Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00969/03
Secção:Contencioso Tributário (1.º Juízo Liquidatário do TCA- Sul)
Data do Acordão:03/09/2004
Relator:Eugénio Martinho Sequeira
Descritores:FUNDAMENTAÇÃO (FORMAL)
JUROS COMPENSATÓRIOS
IRS
Sumário:1. A fundamentação (formal) do acto de liquidação consiste em a AF exteriorizar os motivos porque procedeu àquela liquidação e não a qualquer uma outra, de uma forma clara, congruente e racional de molde a constituir a base que suporta a decisão;
2. Na fundamentação de direito basta-se a lei que seja apontada a doutrina legal ou os princípios jurídicos em que aquela se baseou, sem necessidade da invocação da concreta norma jurídica donde resulte tal efeito;
3. A prova da veracidade dos elementos de facto que suportam a liquidação do imposto já não se situa no âmbito da fundamentação formal, mas sim no âmbito da validade substancial do acto;
4. O acto de liquidação dos juros compensatórios também se encontra sujeita a um mínimo de fundamentação formal, como seja a indicação do período a que respeitam, a taxa de juros aplicável e o montante sobre que incidem.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.a Secção) do Tribunal Central Administrativo:

A. O relatório.

1. O Exmo. Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformado com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto - 3.° Juízo, 2.1 Secção - que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Luís Manuel ... e esposa Maria José ..., veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:

1 - A sentença ora recorrida, deu como provados todos os factos que levaram a Administração Fiscal, a elaborar a liquidação de I.RS. n.º 4320006497, relativa ao ano de 1994, de forma legal e congruente;

2 - Havendo a douta sentença recorrida, reconhecido expressamente a fundamentação dos actos tributários impugnados, quando dá como provado o facto do impugnante haver sido notificado nos termos do artigo 66° do Código de Imposto Sobre o Rendimento, impunha-se a conclusão pelo improcedimento do pedido, no seguimento da doutrina pacificamente instituída.;

3 - Pela douta sentença recorrida foram violadas as seguintes normas legais: art.° 65°, 66°, 89° n.º 2, e 119° do C.I.RS.; 134° do C.P.T.; art.° 341° do Código Civil; art.° 514 ° do Código de Processo Civil; art. ° 268 ° n.ºs 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.

Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.

Também os recorridos vieram a apresentar as suas alegações e respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:

1 - A Douta Sentença recorrida, ao concluir pela verificação de vício de fundamentação legal da liquidação adicional de IRS impugnada, não dá por inexistentes os factos considerados como provados, pois aquela Douta Decisão não chegou a pronunciar-se sobre a matéria de fundo, nem deu como provado que os Recorridos tenham auferido rendimentos não declarados, limitando-se a apreciar e concluir pela inexistência da fundamentação necessária, em conformidade com o disposto nos artigos 288° e 660° do CPC.

2 - A Douta Sentença recorrida, ao dar como provada a notificação efectuada aos Recorridos ao abrigo do artigo 66° do CIRS (cfr. actual artigo 65°), não estava obrigada a decidir pela improcedência do pedido, pois tal notificação não implica, de per si, o cumprimento do dever de fundamentação legal do acto tributário.

3 - Como resulta da Douta Sentença recorrida, a Administração Fiscal não apresentou qualquer prova dos factos que legitimam a liquidação adicional de imposto aqui em causa, como lhe é imposto pelo artigo 342° do CC, uma vez que a tais factos não é aplicável o disposto no artigo 514° do CPC (cfr. ainda Acórdão do STA de 25/11/1998, Rec. 22761), ao que acresce a irrelevância das informações oficiais juntas aos autos, uma vez que não estão fundamentadas (cfr. artigo 134° n.º 2 do CPT e actual 76° da LGT).

4 - Face à inexistência de prova por parte da Administração Fiscal, os Recorridos não estavam obrigados à apresentação de qualquer contraprova, como resulta do artigo 342° n° 2 do CC.

