Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1009/12.7 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/19/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC.
ENTIDADE NÃO RESIDENTE.
CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO.
Sumário:Os pagamentos efectuados a entidade não residente por sociedade desportiva, como contrapartida pela cedência dos direitos desportivos, relativos a praticante contratado pela segunda, estão sujeitos à retenção na fonte, por conta do IRC.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
I- Relatório
Sport ……………- …., SAD, deduziu impugnação judicial contra a decisão de indeferimento que recaiu sobre o recurso hierárquico interposto do despacho que desatendeu a reclamação graciosa que apresentara contra o acto de liquidação com o n.º ………………..009, referente a IRC (retenção na fonte), do exercício de 2006, de que resultou a pagar o valor de €164.823,95, sendo destes €149.515,66 de imposto e €15.308,29 de juros compensatórios.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 252 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 07 de Setembro de 2022, julgou a presente impugnação improcedente.
Desta sentença foi interposto o presente recurso em cujas alegações de fls. 288 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), a recorrente, Sport ……………….., SAD, alegou e formulou as conclusões seguintes: «
1. O presente Recurso tem por objecto o enquadramento fiscal do contrato celebrado entre a Impugnante e a sociedade de direito brasileiro K…………….
2. A Sentença Recorrida aderiu de forma integral ao entendimento sufragado pela AT em sede de inspecção tributária.
3. Conforme se depreende da mera leitura da factualidade elencada supra, alguns dos factos tidos como provados, mas concretamente os pontos C), D), E) e I) corresponde a matéria vertida no Relatório dos serviços de Inspeção Tributária (SIT) e em Despacho que sustenta as conclusões iniciais apresentadas pela Autoridade Tributária.
4. Em bom rigor, a matéria aí vertida corresponde a matéria de direito – insusceptível, portanto, de ser levada a matéria de facto provada, pelo que o alcance de tal factualidade não poderá ser senão o de que foi esse o entendimento da Recorrida na fase graciosa do processo, entendimento esse que se contesta e que constitui o objecto do presente Recurso,
5. Não vinculando, pois, o julgador, in casu, o Colectivo deste Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, no julgamento do presente pleito.
6. Ainda no que respeita à matéria de facto provada, com os fundamentos melhor descritos em sede de Alegações, deve o ponto M) da matéria de facto provada passar a ter a seguinte redacção: “M) Os pagamentos referidos em L) foram registados na contabilidade da Impugnante no activo fixo intangível da Impugnante (imobilizado incorpóreo, à data) através dos documentos n.º 80218 e n.º 30074, do Diário "Ban", como ocorrido em 17/03/2006 e 02/10/2006 -cfr. fls. 169 do PA, não contestado;”
7. Entendeu a Sentença Recorrida que pelo facto de (i) o jogador se encontrar “livre” à data da sua transferência e (ii) a sociedade K.…………… não ser um Clube nem uma SAD, então os pagamentos efectuados pela Impugnante àquela entidade consubstanciavam uma remuneração auferida por conta do jogador pela celebração de contrato de trabalho desportivo com a Impugnante (vulgo, “prémio de assinatura”).
8. Os valores pagos pela Impugnante à K…………………seriam assim sujeitos a tributação em Portugal, ao abrigo da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, enquanto “rendimentos derivados do exercício em território português da actividade de profissionais de espectáculos ou desportistas”.
9. Deste modo, a Sentença Recorrida desconsidera por completo o contrato celebrado entre as partes (elemento probatório que consta dos autos), requalificando a natureza da operação em causa como um pagamento “encoberto” ao jogador, recebido pela K…………….. em nome e por conta do jogador.
10. Em momento algum do procedimento administrativo e do processo de impugnação foi dado como provado ou minimamente sustentado que a K………….. auferiu algum rendimento em nome e por conta do atleta em resultado da sua contratação pela Impugnante, pelo que a Sentença Recorrida incorre em erro de julgamento.
11. Não existe qualquer norma de incidência que determine que na ausência de direitos económicos e/ou desportivos a importância auferida por entidades terceiras de um clube que pretenda celebrar um contrato de trabalho desportivo com o atleta em causa se presume derivada da actividade exercida pelo próprio atleta ou que implicitamente constitui um rendimento tributável na esfera desse mesmo atleta (pese embora este não aufira qualquer rendimento).
