria de 2003 até à data.

7. Esta lista com as retificações consta do processo administrativo (PA) a fls. 947 a 967, onde estão manuscritas as retificações que foram sendo indicadas pela Impugnante durante o varejo. Veja-se que se confrontarmos a lista de fls 947 a 967 do PA com a lista anexa ao Auto de varejo de fls 28 a 45 do PA, esta lista apresenta as quantidades de cada recipiente atualizadas com as retificações manuscritas nas fls. 947 a 967 do PA.

8. Na alteração da quantidade também se considerou que o último varejo ocorrera em 2003 e que não fora efetuado pela Alfândega do Funchal, mas pelo Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira, I.P. conforme consta do relatório final (cfr. fls. 1059 a 1085 PA).

9. Assim como que nesta alteração de quantidade se considerou ainda as perdas por evaporação que terão ocorrido entre 2003 e 2012 (data do varejo) conforme consta do relatório final (cfr. fls. 1059 a 1085 PA).

10. A inventariação física das existências físicas não se cingiu assim ao exame dos recetáculos tal como se apresentavam exteriormente, como se considera provado no facto n.º 17.

11. A testemunha P... sobre a contagem física das existências declarou em audiência que "com as listagens, cuba por cuba e foram dando baixa, sempre na presença das representantes da empresa" (minuto 4:30 a 4:44), que "há pipas com seiscentos litros com vinte litros... se a pipa tem 600 litros e está cheia tem seiscentos litros" (minuto 9:04 a 9:1O) e que "havia pipas grandes enormes com réguas de medição ... as pipas pequenas em madeira estava cheias, quase todas... as grandes e os tanques em inox têm graduação ((minuto 9:04 a 9:10). (Cfr. gravação audiência 05-02-2018 11-37-13), do que se prova que a contabilização das existências físicas não se cingiu ao exame dos recetáculos tal como se apresentavam.

12. A apreciação do facto n.º 17 é manifestamente redutora e ignora as diligências efetuadas pelos funcionários aduaneiros para determinar a quantidade de vinho a granel existente em entreposto à data do varejo.

13. Os atos a praticar no procedimento são os adequados aos objetivos a atingir, de acordo com os princípios da proporcionalidade, eficiência, praticabilidade e simplicidade, assim o determina o art. 46.º do CPPT e art. 7.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA).

14. A redução de 1,5% considerada para cálculo da quantidade de mercadoria em falta à data do varejo e apuramento da dívida tributária resultou da aplicação da al. a) do n.º 1 do art. 48.º do CIEC.

15. Não é assim correta a conclusão que resulta da douta sentença de que a alteração da quantidade foi feita sem qualquer critério fidedigno por parte da Alfândega do Funchal.

16. A douta sentença errou também ao desconsiderar totalmente o incumprimento pelo depositário autorizado da sua obrigação de manter atualizada, no entreposto fiscal, uma contabilidade de existências em sistema de inventário permanente, com indicação da sua proveniência, destino e os elementos relevantes para o cálculo do imposto, conforme está obrigado pelo art. 22.º, n.º 3, al. b) do CIEC.

17. Com efeito, considerou o Tribunal que apesar da Impugnante não ter cumprido a obrigação prevista no art. 22.º, n.º 3, al. b) do CIEC, ainda assim logrou a mesma criar no tribunal dúvida quanto às reais existências do produto armazenado, atendendo à prova que produziu nos autos.

18. A prova a que o Tribunal se refere é a assunção pela Impugnante de que não dispunha de registos atualizados, da sua negligência no cumprimento das obrigações inerentes ao estatuto de depositário autorizado e à sua alegação de que a mercadoria sofreu perdas ao longo dos anos, o que já é aceite pelo legislador do Código dos Impostos de Consumo quando estabelece franquias para certas mercadorias, como se verifica no disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 48.º. As alegações da Impugnante são meras alegações de perdas sem qualquer concretização de valores e quantidades, ao contrário do que fez a Alfândega do Funchal.

19. Está provado pelos documentos juntos aos autos, que a conta corrente do produto armazenado era uma mera listagem, com indicação do produto, número de recipiente (pipa ou cuba), lote e quantidade, não estabelecendo uma relação com nenhum outro elemento. (cf. fls. 182 a 202 e 205 a 222 PA), que a conta corrente da matéria - prima (álcool) era uma relação com indicação da data de entrada/saída , produto, quantidade e saldo, sem indicação dos e-DA de entrada correspondentes, não estabelecendo ligação com uma ficha de produto, nem relacionando as saídas de álcool com as respetivas entradas em cada um dos produtos. (cf. tis. 180 a 181 PA). O mesmo sucedendo com a relação dos e-DA. (cf. fls. 168 a 170 e 174 a 176 PA) e com as declarações de introdução no consumo (DIC), que consistiam numa mera listagem impressa através do site Portal das Finanças > Serviços on fine. (cf. fls. 46 a 58 PA.).

20. A Impugnante não pode ser equiparada ao comum dos contribuintes, pois é detentora do estatuto de depositário autorizado e sobre ela impedem especiais deveres de cuidado sobre a mercadoria que está em entreposto, por esta mercadoria estar em regime suspensivo e representar receita fiscal, dai a importância do cumprimento das obrigações do n.º 3 do art. 22.º do CIEC, nomeadamente a obrigação prevista na alínea b).

21. A douta sentença desconsiderou totalmente toda a reconstituição da conta corrente da Impugnante para o período de 31-08-2011 a 12-11-2012 efetuada pela Alfândega do Funchal, com base nos documentos facultados pela Impugnante (facto provado n.º 19 relativo aos documentos de fls. 46 a 921 do PA) e que consta do relatório final (cfr. fls. 1063 a 1070 e 1083 PA), para colmatar o incumprimento pela Impugnante/Depositário autorizado da sua obrigação de manter atualizada, no entreposto fiscal, uma contabilidade das existências em sistema de inventário permanente, com indicação da sua proveniência, destino e os elementos relevantes para cálculo do imposto.

22. A reconstituição da contabilidade de existências e a determinação das existências físicas à data do varejo permitiu apurar a falta de mercadoria (41 715,65 litros) em entreposto (facto tributário) e determinar a quantidade de mercadoria em falta no entreposto à data do varejo (quantificação do facto tributário), de que resultou a liquidação da divida nos termos dos artigos 8.º e 9.º, n.º 4 do CIEC.

23. As perdas que ultrapassem a franquia prevista no art. 48.º, n.º 1, al) do CIEC estão sujeitas a imposto, conforme determina o art. 51.º do mesmo código, sendo o imposto exigível no momento da constatação das perdas (art. 8.º, n.º 1 e 9.º, n.º 4 CIEC).

24. A decisão do Tribunal violou o disposto nos artigos 8.º, n.º1, 9.º, n.º 4, 22.º, n.º 2, al. b) e 48.º, n.º 1, al. a) e 51.º do CIEC.

25. Assim como da prova produzida nos autos não se pode concluir pela aplicação o n.º 1 do art. 100.º do CPPT, por ter ficado provado o facto tributário, bem como a sua quantificação.

Nestes termos e nos melhores de direito, e com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença com as devidas consequências legais.»
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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, veio oferecer as suas contra-alegações, no sentido da manutenção do julgado. Mais acrescentou que “A título meramente subsidiário, devem ser conhecidos os restantes fundamentos da impugnação judicial, nos termos do artigo 636.º, n.º 1, do CPC, ou devem os presentes autos baixar ao Tribunal a quo, a fim de serem efetivamente apreciados os restantes fundamentos da impugnação judicial, anulando-se em todo o caso o acto tributário que constitui o objecto da impugnação, com todas as demais consequências legais, assim se repondo a legalidade tributária e fazendo-se a tão esperada JUSTIÇA!»
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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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As questões invocadas pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ erro de julgamento de facto por se desconsiderar a factualidade apurada na ação de fiscalização, e por errónea consideração da prova testemunhal;
_ erro de julgamento de direito por violação do disposto nos artigos 8.º, n.º 1, 9.º, n.º 4, 22.º, n.º 2, al. b) e 48.º, n.º 1, al. a) e 51.º do CIEC, não se podendo concluir com base na prova produzida pela aplicação do disposto no art. 100.º do CPPT.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1. A Impugnante “H... – S..., Lda.” é uma sociedade por quotas que, no âmbito da sua atividade, se dedica à produção, transformação, armazenagem e comercialização de Vinho Madeira – cfr. depoimento da testemunha I... e declarações de parte de M....

2. A Impugnante tem as suas únicas instalações na Rua 31 de janeiro, n.º 83, no Funchal, onde dispõe de toda a estrutura operacional relacionada com a produção, armazenagem e comercialização de Vinho Madeira – cfr. depoimento da testemunha I... e declarações de parte de M....

3. O Vinho Madeira produzido e comercializado pela Impugnante é obtido a partir de uvas puramente regionais, designadamente das castas Tinta Negra, Sercial, Malvasia, Boal e Verdelho, dando origem a um produto final com teor alcoólico inferior a 22% e cujo código da nomenclatura combinada (NC) atribuído é o 2204(2185) – cfr. depoimento da testemunha I... e declarações de parte de M....

4. No que se refere à armazenagem dos seus “stocks” de Vinho Madeira, a Impugnante dispõe de vinho engarrafado pronto para comercialização, “vinho a granel” em fase de produção, envelhecimento e armazenamento em tanques de cimento, tanques inox, garrafões, cubas de madeira e pipas – cfr. depoimento da testemunha I... e declarações de parte de M....

5. O Vinho Madeira produzido pela Impugnante destina-se a ser comercializado no mercado regional e no mercado externo – cfr. depoimento da testemunha I... e declarações de parte de M....

6. A Impugnante possui estatuto de depositário autorizado e é detentora do entreposto fiscal de produção n.º PT511… de produtos intermédios (Vinho Madeira) – cfr. depoimento da testemunha I... e declarações de parte de M....

7. O Vinho Madeira encontra-se sujeito a um constante processo de evaporação, devido ao clima quente da Região Autónoma da Madeira – cfr. depoimento da testemunha I... e declarações de parte de M....

8. As instalações da Impugnante referenciadas no ponto 2. que antecede atingem, nos meses de verão, temperaturas acima aos trinta graus centígrados – cfr. depoimento da testemunha I... e declarações de parte de M....

9. A Impugnante não dispõe de nenhum sistema de refrigeração nas suas instalações – cfr. depoimento da testemunha I... e declarações de parte de M....

10. Atento o descrito em 7., 8. e 9., a Impugnante depara-se anualmente com perdas por evaporação – cfr. depoimento da testemunha I... e declarações de parte de M....
11. O último varejo ao entreposto da Impugnante (antes da ação de natureza fiscalizadora n.º 69/2012) foi efetuado pelo Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira, I.P., com acompanhamento da Alfândega do Funchal, em 14 de maio de 2003 – cfr. doc. n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

12. A Impugnante não refletiu na sua documentação interna (inventário) e contabilística as perdas por evaporação anuais que sofreu desde o varejo referido no ponto antecedente – cfr. depoimento da testemunha I... e declarações de parte de M....