5 - Os Recorridos, ao invocar a ausência de fundamentação suficiente, não dão como provados os factos inerentes à liquidação adicional até porque estes são desconhecidos dos mesmos, em prejuízo do seu direito de defesa, consagrado nos artigos 268° n.º 4 da CRP, 19° CRP e actuais 9° e 95° da LGT.

6 - A fundamentação do acto tributário é manifestamente insuficiente e obscura, pois para além de não indicar os factos que levaram à conclusão de existência de rendimentos não declarados, dando a conhecer o iter volitivo seguido, também não refere os normativos legais aplicáveis, em violação do disposto nos artigos 268° n.º 3 da CRP, 2° n.º 7 e 124° e ss. do CPA, 19° alínea b), 21° e 82° do CPT (cfr. art. 7° da LGT e 36° do CPPT) e 67° do CIRS (cfr. actual art. 6°), o que desde logo torna o acto ilegal e consequentemente anulável ao abrigo do disposto no artigo 99° alínea c) do PPT (cfr. Ac. do STA de 16/11/83, in Ap., pág. 613; de 9/05/2001, Rec. 25832; de 30/04/2003, Rec. 01640/02; de 9/02/2000; de 15/04/98, Rec. 22185; Ac. do Pleno de 24/02/87, em AD 310/1308; Ac. do Pleno de 21/03/91, Rec. 24.555).

7 - Sendo certo que, mesmo nos casos de fundamentação por remissão para o Relatório de Inspecção, apenas se considera o acto tributário fundamentado se de tal Relatório se puder conhecer o iter cognoscitivo seguido pela Administração Fiscal, o que não sucede "in casu" (cfr. Ac. do STA de 05/06/2002, Rec. 26814; de 20/02/2002, Rec. 022750).

8 - Considerando que a fundamentação é um requisito intrínseco quanto a dois elementos essenciais do acto tributário, mais precisamente a sua motivação e forma de apuramento, a consequência da falta daquela só poderá ser a anulabilidade do acto tributário, como foi decidido na Douta Sentença recorrida.

9 - Sendo certo ainda que o facto dos Recorridos não terem utilizado a faculdade que lhes é concedida pelos artigos 20°, 22° e 72° do CPT (cfr. actual artigo 37° do CPPT), não é susceptível de sanar tal vicio, pois para além de tais normativos, numa interpretação compatível com a Constituição, deverem ser entendidos como uma mera faculdade que é concedida ao contribuinte, existe ainda o dever legal da Administração Fiscal fundamentar todas as suas decisões e notificar tal fundamentação de forma contextual ao acto tributário.

10 - Ao que acresce o facto do artigo 22° do CPT (cfr. actual artigo 37° do CPPT) apenas ser aplicável aos casos em que não tenha sido notificado ao contribuinte a fundamentação do acto tributário, o que não sucedeu no caso em apreço, em que a questão em apreço consiste antes na insuficiência e obscuridade da fundamentação notificada (cfr. Ac. do TCA de 08/04/2003, Rec. 7101/02).

11 - Assim sendo, importa concluir, tal como ficou decidido na Douta Sentença recorrida, que a liquidação adicional de IRS impugnada padece do vício de insuficiência da fundamentação legal, o que a toma anulável, nos termos da alínea c) do artigo 99° do CPPT, devendo consequentemente ser negado provimento ao presente Recurso e confirmada aquela Douta Decisão.

Nestes termos, nos melhores de Direito e com o Douto suprimento de V. Exas deverá ser negado provimento ao presente Recurso, mantendo-se a Douta decisão recorrida que concedeu provimento à Impugnação Judicial apresentada, assim se fazendo Justiça.

O Exmo. Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, por encontrar se fundamentado o acto de liquidação consubstanciado no facto invocado de imputação de vencimentos aos recorridos que não declararam, não se encontrando em causa o seu quantitativo, mas a sua existência, sendo tal fundamentação suficiente.