12. De tal modo que mais tarde a AT viu-se compelida a consagrar o entendimento supra na Circular n.º 18/2011, cujo conteúdo já foi afastado em diversas decisões arbitrais do CAAD, melhor elencadas em sede de Alegações.
13. É a própria AT a admitir na referida Circular que, no âmbito de operações de cedência de jogador e dos respectivos direitos económico-desportivos, quando nas mesmas intervenham também entidades não desportivas não residentes (e.g. fundos de investimento, empresários ou outras entidades) que se apresentam como detentoras de uma percentagem dos “passes” dos jogadores, os rendimentos por estas obtidos, por falta de elemento de conexão com o território português, não estão sujeitos a tributação em Portugal (ver ponto 5 da referida Circular).
14. O entendimento sufragado pela AT e pela Sentença Recorrida assenta, assim, numa ficção que não possui qualquer assento legal, pelo que a mesma enferma de vício de violação de lei e erro de julgamento ao considerar que os valores pagos pela Impugnante à sociedade K……………… constituem rendimentos derivados do exercício em Portugal da atividade desportiva do jogador L ………………., ao abrigo do contrato celebrado entre o Jogador e a Impugnante, enquadráveis na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC (página 16 da Sentença Recorrida).
15. O Aresto Recorrido entra ainda em contradição ao concluir que os valores pagos pela Impugnante constituem, por um lado, rendimentos da K ………………… obtidos em Portugal, mas, por outro lado, são “derivados do exercício em Portugal da atividade desportiva do jogador L ……………….., ao abrigo do contrato celebrado entre o jogador e a Impugnante”, contrato este que não consta dos autos e constitui um instrumento totalmente distinto do contrato celebrado entre a Impugnante e a sociedade K……………(página 16 da Sentença Recorrida).
16. Ora, o rendimento em causa ou decorre da actividade da sociedade ou é auferido em nome e por conta do atleta, sendo que apenas neste último caso seria aplicável a alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, pelo que neste ponto Sentença Recorrida padece de erro de julgamento e de vício de violação de lei.
17. É igualmente contraditória a Sentença Recorrida ao concluir, por um lado, que a sociedade K…………………não era detentora dos direitos desportivos do jogador, mas que, por outro lado, “foram os pagamentos das parcelas constantes do referido instrumento [o contrato celebrado entre a Impugnante e a K………………..], efectuados pela Impugnante à sociedade ……………….. LTDA – EPP, os quais incluem aqueles que estão em causa nos presentes autos, que permitiram à Impugnante celebrar o contrato de trabalho desportivo com o jogador L………….” (páginas 15 e 16 da Sentença Recorrida).
18. Assim, constituindo um facto não controvertido que o contrato celebrado entre a Impugnante e a K…………………possibilitou a inscrição do jogador, a Sentença Recorrida enferma de erro de julgamento ao desconsiderar tal facto por completo.
19. Por outro lado, a eventual invalidade do negócio jurídico em apreço (por incumprimento de normas regulamentares da Federação Portuguesa de Futebol) é irrelevante para efeitos fiscais, dado que segundo o artigo 10.º da Lei Geral Tributária “o carácter ilícito da obtenção de rendimentos ou da aquisição, titularidade ou transmissão dos bens não obsta à sua tributação quando esses actos preencham os pressupostos das normas de incidência aplicáveis”.
20. Pelo que ao concluir, sem qualquer outro fundamento, que a sociedade K ………………… não era detentora dos direitos desportivos ou económicos do atleta, a Sentença Recorrida enferma de erro de julgamento (página 15 do Aresto sub judicio).
21. Com base na factualidade dada como matéria de facto provada, a sociedade K…………….obteve um ganho em Portugal decorrente da alienação dos direitos desportivos e económicos do atleta L……………..
22. O ganho em apreço decorre da actividade desenvolvida por aquela entidade em nome próprio, consubstanciando-se na diferença entre o valor de aquisição de tais direitos e o valor pelo qual os mesmos foram alienados a Impugnante.