13. Por despacho n.º 17/2010, datado de 06 de julho de 2010, o Diretor da Alfândega do Funchal, Dr. P..., determinou que nas suas ausências “a gestão corrente da Alfândega do Funchal, no âmbito das competências atribuídas ao respectivo Director, seja assegurada nos termos do disposto no Art.º 121.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 252-A/82 de 28-06, pelo funcionário de mais elevada categoria e mais antigo em funções na Sede:
1.º) Reverificador Assessor, Lic. M....
2.º) 1.º Verificador Superior, Lic. V....
3.º) 1.º Verificador Superior, Lic. M…” – cfr. doc. n.º 1 junto com a contestação.

14. Por despacho de 24 de setembro de 2012, foram nomeados pela Reverificadora Assessora M... (que assinou “pelo Diretor”) a Técnica Verificadora D... e o Verificador Auxiliar Aduaneiro, P..., para realização de ação de natureza fiscalizadora n.º 070201200069 (69/2012) com o objetivo/âmbito de “confirmar a exatidão das existências (quantidade/qualidade) – VAREJO” ao entreposto fiscal de produção n.º PT51…, para produtos intermédios (vinho Madeira), detido pela Impugnante na qualidade de depositário autorizado – cfr. fls. 02 do Processo Administrativo (PA) apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

15. No mesmo dia, 24 de setembro de 2012, foi emitida pela Reverificadora Assessora M..., que assinou “pelo Diretor”, credencial n.º 79, referente à ação de natureza fiscalizadora n.º 69/2012, pela qual foram credenciados a Técnica Verificadora D... e o Verificador Auxiliar Aduaneiro, P..., “para procederem à seguinte diligência, por despacho do Diretor da Alfândega de 2012.09.24:
Ação de Natureza Fiscalizadora
Que deverá ser realizada na entidade: H..., S..., LDA, com sede em: Rua ... - Funchal, com o seguinte âmbito e extensão: Âmbito: F14 – VAREJO (Conforme exatidão de existências – quantidade/qualidade)
Extensão:---” – cfr. fls. 04 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

16. Após reprogramação da diligência, nos dias 12 e 13 de novembro de 2012, foi efetuado varejo nas instalações do entreposto fiscal de produção da Impugnante, com o n.º PT5110…, com inventariação das existências, através da contagem física dos produtos em suspensão de imposto, em vias de fabrico (estágio), armazenado em “pipas” e cubas, incluindo matéria prima (álcool vínico), sendo responsáveis pela Alfândega do Funchal a Técnica Verificadora D... e os Verificadores Auxiliares Aduaneiros P... e F..., e pela sociedade Impugnante M... e M... – cfr. fls. 27 do PA apenso.

17. A inventariação das existências, através da contagem física dos produtos, referida no ponto antecedente, efetuou-se pelo exame dos recetáculos tal como se apresentavam exteriormente – cfr. depoimento da testemunha P....

18. Na sequência da mencionada diligência de varejo, foi lavrado respetivo “Auto de Varejo”, assinado por todos os intervenientes, a que foi anexa lista com a inventariação física das existências, identificadas pela referência ao número de recetáculo, produto armazenado e quantidade – cfr. fls. 27 a 45 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

19. No âmbito da ação de natureza fiscalizadora n.º 69/2012, foram apresentados pela Impugnante os elementos documentais constantes de fls. 46 a 921 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

20. Em 08 de maio de 2013, foi proferido projeto de conclusões do relatório relativo à ação de natureza fiscalizadora n.º 69/2012, subscrito pela Técnica Verificadora D... e pelo Verificador Auxiliar Aduaneiro, P..., no qual se apurou mercadoria em falta computada em 62.047,99 litros, o que comportaria uma dívida de IABA de € 40.585,59, pelo que foi proposto que “previamente seja notificado o interessado do teor do presente projeto de relatório enunciado nos pontos anteriores, a fim de exercer, querendo, o direito de participar no procedimento, no prazo de 15 dias” – cfr. fls. 922 a 933 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

21. Sobre o projeto de relatório referenciado no ponto antecedente recaiu despacho de concordância do Diretor da Alfândega do Funchal, datado de 08 de maio de 2013 – cfr. fls. 922 do PA apenso.

22. A Impugnante foi notificada para efeitos de audição prévia ao projeto de relatório referente à ação de natureza fiscalizadora n.º 69/2012, por ofício n.º AFUN/0489, em 21 de maio de 2013 – cfr. fls. 934 a 936 do PA apenso e doc. n.º 3 junto com a petição inicial.

23. Após prorrogação do prazo por 10 (dez) dias para o respetivo exercício, a Impugnante apresentou petição escrita de “Direito de Audição Prévia”, com data de entrada na Alfândega do Funchal em 14 de junho de 2013, no âmbito da qual propugnou pelo arquivamento dos autos procedimentais – cfr. fls. 968 a 981 do PA apenso e doc. n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

24. No dia 01 de agosto de 2013, foi emitido “relatório final” referente à ação de natureza fiscalizadora n.º 69/2012, subscrito pela Técnica Verificadora D... e pelo Verificador Auxiliar Aduaneiro, P..., com o seguinte teor:
“[...]
1 – INTRODUÇÃO
Para cumprimento do despacho de 2012-09-24, do Exmo. Senhor Diretor da Alfândega do Funchal, enquadrado no programa local, foi efetuada a ação de natureza fiscalizadora – varejo, ao entreposto fiscal de produção n.º PT5110…, para produtos intermédios – Vinho da Madeira, ao depositário autorizado H..., Lda, com o n.º PT 0151…, com sede à rua ..., Funchal.
2 – OBJETIVO
Confirmar as condições as condições específicas da autorização do entreposto de produção e assegurar que as mercadorias não foram subtraídas à fiscalização aduaneira/fiscal e que foram cumpridas as obrigações resultantes do estatuto concedido nos termos do art.º 21º do D.L. 104/93, atualmente regulado nos termos do art.º 21.º e seguintes do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (C.I.E.C.), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, e suas alterações.
3 – METODOLOGIA UTILIZADA
A fim de se procurar os objetivos atrás referidos e tendo em conta a metodologia superiormente determinada foram efetuadas as seguintes diligências:
- Constatar qual o espaço físico correspondente ao entreposto;
- Proceder à conferência das existências de produto armazenado em entreposto, quer de matéria-prima, de produto em vias de fabrico ou produto acabado, em suspensão de imposto;
- Elaborar o respetivo auto de varejo;
- Confrontar os resultados obtidos com os documentos recolhidos na empresa, a nível de contabilidade de existências;
[…]
Em virtude de este ser o 1º varejo efetuado ao entreposto, foram considerados os movimentos relativos ao período compreendido entre 31-08-2011 e 12-11- 2012, data do presente varejo.
4 – AÇÃO DESENVOLVIDA
[…]
Aos 12 e 13 dias do mês de Novembro de 2012, no período compreendido entre as 09H45 e as 17h30 […] e entre as 14h15 e as 17h45, respetivamente, deslocamo-nos às instalações do entreposto fiscal de produção, onde se procedeu ao varejo com inventariação física das existências, através da contagem física dos produtos em suspensão de imposto, em vias de fabrico (estágio), armazenado em «pipas» e cubas, incluindo matéria prima – álcool vínico, tendo-se procedido de imediato à elaboração do respetivo auto de varejo, o qual foi assinado por todos os intervenientes e que faz parte integrante do presente processo.
Procedeu-se à identificação de todas as «pipas» e cubas, com produto, para efeitos de varejo e de contabilidade de existências, tendo-se apurado um total de 1.063.064 litros.
Não se procedeu à contagem de produto engarrafado, existente na loja, por, erradamente, se ter deduzido que aqueles já estariam introduzidos no consumo […].
Neste contexto, solicitamos ao entreposto que nos facultasse listagem do produto existente na loja, à data do varejo – 12-11-2012, onde se verificou que haviam diversos vinhos, com capacidades diferentes, perfazendo um total de 17.849 garrafas, de diferentes capacidades, perfazendo um total de 11.987,98 lts.
[…]
Neste contexto verifica-se que as existências físicas, no total, ascendem a 1.075.051,98 litros.
Dos documentos recolhidos na empresa, como perfazendo parte da contabilidade de existências, constam a conta corrente do produto em armazém (vinho em amadurecimento depositado em pipas e em cubas), relação das exportações com identificação dos ARC´s correspondentes e suas quantidades (Anos 2011 e 2012) e conta corrente da matéria prima – álcool vínico, de 31-12-2010 a 12-11-2012 (data do varejo), com um saldo de 22.100 lts.
Na posse de todos aqueles elementos constatou-se que a empresa não possui uma verdadeira conta corrente […] porquanto não nos foi disponibilizada uma conta corrente com elementos que façam a ligação do produto armazenado (em amadurecimento), com as entradas de matéria prima a montante e com as saídas para engarrafamento a jusante, com saldo à vista, isto é não existe uma ficha de produto que faça a ligação entre a matéria prima e o produto acabado, engarrafado.
A conta corrente do produto em armazenamento não passa de uma mera listagem, com indicação do produto, número de recipiente (pipa ou cuba), lote e quantidade, não tendo uma relação direta com nenhum outro elemento, assim como acontece com a relação existente e que nos foi fornecida, das e-DA´s de expedição.
Ainda relativamente à conta corrente da matéria prima – álcool, a mesma não faz também qualquer ligação com uma ficha de produto, relacionando as saídas de álcool com as respetivas entradas em cada um dos produtos, não passando também de uma relação com indicação da data de entrada/saída, indicação do produto, quantidade e saldo, com a agravante de que, nas entradas, não discrimina o número de ARC correspondente.
Verificou-se assim, que não existe qualquer dinâmica nos elementos fornecidos e apelidados de conta corrente, que os mesmos são meras descrições estáticas das ocorrências de produtos, sem ligações entre si.
A própria conta corrente das introduções no consumo (D.I.C.´s), resume-se a uma listagem impressa através do Portal das Finanças>serviços online, situação inconcebível.
Não obstante, e sempre numa tentativa de se concluir com sucesso a ação, solicitou-se junto da empresa, através da Dr.ª H... e D. I..., obter outros elementos que nos pudessem permitir um cruzamento de dados eficaz e eficiente.
[…]
Informou que em maio de 2011 adquiriram um novo sistema informático, o qual tem sistema de inventário permanente, e ficha de produto, no entanto durante alguns meses de 2011, e mesmo durante o ano de 2012, o mesmo esteve em fase experimental, pelo que a maior parte dos movimentos não eram, e não são ainda, fidedignos, havendo muitos erros. De qualquer modo não foi possível confirmar que os elementos fornecidos pelo sistema informático, seriam os necessários e suficientes para efetuarmos o nosso trabalho com fiabilidade.
[…]
Relativamente às expedições e exportações, foi melhorado o respetivo mapa, tendo-se conseguido cruzar a informação do mesmo com as faturas e respetivos ARC´s.
Relativamente às DIC´s, foi-nos remetido um dossier com fotocópias das faturas de agosto de 2011 a dezembro de 2011 juntamente com uma relação mensal, onde consta número de fatura, nome do cliente, valores, quantidades, número e data da respetiva DIC, informando que devido a grande volume de trabalho não é possível efetuar a mesma relação para o período de 2012. Esta relação não faz qualquer relação com o produto, nem apresenta qualquer saldo. Para o efeito seria necessário recolher os elementos de cada uma das faturas e elaborar a respetiva ficha de produto e daí efetuar uma leitura conclusiva.
De qualquer modo esses mapas foram por nós trabalhados e efetuadas as somas por forma a se chegar a uma conclusão sobre os litros de produto vendido no período correspondente ao ano de 2011.
Não obstante e porque cada fatura apresenta o montante de imposto especial de consumo relativo a cada um dos produtos vendidos e sabendo que as respetivas DIC são efetuadas quase diariamente, nas quais, cada fatura corresponde a uma adição, optou-se por, aleatoriamente, selecionar algumas DIC e cruzar a informação da mesma com as respetivas faturas, através de consulta direta no sistema informático, nas aplicações centrais, relativamente ao período de 2011, pois para as restantes não possuíamos os respetivos elementos.