Foram colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos.

B. A fundamentação.

2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se o acto de liquidação do imposto se encontra devidamente fundamentado (formalmente); E respondendo-se afirmativamente, revogando-se a sentença recorrida que em contrário decidiu, conhecendo este tribunal em substituição, se o acto de liquidação dos juros compensatórios, em si, também se encontra fundamentado.

3. A matéria de facto.

Em sede de probatório, o M. Juiz do Tribunal "a quo" fixou a seguinte factualidade e que passamos a subordinar às seguintes alíneas:

a) Os impugnantes são tributados em imposto sobre o rendimento das pessoas singulares no 2° Serviço de Finanças de Gondomar;

b) Na sequência de operação de fiscalização levada a efeito à entidade patronal do impugnante, a empresa Infor..., Lda, os serviços da Administração Tributária constataram que o impugnante auferiu em 1992, 1993 e 1994 rendimentos de trabalho dependente - categoria A, que não declarou nos modelo 1 de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares de 1992, e 1994, e nos modelo 2 de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares de 1993, no valor de 750.000$00, 1.033.250$00 e 1.099.640$00, respectivamente;

c) A Administração Tributária notificou o impugnante, em Setembro de 1997, nos termos do art.° 66° do Código de imposto o rendimento das pessoas singulares, por carta registada com de recepção;

d) Com base nos referidos elementos foi elaborada a DC1 dos anos de 1992 e 1994 e DC2 de 1993, com as referidas correcções;

e) As referidas correcções deram origem à liquidação adicional n° 4320006497, no montante total de 506.513$00, cuja data limite de pagamento ocorreu em 18 de Março de 1998;

f) Com o mesmo fundamento da impugnação foi apresentada elo impugnante reclamação graciosa em 9 de Junho de 1998 que não foi decidida;

g) No dia 4 de Dezembro de 1998, os impugnantes eduziram a presente impugnação do acto de liquidação;

Não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa.

4. Para julgar procedente a impugnação judicial considerou o M. Juiz do Tribunal "a quo" que as liquidações impugnadas não se encontravam devidamente fundamentadas, sob o ponto de vista formal, porque a AT não juntou um documento, uma testemunha, uma qualquer prova em que se apoia a referida conclusão, não tendo conhecido da outra questão articulada (falta de fundamentação dos juros compensatórios).

Ao invés, o recorrente, de acordo com as conclusões das suas alegações de recurso e que delimitam o seu objecto, continua a pugnar pela fundamentação da liquidação em causa, de que o impugnante foi notificado nos termos do disposto no art.° 66.1 do CIRS.

Vejamos então.

Tal matéria consta dos art.ºs 8.º a 37.º da sua petição inicial de impugnação judicial onde o recorrido se insurgia contra a falta de fundamentação (formal) do acto de liquidação impugnado, não lhe sendo perceptível porque se encontram sujeitas a IRS as verbas em causa, desta forma se lhe coartando o seu direito de defesa.

É sabido que a administração tem o dever de fundamentar os actos administrativos em geral, de modo claro, suficiente e congruente - cfr. os artigos 268.º n.03 da Constituição, 1.º do Dec.Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, 124.0 e 125.0 do Código de Procedimento Administrativo - bem como os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes, especialmente daqueles que não pertençam ao tipo de actos "em série" ou "em massa", como no caso acontece, por força daquelas normas e das dos art.ºs 19.º alínea b), 21.º e 82.º do CPT e hoje também por força do art.° 77.º da LGT, já vigente à data da liquidação.

Esta obrigação não tem por objectivo único a "protecção por essa via dos direitos e interesses dos administrados mas inclui, em primeira linha, a garantia de um procedimento decisório correcto" - José Carlos Vieira de Andrade, O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, pág. 43. Não se visa, pois, e apenas, que o particular fique ciente das razões por que a Administração decidiu de uma e não de outra maneira; quer-se, também, impor à Administração, por, esta via, uma necessária reflexão e ponderação explícitas das razoes e argumentos em confronto, que a fundamentação do acto deve patentear, assim tornando transparente a actividade administrativa.

