Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:394/20.1BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:01/21/2021
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:IMÓVEL EM VIAS DE CLASSIFICAÇÃO;
LEI Nº 107/2001;
PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO ADMINISTRATIVO;
FALTA DE FUMUS BONI IURIS.
Sumário:i) O imóvel onde estavam a ser realizadas obras sem licença encontra-se em vias de classificação, de acordo com a Lei n.º 107/2001 de 8 de Setembro – facto não contestado pela Recorrente - e que está perfeitamente assumido no acto suspendendo, enquanto pressuposto de facto e de direito.
ii) Ainda que se tratassem de obras de conservação ou de reconstrução, tal não as isenta da respectiva licença administrativa como resulta do art. 4.º, nº 2, al. d) do RJUE.

iii) O que significa que estavam sujeitas a licenciamento administrativo que exigiria a apresentação dos respectivos estudos e projectos a serem aprovados pelo IGESPAR (art. 51º, nº 1 do DL 309/2009), assim como sujeitas a Parecer do Parque Nacional da Arrábida, atenta a sua localização.

iv) Se tais obras fossem autorizadas pela edilidade, sem a consulta das entidades competentes, tal acto seria nulo, em conformidade com o disposto no nº 4 do art. 43.º da Lei 107/2001 e nos arts. 4.º, nº 2, 18.º, nº 1 º e 68.º alínea c) do RJUE.

v) Por se tratarem de obras de intervenção em imóvel em vias de classificação, sem a devida licença e pareceres, o embargo é uma das medidas impostas às entidades administrativas, conforme o disposto no art. 47º da Lei 107/2001.

vi) A audiência prévia não tem como fito o impulso do Município para realização de obras ao abrigo do art. 102º, n.º 3 do RJUE.

vii) Assim, a preterição da audiência da interessada não deverá conduzir à anulação do acto suspendendo, que a Requerente pretende impugnar na acção principal, face ao princípio do aproveitamento do acto, consagrado no n.º 5, do art. 163.º, do Código do Procedimento Administrativo.


viii) Não se podendo concluir pela existência de uma probabilidade forte de a acção principal vir a proceder, a tutela cautelar requerida tem de ser recusada, por não se verificar um dos requisitos cumulativos de que a lei faz depender a concessão de medidas cautelares, o requisito do fumus boni iuris, ficando assim prejudicada a indagação sobre a verificação do requisito do periculum in mora (nº 1 do art. 120.º do CPTA) e a ponderação de interesses a que alude o n.º 2, do mesmo artigo.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO

S……….., S.A. propôs, contra o MUNICÍPIO DE SETÚBAL, processo cautelar, preliminar de acção administrativa para impugnação de acto, requerendo:
a) a suspensão da eficácia do despacho da Vereadora da Câmara Municipal de Setúbal E.........., de 03 de Junho de 2020, que decretou o embargo total, pelo prazo de seis meses, das obras descritas na informação do Núcleo de Fiscalização Urbanística do Município de Setúbal, de 03 de Junho de 2020, sobre a qual foi exarado;
b) a notificação da Câmara Municipal de Setúbal de que os trabalhos de construção civil em curso devem ser concluídos até que se mostrem corrigidas as más condições de segurança e ou salubridade ou melhoria do arranjo estético do Solar da Comenda;
c) se dê conhecimento do presente processo cautelar à Direção Geral do Património Cultural, ao Parque Natural da Arrábida, às E.........., E….. e Á………..
Este último pedido, objecto de indeferimento liminar.

Alegou, em suma, que: i. Não foram indicadas as razões que fundamentam a dispensa da audiência dos interessados, nem se verifica uma situação objectiva justificativa da urgência na determinação do embargo, e que estão em causa obras de mera conservação e limpeza que não implicam a alteração da natureza ou da cor dos materiais de revestimento exterior, consubstanciando a realização das obras previstas no artigo 102.°, n.º 3, do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação, e no artigo 33.°, da Lei n.º 107/2001 de 8 de Setembro, que levou a cabo, de imediato, após ter adquirido o imóvel, para evitar o seu desaparecimento, tendo já efetuado a comunicação da situação de perigo do imóvel; ii. A execução do acto de embargo suspendendo, com a consequente impossibilidade de realizar os trabalhos necessários e urgentes que impeçam a transformação do imóvel em ruína, e as previsíveis condições climatéricas adversas, que irão acelerar a sua degradação, coloca de novo em causa a sustentabilidade do edifício e a sua preservação enquanto elemento patrimonial histórico e arquitetónico relevante, acarretando a inutilidade da sentença a proferir no processo principal; iii. O interesse que pretende defender coincide com o interesse público de conservar o património arquitectónico, histórico e arqueológico da Quinta da Herdade da Comenda, sendo absolutamente necessária a conclusão dos trabalhos de construção civil em curso para preservar o Solar da Comenda de modo a evitar a sua transformação em ruína, bem como a estação arqueológica da época romana, sob pena de ser livre o acesso à mesma, o que provocará a sua total erosão e desaparecimento.

Por sentença do TAF de Almada, de 2020.10.06, foi julgado improcedente o procedimento cautelar e recusado o decretamento das providências requeridas.