No cruzamento efetuado verificou-se que nas vendas a dinheiro, talão de caixa, não é possível confirmar os respetivos produtos, na medida em que o campo da descrição não contém toda a informação necessária, além de que as respetivas fotocópias não contemplam o respetivo documento na íntegra. Da consulta efetuada não subsistiu qualquer dúvida de que a todas as vendas estará associada uma DIC, no entanto e com os elementos disponibilizados, não é possível aferir e efetuar um controlo fidedigno, conforme é pretendido.
No decorrer dos dias, e já em finais do mês de abril de 2013, as responsáveis da empresa fizeram-nos chegar os restantes elementos para o período do ano de 2012, mais concretamente fotocópias das faturas de Janeiro de 2012 a Novembro de 2012, acompanhadas das respetivas relações mensais, as quais foram de igual modo trabalhadas por nós para se aferir do montante de litros vendidos para o período correspondente do ano de 2012, tal como tinha acontecido com a anterior remessa de faturas que nos haviam enviado.
Com estes dados elaborou-se mapa de controlo dos números de litros de vinho vendido, para o período em análise (31-08-2011 a 12-11-2012), conforme resumo seguinte:
[…]
Assim e partindo destes elementos, que aceitamos como válidos, efectou-se uma reconstituição da conta corrente, para o período em análise (31-08-2011 a 12-11-2012), conforme se apresenta no quadro seguinte:


Quantidade em litros
    Existência de produto em amadurecimento em 31-08-2011
1.026.989,00
    Existência de produto engarrafado em loja em 31-08-2011
14.149,90
        Vindima de 2011
197.628,00
        Vindima de 2012
150.479,00
        TOTAL Entradas
1.389.245,90
Vendas Totais de 31-08-2011 a 31-

12-2011

-80.754,10
Vendas Totais de 01-01-2012 a 12-

11-2012

-170.482,83
        TOTAL Saídas
251.236,93
TOTAL C/C
1.138.008,97


De onde se obtém que com os elementos disponíveis, conta corrente do depositário, deveriam existir à data do varejo, vinho (em amadurecimento e ou engarrafado), num total de 1.138.008,97 lts, sendo que na realidade apenas existiam 1.075.960,98 lts, onde se verifica uma diferença de 62.047,99 lts, […].
5 – CONCLUSÕES
Comprovamos que o entreposto fiscal de produção de bebidas, não cumpre com a obrigação de manter uma contabilidade de existências atualizada.
Confirmamos desconformidades entre os dados existentes e o saldo verificado em varejo, sendo que o saldo obtido com a reconstituição da conta corrente é superior ao saldo de varejo, em 62.047,99 litros.
Conclui-se que os elementos disponibilizados não são fidedignos para um controlo eficaz e fiável da conta corrente, porquanto a empresa não possui uma verdadeira conta corrente […].
Não obstante, comprovamos que o entreposto fiscal de produção, apresenta uma conta corrente deficiente, tendo-se confirmado desconformidade entre a conta corrente e o auto de varejo.
Verifica-se que as incongruências detectadas originam uma diferença, para menos, de imposto a pagar […].
Cálculos:
Imposto em falta (Mercadoria em falta):
Total 62.047,99 litros
Taxa 65,41€/HL – Nos termos do artigo 74.º do CIEC.
62.047,99 litros de vinho /100=620,48HL
620,48HL x 65,41 = 40.585,59
Juros Compensatórios
[…]
40.585,59€ * ((4%/365)*201) = 893,99 €
Dos factos atrás descritos e considerados provados, está constituída uma dívida calculada no valor de 40.585,59 €, referente a IEC, acrescida de 893,99€ de juros compensatórios.
[…]
6 – DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA
Através do n/ofício n.º 489 de 2013-05-09 […], foi a empresa «H..., Lda» notificada para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de participação no procedimento tributário, consagrado no art.º 60.º da LGT.
[…]
Na sequência da referida notificação, vem a empresa «H..., Lda» […] no dia 2013-06-14, exercer o direito de audição prévia, por escrito, o qual obteve o registo de entrada número 1920.
[…]
Ponto 15 – Diz a requerente que o auto de varejo foi elaborado com base no confronto entre os documentos administrativos e contabilísticos disponibilizados e a contagem física do número de litros existentes no interior dos diversos recipientes […].
No entanto no dia 13 de novembro quando retornamos à empresa, para terminar o varejo, as representantes da empresa já não tinham tantas certezas daquele facto pelo que solicitaram o nosso bom senso, mais uma vez, e pediram a retificação de quantidades, para menos, para diversos recipientes, com a justificação de que estavam em amadurecimento há muitos anos e que haveria que descontar perdas e evaporações inerentes à produção de vinho, os quais em alguns casos, não estariam refletidos nos diversos recipientes, por serem muito antigos e nunca terem sido abertos. Todas as solicitações foram aceites, até porque a empresa não demonstrou ter interesse, nem condições, para que se procedesse à trasfega de todo o produto de cada um dos recipientes para que se pudesse aferir da quantidade real. Aliás mediante tal proposta argumentaram logo que tal seria de todo impensável e inadmissível, que iria causar grandes transtornos e eventualmente perda e detioração da mercadoria em causa.
De boa fé e na expetativa de que uma empresa destas teria tudo devidamente registado, efetuaram-se as retificações e lavrou-se o respetivo auto.
[…]
Especificamente sobre o ponto 57 última parte e 58 e ainda iii.) das perdas na armazenagem pontos 59 a 80 – em que especifica a requerente que os valores apresentados não refletem as perdas armazenadas ocorridas após 2003-05-15, razão pela qual não reconhece nem aceita como válido o valor indicado como stock de 2011-08-31 que aponta para a existência de 1.026,989 litros de vinho madeira – queremos relembrar o que já foi explanado acima no 2.º parágrafo do ponto 15 em resposta ao presente direito de audição, onde podemos especificar que os documentos que nos entregaram na empresa logo no dia 12 de Novembro de 2012, de onde resultou um auto de varejo e depois foi retificado, a solicitação das representantes da empresa, onde o total de vinho madeira existente em armazém, para amadurecimento, era de 1.093.327 lts, que foi alterado para os então 1.063.064 lts, o que correspondeu a uma dedução de 30.263 lts, correspondentes a uma percentagem de 2,768%.
Relativamente ao vinho existente em stock, para amadurecimento, em 2011- 08-31, o saldo está também conforme com esta situação.
Mais se informa que as folhas onde constam essas retificações, não constavam inicialmente do processo, porque tinham sido assumidas pela signatária, mas que agora serão integradas no mesmo, páginas 944 a 964.

Pelo exposto não se entende como poderão vir agora solicitar, mais uma vez, tais retificações, com a agravante de o solicitarem para nove anos, quando é consabido que não o poderão fazer a nível fiscal retificações de perdas para prazos superiores a três anos. […].
Não obstante, decidimos levar em linha de conta tal pretensão, parcialmente e apenas na medida do possível, e efetuar novos cálculos com a dedução daquelas perdas, inerentes ao armazenamento, deduzindo-se a percentagem de 1,5% para um ano.
Para se efetuar a dedução por nove anos, como pretendido pela reclamante, seria necessário que existisse esse registo, efetuado ano a ano, por forma a que pudéssemos aferir se os valores em causa estavam dentro dos limites estipulados conforme os valores armazenados em cada um dos anos. Ora, neste momento e não existindo tais registos, efetuados na conta corrente da «H..., Lda.», não é possível aferir se os mesmos estarão, ou não, dentro dos limites estipulados.
[…]
Assim e finalizada a análise do exercício do direito de audição apresentado pelo depositário autorizado, apresentamos de seguida novos cálculos de imposto tendo apenas em conta o alegado na parte iv.) do erro identificado no tanque de inox n.º 1 pontos 81 a 87, conforme explanado na resposta acima vertida […].
[…]
Alertamos ainda para o caso das perdas e inutilizações, as quais nos termos dos artigos 47.º e seguintes do CIEC, obedecerem a regras específicas, e deverem também constar das fichas individuais de cada produto. […].
[…] aqui existem dois fatores a considerar que são os seguintes, por um lado, as perdas já deveriam estar registadas contabilisticamente pelo menos até 31-11- 2011, por serem contas já encerradas, e que efetivamente não foram registadas contabilisticamente, conforme alegado no próprio direito de audição, sendo certo que a consequência desse registo contabilístico seria o seu reflexo no respetivo inventário. Por outro lado e para o restante período de 2012 e até à data de varejo, sendo um período cujas contas ainda não estariam encerradas, seria perfeitamente aceitável a consideração de tais perdas, situação que ficou resolvida quando em ato de inspeção se permitiu, aceitou e concordou, de boa fé, a retificação dos valores de varejo conforme já demonstrado antes.
[…]
Novos Cálculos:
[…]
Imposto em falta (Mercadoria em falta):
Total 41.715,65 litros
Taxa 65,41€/HL – Nos termos do artigo 74.º do CIEC.
41.715,65 litros de vinho /100=417,16HL
417,16HL x 65,41 = 27.286,44
Juros Compensatórios
[…]
27.286,44€ * ((4%/365)*262) = 783,46 €
Dos factos atrás descritos e considerados provados, está constituída uma dívida calculada no valor de 27.286,44 €, referente a IEC, acrescida de783,46 € de juros compensatórios.
[…]
7 - PROPOSTA
Face ao exposto e considerando que no direito de participação exercido, os novos elementos suscitados foram favoráveis à empresa, originando a consequente correção, é parecer dos signatários que o projeto de relatório passe a definitivo, pelo que propõe a V. Exa. o seguinte:
[…]
c) Que seja remetida cópia do presente relatório ao Núcleo de Procedimentos Aduaneiros/Conferência Final, para organização do processo de cobrança à posteriori;
[…]
À consideração superior” – cfr. fls. 1059 a 1085 do PA apenso, também constante do doc. n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

25. Sobre o relatório referido no ponto antecedente recaiu despacho de concordância do Diretor da Alfândega do Funchal, datado de 01 de agosto de 2013 – cfr. fls. 1059 do PA apenso, também constante do doc. n.º 5 junto com a petição inicial.

26. A Impugnante foi notificada do assinalado relatório final, por ofício n.º AFUN/806, datado de 01 de agosto de 2013 – cfr. fls. 1086 a 1087/verso do PA apenso e doc. n.º 5 junto com a petição inicial.