23. Tal ganho não se encontra sujeito a tributação em Portugal por falta de norma de incidência.
24. A Sentença Recorrida, ao ter-se alheado desta realidade fática, incorre em erro de julgamento.
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Não há registo de contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II- Fundamentação
2.1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:«
A) A Impugnante é uma sociedade desportiva, residente em Portugal, inscrita no cadastro fiscal com o CAE 093120 – Atividades dos Clubes Desportivos, não isento para efeitos de IRC, com contabilidade organizada, e enquadrada no regime normal mensal, para efeitos de IVA – cfr. fls. 15 do processo de reclamação graciosa em apenso;
B) Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI200800039, foi realizada pela Divisão de Inspeção a Empresas não Financeiras II da Direção de Serviços de Inspeção Tributária (DSIT), uma ação de inspeção externa de âmbito geral, que relativamente às retenções na fonte de IRC, abrangeu o ano civil de 2006, na sequência da qual foi elaborado o relatório final ora a fls. 78 a 338 do PA, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
C) Do Relatório dos serviços de Inspeção Tributária (SIT) referido em B) destaca-se o seguinte:
«III.1.3. Pagamentos a não residentes (IRC não retido)
III.1.3.1. Rendimentos derivados da actividade de desportistas/ Utilização desportiva de jogadores
A B………….SAD efetuou dois pagamentos, no total de € 348.490,00, à entidade K…………….Ltda, residente no Brasil, relativos a aquisição de “direitos desportivos e financeiros" do jogador L……………….- “Leo”:
[quadro]
Relativamente aos direitos desportivos há a considerar que, nos termos da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, os direitos desportivos emergentes da celebração de um contrato de trabalho desportivo celebrado, não são mais do que os direitos de inscrição do jogador numa competição por parte da entidade empregadora desportiva, devidamente reconhecida pela entidade responsável na organização e supervisão do futebol profissional (v.g. Liga Portuguesa de Futebol Profissional no caso da B.......... SAD).
O n.º 3 do artigo 7.º, dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), dotada de utilidade pública desportiva, nos termos do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril, estabelece que o reconhecimento da qualidade de Clube implica a sua inscrição na Associação da sua área geográfica e, no âmbito da competição profissional, na Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
Ora, é depois desta tramitação que o Clube se pode declarar detentor de direitos desportivos, uma vez que se encontra em vigor, na sua plenitude, um contrato de trabalho desportivo em obediência às exigências legais e regulamentares, podendo utilizar o jogador nas competições em que participa.
Conclui-se então que, a existência de direitos desportivos só ocorre nos termos acima descritos, não sendo possível a outras entidades (v.g. empresas sem capacidade de disputar competições desportivas com uma equipa própria de jogadores) reclamarem a posse de direitos desportivos sobre jogadores.
Por sua vez, não existindo direitos desportivos, pois o jogador não detinha em vigor um contrato desportivo válido com uma entidade desportiva, também não se pode considerar que se constituam direitos económicos relativos a direitos desportivos, vulgo passe, detidos por uma entidade terceira não desportiva, uma vez que, estes pressupõem a existência, como suporte, de um contrato de trabalho desportivo, logicamente, com uma entidade desportiva.
Por conseguinte, encontrando-se o jogador livre de qualquer contrato de trabalho desportivo, a quantia exigida por entidade terceira não desportiva, aquando da celebração do novo contrato, mais não é do que a contrapartida pela sua celebração que foi cedida pelo jogador, a uma terceira entidade.
Assim, a K …………….. Ltda, entidade não desportiva que participa na indústria do futebol profissional, quando invoca que “é dono e legítima possuidora da totalidade dos direitos desportivos” do jogador, mais não deterá do que o direito de exigir, em vez do jogador, uma remuneração pela celebração do contrato de trabalho desportivo.
Posto isto, encontrando-se o jogador livre de qualquer contrato com uma entidade desportiva, os rendimentos obtidos pela entidade não residente, em contrapartida pela assinatura de contrato de trabalho desportivo do jogador com o seu novo clube, decorrem inequívoca e indissociavelmente da celebração deste novo contrato de trabalho desportivo, celebrado pelo jogador na sua qualidade de desportista, donde deriva a sua utilização ao serviço do Clube/SAD residente.