Daí que não baste dizer, em demonstração do cumprimento do dever de fundamentar, que o administrado reagiu contra o acto administrativo, revelando, com essa reacção, ter atingido o alcance e razões do acto. Por um lado, não é seguro que o administrado não tenha apenas "adivinhado" os fundamentos ocultos do acto administrativo, que dele mesmo, acto, devem transparecer. Por outro lado, o legislador quis que a administração não decidisse imponderadamente, obrigando-a a plasmar na fundamentação as razões da sua opção, de tal modo que a própria administração se aperceba, ao fundamentar, do bem ou mal fundado da sua escolha, a tempo de emendar a mão, se disso for caso, e que o acto se apresente transparente.

Isto para concluir que não é decisivo o argumento, aliás, frequente, de acordo com o qual só o facto de o acto ter sido contenciosamente recorrido, com a decorrente imputação de vícios, já demonstra que ele estava devidamente fundamentado.

A fundamentação consiste em deduzir a resolução tomada das premissas em que assenta, ou em exprimir os motivos por que se resolve de certa maneira e não de outra, in Marcello Caetano, "Manual de Direito Administrativo", Vol. I, pág. 477.

Numa fórmula abrangente será de considerar como fundamentação a exteriorização das razões de facto e de direito, que servem de suporte a uma decisão, esclarecedoras os necessários e legais pressupostos e da motivação do gente.

Assim "o dever de fundamentação expressa apresenta-se como «um instituto» tendo como centro de referência uma declaração que reúne todas e quaisquer razões que o autor assuma como determinantes da decisão, sejam as que exprimam uma intenção de agir, demonstrando a ocorrência concreta dos pressupostos legais, sejam as que visam explicar o conteúdo escolhido a partir dessa adesão ao fim, manifestando a composição de interesses considerados para adoptar a medida adequada à satisfação do interesse público no caso", obra fitada pág. 22.

Concretizando aquela noção de fundamentação diremos que adeclaração em que se consubstancia há-de ser necessariamente justificante do acto que suporta, pela enunciação dos pressupostos possíveis e dos motivos coerentes e credíveis aptos à pertinência material do acto; isto é, as razões de facto e de direito invocadas hão-de traduzir-se num discurso que justifique, como possível e credível, o acto.

Nesta medida tal discurso há-de ser claro, congruente ou racional e suficiente por..."conter os elementos bastantes, capazes ou aptos a basear a decisão", ou por outras palavras, "os actos administrativos devem apresentar-se formalmente como disposições conclusivas lógicas de premissas correctamente desenvolvidas e permitir através da exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, façam a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decadente".

Esta, pois, a noção de fundamentação formal, imposta pelo nosso ordenamento jurídico, distinta da fundamentação substancial caracterizada pela exigência da existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo e que se situa já no âmbito da validade substancial do acto (cfr. obra citada 231) (1).

A este respeito e finalmente cabe, apenas, referir a possibilidade da fundamentação por remissão, situação em que "quaisquer invocações de factos ou de avaliações só pertencem à fundamentação se forem assumidos pelo decisor ou se este para elas remeter, por força da lei, esses fundamentos são, como as respectivas documentações, «integrados» no acto" (cfr. obra citada, 228).

No caso, a liquidação adicional em causa teve lugar, porque em sede de fiscalização levada a cabo na INFOR…, Lda., entidade patronal do impugnante, foi constatado que nos exercícios de 1992, 1993 e 1994, este havia auferido nestes anos, rendimentos do trabalho dependente - categoria A, que não declarou nos modelos 1 de IRS de 1992 e 1994 e modelo 2 de 1993, entregues, desses mesmos anos, no valor de 750.000$, 1.033.250$ e 1.099.640$, respectivamente.