27. Em 05 de agosto de 2013, foi registada no Livro Auxiliar sob o n.º 9... a importância de € 28.071,70, referentes ao IABA apurado em sede de ação fiscalizadora no valor de € 27.286,44, aos respetivos juros compensatórios, computados em 783,46, e a impresso no montante de € 1,80 – cfr. fls. 1088 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

28. A Impugnante foi notificada da liquidação da importância mencionada no ponto anterior, por ofício n.º 817, assinado pela Coordenadora do Núcleo de Procedimentos Aduaneiros da Alfândega do Funchal, M..., em 16 de agosto de 2013 – cfr. fls. 1105 e 1106 do PA apenso e doc. n.º 1 junto com a petição inicial.

29. A presente impugnação judicial foi apresentada em 18 de novembro de 2013 – cfr. fls. 01 e ss. dos autos (suporte digital).
*
FACTOS NÃO PROVADOS


Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da causa.
*
MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A decisão da matéria de facto, efetuou-se com base nos documentos e informações oficiais constantes dos autos e do Processo Administrativo apenso, referidos em cada um dos pontos do elenco da factualidade dada como provada, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova.

O Tribunal alicerçou ainda a sua convicção relativamente à matéria de facto elencada nos pontos 1. a 12. do probatório no depoimento da testemunha arrolada pela Impugnante, I..., e nas declarações de parte da sua representante legal, M..., tendo fundamentado a sua convicção no que diz respeito ao facto vertido no ponto 17. no depoimento da testemunha P..., arrolada pela Fazenda Pública.

A testemunha I..., engenheiro químico e professor, demonstrou ter conhecimento direto dos factos, em razão do desempenho das suas funções de enólogo responsável pelos vinhos da sociedade Impugnante, desde 2002, o que lhe permitiu acompanhar de perto a atividade prosseguida pela “H... – S..., Lda.” e, assim, a forma como a produção, armazenamento e comercialização de Vinho Madeira é efetuada desde essa data.
A aludida testemunha prestou um depoimento que se mostrou isento, espontâneo, contextualizado e coerente em termos temporais e espaciais que logrou convencer o Tribunal sobre a matéria de facto sobre recaiu, mais precisamente sobre os narrados aspetos relativos à atividade prosseguida pela Impugnante, ao circuito produtivo do Vinho Madeira e às caraterísticas do próprio produto, bem como às condições a que o mesmo se encontrava exposto quando armazenado nas instalações na Impugnante e às consequências daí decorrentes, como seja a evaporação acrescida do produto. Por fim, refira-se que foi afirmado de forma concludente pela testemunha que entre 2002 até 2013 fazia contagens físicas alternadas ao produto e que, embora soubesse que se verificavam perdas por evaporação, não as reportou, pois não era essa a prática, daí que a documentação interna e contabilística da Impugnante não refletisse tais perdas, como se denota, aliás, da concatenação dos documentos n.ºs 7 a 16 juntos com a petição inicial (demonstrações de resultados dos exercícios de 2003 a 2012).
O seu depoimento foi valorado positivamente para a fixação da matéria elencada nos pontos 1. a 12. dos factos provados.

Relativamente às declarações de parte prestadas pela legal representante da sociedade Impugnante, M..., cumpre chamar à colação o disposto no art. 466.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável “ex vi” art. 2.º, alínea e) do CPPT, segundo o qual: “O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.”
Efetivamente, as declarações de parte enquanto meio de prova admissível em direito (visando a prova dos factos em que as partes tenham intervindo pessoalmente ou de que possuam conhecimento direto - cfr. n.º 1 do citado art. 466.º do CPC), podem ser livremente apreciadas pelo julgador na parte não confessória, desde que observada a devida cautela, pois, por natureza, configuram uma “prova interessada”.
Perante essa cautela imposta pelo interesse natural adveniente da qualidade de parte, a sua valoração terá de estar alicerçada na exteriorização de um depoimento que se afigure imparcial e isento, sem contradições ou hesitações de vulto. Igualmente, para uma maior valoração, será essencial que as declarações sejam confirmadas por outros dados, que, ainda que indiretamente, demonstrem a veracidade da declaração, sob pena da sua força probatória se debilitar irremediavelmente.
Volvendo ao caso, temos que, não obstante a qualidade de parte e do interesse natural daí adveniente, a declarante demonstrou segurança, assertividade, coerência e espontaneidade, veiculando uma versão dos factos em tudo coincidente com o depoimento da testemunha I..., já valorado, e, como tal, apta a convencer o Tribunal dos factos sobre os quais as suas declarações recaíram, designadamente no que se refere à atividade prosseguida pela Impugnante, à sua estrutura empresarial (instalações, mercadorias produzidas e comercializadas), ao estatuto de depositário autorizado que lhe foi conferido, às características do vinho produzido e, posteriormente, armazenado e comercializado, bem como às condições em que o produto se encontrava acondicionado nas suas instalações e às consequências que daí decorrem em função do processo natural de evaporação. Mais foi asseverado pela declarante que a Impugnante não tinha refletido na sua documentação interna (inventário) e contabilística as perdas por evaporação anuais que sofreu desde o varejo efetuado pelo Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira, I.P, em 14 de maio de 2003.
As suas declarações foram, assim, valoradas positivamente para a fixação da matéria elencada nos pontos 1. a 12. dos factos provados.

Quanto à primeira testemunha arrolada pela Fazenda Pública, D..., técnica verificadora da Alfândega do Funchal, responsável pela ação de varejo realizada nas instalações do entreposto fiscal da Impugnante, a mesma limitou-se a relatar os aspetos referentes à metodologia utilizada, aos atos concretamente praticados e às contingências com que se deparou a equipa de fiscalização durante o varejo, os quais foram devidamente enquadrados e referenciados no relatório final.

Nestes termos, não se retirou do depoimento desta testemunha qualquer factualidade com valor autónomo daquela já descrita em sede de relatório final, designadamente no que refere ao processamento do varejo (referenciado no ponto 16. dos factos provados) e para a qual os considerandos expendidos serviram – apenas - de sustentáculo.

No que diz respeito à segunda testemunha arrolada pela Fazenda Pública, P..., verificador auxiliar da Alfândega do Funchal, que interveio no varejo coadjuvando a técnica responsável, o seu depoimento também foi marcado pela descrição dos atos praticados no âmbito da ação de varejo, conforme o que foi lavrado em sede de relatório final.
Mais esclareceu a aludida testemunha que da contagem física dos recetáculos de produtos não era possível aferir se os mesmos estavam ou não completamente cheios, avançando, mesmo, que se existissem perdas a rondar os 40.000 litros, tal não seria percetível.
Ora, tal posição, aliada à argumentação expendida em sede de relatório final - onde se apontaram as dificuldades inerentes a uma contagem que permitisse “aferir da quantidade real” da mercadoria (p. 14 do relatório) - gerou no Tribunal a convicção clara que a inventariação das existências, através da contagem física dos produtos, efetuou-se pelo confronto com os recetáculos tal como se apresentavam exteriormente (i.e. sem se aferir se os recipientes se encontram totalmente cheios), razão pela qual o seu depoimento foi valorado positivamente para a fixação da matéria elencada no ponto 17. dos factos provados.

Por fim, não se retirou do depoimento de parte da técnica superior aduaneira M... qualquer matéria confessória (i.e. o reconhecimento de factos desfavoráveis à Entidade Demandada), porquanto, e conforme foi dada devida nota em despacho proferido em sede de audiência contraditória, a intervenção da depoente no procedimento que esteve na génese da liquidação impugnada efetivou-se em substituição do Diretor da Alfândega do Funchal e cingiu-se a aspetos formais atinentes às credenciações dos funcionários que realizaram a ação de varejo e à notificação do ato tributário impugnado, tendo a mesma confirmado - apenas - a materialidade referente a esses aspetos de credenciação e atos de trâmite, os quais se encontram devidamente comprovados no Processo Administrativo apenso.
Já no que se refere aos documentos com que foi confrontada, a depoente bastou-se a reconhecer os autores do relatório final, do ofício de notificação e do impresso de liquidação (constantes de fls. 1090 a 1106 do Processo Administrativo apenso), o que não comporta a assunção de qualquer facto desfavorável.
Importa ainda referir que, embora o depoimento de parte - na parte não confessória - seja suscetível de ser livremente apreciado pelo julgador (desde que seja observada a devida cautela, pois por natureza é um depoimento interessado), do depoimento em análise não resultou nenhuma matéria com pertinência para a boa decisão causa, mas, tão só, a confirmação de elementos descritos documentalmente no Processo Administrativo apenso.»

*



Com base na matéria de facto supra, o Meritíssimo Juiz do TAF do Funchal julgou a impugnação judicial procedente, entendendo, em síntese, que se verifica a fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário, nos termos do art. 100.º do CPPT.

Efetivamente, a fundamentação da sentença recorrida, na parte com revelo para a decisão, é a seguinte:

“Encontra-se impugnada nos presentes autos a liquidação “a posteriori” de IABA, a que corresponde o registo de liquidação n.º 2013/9... de 05 de agosto de 2013, decorrente da ação de natureza fiscalizadora n.º 69/2012 (varejo), e correspetivos juros compensatórios e valor do impresso, no montante global de € 28.071,70.
Insurge-se a sociedade Impugnante contra o apontado ato tributário, considerando que o mesmo está eivado de ilegalidade, por incompetência do seu autor, violação de formalidades essências do procedimento inspetivo, caducidade do direito à liquidação, inexistência de facto tributário e erro quanto à taxa de imposto aplicada.
Cumpre, pois, apreciar se o ato tributário impugnado padece dos vícios invocados, começando-se por indagar da invocada “ausência de facto tributário”, cuja procedência determina uma mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos, nos termos do art. 124.º, n.º 2 do CPPT.
A incidência objetiva do IABA resulta da conjugação de dois factos essenciais: de um lado a “produção” ou “importação” de algum dos produtos mencionados no art. 66.º do CIEC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, “ex vi” art. 5.º do mesmo diploma legal; de outro lado, a sua “introdução no consumo”, como resulta da conjugação dos artigos 7.º e 8.º do mesmo Código.
Daí que, neste caso, a obrigação tributária configure um “pressuposto complexo, de formação progressiva, resultante da combinação necessária de dois elementos, ao último dos quais cabe a função de aperfeiçoar a fattispecie tributária. Por outras palavras: a obrigação de imposto não se pode considerar nascida senão aquando da introdução no consumo” – cfr. SÉRGIO VASQUES, Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, Coimbra, 2001, p. 303.
Ora, durante o processo de fabrico ou na manipulação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo podem ocorrer perdas, por variadas razões, como sejam, no caso dos álcoois, a quebra de vasilhames durante o transporte ou a evaporação durante a armazenagem.
Embora a constatação de perdas em si mesma não materialize um facto gerador de imposto (cfr. n.º 4 do art. 9.º do CIEC), o legislador optou por fixar limites quantitativos às perdas que podem ocorrer na produção, armazenamento ou transporte, sujeitando a imposto os produtos que se apurem perdidos acima de tais limites (i.e. as perdas relevam na parte que ultrapassem o valor as franquias legalmente estabelecidas). Na verdade, o estabelecimento de franquias nos artigos 48.º a 51.º do CIEC configura uma presunção legal de introdução no consumo para efeitos de exigibilidade do imposto, que se mostrará inilidível nos termos do art. 73.º da LGT.
No que se refere às perdas na armazenagem, prevê-se no art. 48.º, n.º 1 do CIEC que: “Para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 9.º, não são tributáveis as perdas inerentes à natureza dos produtos correspondentes às diferenças, para menos, entre o saldo contabilístico e as existências em entreposto, calculadas sobre a soma das quantidades de produto existentes em entreposto com as quantidades nele entradas, após o último varejo, com os seguintes limites:
a) até 1,5%, no caso de álcool e bebidas alcoólicas não engarrafados; […]”
Daqui se retira que “a franquia apura-se pela contraposição de dois valores: o saldo contabilístico, por um lado, as existências em entreposto, por outro. Sabemos que o depositário deve contabilizar as existências através de um sistema de inventário permanente, por modo a que se possa sempre conhecer a quantidade e valor das existências em armazém. Tratando-se do primeiro varejo, há que confrontar o saldo contabilístico, isto é o somatório de entradas e saídas em registo, com a quantidade de existências em entreposto. Em varejos subsequentes, o saldo contabilístico reportar-se- á à data do varejo anterior: faz-se o somatório das entradas e saídas de entreposto registadas desde então, confrontando-se depois esse saldo com as existências em entreposto” – cfr. SÉRGIO VASQUES, Os Impostos Especiais de Consumo, op. cit., p. 328.
O citado art. 41.º, n.º 1 do CIEC plasma, assim, uma presunção de introdução no consumo de mercadorias apuradas em falta, constituindo-se, por essa via, como norma de incidência e quantificação da obrigação tributária.
Ora, dispõe o art. 100.º do CPPT que: “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.”
No caso vertente, encontram-se demonstradas circunstâncias que se afiguram idóneas a suscitar uma dúvida fundada de que a quantificação da obrigação tributária efetuada não corresponderá à mercadoria efetivamente introduzida no consumo, senão vejamos:
Foi consignado em sede de relatório final da ação de natureza fiscalizadora n.º 69/2012 (apreciação da audição prévia) que, perante as dúvidas suscitadas pelas representantes da Impugnante quanto ao real conteúdo dos recipientes de armazenamento de produto em amadurecimento há largos anos, e na sequência de solicitação destas (que pediram a retificação de quantidades, descontando as perdas e evaporações inerentes à produção de vinho), o total de Vinho Madeira considerado existente em armazém, para amadurecimento (1.093.327 litros), foi alterado para 1.063.064 litros, o que acarretou uma dedução de 30.263 litros, correspondente a uma percentagem de 2,768%. Perante isto, considerou a Alfândega do Funchal naquela sede procedimental que não entendia como poderia vir a Impugnante em momento ulterior solicitar retificações por perdas “com a agravante de o solicitarem para nove anos, quando é consabido que não poderão fazer a nível fiscal retificações de perdas para prazos superiores a três anos.”
Contudo, perante os argumentos expendidos pela Impugnante no respetivo exercício do direito de audição prévia, decidiu a Alfândega do Funchal “levar em linha de conta tal pretensão, parcialmente e apenas na medida do possível, e efetuar novos cálculos com dedução daquelas perdas, inerentes ao armazenamento, deduzindo-se a percentagem de 1,5% para um ano”, já que “para se efetuar a dedução por nove anos, como pretendido pela reclamante, seria necessário que existisse esse registo, efetuado ano a ano, por forma a que pudéssemos aferir se os valores em causa estavam dentro dos limites estipulados conforme os valores armazenados em cada um dos anos. Ora, neste momento e não existindo tais registos, efetuados na conta corrente da «H..., Lda», não é possível aferir se os mesmos estarão, ou não, dentro dos limites estipulados” – cfr. ponto 24. da factualidade dada como assente.
Daí que os cálculos apurados tenham sido refeitos, deduzindo-se a título de perdas inerentes à armazenagem a percentagem de 1,5% prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 48.º do CIEC, para um ano.
Neste campo, não se pode olvidar que as perdas ocorridas no entreposto fiscal da Impugnante ocorreram num contexto que assume manifesta especificidade, uma vez que se reportam a Vinho Madeira, o qual se encontra sujeito a um constante processo de evaporação devido ao clima quente da Região Autónoma da Madeira, circunstância que se agudiza no caso dos autos pelo facto da mercadoria se encontrar armazenada em instalações da que nos meses de verão atingem temperaturas superiores a trinta graus centígrados sem que disponham de qualquer sistema de refrigeração, o que se mostra suscetível a dar causa a um nível de perdas maior do que aquele que ocorre nos processos normais de armazenamento (precisamente por causa das apontadas condições de armazenamento indutoras de evaporação acrescida) – cfr. pontos 1. a 10. do probatório.
Perante este quadro, sustenta a Impugnante que decorreram cerca de nove anos desde o último varejo (14 de maio de 2003) e a sua contabilidade não evidencia nenhuma perda por inutilidade nesse período, pelo que facilmente se conclui que os seus “stocks” perderam, por evaporação, uma quantidade significativa das existências até à realização do varejo no âmbito da ação de natureza fiscalizadora n.º 69/2012 (em 12 e 13 de novembro de 2012), as quais não podem deixar de ser tomadas em consideração para efeitos de tributação, apesar de não terem sido inscritas no inventário.
Desde já se dirá que tal posição merece acolhimento, porquanto, se a Impugnante não apurou as perdas por evaporação do seu produto no período compreendido entre 2003 e 2012 e, nessa sequência, não refletiu na sua documentação interna (inventário) e contabilística tais perdas, e se a inventariação física das existências, através da contagem física dos produtos, efetuada em sede de varejo se cingiu ao exame dos recetáculos presentes no entreposto tal como se apresentavam exteriormente [cfr. ponto 11., 12. e 17. dos factos provados], o valor indicado como “stock” apresentará provavelmente erros nas existências apuradas, atentas as condições de armazenamento de Vinho Madeira evidenciadas nos autos.
Aliás, a própria Alfândega do Funchal sufragou das dúvidas suscitadas pelas representantes da Impugnante em sede procedimental quanto à quantidade real das existências controladas, tendo procedido à retificação da quantidade de existências para menos com base na solicitação das mesmas - embora o tenha feito sem critério fidedigno, bastando-se a acolher os dados constantes da listagem constante de fls. 947 a 967 do Processo Administrativo, alegadamente fornecida pela Impugnante, sem indagar da “quantidade real” do produto armazenado, como é reconhecido na p. 14 do relatório final - e decidiu deduzir a percentagem de 1,5% para um ano, referindo não ser possível aferir se os valores em causa estavam dentro dos limites legalmente estipulados conforme os valores armazenados em cada um dos nove anos que medeiam desde o primitivo varejo, por não existir um registo anual de perdas (p. 20 do relatório final, referenciado no ponto 24. da matéria assente).
Perante isto, e apesar de incumbir à Impugnante contabilizar as existências através de um sistema de inventário permanente (de forma a que se possa aferir da quantidade e valor das existências em armazém), e restar provado que a mesma não o fez, logrou a mesma criar no tribunal dúvida quanto às reais existências do produto armazenado, atendendo à prova que produziu nos autos.
Na verdade, as circunstâncias demostradas são, como se viu, aptas a suscitar uma dúvida fundada de que a quantificação da obrigação tributária efetuada não corresponderá à mercadoria efetivamente introduzida no consumo, atento o tipo de produto e as condições da sua armazenagem.
Este foi o entendimento sufragado em primeira instância no âmbito do processo n.º 01915/04.2BEPRT, em cuja sentença se consignou que:
“Se a impugnante nunca mediu o seu produto desde 1997 até 2003, atento o processo de produção e de armazenagem de vinho do Porto, com alguma certeza a contabilidade do entreposto fiscal apresentará erros nas suas existências físicas. [...]
Nesta conformidade, apesar de incumbir à impugnante manter actualizada uma contabilidade das existências em regime de inventário permanente e dos movimentos dos produtos, ela logrou efectuar a prova em contrário da ali apresentada, pela simples razão de ter convencido o tribunal de nunca ter efectuado qualquer medição/contagem desde 1997, situando a comunicação das perdas de produto pelos mínimos. [...]
Tudo indicando que as existências físicas serão diversas das constantes da escrita, atendendo ao tipo de produto e à sua armazenagem (e produção) em vasilhame de madeira, necessariamente, como se provou, as perdas poderão atingir percentagens superiores às comunicadas, o que é suficiente para gerar fundada dúvida quanto à existência do facto tributário e obviar a cálculos rigorosos nesta sede (para efeitos de aplicabilidade do disposto nos artigos 38.º e 39.º do Código de IEC).
A impugnação merece, pois, ganho de causa.”
A referida sentença foi objeto de confirmação pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 30 de setembro de 2015, também com o n.º de proc. 01915/04.2BEPRT, disponível em www.dgsi.pt, no qual se argumentou que:
“A MMª juiz determinou a anulação da liquidação com base na previsão do art. 100º do CPPT nos termos do qual sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto tributário ser anulado.
Como bem salienta a Recorrente, a «fundada dúvida» sobre a existência e quantificação do acto tributário fundamento da sua anulação não pode assentar na ausência de inércia probatória das partes […].
Contudo, não vislumbramos nos autos qualquer inércia probatória da Impugnante, antes pelo contrário. Nem a falta de quantificação exacta das perdas constitui fundamento para arredar a aplicação do art.º 100º/1 do CPPT; se estas tivessem sido exactamente quantificadas provar-se-ia a inexistência - ou existência - do facto tributário, e por isso não poderia ser aplicada esta norma. Esta norma deverá ser aproximada com a regra para o procedimento enunciada no art. 74º/1 do LGT em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Por isso, a dúvida sobre a certeza de um facto resolve-se contra a parte onerada com o ónus da prova (Jorge Lopes de Sousa, CPPT II, 2011, pp. 134). Resolve-se contra a AT porque era ela a onerada.
[…]
Por último, o facto de a taxa de rendimento ter sido apurada com base nas comunicações da Impugnante não a impede de demonstrar que essas taxas foram erradamente sub valorizadas. Com efeito, nada na lei inibe o declarante contribuinte de provar que a sua declaração contém erros que só mais tarde identificou. […].
E cremos que não poderia deixar de ser assim em homenagem aos princípios da legalidade e da justiça material que enformam a nossa matriz tributária (cfr. art. 5º/2 da LGT).”
Mostra-se, assim, manifesto que a liquidação impugnada não se pode manter, por resultar da prova feita nos autos “fundada dúvida” sobre a quantificação do facto tributário, nos termos “supra” apontados.
*
Nestes termos, resultando da prova produzida a suscetibilidade das perdas por evaporação sofridas desde o último varejo poderem atingir percentagens superiores às consideradas (2,768% do Vinho Madeira existente em armazém para amadurecimento e os 1,5% deduzidos para um ano) - atento o tipo de produto e as condições da sua armazenagem -, gera-se uma fundada dúvida quanto à quantificação do facto tributário que demanda a anulação da liquidação em escrutínio e, por essa via, a procedência da presente impugnação, com todas as consequências legais, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, nos termos do art. 608.º n.º 2 do CPC, aplicável por força do art. 2.º, alínea e) do CPPT.”

A recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido, invocando, por um lado, erro de julgamento de facto por se ter desconsiderado a factualidade apurada na ação de natureza fiscalizadora, e por errónea consideração da prova testemunhal, e por outro lado, erro de julgamento de direito por violação do disposto nos artigos 8.º, n.º 1, 9.º, n.º 4, 22.º, n.º 2, al. b) e 48.º, n.º 1, al. a) e 51.º do CIEC, não se podendo concluir com base na prova produzida pela aplicação do disposto no art. 100.º do CPPT.