Inconformada a Requerente, S.........., S.A. interpôs o presente recurso, terminando as Alegações com a formulação das conclusões que, de seguida, se transcrevem:
“I. O tribunal a quo no segmento decisório da sentença julgou improcedente o presente procedimento cautelar e, consequentemente, recusou o decretamento das providencias requeridas e decidiu igualmente, que no "caso dos autos, os factos relevantes para o exame da decisão da causa encontram-se provados, por acordo e documentos. Assim, por entender que não existem factos controvertidos ou necessitados de prova, relevantes para o exame e decisão da causa, dispenso a produção da prova testemunhal oferecida - artigo 118. °, n.ºs 1 e 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos".
II. De qualquer modo, na sentença recorrida - cf. fls. 5 da sentença - o tribunal a quo entendeu não existirem factos controvertidos ou necessitados de prova para o exame e decisão da causa, pelo que dispensou a produção de prova testemunhal oferecida.
III. Esta decisão não está fundamentada, limitando-se a sentença a reproduzir o disposto no artigo 118.°, n.º 5 segunda parte do CPTA sem que se alcance quais os factos que foram considerados provados ou irrelevantes. Também neste segmento a decisão recorrida merce censura na opinião da Recorrente.
IV. A instrução tem por objeto fixar a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, os factos principais, sem prejuízo dos factos instrumentais poderem ser ou não fixados após a correspondente produção de prova.
V. A Recorrente alegou outros factos relevantes para a boa decisão da causa, designadamente os factos constantes nos artigos 13.° a 18.° e 22.° a 46.° da petição inicial da providencia cautelar. Relevância adveniente do facto de, uma vez provados, ficar demonstrado que outro ato administrativo se impunha, em vez do embargo de obra. a) A instrução tem por objeto fixar a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, os factos principais, sem prejuízo dos factos instrumentais poderem ser ou não fixados após a correspondente produção de prova.
VI. A tutela da legalidade urbanística não se faz pelo recurso exclusivo ao embargo de obras, muitas vezes quando se trata de preservar e impedir a destruição e ruína de um edifício, impõe-se a realização de obras urgentes, possibilidade que a lei confere ao Município de Setúbal.
VII. O tribunal ao não considerar relevantes os factos alegados, violou igualmente o disposto no artigo 118.°, n.º 5, por falta de fundamentação do despacho que considerou os factos não relevantes.
VIII. A simples reprodução dos conteúdos de normas jurídicas nunca poderia constituir fundamentação de direito do despacho em questão, pois não se esclarece em que medida a situação se integraria na previsão daqueles normativos, de modo a que fosse proferido despacho o presente despacho. A falta de fundamentação constitui nulidade da decisão proferida, nos termos dos artigos 613, 3, e 618, 1, b) do CPC.
IX. A tutela da legalidade urbanística não se faz pelo recurso exclusivo ao embargo de obras, muitas vezes quando se trata de preservar e impedir a destruição e ruína de um edifício, impõe-se a realização de obras urgentes, possibilidade que a lei confere ao Município de Setúbal.
X. Entende a Recorrente que o tribunal a quo errou ao considerar que "preterição da audiência dos interessados, que visa garantir a participação dos interessados nas decisões que os afetam e contribuir para o acerto das decisões administrativas, não deverá conduzir à anulação do ato suspendendo, que a Requerente pretende impugnar na ação principal, face ao princípio do aproveitamento do ato, consagrado no n.º 5, do artigo 163.°, do Código do Procedimento Administrativo".
XI. Erro que se consubstancia por a interpretação efetuada pelo Tribunal a quo do disposto no n.º 5 do artigo 163.° do Código de Procedimento Administrativo ser inconstitucional por violar o direito dos administrados à tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, incluindo nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas - cf. o disposto no artigo 268.°, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
XII. Com efeito o Tribunal a quo considera que não obstante a ilegalidade do ato administrativo a impugnar, o seu efeito manter-se-ia porque nos termos do disposto no artigo 163.°, n.º 5 do CPA não se produziria o efeito anulatório dado que o conteúdo do ato anulável não pode ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível; porque o fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via; ou ainda, por se comprovar, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.
XIII. Donde não obstante a violação da lei e do Direito, o ato apesar de ilegal seria salvo pela sua inevitabilidade. Esta interpretação do disposto no artigo 163.°, n.º 5 do CPA é inconstitucional por violar o direito ao recurso contencioso, direito de natureza análoga a direitos fundamentais, liberdades e garantias, por violar o disposto no artigo 18.°, n.º 1, n.º 2 e n.º 3 da CRP, e por violar o principio do Estado de Direito e o principio da legalidade.
XIV. Contudo, não julgamos inevitável uma interpretação do disposto no artigo 163.°, n.º 5 do CPA contrária às normas constitucionais, bem pelo contrário. A correta inserção sistemática do disposto no artigo 163.°, n.º 5 permite uma interpretação conforme à Constituição, mas que em todo o caso impõe uma solução diversa da pugnada na sentença, da questão suscitada na presente providencia cautelar.
XV. São pressupostos da providência cautelar de suspensão da eficácia do ato administrativo de embargo, (i) o "periculum in mora"- receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (artigo 120.°, n.º 1, 1.° parte, do CPTA); (ii) o "fumus boni iuris" (aparência de bom direito) - ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (artigo 120.°, n.º 1, 2.- parte, do CPTA), e, (iii) a ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade (artigo 120.°, n.º 2, do CPTA).
XVI. In casu se ato administrativo de embargo não for imediatamente suspenso colocar-se-á de novo em causa a sustentabilidade do edifício e a sua preservação enquanto elemento patrimonial histórico e arquitetónico relevante.
XVII. O ato administrativo de embargo é ilegal por violação do direito de audiência prévia da interessada (artigos 121.°, 124.°, n.º 1, a) do CPA) e é de elevada probabilidade de assim vir a ser decidido, porque essa tem sido a posição mais recente e consistente do Supremo Tribunal Administrativo ver Acórdãos do STA, de 04/06/2002, Proc. N.° 0135/02; 07/06/2003, Proc. N.° 0373/03; 01/07/2003, Proc. n.º 01429/02; 29/06/2005, Proc. N.° 089/04); de 7-5-2003, rec. 373/03.
XVIII. A intervenção da Recorrente consubstanciou a realização das obras previstas no artigo 102.°, n.º 3 do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação que "independentemente das situações previstas no n.º 1, a câmara municipal pode: a) Determinar a execução de obras de conservação necessárias à correção de más condições de segurança ou salubridade ou à melhoria do arranjo estético";
XIX. De acordo com os n.ºs 1 e 2 do artigo 120.° do CPTA "o iter decisório é único e efetuado com base em três requisitos: (1) perigo de perda do efeito útil da sentença (periculum in mora); (2) a probabilidade dos requisitos de que depende o direito invocado pelo Requerente (fumus bonni iuris; e (3) proporcionalidade da providência, feita a ponderação dos interesses em confronto. Verificados os dois primeiros requisitos é ainda, necessário a ponderação dos interesses públicos e privados em jogo, como impõe o n.º 2 do artigo 120.° do CPTA.
XX. Verificam-se todos os requisitos para que seja determinada suspensão da eficácia do ato de embargo da senhora Despacho da Senhora vereadora E.......... em 03/06/2020 do Embargo total, pelo prazo de seis meses, pela realização de obras sujeitas a controlo prévio, na forma de licenciamento, de acordo com alínea d), do n.º 2 do artigo 4.°, do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE) aprovado pelo decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de dezembro, na sua atual redação e ainda que as mesmas se encontram sujeitas a parecer vinculativo da DGPC, uma vez que o imóvel em apreço se encontra em vias de classificação por esta entidade, de acordo com a lei n.º 107/01 de 8 de setembro.
XXI. Com a sentença recorrida o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos artigo 118.°, n.ºs 1 e 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, artigos 613, 3, e 618, 1, b) do Código de Processo Civil, do disposto no n.º 5 do artigo 163.° do Código de Procedimento Administrativo, artigo 120.°, n.º 1, 1.° parte, e n.º 2 do CPTA) e artigos 268.°, n.º 4 da CRP 18.°, n.º 1, n.º 2 e n.º 3 da CRP, e os princípios constitucionais do Estado de Direito e da legalidade ao interpretar o n.º 5 do artigo 163.° do CPA nos moldes em que o fez.
NESTES TERMOS, Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser decretada a providencia cautelar, pelos fundamentos invocados. SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA.”

Em sede contra-alegações o recorrido MUNICÍPIO DE SETUBAL termina as Contra-Alegações com a formulação das conclusões que, de seguida, se transcrevem:
“a) No presente processo a recorrente pretende suspender a eficácia do embargo de obras de construção civil que tinha em curso, tendo por objeto um edifício em vias de classificação.
b) Tais obras não tinham sido objeto de qualquer controlo administrativo prévio, pelo que, ainda que se tratasse de meras obras de reparação, eram patentemente ilegais por força do disposto na alínea d) do n° 2 do art° 4º do RJUE.
c) Aliás, nos termos do disposto no art° 47° da Lei n° 107/2001, o embargo da obra promovido pelo Município era um ato legalmente vinculado a cuja prática, sob pena de ilegalidade, não se poderia furtar nem omitir.
d) Assim, a pretensão da recorrente é, mesmo numa análise perfuntória do direito, manifestamente ilegal, pelo que, por carência de “fumus boni iuri”, era forçosa a improcedência da providência requerida.
e) O recorrido não promoveu a audiência prévia da recorrente, anunciando-lhe a intenção de proferir a decisão de embargo, não o tendo feito, como então expressou, por considerar que a urgência da situação e a necessidade de surpreender o destinatário não se compadeciam com a audiência prévia, pelo que a mesma se deveria ter como dispensada por força do disposto nas alíneas a) e c) do n° 1 do art° 124° do C.P.A..
f) Uma decisão de embargo de uma obra para defesa da legalidade urbanística tem, pela sua natureza, ínsita uma necessidade de urgência de atuação e de ser executada com surpresa, não sendo, por tal, necessário especificar os factos que justifiquem o recurso àqueles preceitos legais.
g) De qualquer modo, o reconhecimento do vício formal por preterição da obrigação da audiência prévia, que o recorrido não concede ter-se verificado, não implicaria que a parte substancial da decisão, por plenamente legal e corresponder ao exercício de um poder legalmente vinculado de forma estrita, não pudesse ser ou não fosse inteiramente aproveitada.
h) Pelo que é inatacável o entendimento da douta sentença recorrida de que, ainda que se considerasse que o vício formal da preterição da audiência prévia acarretaria a anulabilidade do ato, a sua parte substancial teria de se considerar plenamente válida.
i) Desse modo, por inexistência de um “fumus boni iuri” da pretensão da recorrente, teria desde logo de improceder, como improcedeu, a sua pretensão cautelar.
j) Identicamente, dada a degradação que já se verificava no edifício, provocada pelo seu prolongado abandono, não será um atraso no início das obras, provocado pela definição judicial do direito, que causará um prejuízo grave ou de difícil reparação.
k) E, a menos que se considerasse que, não obstante tratar-se de um edifício em vias de classificação, não era exigível que as obras de que fosse objeto, ainda que de mera conservação ou reparação, estivessem isentas de prévio controlo administrativo - aberração que só por mera hipótese se coloca - qualquer demora na execução das obras será fundamentalmente devida à incúria da recorrente em promover os estudos e projetos necessários para as levar a efeito.
Nestes termos e nos mais de direito,
Nenhuma censura merece a douta decisão recorrida que, deve ser integralmente confirmada, como é de JUSTIÇA ”
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O DMMP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu qualquer pronúncia.

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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, mas fornecida cópia do projecto de acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para decisão.