E provindo tais verbas da sua entidade patronal, nos termos do disposto no art.° 82.° n.º3 do RJCIT, sempre tem de se presumir que constituem retribuição do impugnante, até prova em contrário.

Por outro lado, tendo tais elementos sido constatados na escrita de tal empresa, entidade patronal do impugnante, tais dados e lançamentos presumem-se verdadeiros, nos termos do disposto no art.° 78.° do CPT então vigente e hoje do art.° 75.° da LGT, tendo em sua conformidade sido preenchido pela AT o modelo de alteração do rendimento colectável declarado, cujas cópias constam dos autos a fls. 24 e segs. juntos pelos próprios impugnantes, para além de igualmente constarem do processo administrativo apenso. Salvo o devido respeito por posição contrária, em sede de fundamentação formal em que nos encontramos, cremos que para a AT não era necessária qualquer outra prova das quantias em causa, sua proveniência e qualificação, como se entendeu na sentença recorrida, por nesta sede não se tratar de avaliar ou não da sua veracidade, o que apenas em sede de validade substancial do acto, importará, como se disse.

Como constitui jurisprudência constante (2), sempre se sustentou variar o grau de exigência da manifestação de fundamentação em função do tipo legal de acto, forçoso é aceitar que os elementos deste derivados sirvam para integrar os que resultem manifestados no acto e que com eles se conexionem.

Assim é de entender que o transcrito quanto ao acto em causa esclarece suficientemente da qualificação dos factos empreendida pela entidade liquidadora, de modo a não deixar incertezas ou dúvidas razoáveis a um intérprete normal, que se supõe seja o administrado, que o perturbem na escolha consciente a fazer entre a aceitação da legalidade do acto e o recurso aos meios graciosos ou contenciosos.

Ficou assim certo ao impugnante que as quantias que lhe foram pagas por aquela empresa nos anos de 1992, 1993 e 1994, cujos montantes se discriminam, e que não havia incluído nas suas declarações de rendimentos, eram englobadas no rendimento colectável como rendimentos do trabalho na categoria A do IRS, tendo por expressão a quantia de IRS ora liquidada adicionalmente, o que é suposto que qualquer cidadão trabalhador por conta de outrem, não pode ignorar que tais rendimentos estão sujeitos a IRS e pela categoria A do respectivo Código.

Em suma, não se poderá dizer que o administrado não tenha ficado cônscio dos termos do litígio que poderia travar com a AT, ficando em condições de aceitar a posição desta, ou antes, de reagir, como o fez, apontando-lhe erros de qualificação e de quantificação ao rendimento colectável fixado, que serviu de base à liquidação oficiosa impugnada.

O facto de não se indicar a precisa norma donde resulta tal efeito, não significa a falta de fundamentação em termos de direito, como pretendem os recorridos.

O que importa saber é se AF esclareceu em concreto o contribuinte, dos motivos da sua decisão, em termos claros e congruentes (3). E pela explanação supra, a resposta a dar a esta questão, só pode ser positiva.

Como escrevia o Prof. José Alberto dos é Alberto dos Reis (4) a propósito da falta de fundamentação da sentença, entendendo que . . . só a absoluta falta de motivação constituía nulidade da mesma, sendo que quanto aos fundamentos de direito, não é forçoso que o juíz cite os textos de lei que abonam o seu julgado; basta que aponte a doutrina legal ou os princípios jurídicos em que se baseou.

Desde que a sentença invoque algum fundamento de direito, está afastada a nulidade ...no tocante à justificação jurídica da decisão.

No caso e quanto ao acto de liquidação, a não indicação da norma do artigo, mas apenas a sua doutrina, não integra pois o vício de falta de fundamentação, não sendo de exigir maior rigor a este do que o exigido a uma sentença judicial.