E, efetivamente assiste-lhe razão.

Vejamos.

Desde logo, cumpre referir que, não obstante a sentença recorrida assentar parte da sua fundamentação num acórdão proferido pelo TCA Norte, proferido no processo n.º 01915/04.2BEPRT, a verdade é que as circunstâncias concretas dos autos conduzem à uma aplicação diversa do direito, não sendo aplicável aquela jurisprudência. Com efeito, não se considerou devidamente violação pela Impugnante das obrigações que resultam da detenção do estatuto de depositário autorizado, que interferem na aplicabilidade das regras do ónus da prova, e consequentemente, no caso concreto dos autos, obstam à aplicação do art. 100.º do CPPT.

Na verdade, a Impugnante, enquanto detentora do estatuto de entreposto fiscal e do respetivo estatuto de depositário autorizado, deve respeitar um conjunto de obrigações atinente a esse estatuto, designadamente, o previsto no art. 22.º, n.º 3, alínea b) do CIEC, ou seja, deve cumprir a obrigação de manter uma contabilidade de existências em sistema de inventário permanente.

Ora, essa obrigação não foi cumprida pela Impugnante, tal como expressamente consta do relatório lavrado na sequência da ação de fiscalização que teve por finalidade assegurar que as mercadorias não foram subtraídas à fiscalização aduaneira, e que foram cumpridas as obrigações resultantes do estatuto de entreposto fiscal.

Instada a Impugnante para fornecer outros elementos que permitissem um cruzamento de dados eficaz e eficiente, tal pedido da Autoridade Tributária Aduaneira (ATA) não foi satisfeito com a argumentação do grande volume de trabalho que tal informação iria originar para a Impugnante. Mais foi informado pela Impugnante que haviam adquirido um sistema informático, o qual tem sistema de inventário permanente, mas que a maior parte dos movimentos não são fidedignos, havendo muitos erros.

Portanto, a dificuldade de apuramento das quantidades se deve ao facto de a Impugnante não ter refletido no seu inventário as perdas por evaporação, como a própria reconhece no art. 135.º da p.i., e conforme resulta da ação de fiscalização pela ATA, sendo certo que a Impugnante não cumpria com uma das obrigações legais que sobre si recaia, a de manter uma contabilidade de existências em sistema de inventário permanente, como resulta do relatório de fiscalização.

Assim sendo, o incumprimento dessa obrigação prevista para o depositário autorizado, no art. 22.º, n.º 3, alínea b) do CIEC, obsta à que o contribuinte possa beneficiar da presunção de veracidade dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade, pois no caso da Impugnante, “os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita” não se encontravam “organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”, como se exige na hipótese normativa do n.º 1 do art. 75.º da LGT, para que possa funcionar a presunção de veracidade desses dados. Mais se enunciando expressamente no n.º 2, alínea a) do normativo que a presunção não se verifica quando “As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;”, o que se verifica no caso dos autos por não se ter dado cumprimento da obrigação de manter uma contabilidade de existências em sistema de inventário permanente.

Portanto, neste caso em concreto, em que a contabilidade ou escrita do depositário autorizado não se encontra organizada de acordo com a legislação fiscal, designadamente de acordo com as exigências prevista no art. 22.º, n.º 3, alínea b) do CIEC, importa entender que, aquela não beneficia da presunção prevista no art. 75.º, n.º 1, da LGT, no âmbito do procedimento de inspeção, cabendo à Impugnante o ónus da prova da quantificação das alegadas perdas de vinho por evaporação, e consequentemente, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre essa matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos da anulação do ato impugnado com fundamento no n.º 1 do art. 100.º do CPPT.

Efetivamente, o art. 100.º, n.º 1 do CPPT aplica-se quando o ónus da prova dos factos que relevem para quantificação da matéria tributável é da AT, ficando afastada tal aplicação nas situações em que decorre das leis tributárias que esse ónus é do contribuinte.

A verdade é que o não cumprimento da obrigação fiscal prevista no art. 22.º, n.º 3, alínea b) do CIEC, conduziu à incerteza na quantificação das perdas, assim sendo, não poderá a Impugnante prevalecer-se da dúvida fundada, quando essa dúvida deriva do não cumprimento de uma obrigação essencial do estatuto de depositário autorizado. Repare-se que diferente seria a situação se a Impugnante tivesse cumprido com aquela obrigação de manter uma contabilidade de existências em sistema de inventário permanente, porque nesse cenário, beneficiaria da presunção de veracidade prevista no art. 75.º, n.º 1 da LGT, e, portanto, caberia à ATA o ónus da prova de que as quantificações inscritas na contabilidade eram outras, podendo operar, nesse caso, o regime previsto no art. 100.º do CPPT.

Aliás, a jurisprudência é pacífica em afirmar que o disposto no art. 100.º do CPPT não se aplica quando cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, uma vez que, nesses casos, o ónus da prova cabe ao contribuinte, e nessa medida, existindo dúvida tem de ser processualmente valorada contra este, por ser quem tem o ónus da prova (nesse sentido, cf. Acórdão do STA de 24/10/2007, proc. n.º 0479/07, Ac. do TCAN de 30/10/2014, proc. n.º 00390/05.9BEBRG, Ac. do TCAS de 22/01/2015, proc. n.º 06240, Ac. do TCAS de 22/02/2018, proc. n.º 08342/15, acórdão do TCAS de 05/11/2020, proc. n.º 98/11.6BEALM).

Esse também é o entendimento de Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário-anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 133, escreve ainda que “[o] alcance inequívoco da cessação da presunção nestas situações, é o de determinar que, quando elas ocorrem, será sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existem dúvidas probatórias. Sendo de aplicar esta regra também no processo judicial, pelo que se disse, e harmonizando-a com a regra do n.°-1 do art. 100 .° do CPPT, será de concluir que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele n.º 1, justificarem a anulação do acto impugnado. Na verdade, o n.º 1 do art. 100 .° do CPPT consubstancia uma norma de carácter geral de que resulta recair sobre a administração tributária o ónus da prova dos factos que relevem para quantificação da matéria tributável. Por isso, nas situações em que a lei, em normas especiais, impõe esse ónus ao contribuinte, fica afastada a aplicação daquela regra de carácter geral.” (destaques nossos).

Portanto, e em suma, in casu, não beneficiando a Impugnante da presunção de veracidade prevista no art. 75.º da LGT, cabe-lhe o ónus da prova quanto à quantidade efetiva de evaporação do vinho que vem alegar sem que sequer se encontrem refletidas na sua contabilidade, e, portanto, não havendo lugar à aplicação do disposto no art. 100.º do CPPT.

Como não logrou fazer essa prova cabal conforme lhe competia, e considerando que a liquidação assentou no entendimento de considerar perdas não tributáveis de 1,5% de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 48.º do CIEC, estando devidamente fundamentada de facto e de direito a atuação da ATA, a liquidação não enferma de vício de violação de lei.

A sentença recorrida que assim não decidiu, deverá, então, ser revogada.

Revogada a sentença que apenas conheceu do fundamento “ausência do facto tributário”, cabe ao presente tribunal de recurso, nos termos do disposto no art. 665.º do CPC, conhecer dos demais fundamentos invocados pela Impugnante na p.i., cujo conhecimento o Juiz a quo julgou prejudicado pela decisão proferida nos autos, nomeadamente:

_ a incompetência do autor do ato impugnado;
_ a invalidade de todo o procedimento de fiscalização aduaneira;
_ a caducidade do direito de liquidação;
_ a ilegalidade da taxa de imposto aplicada.

Refira-se ainda que se deu cumprimento nos autos ao n.º 3 daquele preceito legal, ouvindo-se as partes, tendo a Impugnante se pronunciado no sentido de remeter para os fundamentos invocados e desenvolvidos nas peças junto aos autos.

Apreciando.

Invocou a Impugnante a incompetência do autor do ato impugnado, porquanto o ato foi praticado pela Senhora Coordenadora do Núcleo de Procedimentos Aduaneiros, da Alfândega do Funchal, Dr.ª M..., sendo por isso anulável a liquidação impugnada, nos termos do art. 135.º do CPA e art. 99.º, alínea b) do CPPT.

Vejamos.

Nos termos do art. 37.º, n.º 1, alínea j), da portaria n.º 320-A/2011 (que estabelece a estrutura nuclear da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)) compete às Alfândegas “Assegurar a liquidação e cobrança «a posteriori» dos direitos aduaneiros, impostos especiais de consumo e demais imposições que se mostrem devidas na sequência das atividades de natureza fiscalizadora e inspetiva realizadas pelos serviços antifraude aduaneira em relação às empresas e demais contribuintes que tenham a sua sede na área de jurisdição da respetiva alfândega, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 36.º.”.

Por outro lado, nos termos do n.º 3 daquele preceito legal “As alfândegas são dirigidas por diretores de alfândega, que podem ser coadjuvados por um diretor de alfândega-adjunto.”

Ora, não se encontra controvertido nos autos que a competência para a pratica do ato de liquidação em causa nos presentes autos é do Diretor de Alfândega do Funchal. O que a Impugnante alega é que esse ato de liquidação foi praticado por pessoa diversa, nomeadamente, pela Senhora Coordenadora do Núcleo de Procedimentos Aduaneiros, da Alfândega do Funchal.

Porém, face aos factos dados como provados, assim não é.

Efetivamente, o que resulta dos factos dados como provados, e que não foram impugnados, é que o ato de liquidação assenta no relatório da ação fiscalizadora referido no ponto 24 dos factos provados.

Ora, sobre esse relatório final recaiu despacho de concordância do Diretor da Alfândega do Funchal, datado de 01 de agosto de 2013 (cf. ponto 25 da matéria de facto), sendo que a Impugnante foi notificada do relatório final, por ofício n.º AFUN/806, datado de 01 de agosto de 2013 (cf. ponto 26 da matéria de facto).

Na sequência daquele despacho, em 05 de agosto de 2013, foi registada no Livro Auxiliar sob o n.º 9... a importância de € 28.071,70, referentes ao IABA apurado em sede de ação fiscalizadora no valor de € 27.286,44, aos respetivos juros compensatórios, computados em €783,46, e a impresso no montante de € 1,80 (cf. ponto 27 da matéria de facto).

Ou seja, a liquidação do imposto e juros compensatórios foi determinada em sede de ação de natureza fiscalizadora, e obteve o despacho de concordância do Diretor da Alfândega do Funchal.

A intervenção da Coordenadora do Núcleo de Procedimentos Aduaneiros da Alfândega do Funchal não se insere no procedimento de liquidação, mas tão-somente, numa fase posterior, a da notificação da liquidação. Com efeito, aquela apenas assinou o ofício que notifica a Impugnante dessa liquidação (cf. ponto 28 da matéria de facto), sendo que o ato de liquidação se distingue do ato de notificação, com aquele não se confundindo.