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II – Fundamentação
II. 1 - De facto:

Na decisão recorrida foi fixada a seguinte factualidade não impugnada, que se reproduz, na íntegra:
“A. A Requerente adquiriu o prédio misto denominado “Quinta da Herdade da Comenda”, sito em Setúbal (Nossa Senhora da Anunciada), descrito na 1a Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o número cento e oitenta e oito, da freguesia de Setúbal (Nossa senhora da Anunciada), por escritura pública de compra e venda, outorgada no dia 5 de dezembro de 2019 [documento junto com o requerimento inicial].
B. A parte urbana do referido prédio é composta por vários edifícios, entre os quais o edifício denominado “Solar da Comenda”, também designado “Casa da Quinta da Comenda” ou “Palácio da Comenda” [acordo, documentos juntos com o requerimento inicial e documentos do processo administrativo apenso aos autos].
C. Com data de 14 de dezembro de 2016, foi elaborada a Informação da Direção Geral do Património Cultural - Departamento dos Bens Culturais n.º 3387/2016, que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual se extrai o seguinte:
«ASSUNTO: Aferição do valor patrimonial da Casa da Quinta da Comenda, ou Palácio da Comenda, e respetivo património móvel integrado', no Outão, com acesso pela EN 10-4, ao km 6,780, na União das Freguesias de Setúbal (São Julião, Nossa Senhora da Anunciada e Santa Maria da Graça), concelho e distrito de Setúbal.
1. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
- Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro que estabelece as bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural, nomeadamente o disposto nos artigos 17.º (Critérios genéricos de apreciação), 43.° (Zonas de proteção), 44.° (Defesa da qualidade ambiental e paisagística) e 52.° (Contexto).
- Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, que estabelece o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime jurídico das zonas de proteção e do plano de pormenor de salvaguarda.
1 «"Património móvel integrado” [são] os bens móveis de interesse cultural relevante ligados materialmente e com caráter de permanência a bem cultural imóvel, bem como os bens móveis que estejam afetos de forma duradoura ao seu serviço ou ornamentação» alínea f) do Artigo 3.° (Definições) do Decreto-Lei n.0140/2009 de 15 de junho.
(...)
8. O QUE CLASSIFICAR?
Assumindo-se que o bem possui um valor cultural de nível naáonal, o proceámento da classificação levanta a questão da sua delimitação, urna vez que a propriedade é de tal forma extensa que não pode servir de limite, quer na perspetiva do bem, quer na da sua zorra especial de proteção, seja ela provisória ou definitiva. Nesta fase propõe-se a delimitação da casa com o adro de acesso e o caminho de acesso à praia. Na segunda fase refletir-se-á sobre a delimitação que melhor se adegue à identificação do bem e, consequente, proteção, sendo certo que a dimensão da paisagem é fundamental na sua caracterização, como se procurou demonstrar ao longo do texto.
9. CONCLUSÃO
Face ao exposto, e pese embora a intenção da CMS proceder à sua classificação como MIM, conclui-se do interesse da abertura do procedimento de classificação de âmbito naáonal, por várias razões:
(...)
10. PROPOSTA DE DECISÃO
Face ao exposto, e tendo em consideração os critérios genéricos de apreciação que constam do artigo 17.° da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro,para a classificação de bens culturais, bem como os valores que o interesse cultural relevante que um bem deve necessariamente refletir, de acordo com o n.°3 do artigo 2.0 da mesma lei, tendo em conta o universo patrimonial naáonal, nomeadamente os bens culturais com a mesma tipologia e cronologia, consideramos que a Casa da Quinta da Comenda reflete os seguintes critérios: b) O génio do respetivo criador; e) O valor estético, técnico ou material intrínseco do bem; f) A conceção arquitetónica, urbanística e paisagística; g) A extensão do bem e o que nela se reflete do ponto de vista da memória histórica ou coletiva; H) A importância do bem do ponto de vista da investigação histórica ou científica; I) As circunstâncias suscetíveis de acarretarem diminuição ou perda da perenidade ou da integridade do bem. Critérios complementados pelos valores de originalidade e exemplaridade, elencados no n.º 3 do artigo da mesma lei.
Assim, no âmbito da proteção do património cultural, e atendendo ao valor de civilização e cultura acima reconhecidos, propomos a abertura do procedimento de classificação da Casa da Quinta da Comenda, e respetivo património móvel integrado ”, no Outão, União das Freguesias de Setúbal (São Julião, Nossa Senhora da Anunciada e Santa Maria da Graça), concelho e distrito de Setúbal, conforme planta em anexo.»» [documento do processo administrativo apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido].
D. Por despacho de 19 de abril de 2017, a Diretora-Geral do Património Cultural, colhendo a Informação do Departamento dos Bens Culturais da Direção Geral do Património Cultural, mencionada na alínea anterior, determinou “a abertura do procedimento de classificação de âmbito nacional”, que se encontra em curso [acordo e documento do processo administrativo apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido].
E. Este despacho da Diretora-Geral do Património Cultural foi comunicado ao Município de Setúbal pelo Ofício da Direção Geral do Património Cultural n.º 51713, com registo de entrada nos respetivos serviços de 07 de junho de 2017 [documento do processo administrativo apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido].
F. A abertura do referido procedimento de classificação foi objeto de anúncio publicado no Diário da República n.º 108/2017, Série II, de 05 de junho de 2017, do qual se extrai o seguinte:
«1 - Nos termos do n.°2 do artigo 9.0 do Decreto-Lei n.°309/2009, de 23 de outubro, faço público que, por meu despacho de 19 de abril de 2017, exarado sobre proposta do Departamento dos Bens Culturais, foi determinada a abertura do procedimento de classificação da Casa da Quinta da Comenda, ou Palácio da Comenda, e respetivo património móvel integrado, no Outão, com acesso pela EN 10-4, ao km 6,780, União das Freguesias de Setúbal (São Julião, Nossa Senhora da Anunciada e Santa Maria da Graça), concelho e distrito de Setúbal.
2 - O referido bem imóvel está em vias de classificação, de acordo com o n.º 5 do artigo 25.° da Lei n.0107/2001, de 8 de setembro.
3 - O bem imóvel em vias de classificação e os localizados na zona geral de proteção (50 metros contados a partir dos seus limites externos) ficam abrangidos pelas disposições legais em vigor, designadamente, os artigos 32.°, 34.°, 36.°, 37.°, 42.°, 43.° e 45.° da referida lei, e o n.º 2 do artigo 14.° e o artigo 51.° do referido decreto -lei.
4 - Nos termos do artigo 11.° do referido decreto-lei, os elementos relevantes do processo fundamentação, despacho, planta do bem imóvel em vias de classificação e da respetiva zona geral de proteção) estão disponíveis nas páginas eletrónicas dos seguintes organismos:
a) Direção-Geral do Património Cultural, www.patrimoniocultural.pt; Património/Classificação de Bens Imóveis e Fixação de ZEP/ Despachos de Abertura e de Arquivamento/ Ano em curso)
b) Câmara Municipal de Setúbal, www.cm-setubal.pt
5 - O interessado poderá reclamar ou interpor recurso hierárquico do ato que decide a abertura do procedimento de classificação, nos termos e condições estabelecidas no Código do Procedimento Administrativo, sem prejuízo da possibilidade de impugnação contenciosa.
2 de maio de 2017. - A Diretora-Geral do Património Cultural, P...........» [Anúncio n.º 78/2017, publicado no Diário da República n.º 108/2017, Série II, de 05 de junho de 2017].
G. No dia 15 de maio de 2020, a Requerente formulou pedido de licença de obras de reparação em imóvel em vias de classificação, que foi analisado pela informação de fls. 354, dos autos, da qual se extrai o seguinte:
«1. DESCRIÇÃO DO PEDIDO E ENQUADRAMENTO LEGAL Através do requerimento n° 3172/20 é formulado pedido de licença de obras de reparação em imóvel em vias de classificação, ao abrigo do disposto no art.° 4º n° 2 alínea d) do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) na redação em vigor.
2. ANÁLISE DO PEDIDO
2.1. QUALIDADE DO REQUERENTE
O requerimento é subscrito por S.......... SA, na qualidade de proprietária.
2.2. PRÉDIO A INTERVENCIONAR