É assim de conceder provimento ao recurso e de revogar a sentença recorrida que em sentido contrário decidiu.

4.1. Revogada a sentença recorrida, não tendo o M. Juiz do Tribunal "a quo" conhecido do outro fundamento da impugnação por haver ficado prejudicado, importa agora a este Tribunal, em sua substituição, do mesmo conhecer, nos termos do disposto no art.° 715.° n.º2 do CPC, se para tanto os autos se mostrarem instruídos com os necessários elementos de prova.

A outra questão que os impugnantes haviam articulado na sua petição inicial de impugnação judicial reporta-se à falta de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios em si, que nenhuma contém, onde lhe são imputados vícios autónomos consubstanciados na falta dos elementos essenciais que enformem essa liquidação, como seja a taxa de juro aplicada, a forma de cálculo, número de dias, etc.

Como tem sido entendido, designadamente na jurisprudência deste Tribunal, também a liquidação dos juros compensatórios, não obstante estarmos perante actos produzidos em grande quantidade, a chamada produção de actos em massa, mesmo nestes casos, haverá um mínimo de fundamentação que é exigível, tendo em vista permitir ao contribuinte aquilatar da respectiva legalidade e com ela se conformar ou impugná-la (5).

No caso, quer no documento de cobrança de IRS, cuja cópia consta a fls. 19 dos autos, quer na fundamentação das correcções efectuadas, cujas cópias constam a fls. 24 e segs dos autos, nenhuma fundamentação se encontra para tal liquidação de juros compensatórios, tendo pura e simplesmente se omitido qualquer fundamentação a tal respeito.

Não se dá assim a conhecer ao contribuinte qual o período em que incidiram os juros, sobre que montante e nem qual a taxa aplicada, não permitindo o contribuinte conhecer as razões dessa liquidação de molde a com ela conformar-se ou impugná-la.

Tendo em conta os requisitos que as normas dos art.ºs 83.° do CIRS e 83.° do CPT prevêm para poder haver lugar à liquidação de juros compensatórios, a sua liquidação passa sempre por no caso se verificarem ou não tais requisitos vinculados, o que a AF tem de indagar e externar, de molde a permitir ao contribuinte atingir aquele desiderato visado pela fundamentação, obrigatória, ainda que possa ser sucinta, nos termos do disposto no art.° 82.° do CPT. Não o tendo feito no caso, nada tendo aduzido para tal fundamentação, há falta de fundamentação dessa liquidação de juros, sendo a mesma de anular, procedendo a impugnação nesta parte.

É assim de conceder provimento ao recurso e de revogar a sentença recorrida, e conhecendo em substituição, de julgar procedente a impugnação quanto aos juros compensatórios liquidados.

C. DECISÃO.

Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida mantendo-se a liquidação do imposto, e, conhecendo em substituição, julgar procedente a impugnação no tocante aos juros compensatórios, cuja liquidação se anula.

Custas pelos recorridos em ambas as Instâncias, sendo na 1.ª Instância em função do decaimento, e neste Tribunal fixa-se a taxa de justiça em cinco UCs.

Lisboa, 9.3.2004

ass) Eugénio Martinho Sequeira

ass) Francisco António Pedrosa de Areal Rothes

ass) Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa

(1) Cfr. em sentido semelhante o acórdão do STA de 25.9.1996, recurso n.º 20 396.
(2) Cfr., neste sentido, os acórdãos do STA (Pleno) de 27.10.1982 e de 24.2.1987, publicados nos AD n.ºs 256/528 e 310/1308, respectivamente.
(3) Cfr. neste sentido o acórdão deste Tribunal de 10.11.98, recurso n.º 64 000.
(4) In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V (Reimpressão), págs. 140 e 141, fundamentação que no acto administrativo não será de observar em maior rigor do que na sentença.
(5) Cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão deste Tribunal de 8.4.2003, recurso n.º 7101/02.