Finalmente, refira-se que tendo o ato sido praticado por pessoa com competência para tanto, conforme supra exposto, importa concluir de igual modo, que não se verifica a violação do disposto no art. 8.º da LGT, nem do art. 103.º, n.º 2, da CRP, na medida em que não se vislumbra que esteja em causa, a violação do princípio da legalidade (vertente material), conforme invoca genericamente a Impugnante, porque, ademais, não foi suficientemente concretizada tal inconstitucionalidade.

Invoca ainda a Impugnante a invalidade de todo o procedimento de fiscalização aduaneira, porquanto este não teve por base nenhum despacho do Diretor da Alfândega do Funchal, tendo sido praticado por funcionário legalmente incompetente, devendo ser anulado nos termos do art. 135.º do CPA, e art. 37.º da Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de dezembro. Por outro lado, nem a credencial apresentada no início da inspeção, nem o despacho fazem qualquer menção ao âmbito da extensão da fiscalização (i.e., carácter temporal), conforme se impunha nos termos do art. 14.º, 46.º, n.º 3 e 49.º do RCPIT. Mais atuou a equipa de fiscalização em manifestou abuso de direito ao ter solicitado e obtido elementos, cujas consequências a Impugnante desconhecia. Finalmente invoca-se que de acordo com o disposto no art. 36.º, n.º 2 do RCPIT, o procedimento de inspeção teria de ser concluído no prazo máximo de 6 meses.

Porém, não assiste razão à Impugnante quanto a esses fundamentos, desde logo porque, as normas do RCPIT são essencialmente de natureza regulamentadora, pois tal como resulta do preâmbulo Decreto-Lei n.º 413/98 de 31 de dezembro “(…) a natureza do presente diploma é essencialmente regulamentadora não se pretendendo alterar os actuais poderes e faculdades da inspecção tributária nem os deveres dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários que se mantêm integralmente em vigor.”, e conforme infra exposto, não se verificam preterições de formalidades que se possam qualificar de carácter essencial que colocassem em causa a validade do ato de liquidação.

Senão, vejamos.

Quanto ao invocado de que o procedimento de inspeção aduaneira não teve por base nenhum despacho do Diretor da Alfândega do Funchal, tendo sido praticado por funcionário legalmente incompetente, devendo ser anulado nos termos do art. 135.º do CPA, e art. 37.º da Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de dezembro, não assiste razão à Impugnante, tal como resulta da conjugação dos factos dados como provados nos pontos 13, 14, 15 e 16, e deste modo, nesta parte não existe preterição de formalidade.

Efetivamente, a ação fiscalizadora fundou-se no despacho de 24/09/2012 da Direção da Alfândega do Funchal, reverificadora assessora M..., em substituição do Diretor da Alfândega do Funchal, nos termos do art. 41.º, n.º 2 do CPA (anterior ao novo CPA aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 07/01), tal como se comprova pela aposição nesse despacho da expressão “Pel’o Diretor” seguida da assinatura da reverificadora assessora. Portanto, a substituição é regular considerando o despacho n.º 17/2010 dado como provado no ponto 13 da matéria de facto.

Prosseguindo.

Também não assiste razão à Impugnante quando invoca que a equipa de fiscalização, ao solicitar e obter elementos à Impugnante, atuou com abuso de direito. Na verdade, no relatório da ação de natureza fiscalizadora conclui-se que os inspetores atuaram de acordo com o princípio da verdade material (art. 6.º do RCPIT) e com o princípio da cooperação (art. 9.º do RCPIT), relativamente ao qual também a Impugnante está vinculada (cf. n.º 1 do art. 9.º do RCPIT). Por outro lado, as ações integradas no procedimento de inspeção tributária foram os adequados e proporcionais aos objetivos de inspeção tributária, pelo que respeitam plenamente o princípio da proporcionalidade (art. 7.º do RCPIT), pelo que não se verifica o invocado abuso de direito.

Por outro lado, não havia que recorrer a métodos indiretos. Na verdade, impunha-se antes, tal como se procedeu na ação fiscalizadora, aplicar as disposições previstas no CIEC, nomeadamente, efetuar o varejo e considerar perdas não tributáveis de 1,5% de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 48.º do CIEC, estando devidamente fundamentada de facto e de direito a atuação da ATA.

Invoca ainda a Impugnante que de acordo com o disposto no art. 36.º, n.º 2 do RCPIT, o procedimento de inspeção teria de ser concluído no prazo máximo de 6 meses, o que conduz à ilegalidade da liquidação.

Porém, esta questão tem sido decidida pela jurisprudência no sentido de que a ilegal prorrogação do prazo para a realização da inspeção não acarreta a ilegalidade da liquidação, mas apenas a cessação do efeito suspensivo da própria inspeção, pelo que corre, então, desde o início, o prazo de caducidade da liquidação (artigo 46.º, n.º 1, da LGT) – v. acórdão do STA de 25/02/2015, proc. n.º 0709/14 e jurisprudência aí citada, e acórdão do STA de 27/02/2008, proc. n.º 0955/07.

Também o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 457/2008, de 25/09/2008, proc. n.º 384/08 sancionou o seguinte entendimento: “Não julga inconstitucionais as normas dos artigos 46.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, e 36.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, interpretados no sentido de considerar que o desrespeito pelo prazo de seis meses neles definido para a realização da inspeção tributária apenas releva no âmbito do instituto da caducidade.”

De igual modo, também não conduz à anulação da liquidação o facto da credencial apresentada no início da inspeção, nem o despacho fazem qualquer menção ao âmbito da extensão da fiscalização (i.e. carácter temporal), pois na verdade, decorre do relatório de fiscalização que a extensão da ação de inspeção estava delimitada ao período de 31/08/2011 a 12/11/2012, e que a Impugnante disso tinha conhecimento, porque foram facultados pela empresa toda a documentação limitada a este período. Mais se esclarece no relatório de fiscalização, e que de resto nunca foi colocado em causa pela Impugnante, que esta acordou que, “no mínimo, teria que ser efetuado para um período não inferior a um ano e por forma a apanhar duas vindimas” ou seja, acordou, então, e de boa-fé, que seria pelo período de 2011-08-31 a 2012-11-12, e nessa medida, a não menção desse período na credencial, quando muito, consubstanciaria uma irregularidade, e não uma preterição de formalidade essencial que coloque em causa a validade liquidação.

Invoca ainda a Impugnante a caducidade do direito de liquidação.

Vejamos.

Considerando que está em causa IABA devido no âmbito de operações internas, aplica-se o regime do art. 45.º da LGT, que dispõe no seu n.º 1 que o direito de liquidar este tributo caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, sendo que o prazo, contando-se o prazo a partir da data em que o facto tributário ocorreu, pois estamos perante um imposto de obrigação única (cf. acórdão do STA de 04/10/2017, proc. n.º 0351/16, e de 10/02/2010, proc. n.º 1086/09).

Por outro lado, não sendo “possível determinar com exatidão o momento em que teve lugar a introdução em consumo, em que ocorreu o facto tributário, o prazo de caducidade, atenta a impossibilidade do exercício do direito à liquidação enquanto a Administração dele não toma conhecimento [cf. art. 329.º do Código Civil (CC)], deve contar-se do momento em que a Administração verificou a irregularidade, devendo ter-se esta como sendo a data em que ocorreu o facto tributário, solução que, antes de 1 de Janeiro de 2009, se impunha por paralelismo com o disposto no art. 214.º do Código Aduaneiro Comunitário (Cf. SÉRGIO VASQUES, Impostos Especiais de Consumo, Almedina, 2001, págs. 317/318.) e, depois, mereceu consagração legal, primeiro no n.º 4 do art. 7.º do CIEC – que dispunha: «No caso de não ser possível determinar, com exatidão, o momento em que ocorreu a introdução no consumo, o momento a considerar para efeitos de exigibilidade do imposto é o da constatação dessa introdução pela autoridade aduaneira» –, norma que foi aditada pelo art. 88.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2009) e, hoje, no n.º 3 do art. 9.º do atual CIEC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho” - cf. acórdão do STA de 04/10/2017, proc. n.º 0351/16, e de 10/02/2010, proc. n.º 1086/09.

Por outro lado, o prazo de caducidade do direito à liquidação de 4 anos supra referido, suspende-se com a notificação ao contribuinte de início de ação inspetiva externa, mas esse efeito suspensivo cessa, e o prazo conta-se do seu início, caso a inspeção ultrapasse seis meses contados a partir daquela notificação (art. 46.º, n.º 1, da LGT).

Aplicando o direito supra exposto ao caso dos autos, temos então que não sendo possível determinar, com exatidão, o momento em que ocorreu a introdução no consumo, o momento a considerar para efeitos de exigibilidade do imposto é o da constatação dessa introdução pela autoridade aduaneira (cf. n.º 3, do art. 9.º do CIEC), que nos termos do exarado no acórdão do STA de acórdão do STA de 04/10/2017, proc. n.º 0351/16, é o termo do prazo para a conclusão do procedimento de inspeção, sendo que os prazos para a ação de fiscalização impõem a conclusão do relatório de inspeção no prazo de seis meses, com a possibilidade de duas prorrogações de três meses cada (cf. art. 36.º, n.ºs 2 e 3, do RCPIT), prorrogação que in casu não foi utilizada.

Neste particular, importa referir que não procede a argumentação vertida na p.i. pela Impugnante, na medida em que resulta efetivamente do relatório final que se considerou que aquelas perdas consubstanciam uma introdução ao consumo, fazendo-se alusão expressa ao art. 8.º, n.º 1, do CIEC.
Assim sendo, ao contrário do que defende a Impugnante, o início do prazo de caducidade não se conta a partir “do dia 31 de dezembro de cada um dos últimos nove anos”, mas nos termos da jurisprudência supra citada.

Por outro lado, não se impunha “(..) em prol do instituto garantístico da caducidade e até mesmo da prescrição, averiguar anualmente a quantidade de perdas por evaporação ocorridas no entreposto da Impugnante ou, caso não fosse possível tal determinação, recorrer a aplicação de métodos indiretos, nos termos previstos nos artigos 87.º e 88.º da LGT”, como alega a Impugnante na p.i. porque, como já referimos, importava, tal como se procedeu na ação fiscalizadora, aplicar as disposições previstas no CIEC a este respeito, nomeadamente, efetuar o varejo, e considerar perdas não tributáveis de 1,5% de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 48.º do CIEC, estando devidamente fundamentada de facto e de direito a atuação da ATA, como supra referido.

Finalmente, não se verifica a violação do art. 103.º, n.º 2 e 3 da Constituição, nem do princípio da igualdade e da justiça.

Vejamos.

Dispõe o n.º 2 e 3 do art. 103.º da Constituição: “(…)
2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.”

O n.º 2 do art.º 103.º da CRP consagra o princípio da legalidade fiscal na vertente material, submetendo os impostos e os seus elementos essenciais à reserva de lei parlamentar. O n.º 3 daquele preceito legal consagra “um direito de resistência à tributação que viole a Constituição ou a lei, exprimindo uma conceção garantística da legalidade fiscal” (cf. Ana Paula Dourado, in Direito Fiscal – Lições, 2016, Almedina, p. 114).

Relativamente à reserva de lei prevista no n.º 2, do art. 103.º da CRP relativamente às garantias dos contribuintes, está em causa nos autos uma garantia procedimental, nomeadamente, o direito do contribuinte à caducidade da liquidação, regime que se encontra regulado no art. 45.º da LGT.