A pretensão respeita ao prédio misto inscrito sob o artigo 123 da Secção H e H1 da matriz rústica da União de Freguesias de Setúbal, com a área total de 5.883.750,00m2. No prédio existem diversas construções, incidindo a pretensão em apreço sobre o artigo 1767, com a área coberta de 404,45m2.
2.3. OPERAÇÃO URBANÍSTICA
De acordo com o declarado na memória descritiva e relatório prévio, pretende-se a realização de obras urgentes de reparação da cobertura e encerramento provisório dos vãos exteriores, para evitar o colapso do edifício e a intrusão indevida, enquanto decorre a elaboração do projeto definitivo de intervenção no edifício.
3. CONFORMIDADE COM AS NORMAS LEGAIS E REGULAMENTARES EM VIGOR
3.1. ANÁLISE DO PROJETO DE ARQUITETURA O prédio em causa corresponde ao denominado palácio da Comenda, que se encontra em vias de classificação por iniciativa da Câmara Municipal, sujeito ao disposto na Lei 107/01 e DL 140/09, com as alterações em vigor, e como tal sujeito ao prévio parecer vinculativo da DGPC.
(...)
Conforme informação enviada pela Divisão de Fiscalização (DIFAJ) por despacho de 03/06/2020 foi ordenado o embargo: total dos trabalhos em curso no prédio em causa sem o necessário controlo prévio municipal, na sequência de ação de fiscalização realizada em 21/05/2020.
O embargo foi já notificado à requerente e entidades externas competentes.
Conforme descrito pela DIFAJ no local foi identificada a realização de diversos trabalhos, sujeitos a controlo prévio municipal nos termos do RJUE e sem o necessário título, a saber:
Alteração da vedação e portão de acesso, com alteração do tratamento da berma da estrada nacional.
Substituição integral da estrutura e revestimento da cobertura do edifício principal. Intervenções no interior do edifício principal (remoção de escada, pinturas e revestimentos) e colocação de caixilharias em PVC na sala do mirante.
Grande movimentação de tetras na área envolvente ao edifício principal e caminho de acesso.
Conforme referido pela DIFAJ e disposto no RJUE nenhum dos trabalhos identificados se encontra isento de controlo prévio, mas sujeitos ao procedimento de licença e pareceres vinculativos das entidades externas competentes.
O projeto apresentado com o presente pedido não reflete os trabalhos atrás referidos.
O projeto apresentado contempla apenas trabalhos de reparação pontual da cobertura e encerramento provisório dos vãos exteriores, tendo a divisão de fiscalização detetado a realização de obras de reconstrução integral da cobertura.
Revela-se assim extemporânea e inútil a apreciação do presente pedido, que não corresponde ao executado no local.
4. CONCLUSÃO
Em face do exposto, propõe-se a notificação à requerente para que, no prazo de 45 dias, venha formular pedido de licenciamento de todos os trabalhos e intervenções realizadas no prédio.
O pedido deverá ser devidamente instruído nos termos da legislação em vigor (Portaria 1113/15 e Regulamento da Edificação e da Urbanização do Município de Setúbal) acompanhado de projeto nas cores convencionadas, e demais elementos que se mostrem exigíveis à emissão dos pareceres das entidades externas, entre os quais os previstos no art° 31° do POPNA, no DL 140/09, no anexo ao regime da REN, e no DL 124/06 com as alterações em vigor.” [documentos juntos com o requerimento inicial].
H. A Informação mencionada na alínea anterior mereceu despacho de concordância da Chefe de Divisão do DURB do Município de Setúbal, de 17 de junho de 2020, comunicado à Requerente por ofício de 18 de junho de 2020 [documentos juntos com o requerimento inicial].
I. No dia 07 de julho de 2020, a Requerente recebeu o Ofício do Município de Setúbal n.º 2994/20/DAF/DIFAJ/NFU4.3.1/149C/16, com o seguinte teor:
«Assunto: ORDEM DE EMBARGO - LOCAL: CAMINHO DA COMENDA - PALÁCIO DA
COMENDA - SETÚBAL.
- REQUERIMENTO REGISTADO SOB O N.º 2965/20."
Exmos. Senhores
Relativamente ao assunto em epígrafe, essa Empresa notificada, na qualidade de proprietária do imóvel sito na morada acima identificada do Despacho proferido pela Sra. Vereadora E.........., em 03/06/20, no uso de competência delegada por Despacho nº 193/2017/GAP de 20/10, da ordem de embargo total, pelo prazo de seis meses, pela realização de obras sujeitas a controlo prévio, na forma de licenciamento, de acordo com a alínea d), do n.º 2, do art.º n.º 4, do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na sua atual redação e ainda que as mesmas se encontram sujeitas a parecer vinculativo da DGPC, uma vez que o imóvel em apreço se encontra em vias de classificação por esta entidade, de acordo com a Lei n.º 107/ 01, de 8 de setembro. Junto se anexa cópia integral da proposta que o motivou datada de 03/06/2020.
O desrespeito à presente ordem de embargo constitui um crime de desobediência, nos termos do art.º, 348.º do Código Penal.
Mais se informa, que os pedidos de esclarecimentos relativos ao procedimento podem ser realizados na Secção de Apoio Administrativo (SEAD), da Divisão de Fiscalização e Apoio Jurídico (DIFAJ), a funcionar no Edifício dos Ciprestes, sito na Avenida dos Ciprestes, n.015, em Setúbal, às segundas e sextas-feiras, no horário compreendido, das 9h:00 às 12h:30 e das 14h:00 às 15h:30.
Para marcação de atendimento ou consulta de processo, deve ser enviado pedido para o seguinte endereço eletrónico: fiscalizacao.municpal@mun-setubal.pt.” (documento n.º 1, junto com o Requerimento Inicial).
J. A coberto do ofício referido na alínea anterior o Requerido Município de Setúbal enviou à Requerente a informação do Núcleo de Fiscalização Urbanística do Município de Setúbal, de 03 de junho de 2020, sobre a qual foi exarado o despacho cuja suspensão da eficácia vem requerida nos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual se extrai o seguinte:
«(…)
Através de informação da Sra. Diretora do DURB, é solicitada ação de fiscalização ao Palácio da Comenda, na sequência de correspondência/ exposição da DGPC rececionada.
A referida correspondência tem como assunto: "Denúncia de danos patrimoniais no sítio arqueológico da Comenda e na Casa da Quinta,/Palácio da Comenda, Setúbal. Implementação de medidas de salvaguarda do património arqueológico."
E informa:
"A Direção-Geral do Património Cultural tomou conhecimento de que estão a decorrer obras na Casa da Quinta ou Palácio da Comenda, imóvel em vias de classificação, sem o devido parecer vinculativo desta Direção-Geral e, consequentemente, sem que tenham sido garantidas as obrigatórias medidas de salvaguarda do património arqueológico, conforme o disposto na Lei de Bases do Património Cultural (Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro).
As referidas intervenções abrangem, igualmente, a Zona Geral de Proteção do Imóvel em vias de classificação e terão provocado fortes impactes negativos no sítio arqueológico da Comenda, estação arqueológica de época romana inventariada na base de dados nacional com o CNS 34521 pela escavação das fundações para a construção de um novo muro.
Tendo em conta a importância do património arqueológico e arquitetónico da área de incidência desta operação urbanística, não aprovada pela DGPC, vimos pelo presente solicitar a V. Exa. que promova a imediata suspensão dos trabalhos em curso.
Consequentemente, deverá ser remetido à DGPC para emissão de parecer o projeto previsto para o imóvel e respetiva zona de servidão administrativa, a fim se serem determinadas as inerentes condicionantes ao futuro desenvolvimento dos mesmos, quer no âmbito da reabilitação do imóvel, quer quanto à minimização dos impactes sobre o sítio arqueológico.
Certos da total disponibilidade de V. Exa.°para a resolução célere desta situação, reiteramos a disponibilidade da DGPC para prestar eventuais esclarecimentos que se entendam por convenientes. ”
VERIFICAÇÕES ADMINISTRATIVAS
Relativamente ao presente processo:
”A Casa da Quinta da Comenda ou Palácio da Comenda constitui-se como um património de interesse excecional, razão que levou a Câmara Municipal, em Reunião de Câmara de 24 de fevereiro de 2016, a tomar a iniciativa de encetar o procedimento conducente à classificação deste imóvel. Ouvida a tutela do património cultural - a Direção Geral do Património Cultural (DGPC) - entendeu aquela entidade que o imóvel em questão se revestia de um interesse supranacional, pelo que, através do Anúncio n° 7812017 publicado em Diário da República, 2- série, de 5 de junho de 2017, foi consagrada a abertura de procedimento de classificação da Casa da Quinta da Comenda, passando a estar, a partir desse momento, em Vias de Classificação nos termos do disposto no n.0 5 do artigo 25o da Lei n.0107/2001 de 8 de setembro (Lei de bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural).”