Assim sendo, trata-se de um rendimento que é pago para que se possam utilizar os serviços do jogador em território nacional, e como tal considerado como rendimento obtido em Portugal por um não residente sujeito a IRC, por força da norma de localização constante na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, uma vez que se trata de rendimentos derivados do exercício em território português da actividade de desportistas.» - cfr. fls. 169 a 171 o PA;
D) Do Relatório dos serviços de Inspeção Tributária (SIT) referido em B) destaca-se ainda, o seguinte:
«Estipula a alínea f) do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, que os rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC obtidos por entidades não residentes em território português se encontram sujeitos a retenção na fonte.
Às retenções na fonte com carácter definitivo, i.e., as que incidem sobre rendimentos pagos a não residentes sem estabelecimento estável, ou com estabelecimento estável ao qual o rendimento não seja imputável, será de aplicar uma taxa interna de retenção na fonte de 25%, quando os rendimentos em causa resultarem de rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas [cfr. alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 88.º, e n.º 2 do artigo 80.º, ambos do CIRC].
O sujeito passivo foi notificado (ponto 1 da notificação n° 15, de 2008-10-27), para, relativamente a esses pagamentos, “indicar se foram efetuadas as retenções na fonte e relacioná-las com a respectiva guia de pagamento. No caso de não terem efetuado a retenção na fonte sobre os pagamentos a não residentes queiram explicitara razão da dispensa de retenção na fonte".
O sujeito passivo não comprovou ter efetuado a retenção, nem apresentou qualquer elemento que comprovasse a dispensa de retenção na fonte. Não obstante, a CDT celebrada entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil destinada a evitar a dupla tributação e a prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, estatuiu no n.º 2 do artigo 17.º, que “...os rendimentos da atividade exercida pessoalmente pelos (...) desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas atividades.
Por conseguinte, estando prevista a sua tributação em território português, da matéria em apreço, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, mesmo que viesse a apresentar o formulário modelo RFI, devidamente preenchido e certificado pelas autoridades fiscais brasileiras, os rendimentos em causa não ficam dispensados da tributação em sede de IRC e, consequentemente, da retenção na fonte a título definitivo.
Nestes termos, relativamente aos rendimentos em causa, ficou o sujeito passivo, enquanto substituto tributário, obrigado a fazer a entrega da quantia que deveria ter sido retida (cfr. n.º 4 do artigo 90.º - A do CIRC).
De referir ainda que nos termos do artigo 123.º do CIRC, as transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território nacional por entidades não residentes, não poderá ser efetuada sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido.
Assim, nos termos dos artigos e diplomas supra mencionados, deveria o sujeito passivo aquando dos pagamentos, do rendimento derivado do exercício em território português da actividade de desportistas, a entidades não residentes, no total de € 348 490,00, ter efetuado a retenção na fonte à taxa de 25%, que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado até ao 20 do mês seguinte àquele em que foram colocados à disposição esses rendimentos (cfr. n.º 6 do artigo 88.º do CIRC).
Face ao exposto, apurou-se imposto em falta para os períodos em que foram efetuados os pagamentos, no valor total de € 87 122,50 (€ 348 490,00 x 25%), acrescidos de compensatórios pelo atraso de receita devida ao Estado (n.º 2, do artigo 106.º do CIRC e n.º 1 do artigo 35.° da LGT).