Na verdade, o conteúdo das garantias dos contribuintes não se encontra expressamente estabelecido na Constituição, e, portanto, esta “não exclui as normas que ampliem essas garantias ou as que se limitem a declarar limites imanentes às mesmas” (cf. Ana Paula Dourado, in Direito Fiscal – Lições, 2016, Almedina, p. 148-149).

In casu, não se verifica uma indeterminação legal que coloque em causa o princípio da legalidade na sua vertente material, sendo possível ao contribuinte entender e prever a atuação da ATA quanto ao conteúdo da garantia em causa, e nessa medida, não se verifica a violação do princípio da igualdade tributária com a adoção de soluções individuais face à indeterminação legal.

Efetivamente, nessas situações, como é a dos autos, em que não sendo possível determinar, com exatidão, o momento em que ocorreu a introdução no consumo (facto tributário) para efeitos da determinação do dies a quo do prazo de caducidade do direito de liquidação da ATA, entende-se, em conjugação do art. 45.º, n.º da LGT com o disposto no art. 329.º do Código Civil, que aquele corresponde ao momento a partir do qual a autoridade aduaneira tem possibilidade de constar que a introdução no consumo ocorreu, pois apenas a partir desse momento é que lhe possível o exercício do direito à liquidação.

Efetivamente, o imposto apenas é exigível a partir do momento em que se constatam as perdas que devam ser tributadas (art. 8.º, n.º 1, do CIEC). Por outro lado, não sendo possível determinar, com exatidão, o momento em que ocorreu a introdução no consumo, o momento a considerar para efeitos de exigibilidade do imposto é o da constatação dessa introdução pela autoridade aduaneira (cf. n.º 3, do art. 9.º do CIEC).

Portanto, o mesmo regime jurídico é aplicado a todos os contribuintes, com base na conjugação daqueles normativos, quando se verifiquem os factos integradores da hipótese legal, sendo que esse regime jurídico aplicável quando o tributo em causa seja o IABA, é previsível e entendível no plano dos princípios da justiça fiscal.

Repare-se que a Impugnante refere que as perdas dizem respeito a 9 anos, mas a verdade é que nem a própria conseguiu demonstrar e quantificar, relativamente aos montantes apurados na inspeção, qual a perda exata relativamente a cada um desses anos. Ora, atenta a impossibilidade do exercício do direito à liquidação enquanto a Administração não poder tomar conhecimento que ocorreu a introdução no consumo [cf. art. 329.º do Código Civil (CC)], não se verifica a violação da Constituição e dos seus princípios.

Assim sendo, in casu, entendemos que não viola o princípio da legalidade na sua dimensão material, consagrado no art. 103.º, n.º 2 da Constituição, nem o princípio da precedência da lei consagrado no n.º 3 daquele preceito constitucional, a interpretação segundo a qual o prazo de caducidade de 4 anos previsto no n.º 1 do art. 45.º da LGT, se inicia a partir do momento em que autoridade aduaneira tem possibilidade de constar que ocorreu a introdução no consumo, na situação, como a dos autos, em que não é possível determinar, com exatidão, o momento em que ocorreu a introdução no consumo.

Portanto, no caso dos autos o início do prazo de caducidade direito de liquidação ocorre em 12/05/2013, ou seja, 6 meses após o início da ação de fiscalização em 12 de novembro de 2012 (cf. pontos 14, 15, 16 da matéria de facto.

Ora, considerando que o início do prazo de caducidade é em 12/05/2013, e que a data em que a Impugnante foi notificada da liquidação é o dia 16/08/2013, independentemente da verificação ou não, de qualquer efeito suspensivo, é manifesto que, aquando a liquidação, o prazo de caducidade de 4 anos não se havia completado.

Pelo exposto, não se verifica a caducidade do direito de liquidação.

Finalmente invoca a Impugnante a ilegalidade da taxa de imposto aplicada de 65,41€/HL, porque entende que deveria ter sido aplicado o disposto no art. 78.º, n.º 3, do CIEC, e, portanto, essa taxa deveria ser de 50% desse valor, ou seja, 32,70€/HL, posto que a Impugnante comercializa “vinho da madeira".

Apreciando.

Dispunha, o art. 74.º do CIEC, sob a epígrafe “produtos intermédios”, na redação vigente à data dos factos, o seguinte:

“1 - A unidade tributável dos produtos intermédios é constituída pelo número de hectolitros de produto acabado.
2 - A taxa do imposto aplicável aos produtos intermédios é de (euro) 65,41/hl.

Por outro lado, o art. 78.º, n.º 3 do CIEC tinha a seguinte redação:

“3- As taxas do imposto relativas a vinho licoroso obtido das variedades de uvas puramente regionais, especificadas no artigo 15.º do Regulamento (CEE) n.º 4252/88, do Conselho, de 21 de dezembro, desde que produzidos e declarados para consumo na Região Autónoma da Madeira, são fixadas em 50 % da taxa em vigor no território do continente.”

Portanto, daquelas disposições legais resulta que para a aplicação da redução para 50% da taxa em vigor, é necessário que se verifiquem os seguintes requisitos cumulativos:

i) Que o vinho licoroso seja obtido das variedades de uvas puramente regionais, especificadas no artigo 15.º do Regulamento (CEE) n.º 4252/88, do Conselho, de 21 de dezembro;
ii) Seja produzido para consumo na Região Autónoma da Madeira;
iii) Seja declarado para consumo na Região Autónoma da Madeira.

Ora, não resulta dos autos a verificação do requisito enunciado em iii), nomeadamente, que o vinho licoroso tenha sido declarado para consumo na Região Autónoma da Madeira, porque o vinho ora em causa resulta de correções efetuadas no âmbito de uma ação de fiscalização, em resultado de um varejo.

Na verdade, os serviços aduaneiros concluíram pela desconformidade entre os dados existentes e o saldo verificado em varejo, sendo que o saldo obtido em conta corrente é superior ao saldo do varejo, em 62.047,99 litros, mais se concluiu que a Impugnante não dispõe de uma verdadeira conta corrente conforme o disposto na alínea b) e c) do n.º 3 do art. 22.º do CIEC. É neste contexto de correção que resultaram do varejo efetuado na ação de fiscalização que se aplicou a taxa de 65,41€/HL, prevista no art. 74.º do CIEC, às diferenças de vinho que foram apuradas.

Efetivamente, importa sublinhar que não está em causa vinho “declarado para consumo na Região Autónoma da Madeira”, mas antes, diferenças de litros de vinho foram apuradas em varejo (que implica, para além do mais, contagem física dos stocks) relativamente aos que se encontravam evidenciados na conta corrente da Impugnante, ou seja, vinho não declarado, sem que se apurasse o destino dessa diferença.

Assim sendo, no caso dos autos não se aplica o art. 78.º, n.º 3 do CIEC que estabelece uma taxa reduzida de tributação, pois o benefício fiscal criado pelo legislador apenas abrange o vinho declarado para consumo na Região Autónoma da Madeira. As diferenças apuradas num varejo, sem que se determine o destino exato desse vinho, constitui vinho não declarado, e, portanto, excluídos do benefício fiscal previsto no preceito legal.

Pelo exposto, não se verifica o vício invocado.

Em suma, não se verificam quaisquer dos vícios invocados pela Impugnante, e nessa medida, deve a impugnação judicial ser julgada improcedente.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a recorrida, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)


I. A contabilidade ou escrita do depositário autorizado não se encontra organizada de acordo com a legislação fiscal, quando não é cumprida a obrigação prevista no art. 22.º, n.º 3, alínea b) do CIEC, e assim sendo, o contribuinte não beneficia da presunção prevista no art. 75.º, n.º 1, da LGT, cabendo-lhe o ónus da prova da quantificação das alegadas perdas de vinho por evaporação, sendo que as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre essa matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos da anulação do ato impugnado com fundamento no n.º 1 do art. 100.º do CPPT;
II. Não se verifica o vício de incompetência do autor do ato quando a liquidação de IABA e juros compensatórios foi determinada em sede de ação de natureza fiscalizadora, e obteve o despacho de concordância do Diretor da Alfândega do Funchal, e a intervenção da Coordenadora do Núcleo de Procedimentos Aduaneiros da Alfândega do Funchal não se insere no procedimento de liquidação, mas tão-somente, numa fase posterior, a da notificação da liquidação;
III. A equipa de fiscalização não atua com abuso de direito ao solicitar e obter elementos à Impugnante na ação de natureza fiscalizadora quando os inspetores atuaram de acordo com o princípio da verdade material (art. 6.º do RCPIT), com o princípio da cooperação (art. 9.º do RCPIT), relativamente ao qual também a Impugnante está vinculada (cf. n.º 1 do art. 9.º do RCPIT), e quando as ações integradas no procedimento sejam as adequadas e proporcionais aos seus objetivos, respeitando-se o princípio da proporcionalidade (art. 7.º do RCPIT);
IV. Ainda que se verifique a ilegal prorrogação do prazo para a realização da inspeção, tal violação não acarreta a ilegalidade da liquidação, mas apenas a cessação do efeito suspensivo da própria inspeção, pelo que corre, então, desde o início, o prazo de caducidade da liquidação (artigo 46.º, n.º 1, da LGT);
V. Estando em causa IABA devido no âmbito de operações internas, aplica-se o regime do art. 45.º da LGT, que dispõe no seu n.º 1 que o direito de liquidar este tributo caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, sendo que o prazo, contando-se o prazo a partir da data em que o facto tributário ocorreu, pois estamos perante um imposto de obrigação única;
VI. Não sendo possível determinar com exatidão o momento em que teve lugar a introdução em consumo, em que ocorreu o facto tributário, o prazo de caducidade, atenta a impossibilidade do exercício do direito à liquidação enquanto a ATA dele não toma conhecimento [cf. art. 329.º do Código Civil (CC)], deve contar-se do momento em que esta verificou a irregularidade, devendo ter-se esta como sendo a data em que ocorreu o facto tributário;
VII. Não viola o princípio da legalidade na sua dimensão material, consagrado no art. 103.º, n.º 2 da Constituição, nem o princípio da precedência da lei consagrado no n.º 3 daquele preceito constitucional, a interpretação segundo a qual o prazo de caducidade de 4 anos previsto no n.º 1 do art. 45.º da LGT, se inicia a partir do momento em que autoridade aduaneira tem possibilidade de constar que ocorreu a introdução no consumo, na situação, como a dos autos, em que não é possível determinar, com exatidão, o momento em que ocorreu a introdução no consumo;
VIII. Não se aplica o art. 78.º, n.º 3 do CIEC que estabelece uma taxa reduzida de tributação nas situações, como a dos autos, em que há apurado de diferenças no âmbito de um varejo, uma vez que estamos perante vinho não declarado, e, portanto, excluídos do benefício fiscal previsto no preceito legal, que pressupõe que o vinho tenha sido declarado para consumo na Região Autónoma da Madeira.

I. DECISÃO


Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, e em substituição julgar improcedente a impugnação judicial.


****


Custas pela recorrida em ambas as instâncias.

Conforme requerido nos autos informe da prolação do presente acórdão a Procuradoria da República da Comarca da Madeira (DIAP), 1.ª secção do Funchal, proc. n.º 2823/13.1TAFUN.

D.n.

Lisboa, 28 de janeiro de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora


A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.