Para o local em causa, após busca no sistema informático, verifica-se a entrada de licença administrativa (processo de obras nº 167/20), a 15/05/2020.
VERIFICAÇÕES NO LOCAL
A 21/05/2020, procedeu a fiscalização urbanística (Técnicas: G.......... e S.......... e a Chefe do Setor de Fiscalização (SFIS), Eng.a E……… Lisboa), a uma ação de fiscalização conjunta com a Arq.a I………….., do Gabinete Projeto Municipal das Areas de Reabilitação Urbana (GAPRU), ao Palácio da Comenda. A visita foi realizada na companhia do Engenheiro presente na obra Sr. N……..
No local, verificou-se no exterior da parcela de terreno, intervenção na vedação do mesmo, bem como na zona adjacente ao portão de acesso à propriedade, em plena estrada nacional, onde foi alterado o tratamento da berma, conforme se constata nas fotos anexas (1 a 4).
No interior da propriedade, verificou-se uma grande movimentação de terras (solo natural) (ver fotos n0s 5 e 6).
Na edificação (Palácio da Comenda), as fachadas encontram-se já com alguns andaimes colocados, não se verificando contudo ainda grandes intervenções fotos n0s 7 a 10). Verificou-se a substituição integral da estrutura e revestimento da cobertura. A nova estrutura já colocada é em madeira e aparenta ser semelhante à original fotos n0s 11 a 14), o revestimento está a ser executado com subtelha tipo Onduline e telha cerâmica de canudo.
No interior do edifício observaram-se algumas paredes picadas até ao osso fotos n0s 15 e 16), a remoção de parte da escadaria principal (que havia já colapsado em parte do seu percurso) e a recuperação e pintura de paredes, estuques e tetos em duas das salas do piso 1 (foto nº17). Na sala do mirante verificou-se a colocação de caixilharia em pvc de cor branca nos vãos (foto nº18).
(...)
CONCLUSÃO
Face ao exposto, conclui-se que todas as obras executadas na parcela de terreno, pertencente ao Palácio da Comenda, estão sujeitas a controlo prévio, na forma de licenciamento, de acordo com a alínea d), do n0 2, do artigo n0 4, do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.0 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação, e ainda que as mesmas se encontram sujeitas a parecer vinculativo da DGPC, uma vez que o imóvel em questão se encontra em vias de classificação por esta entidade, de acordo com a Lei n.0107/2001 de 8 de setembro.
Uma vez que as obras a decorrer se encontram em área do Parque Natural da Arrábida, as mesmas encontram-se também sujeitas a parecer vinculativo dessa entidade.
Desta forma, fica o seu proprietário sujeito às medidas de tutela e reposição da legalidade urbanística, sendo os atos praticados puníveis com contraordenação. PROPOSTA
Pelo exposto, propõe-se:
a) Que seja instaurado processo de contraordenação ao proprietário, do Palácio da Comenda, pela execução de operações urbanísticas (verificou-se no exterior da parcela de terreno, intervenção na vedação do mesmo, bem como na zona adjacente ao portão de acesso à propriedade, em plena estrada nacional, onde foi alterado o tratamento da berma. No interior da propriedade, verificou-se uma grande movimentação de terras (solo natural). Na edificação (Palácio da Comenda), as fachadas encontram-se já com alguns andaimes colocados, não se verificando contudo ainda grandes intervenções. Verificou-se a substituição integral da estrutura e revestimento da cobertura. A nova estrutura já colocada é em madeira e aparenta ser semelhante à original, o revestimento está a ser executado com subtelha tipo Onduline e telha cerâmica de canudo. No interior do edifício observaram-se algumas paredes picadas até ao osso, a remoção de parte da escadaria principal (que havia já colapsado em parte do seu percurso) e a recuperação e pintura de paredes, estuques e tetos em duas das salas do piso 1. Na sala do mirante verificou-se a colocação de caixilharia em pvc de cor branca nos vãos), sujeitas a controlo prévio, sem o respetivo alvará de licenciamento, de acordo com o disposto na alínea d), do nº 2, do artigo nº 4 do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação. A infração descrita constitui contraordenação nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 98º0 do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE), punível com coima graduada de € 500 até ao máximo de €200 000, no caso de pessoa singular, e de € 1500 até € 450 000, no caso de pessoa coletiva, segundo o n0 2 do artigo 98.0 do referido diploma.
b) Que seja instaurado processo de contraordenação ao proprietário, do Palácio da Comenda, por violação do artigo 45o, n0 3, da Lei n.0 107/2001 de 8 de setembro, qualificada como contraordenação grave nos termos do artigo 105o, alínea a), do citado diploma, punível com coima de € 1745,79 a €17 457,95 e de € 17 457,95 a €99 759,70, conforme sejam praticados por pessoa singular ou coletiva, pela execução das obras (verificou-se no exterior da parcela de terreno, intervenção na vedação do mesmo, bem como na zona adjacente ao portão de acesso à propriedade, em plena estrada nacional, onde foi alterado o tratamento da berma. No interior da propriedade, verificou- se uma grande movimentação de terras (solo natural). Na edificação (Palácio da Comenda), as fachadas encontram-se já com alguns andaimes colocados, não se verificando, contudo, ainda grandes intervenções. Verificou-se a substituição integral da estrutura e revestimento da cobertura. A nova estrutura já colocada é em madeira e aparenta ser semelhante à original, o revestimento está a ser executado com subtelha tipo Onduline e telha cerâmica de canudo. No interior do edifício observaram-se algumas paredes picadas até ao osso, a remoção de parte da escadaria principal (que havia já colapsado em parte do seu percurso) e a recuperação e pintura de paredes, estuques e tetos em duas das salas do piso 1. Na sala do mirante verificou-se a colocação de caixilharia em pvc de cor branca nos vãos) sem que previamente tivesse obtido parecer vinculativo da DGPC.
c) De acordo com a correspondência rececionada nesta edilidade remetida pela DGPC, em que solicita ”... a V. Exa. que promova a imediata suspensão dos trabalhos em curso...”. Por se constatar a violação do artigo 45o, n0 3, da Lei n° 107/2001 de 8 de setembro, propõe-se o embargo administrativo, por 6 meses das obras em curso (no exterior da parcela de terreno, intervenção na vedação do mesmo, bem como na zona adjacente ao portão de acesso à propriedade, em plena estrada nacional, onde foi alterado o tratamento da berma. No interior da propriedade, verificou-se uma grande movimentação de terras (solo natural). Na edificação (Palácio da Comenda), as fachadas encontram-se já com alguns andaimes colocados, não se verificando, contudo, ainda grandes intervenções. Verificou-se a substituição integral da estrutura e revestimento da cobertura. A nova estrutura já colocada é em madeira e aparenta ser semelhante à original, o revestimento está a ser executado com subtelha tipo Onduline e telha cerâmica de canudo. No interior do edifício observaram-se algumas paredes picadas até ao osso, a remoção de parte da escadaria principal (que havia já colapsado em parte do seu percurso) e a recuperação e pintura de paredes, estuques e tetos em duas das salas do piso 1. Na sala do mirante verificou-se a colocação de caixilharia em pvc de cor branca nos vãos), nos termos do artigo 47º do mesmo diploma.
d) Mais se propõe que se dispense a audiência dos interessados, nos termos do artigo 124º, nº1, alíneas a) e c), do Código do Procedimento Administrativo.
e) Que se informe que o desrespeito à ordem de embargo constitui um crime de desobediência, nos termos do art.0348o do Código Penal.
J) Informa-se que a ordem de embargo caduca logo que for proferida uma decisão que defina a situação jurídica da obra com carácter definitivo.
g) Propõe-se que o embargo seja comunicado à Conservatória do Registo Predial, E….. (D……., S.A) e A……….
(...)
1.-À Consideração Superior;
2- À SEAD - Que se dê conhecimento da presente informação à empresa proprietária, à DGPC, ao Parque Natural da Arrábida e às E...........» [documento do processo administrativo apenso aos autos/documento n.º 1, junto com o requerimento inicial].”
*
Nos termos do art. 662º, nº 1 do CPC adita-se a seguinte factualidade:

K) No dia 31 de março de 2020, a Requerente recebeu um e-mail do ICNF – Parque Natural da Arrábida, com o ofício S 15009, dizendo:
a. De acordo com a Memória descritiva, a recuperação do telhado corresponde a um dos pontos vitais para a manutenção de toda a estrutura do edifício e para salvaguardar os futuros trabalhos de conservação do palácio.

b. Embora as obras tenham sido iniciadas sem o parecer prévio do ICNF, I.P., verifica-se que a proposta de recuperação de parte do telhado, não altera a área pré-existente, tendo enquadramento nas normas do Plano de Ordenamento do PNA – cf. doc. nº 85 junto ao r.i.


*


II.2 De Direito


Em conformidade com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) ex vi art. 140º do Código de processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

As questões a decidir neste recurso residem em aferir:

- da nulidade do despacho prévio à sentença (por falta de fundamentação constitui nulidade da decisão proferida, nos termos dos artigos 613.º, n.º 3, e 615.º (parte indica por lapso 618), n.º 1, b) do CPC.

- da omissão de matéria de facto (da sentença recorrida);

- do erro de direito.

Apreciando;

ü Da nulidade do despacho prévio à sentença / da omissão da matéria de facto

No que concerne à falta de fundamentação do despacho prévio à sentença, o juiz, ao abrigo do disposto no abrigo do artigo 118.º do CPTA, só tem de determinar a produção de mais prova se os factos que se mantiverem controvertidos, após apresentação dos articulados, importarem para a decisão a proferir, em conformidade com os critérios de decisão/decretamento das providência, previstos no artigo 120º do CPTA (v. entre muitos outros, cf. a título ilustrativo os acórdãos do TCAS de 10.8.2015, recurso nº 12.424/15 (Processo nº 232/15.7BECTB-A), e de 6.10.2016, recurso nº 13.590/16 (Processo nº 53/16.0BEBJA), acórdãos do TCAN de 15.2.2019, Processo nº 593/18.6BECBR e de 3.5.2019, Processo nº 453/18.0BEMDL, in www.gdsi.pt ).

Donde, só ocorre a violação do art.º 118.º do CPTA, decorrente do despacho de indeferimento da prova, se se concluir nos autos pela indispensabilidade de produzir os meios de prova que venham requeridos para se poder apurar os factos necessários ao correspondente julgamento.

Ora, a Recorrente limita-se a fazer a transcrição dos alegados factos indicados no requerimento cautelar (artigos 13º a 18º e 22º a 46º), sem especificar qual a sua relevância individual para a decisão. Tendo o Tribunal aditado um dos factos alegados (art.26º do r.i.), atenta a sua relevância para a resolução do caso sub iudice.

Aliás, na Oposição não houve uma impugnação especificada dos factos alegados no requerimento cautelar, o que nos termos do art. 118.º, nº 2 do CPTA, conduziria a sua admissão por acordo.

Por outro lado, a maior parte dos alegados factos sempre constariam de documentos juntos ao r. i (vg. factos 23º, 24º, 25º, 26º, 28º, 29º, 30º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 38º), donde a ter havido algum erro seria a omissão de matéria de facto da sentença recorrida e não do despacho pré sentença. Sendo o alegado em 40º do r.i. matéria de direito e em 41º e 42º matéria conclusiva, portanto afastados do juízo de facto a elaborar pelo Tribunal. O facto 44º está na alínea G) do probatório.

Por último, a insuficiência da matéria de facto da decisão recorrida poderá ser sindicada pelos TCAs, no recurso de apelação, ou pelo STA, em recurso de revista (artigos 662.º, n.º 2, alínea c), e 682.º, n.º 3, do CPC) – vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 723.

Em face do que não assiste qualquer razão à Recorrente, improcedendo o recurso nesta parte.

Aliás conclui a Recorrente:

Tais factos são necessários e relevantes para a boa decisão da causa.

Com efeito, a Recorrente alegou que a dispensa, sem qualquer fundamentação, da sua audição prévia gerou a ilegalidade do ato administrativo de embargo de obra decretado pelo Município de Setúbal precisamente, porque nas condições dos factos alegados, esse ato não é vinculado, quanto ao fim, e teria a administração a possibilidade de ter produzido um outro ato administrativo e até com outro conteúdo. E por isso, a relevância do direito de audição prévia da Recorrente.”

O que nos transporta para o alegado erro de julgamento.

ü Do erro de julgamento quanto à preterição de audiência prévia / “aproveitamento” do acto suspendendo

Através do despacho suspendendo – acto de embargo – foi decidido dispensar a audiência prévia da Recorrente nos ternos do art. 124º, alíneas a) e c) do CPA.

Foi o seguinte o discurso fundamentador da sentença recorrida:

De acordo com o alegado pela Requerente, o presente processo cautelar é instaurado previamente a uma ação administrativa para impugnação do ato da Vereadora da Câmara Municipal de Setúbal E.........., de 03 de junho de 2020, que decretou o embargo total das obras em curso no Solar da Comenda/Palácio da Comenda e no interior e exterior da respetiva parcela de terreno, colhendo a informação do Núcleo de Fiscalização Urbanística do Município de Setúbal, de 03 de junho de 2020, mencionada na alínea J), da matéria de facto indiciariamente provada, cuja suspensão da eficácia vem requerida.

A Requerente sustentou a ilegalidade do ato suspendendo, alegando, em suma, que não foram indicadas as razões que fundamentam a dispensa da audiência dos interessados, nem se verifica uma situação objetiva justificativa da urgência na determinação do embargo, e que estão em causa obras de mera conservação e limpeza que não implicam a alteração da natureza ou da cor dos materiais de revestimento exterior, consubstanciando a realização das obras previstas no artigo 102.º, n.º 3, do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação, e no artigo 33.º, da Lei n.º 107/2001 de 8 de setembro, que levou a cabo, de imediato, após a ter adquirido o imóvel, para evitar o seu desaparecimento, tendo já efetuado a comunicação da situação de perigo do imóvel.
O Requerido defendeu que o embargo administrativo é uma medida de tutela da legalidade urbanística urgente por natureza, pelo que teria de se considerar devidamente fundamentada a dispensa da audiência prévia, que as obras objeto da ordem de embargo excedem a mera reparação pontual, que quaisquer obras ou intervenções no imóvel em causa, ainda que de mera conservação ou reconstrução, estão sujeitas a prévio licenciamento administrativo e dependem de autorização da Direção Geral do Património Cultural, por se tratar de um imóvel em vias de classificação, e que o Município está vinculado a determinar o embargo administrativo de quaisquer obras ou trabalhos em bens imóveis classificados ou em vias de classificação.
O artigo 121.º, do Código do Procedimento Administrativo, no seu n.º 1, estabelece: “Sem prejuízo do disposto no artigo 124.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.”.
A audiência dos interessados pode ser dispensada nas situações previstas no n.º 1, do artigo 124.º, do Código do Procedimento Administrativo, nomeadamente quando a decisão seja urgente ou quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão [alíneas a) e c)].
Em qualquer das situações previstas no n.º 1, do artigo 124.º, a decisão final deve indicar as razões da não realização da audiência [cfr. artigo 124.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo].
O ato suspendendo, que se apropriou da informação do Núcleo de Fiscalização Urbanística do Município de Setúbal, sobre a qual foi exarado, não indica as razões justificativas da não realização da audiência prévia, limitando-se a invocar as citadas alíneas a) e c), do n.º 1, do artigo 124.º, do Código do Procedimento Administrativo, sendo certo que, ao contrário do defendido pelo Requerido, na oposição, o embargo administrativo de obras, sendo uma medida cautelar, não tem necessariamente carácter urgente.
Como se refere no douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15-11-2006 Processo n.º 0531/06, disponível em www.dgsi.pt, a urgência do embargo “teria que derivar de uma situação objetiva concreta que impulsionasse os poderes públicos a uma imediata execução da determinação, de forma a evitar a continuação da violação da ordem jurídica em matéria de urbanismo e construção e, portanto, de maneira a impedir a sedimentação de um quadro de facto que tornasse mais difícil a reposição de legalidade.”.
Perante o exposto, temos de concordar com a Requerente quando defende que o ato suspendendo viola o direito de audiência prévia, consagrado no artigo 121.º, do Código do Procedimento Administrativo.
Resta saber se esse vício conduz à anulação do ato de embargo suspendendo.
O n.º 5, do artigo 163.º, do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de janeiro, estabelece: “Não se produz o efeito anulatório quando: a) O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível; b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via; c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.”.
Em matéria de urbanismo e construção é vinculada a ação da Administração no que concerne aos embargos de obras efetuadas em desrespeito da lei. A prossecução do princípio da proporcionalidade, invocado pela Requerente, assume relevância autónoma quando a Administração atua no exercício de poderes discricionários, porque, quando atua no exercício da atividade vinculada a prossecução desse princípio encontra-se tutelada pelo princípio da legalidade - vd. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2006 (Processo n.º 0531/06), e de 22.05.2007 (Processo n.º 0125/07), disponíveis em www.dgsi.pt
Na informação do Núcleo de Fiscalização Urbanística do Município de Setúbal mencionada na alínea J), da matéria de facto indiciariamente provada, sobre a qual foi exarado o despacho suspendendo, refere-se que, em ação de fiscalização levada a cabo no dia 21 de maio de 2020, ao Palácio da Comenda, propriedade da Requerente, “verificou-se no exterior da parcela de terreno, intervenção na vedação do mesmo, bem como na zona adjacente ao portão de acesso à propriedade, em plena estrada nacional, onde foi alterado o tratamento da berma, conforme se constata nas fotos anexas (1 a 4). No interior da propriedade, verificou-se uma grande movimentação de terras (solo natural) (ver fotos nºs 5 e 6). Na edificação (Palácio da Comenda), as fachadas encontram-se já com alguns andaimes colocados, não se verificando, contudo, ainda grandes intervenções (fotos nºs 7 a 10). Verificou-se a substituição integral da estrutura e revestimento da cobertura. A nova estrutura já colocada é em madeira e aparenta ser semelhante à original (fotos nºs 11 a 14), o revestimento está a ser executado com subtelha tipo Onduline e telha cerâmica de canudo. No interior do edifício observaram-se algumas paredes picadas até ao osso (fotos nºs 15 e 16), a remoção de parte da escadaria principal (que havia já colapsado em parte do seu percurso) e a recuperação e pintura de paredes, estuques e tetos em duas das salas do piso 1 (foto nº 17). Na sala do mirante verificou-se a colocação de caixilharia em pvc de cor branca nos vãos (foto nº 18).”.