III.1.3.2. Rendimentos de capitais - Pagamento efetuado à entidade Global Soccer Agencies LTD (…)» - cfr. fls. 171 e 172 do PA;
E) Na sequência do Relatório referido em B), em 12/01/2009, foi emitida a liquidação de retenções na fonte de IRC n.º ………………009 do ano de 2006, relativas a “Comissões por intermediação em quaisquer contratos e prestações de serviços”, no montante de € 87 122,50; e a “Capitais – Outros rendimentos”, no montante de € 62 393,16; e respetivos juros compensatórios, no montante de € 15 308,29 – cfr. fls.18 e 10 do processo de reclamação graciosa em apenso;
F) Contra a liquidação referida em E), em 12/06/2009 foi deduzida reclamação graciosa, a qual foi instaurada com o n.º ……………..753 e indeferida por despacho datado de 27/10/2009 – cfr. fls. 2 a 6, que correspondem à petição de reclamação e 28 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
G) O despacho referido em F) sancionou a informação da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, ora a fls. 29 a 34 do processo de reclamação graciosa apenso, e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
H) Da decisão referida em F), em 30/11/2009 foi interposto recurso hierárquico, instaurado sob o n.º214/10, o qual foi indeferido por despacho datado de 29/11/2011 – cfr. fls. 2 a 18 que correspondem à petição de recurso e 34 do processo de recurso hierárquico em apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
I) O despacho referido em H) sancionou a informação da Divisão de Administração II da Direção de Serviços do IRC n.º 1840/11, ora a fls. 35 a 45 do processo de recurso hierárquico em apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
J) A petição inicial da presente impugnação foi remetida por correio a este Tribunal em 02/04/2012 – cfr. fls. 68 dos autos;
K) Entre a ora Impugnante, na qualidade de segunda outorgante e a sociedade K …………………………. LTDA – EPP, sociedade constituída segundo as leis da República Federativa do Brasil, na qualidade de primeira outorgante, foi celebrado o instrumento designado “Contrato de Cedência de Direitos Desportivos e Federativos (Passe) de Jogador Profissional de Futebol”, ora a fls. 24 e 25 dos autos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
L) Do contrato referido em K), destaca-se o seguinte: «Considerando que:
a) o primeiro outorgante é titular exclusivo da totalidade dos direitos financeiros, federativos e desportivos - passe, assim como de todos os econômicos deles derivados, do jogador de futebol L ………………..;
b) o jogador referido no considerando a) celebrou um contrato de trabalho desportivo com o segundo outorgante, para as épocas 2005/2006, 2006/2007 e 2007/2008;
livremente e de boa fé, celebrando o presente contrato de cessão de direitos federativos e desportivos, nos termos das cláusulas seguintes:
1. Pelo presente contrato, o primeiro outorgante cede ao segundo outorgante a percentagem de 100% (cem por cento) do passe do jogador L ………….., até ao final da época 2007/2008;
2. Como contrapartida da referida cessão, o segundo outorgante pagará ao primeiro o valor de € 1.045.470,00 (um milhão e quarenta e cinco mil e quatrocentos e setenta euros), que será pago da seguinte forma:
(…) € 174 245,00 [extenso] em fevereiro de 2006;
. € 174 245,00 [extenso] em setembro de 2006 (…)» – cfr. fls. 24 e 25 dos autos;
M) Os pagamentos referidos em L) foram registados na contabilidade da Impugnante através dos documentos n.º 80218 e n.º 30074, do Diário “Ban”, como ocorrido em 17/03/2006 e 02/10/2006 – cfr. fls. 169 do PA, não contestado;
N) Em 2006, a sociedade K ……………….. LTDA – EPP estava sediada na Rua …….., n. 100 apto 64, Santos, Estado de S. Paulo, CEP 11060-450 – cfr. fls. 24 dos autos, não contestado;
O) Aquando da celebração do contrato de trabalho desportivo com a Impugnante, para as épocas 2005/2006, 2006/2007 e 2007/2008, o Jogador L …………….. encontrava-se livre de vinculo contratual anterior – cfr. alegado a fls. 170 do PA (pág. 92 do Relatório dos SIT) e não contestado.
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“Dos factos alegados, com relevância para a decisão da causa, nenhum importa registar como não provado.”
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Motivação do julgamento://Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo, reclamação graciosa e recurso hierárquico, em apenso, conforme indicado em cada uma das alíneas.”
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Na conclusão 6), a recorrente requer o aditamento ao probatório do elemento que discrimina.
Compulsados os autos, considerando a alínea M), do probatório, impõe-se rejeitar o requerido, porquanto se trata de elemento conclusivo e redundante.
Motivo porque se julga improcedente a presente imputação.
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2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erro de julgamento em que terá incorrido a sentença seguintes:
i) Erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto [apreciado supra].
ii) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa.