Na mesma informação do Núcleo de Fiscalização Urbanística do Município de Setúbal, de que o ato de embargo suspendendo se apropriou, concluiu-se que as referidas obras “estão sujeitas a controlo prévio, na forma de licenciamento, de acordo com a alínea d), do nº 2, do artigo nº 4, do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação, e ainda que as mesmas se encontram sujeitas a parecer vinculativo da DGPC, uma vez que o imóvel em questão se encontra em vias de classificação por esta entidade, de acordo com a Lei n.º 107/2001 de 8 de setembro. Uma vez que as obras a decorrer se encontram em área do Parque Natural da Arrábida, as mesmas encontram-se também sujeitas a parecer vinculativo dessa entidade.», propondo-se, na parte que agora importa, o embargo total das obras em curso, por 6 meses, por “se constatar a violação do artigo 45º, nº 3, da Lei n.º 107/2001 de 8 de setembro”.

Resulta da matéria de facto indiciariamente provada que se encontra em curso procedimento de classificação da Casa da Quinta da Comenda ou Palácio da Comenda, e respetivo património móvel integrado, no Outão, com acesso pela EN 10-4, ao km 6,780, União das Freguesias de Setúbal (São Julião, Nossa Senhora da Anunciada e Santa Maria da Graça), concelho e distrito de Setúbal. [alíneas C) e D), da matéria de facto indiciariamente provada].

Trata-se de um procedimento de âmbito nacional, aberto por despacho da Diretora-Geral do Património Cultural, de 19 de abril de 2017, notificado ao Município de Setúbal por Ofício da Direção Geral do Património Cultural com registo de entrada nos respetivos serviços de 07 de junho de 2017, tendo a respetiva abertura sido objeto de anúncio publicado no Diário da República n.º 108/2017, Série II, de 05 de junho de 2017, nos termos do n.º 2, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, onde se pode ler, designadamente, que o bem imóvel está em vias de classificação, de acordo com o n.º 5 do artigo 25.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro e que o bem imóvel em vias de classificação e os localizados na zona geral de proteção (50 metros contados a partir dos seus limites externos) ficam abrangidos pelas disposições legais em vigor, designadamente, os artigos 32.º, 34.º, 36.º, 37.º, 42.º, 43.º e 45.º da referida lei, e o n.º 2 do artigo 14.º e o artigo 51.º do referido decreto-lei [alíneas C) a F), da matéria de facto indiciariamente provada].