A sentença julgou improcedente a impugnação, mantendo na ordem jurídica a liquidação adicional de IRC (retenção na fonte), do exercício de 2006. Considerou, em síntese, que: «[r]esultando provado que o jogador L……………aquando da celebração do contrato de trabalho desportivo com a Impugnante, para as épocas 2005/2006, 2006/2007 e 2007/2008, encontrava-se livre de vínculo contratual anterior, tanto que a sociedade K …………………. LTDA – EPP não é um clube desportivo nem uma SAD (ainda que de regime brasileiro). // Resta concluir que a essa sociedade não era detentora nem dos direitos desportivos ou federativos nem dos direitos económicos do jogador L …………………….., para que os tivesse transmitido à Impugnante. // Assim, pese embora as partes que celebraram o instrumento que designaram de “Contrato de Cedência de Direitos Desportivos e Federativos (Passe) de Jogador Profissional de Futebol”, tenham considerado que a sociedade K ……………….. LTDA – EPP estava a transmitir à Impugnante o passe do jogador L.............. ............., juridicamente, não foi o que foi “transmitido”, na medida em que quem, alegadamente, o cedeu, não o detinha. // Todavia, no caso em apreço, o que de resto a Impugnante também invoca e não foi contrariado pelos SIT, foram os pagamentos das parcelas constantes do referido instrumento, efetuados pela Impugnante à sociedade K ……………………… LTDA – EPP, os quais incluem aqueles que estão em causa nos presentes autos, que permitiram à Impugnante celebrar o contrato de trabalho desportivo com o jogador L ………………... // Resultando provado que a sociedade K ……………….. LTDA – EPP é uma sociedade de direito brasileiro, não residente para efeitos fiscais em Portugal, tais pagamentos que lhe foram efetuados pela Impugnante em 2006, constituem rendimentos da primeira obtidos em Portugal (Estado fonte dos Rendimentos), derivados do exercício em Portugal da atividade desportiva do jogador L.............. ............., ao abrigo do contrato celebrado entre o jogador e a Impugnante; os quais, nos termos do disposto na al. d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, estão sujeitos a tributação em Portugal, através de retenção na fonte a título definitivo, nos termos da alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 88.º, e n.º 2 do artigo 80.º, ambos do CIRC».
2.2.2. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente considera que a sentença incorreu em erro de julgamento e em contradição. Afirma que «ao concluir, sem qualquer outro fundamento, que a sociedade K ……………não era detentora dos direitos desportivos ou económicos do atleta, a Sentença Recorrida enferma de erro de julgamento»; que «a sociedade K............. ……. obteve um ganho em Portugal decorrente da alienação dos direitos desportivos e económicos do atleta L.............. .............» e que «[o] ganho em apreço decorre da actividade desenvolvida por aquela entidade em nome próprio, consubstanciando-se na diferença entre o valor de aquisição de tais direitos e o valor pelo qual os mesmos foram alienados a Impugnante».
Apreciação. A fundamentação da correcção em exame consta do relatório inspectivo, inscrito nas alíneas C) e D), do probatório. A liquidação adicional sob escrutínio decorre da omissão da retenção na fonte – por conta do IRC - incidente sobre o rendimento pago pela impugnante a entidade não residente em território nacional, pagamento que se deve à prestação de serviços conexos com o exercício da actividade desportiva do jogador em causa.
A questão que se suscita nos autos consiste em saber se o rendimento em apreço está ou não sujeito à retenção na fonte, por conta do IRC português.
O regime do contrato de trabalho desportivo decorre da Lei n.º 28/98, de 28 Junho [regime jurídico do contrato de trabalho desportivo]. Aí se refere, designadamente, que o “Empresário Desportivo” é a pessoa singular ou colectiva que, estando devidamente credenciada, exerça a actividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos desportivos» (artigo 2.º/d), da Lei n.º 28/98, citada). Por seu turno, o artigo 4.º/2, do CIRC (1) (“Extensão da obrigação de imposto”), determina que «[a]s pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos». «Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam: // (…) [r]endimentos derivados do exercício em território português da actividade de profissionais de espectáculos ou desportistas» [artigo 4.º/3/d), do CIRC]. A presente categoria de rendimentos está sujeita a retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 25% (artigos 88.º/1/f) e 80.º/1, do CIRC). No mesmo sentido depõem os artigos 16.º (“artistas e desportistas”) e 21.º/1 (“Rendimentos não expressamente mencionados”), da Convenção sobre dupla tributação celebrada entre Portugal e o Brasil (2).
A questão da tributação dos rendimentos pagos a entidades terceiras pelas sociedades desportivas pela cedência de direitos sobre a actividade de trabalhadores desportivos não é nova na jurisprudência. São várias as decisões que fazem referência ao disposto no artigo 17.º/2, (“Artistas e Desportistas”) da Convenção Fiscal Modelo da OCDE [CMOCDE] sobre o Rendimento e o Património (3). Este estabelece que «[n]ão obstante o disposto nos artigos 7.º e 15.º, os rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espectáculos ou desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado contratante em que são exercidas essas actividades dos profissionais de espectáculo e dos desportistas».
«O comentário 9.5. ao artigo 17.º, n.º 2, da CMOCDE, trata especificamente os casos em que os desportistas transferem directa ou indirectamente parte do rendimento resultante da exploração dos seus direitos de imagem a uma terceira entidade. // Conforme resulta expressamente do referido comentário, quando a exploração dos direitos de imagem do jogador não se encontre estreitamente conexa com a sua performance desportiva no Estado da residência, os referidos rendimentos não deverão, em princípio, ser abrangidos pelo disposto no artigo 17.º, n.º 2 da CMOCDE. (…) // Sem prejuízo do acima exposto, ainda no mesmo comentário, é reconhecido que existem situações em que os pagamentos feitos ao jogador residente em determinado Estado contratante ou a um terceiro, como contrapartida da cedência de direitos de exploração dos seus direitos de imagem são configurados, em substância, como remuneração pela actividade do jogador de futebol, encontrando-se, assim abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 17.º da CMOCDE. // No que respeita ao critério relevante para aferir se uma determinada parcela de rendimento se encontra estreitamente conexa com a performance desportiva do jogador, nos termos do Comentário 9 ao artigo 17.º da CMOCDE “such a close connection will generally be found to exist when it cannot reasonably be considered that the income would have been derived in absense of the performance of these activities» (4).
A este propósito, constitui jurisprudência fiscal assente a de que,
i) «A falta de menção, num contrato de trabalho desportivo celebrado em 2005, do nome do agente não é suficiente, per se, para considerar que tal agente não prestou os serviços suportados por faturas e contrato relativos à intermediação na contratação de um jogador, dado não se tratar de formalidade ad substanciam nem ter sequer impacto, em termos de validade do próprio contrato de trabalho desportivo». (5)
ii) «Sabendo nós que o contrato de trabalho desportivo não implica a aquisição do direito de explorar a imagem individual do atleta – direito este que pode, ou não, ser cedido por este – importava perceber em que medida, no caso concreto, o custo de aquisição de tais direitos de imagem é um custo afecto à exploração, ou seja, a sua relação causal com os proveitos da SAD, no sentido perceber a adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados» (6).
iii) «A problemática das transacções de atletas tem sido objecto de vários estudos, seja pela sua relevância desportiva, por contender com a liberdade contratual do atleta e a actividade desportiva dos clubes, seja pela sua relevância económica, por movimentar quantias pecuniárias de valores elevados. A doutrina que se tem debruçado sobre o tema tem feito a distinção entre os chamados “direitos desportivos ou federativos” e os “direitos económicos” que se encontram associados aos primeiros (…). // No que respeita aos primeiros, considera-se que os mesmos apenas podem ser titulados por um clube desportivo ou SAD e consistem na susceptibilidade de um clube registar um atleta numa federação nacional e/ou numa liga profissional de modo a que este possa participar nas competições desportivas, sendo que de acordo com o Regulamento da Federação Internacional de Futebol (FIFA) um atleta apenas pode estar inscrito por um único clube, o que pressupõe que tenha sido celebrado entre ambos um contrato de trabalho desportivo. // Quanto aos “direitos económicos” tem-se entendido que os mesmos derivam dos direitos federativos e resultam da negociação do clube com um terceiro (investidor) sobre os ganhos resultantes de eventual transferência do atleta para um outro clube na pendência do contrato. Nesta perspectiva, os direitos económicos dependerão sempre de uma futura transacção do atleta e dos ganhos que resultarem da mesma». (7)
iv) «Os valores recebidos por uma sociedade desportiva cedente, aquando da transferência dos direitos relativos a um jogador de futebol, correspondem à contrapartida paga pela sociedade cessionária pela alienação de activo imobilizado incorpóreo (direitos desportivos sobre o jogador de futebol), pelo que se enquadram no regime das mais-valias fiscais em IRC». (8)
No caso em exame, do probatório resultam os elementos seguintes:
i) Entre a ora Impugnante, na qualidade de segunda outorgante e a sociedade K............. ………………………. LTDA – EPP, sociedade constituída segundo as leis da República Federativa do Brasil, na qualidade de primeira outorgante, foi celebrado o instrumento designado “Contrato de Cedência de Direitos Desportivos e Federativos (Passe) de Jogador Profissional de Futebol”, (alínea K).
ii) Do contrato referido em K), destaca-se o seguinte: «Considerando que: // a) o primeiro outorgante é titular exclusivo da totalidade dos direitos financeiros, federativos e desportivos - passe, assim como de todos os econômicos deles derivados, do jogador de futebol L...........................; // b) o jogador referido no considerando a) celebrou um contrato de trabalho desportivo com o segundo outorgante, para as épocas 2005/2006, 2006/2007 e 2007/2008; livremente e de boa fé, celebrando o presente contrato de cessão de direitos federativos e desportivos, nos termos das cláusulas seguintes: // 1. Pelo presente contrato, o primeiro outorgante cede ao segundo outorgante a percentagem de 100% (cem por cento) do passe do jogador L.............. ............., até ao final da época 2007/2008; // 2. Como contrapartida da referida cessão, o segundo outorgante pagará ao primeiro o valor de € 1.045.470,00 (um milhão e quarenta e cinco mil e quatrocentos e setenta euros), que será pago da seguinte forma: // (…) € 174 245,00 [extenso] em fevereiro de 2006; // € 174 245,00 [extenso] em setembro de 2006 (…)» – (alínea L).
iii) Os pagamentos referidos em L) foram registados na contabilidade da Impugnante através dos documentos n.º 80218 e n.º 30074, do Diário “Ban”, como ocorrido em 17/03/2006 e 02/10/2006 – (alínea M).
iv) Em 2006, a sociedade K............. ……………….. LTDA – EPP estava sediada na Rua ………., n. 100 apto 64, Santos, Estado de S. Paulo, CEP 11060-450 – (alínea N).
v) Aquando da celebração do contrato de trabalho desportivo com a Impugnante, para as épocas 2005/2006, 2006/2007 e 2007/2008, o Jogador L.............. ............. encontrava-se livre de vínculo contratual anterior – (alínea O).
Em face dos elementos coligidos nos autos, verifica-se que os pagamentos efectuados pela recorrente à entidade não residente correspondem à remuneração pela cedência dos direitos desportivos e federativos sobre o jogador em causa, por ocasião da celebração do contrato de trabalho desportivo entre a recorrente e o referido jogador (alínea K), independentemente da cedente (entidade não residente) ser titular ou não dos direitos transmitidos ao cessionário (artigo 38.º/1, da LGT). A remuneração em causa deriva da investidura da recorrente na posição de parte outorgante de contrato de trabalho desportivo com o jogador em causa (alínea O), ficando a recorrente detentora do “passe” do jogador em apreço (clª 1ª do contrato referido na alínea L), pelo que o âmbito previsivo da norma do artigo 4.º/3/d), do CIRC, acima citado, mostra-se preenchido no caso.
A correcção em exame, não merece, pois, censura, como se decidiu na sentença recorrida. A mesma deve ser confirmada, dado não incorrer nos erros que lhe são apontados.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)


(2.ª Adjunto – Vital Brito Lopes)

(1) Versão vigente.
(2) Aprovada pelo Decreto-Lei n.º 244/71, de 02/06/71.
(3) Caderno de Ciência e Técnica Fiscal, 210, p. 48.
(4) Samuel Fernandes de Almeida e Rita Pereira de Abreu, A Tributação dos desportistas e das entidades não desportivas não residentes. Síntese e reflexões sobre o tratamento dos rendimentos decorrentes da cedência dos direitos de exploração dos direitos de imagem, in Compêndio do Direito do Desporto, Coordenação Miguel Mestre, Gestlegal, 2021, pp. 264/283, máxime, pp. 273/274.
(5) Acórdão do TCAS, de 29/04/2021, P. 1410/14.1BELRS
(6) Acórdão do TCAS, de 09/03/2017, P. 05458/12
(7) Acórdão do STA, de 26-06-2019, P. 0313/04.2BEPRT 01109/16
(8) Acórdão do TCAS, de 14-11-2019, P. 1427/09.8BELRS