O n.º 5, do artigo 25.º, da Lei n.º 107/2001 de 8 de setembro, diploma que estabelece as bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural, prevê: “Um bem considera-se em vias de classificação a partir da notificação ou publicação do ato que determine a abertura do respetivo procedimento, nos termos do seu n.º 1, no prazo máximo de 60 dias úteis após a entrada do respetivo pedido.”.
O n.º 1, do artigo 14.º, do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, diploma que estabelece o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural e o regime jurídico das zonas de proteção e do plano de pormenor de salvaguarda, desenvolvendo o regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, dispõe: “Um bem imóvel é considerado em vias de classificação a partir da notificação da decisão de abertura do respetivo procedimento de classificação ou da publicação do respetivo anúncio, consoante aquela que ocorra em primeiro lugar, nos termos previstos no artigo 9.º”.
Resulta, pois, que as obras objeto do ato de embargo suspendendo, descritas na informação do Núcleo de Fiscalização Urbanística do Município de Setúbal, de 03 de junho de 2020, sobre a qual foi exarado, decorriam num imóvel em vias de classificação, como é referido nesta informação, o que, de resto, a Requerente não questiona.
De acordo com o disposto no n.º 2, do artigo 14.º, do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, os bens imóveis em vias de classificação ficam ao abrigo, designadamente, do regime de suspensão relativo aos procedimentos de concessão de licenças ou autorizações, nos termos do artigo 42.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, bem como a suspensão dos procedimentos de admissão de comunicações prévias [al. g)], das restrições previstas para a zona geral de proteção ou zona especial de proteção provisória, nos termos do artigo 43.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro [al. h)], e do pedido de autorização de obras ou intervenções no bem imóvel, nos termos do artigo 45.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro [al. i)].
O artigo 42.º, da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, estabelece: “A notificação do ato que determina a abertura do procedimento de classificação de bens imóveis nos termos do artigo 15.º da presente lei opera, além de outros efeitos previstos nesta lei, a suspensão dos procedimentos de concessão de licença ou autorização de operações de loteamento, obras de urbanização, edificação, demolição, movimento de terras ou atos administrativos equivalentes, bem como a suspensão dos efeitos das licenças ou autorizações já concedidas, pelo prazo e condições a fixar na lei.” (n.º 1). “Enquanto outro prazo não for fixado pela legislação de desenvolvimento, o mesmo será de 120 dias para efeito de aplicação do disposto neste artigo.” (n.º 2). “As operações urbanísticas que se realizem em desconformidade com o disposto no número anterior são ilegais, podendo a administração do património cultural competente ou os municípios ordenar a reconstrução ou demolição, pelo infrator ou à sua custa, nos termos da legislação urbanística, com as devidas adaptações.” (n.º 3). “A classificação dos bens a que se refere o n.º 1 gera a caducidade dos procedimentos, licenças e autorizações suspensos nos termos deste preceito, sem prejuízo de direito a justa indemnização pelos encargos e prejuízos anormais e especiais resultantes da extinção dos direitos previamente constituídos pela Administração.” (n.º 4).
O artigo 15.º, do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, prevê: “A suspensão dos procedimentos de concessão de licença ou autorização e de admissão de comunicações prévias, bem como dos efeitos de licença ou autorização já concedidas e de comunicações prévias já admitidas, prevista no artigo 42.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, mantém-se até à decisão final do procedimento de classificação, salvo se outro prazo for estabelecido na decisão de abertura do respetivo procedimento de classificação.”.
O artigo 16.º, do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, estipula: “O regime de suspensão previsto no artigo 42.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, e na alínea g) do n.º 2 do artigo 14.º aplica-se aos bens imóveis situados na zona geral de proteção ou na zona especial de proteção provisória, desde que tal seja expressamente indicado na decisão de abertura do procedimento de classificação, e mantém-se até à decisão final do procedimento de classificação.”.
O artigo 43.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, dispõe: “Os bens imóveis classificados nos termos do artigo 15.º da presente lei, ou em vias de classificação como tal, beneficiarão automaticamente de uma zona geral de proteção de 50 m, contados a partir dos seus limites externos, cujo regime é fixado por lei.” (n.º 1). “Os bens imóveis classificados nos termos do artigo 15.º da presente lei, ou em vias de classificação como tal, devem dispor ainda de uma zona especial de proteção, a fixar por portaria do órgão competente da administração central ou da Região Autónoma quando o bem aí se situar.” (n.º 2). “Nas zonas especiais de proteção podem incluir-se zonas non aedificandi.” (n.º 3). “As zonas de proteção são servidões administrativas, nas quais não podem ser concedidas pelo município, nem por outra entidade, licenças para obras de construção e para quaisquer trabalhos que alterem a topografia, os alinhamentos e as cérceas e, em geral, a distribuição de volumes e coberturas ou o revestimento exterior dos edifícios sem prévio parecer favorável da administração do património cultural competente.” (n.º 4). “Excluem-se do preceituado pelo número anterior as obras de mera alteração no interior de imóveis.”.
O n.º 1, do artigo 37.º, do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, estabelece: “A zona geral de proteção tem 50 m contados dos limites externos do bem imóvel e vigora a partir da data da decisão de abertura do procedimento de classificação.”.
O artigo 51.º, do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, determina: “Nas zonas de proteção de bens imóveis em vias de classificação ou de bens imóveis classificados de interesse nacional ou de interesse público não podem ser concedidas pela câmara municipal ou por qualquer outra entidade licença para as operações urbanísticas admissão de comunicação prévia ou autorização de utilização previstas no regime jurídico da urbanização e da edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, sem parecer prévio favorável do IGESPAR, I. P.” (n.º 1). “Excetuam-se do disposto no número anterior: a) As obras de mera alteração no interior de bens imóveis, sem impacte arqueológico; b) As operações urbanísticas expressamente indicadas na portaria que fixa a zona especial de proteção, nos termos do artigo 43.º” (n.º 2). “A câmara municipal competente notifica o IGESPAR, I. P., e a direção regional de cultura territorialmente competente, das licenças ou autorizações concedidas e das comunicações prévias admitidas ao abrigo da alínea b) do número anterior, no prazo de 15 dias.” (n.º 3). “As licenças ou autorizações concedidas e as comunicações prévias admitidas que infrinjam o disposto no n.º 1 e na alínea b) do n.º 2 são nulas.” (n.º 4).
O artigo 45.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, estipula: “Os estudos e projetos para as obras de conservação, modificação, reintegração e restauro em bens classificados, ou em vias de classificação, são obrigatoriamente elaborados e subscritos por técnicos de qualificação legalmente reconhecida ou sob a sua responsabilidade direta.” (n.º 1). “Os estudos e projetos referidos no número anterior devem integrar ainda um relatório sobre a importância e a avaliação artística ou histórica da intervenção, da responsabilidade de um técnico competente nessa área.” (n.º 2). “As obras ou intervenções em bens imóveis classificados nos termos do artigo 15.º da presente lei, ou em vias de classificação como tal, serão objeto de autorização e acompanhamento do órgão competente para a decisão final do procedimento de classificação, nos termos definidos na lei.” (n.º 3). “Concluída a intervenção, deverá ser elaborado e remetido à administração do património cultural competente um relatório de onde conste a natureza da obra, as técnicas, as metodologias, os materiais e os tratamentos aplicados, bem como documentação gráfica, fotográfica, digitalizada ou outra sobre o processo seguido.” (n.º 4).
De acordo com o disposto no n.º 1, do artigo 30.º, do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, “[a] decisão final do procedimento de classificação de bem imóvel como de interesse nacional cabe ao Governo, sob a forma de decreto, mediante proposta do membro do Governo responsável pela área da cultura.”.
O artigo 33.º, da Lei n.º 107/2001 de 8 de setembro, estabelece: “Logo que a Administração Pública tenha conhecimento de que algum bem classificado, ou em vias de classificação, corra risco de destruição, perda, extravio ou deterioração, deverá o órgão competente da administração central, regional ou municipal determinar as medidas provisórias ou as medidas técnicas de salvaguarda indispensáveis e adequadas, podendo, em caso de impossibilidade própria, qualquer destes órgãos solicitar a intervenção de outro.” (n.º 1). “Se as medidas ordenadas importarem para o detentor a obrigação de praticar determinados atos, deverão ser fixados os termos, os prazos e as condições da sua execução, nomeadamente a prestação de apoio financeiro ou técnico.” (n.º 2). “Além das necessárias medidas políticas e administrativas, fica o Governo obrigado a instituir um fundo destinado a comparticipar nos atos referidos no n.º 2 do presente artigo e a acudir a situações de emergência ou de calamidade pública.” (n.º 3).
O artigo 47.º, da Lei n.º 107/2001 de 8 de setembro, dispõe: “O organismo competente da administração do Estado, da administração regional autónoma ou da administração municipal deve determinar o embargo administrativo de quaisquer obras ou trabalhos em bens imóveis classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ou em vias de classificação como tal, cuja execução decorra ou se apreste a iniciar em desconformidade com a presente lei.” (n.º 1). “O disposto no número anterior aplica-se também às obras ou trabalhos em zonas de proteção de bens imóveis classificados nos termos do artigo 15.º da presente lei, ou em vias de classificação como tal.” (n.º 2). “A lei determinará as demais medidas provisórias aplicáveis.” (n.º 3).
Nos termos da alínea d), do n.º 2, do artigo 4.º, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro (RJUE), estão sujeitas a licença administrativa as obras de conservação, reconstrução, ampliação, alteração ou demolição de imóveis classificados ou em vias de classificação, bem como de imóveis integrados em conjuntos ou sítios classificados ou em vias de classificação, e as obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração exterior ou demolição de imóveis situados em zonas de proteção de imóveis classificados ou em vias de classificação.
Conforme decorre do disposto no n.º 3, do artigo 45.º, da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, quaisquer obras ou intervenções em bens imóveis em vias de classificação, ainda que de mera conservação ou reconstrução, estão sujeitas a autorização do órgão competente para a decisão final do procedimento de classificação, que não ocorreu no caso sub judice, como a própria Requerente admite, resultando da matéria de facto indiciariamente provada que as obras objeto do ato de embargo suspendendo estavam a ser executadas sem qualquer ato administrativo de controlo prévio, sendo certo que o imóvel onde decorriam mantém-se ao abrigo do regime de suspensão relativo aos procedimentos de concessão de licenças ou autorizações e das restrições para as zonas de proteção previstos nos artigos 42.º e 43.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, até à decisão final do respetivo procedimento de classificação [artigos 14.º, n.º 2, alíneas g), h) e i), 15.º, 16.º, 37.º, n.º 1 e 51.º, do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro].
O artigo 47.º, da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, invocado na informação sobre a qual foi exarado o ato suspendendo, impõe o embargo de quaisquer obras ou trabalhos em bens imóveis classificados ou em vias de classificação, bem como nas respetivas zonas de proteção, cuja execução decorra ou se apreste a iniciar em desconformidade com a Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, estando as obras em causa a ser executadas em imóvel em vias de classificação sem autorização do órgão competente para a decisão do procedimento de classificação, em desconformidade com o disposto no n.º 3, do artigo 45.º, da Lei n.º 107/2001, de 9 de setembro, também invocado na informação sobre a qual foi exarado o ato suspendendo, sendo competente no caso um órgão da Administração Central, uma vez que estamos perante um procedimento de classificação de âmbito nacional, conforme decorre do despacho da Diretora Geral do Património Cultural que determinou a abertura do respetivo procedimento de classificação, exarado sobre a proposta da Direção-Geral do Património Cultural mencionada na alínea C), da matéria de facto indiciariamente provada, que solicitou ao Requerido Município de Setúbal que promovesse a imediata suspensão dos trabalhos em curso na Casa da Quinta ou Palácio da Comenda em vias de classificação e na respetiva zona geral de proteção, não podendo ser impostas medidas destinadas a prevenir o risco de destruição, perda, extravio ou deterioração do imóvel sem a aprovação do órgão competente da Administração Central [artigos 15.º, 33.º, 45.º, n.º 3 e 47.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro].
Perante o exposto, temos de concluir que o embargo decretado corresponde à solução legal para o caso concreto, não podendo o apelo ao princípio da proporcionalidade determinar a anulação do ato administrativo praticado no exercício de poderes estritamente vinculados. Como já anteriormente referimos, quando a Administração atua no exercício da atividade vinculada, como sucede no caso, a prossecução do princípio da proporcionalidade encontra-se tutelada pelo princípio da legalidade, fundamento, critério e limite de toda a atividade administrativa.
Assim, a preterição da audiência dos interessados, que visa garantir a participação dos interessados nas decisões que os afetam e contribuir para o acerto das decisões administrativas, não deverá conduzir à anulação do ato suspendendo, que a Requerente pretende impugnar na ação principal, face ao princípio do aproveitamento do ato, consagrado no n.º 5, do artigo 163.º, do Código do Procedimento Administrativo.

Não podendo concluir, com base numa apreciação global e sumária, própria da tutela cautelar, pela existência de uma probabilidade forte de a ação principal vir a proceder, a tutela cautelar requerida tem de ser recusada, por não se verificar um dos requisitos cumulativos de que a lei faz depender a concessão de medidas cautelares, o requisito do fumus boni iuris, ficando assim prejudicada a indagação sobre a verificação do requisito do periculum in mora e a ponderação de interesses a que alude o n.º 2, do artigo 120.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”

Decisão acertada que antecipamos, desde já, é de manter, reforçando-se alguns pontos em face das conclusões recursivas.
Insurge-se a Recorrente, no que concerne ao erro de julgamento de direito, com enfoque no supra decidido, de que a “preterição da audiência dos interessados, que visa garantir a participação dos interessados nas decisões que os afetam e contribuir para o acerto das decisões administrativas, não deverá conduzir à anulação do ato suspendendo”, nos termos do artigo 163.º, n.º 5 do Código do Procedimento Administrativo.
O recurso ao princípio do aproveitamento do acto administrativo foi desenvolvido pela jurisprudência administrativa, que o legislador na revisão do CPA de 2015, operada pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de Janeiro, veio a consagrar no artigo 163º, nº 5, do CPA quanto à anulação administrativa.
O princípio do aproveitamento do acto administrativo, enquanto corolário do princípio da economia dos actos públicos, permite que a anulação de um acto administrativo não seja pronunciada quando seja seguro que o novo acto a emitir, isento desse vício, não poderá deixar de ter o mesmo conteúdo decisório que tinha o acto impugnado (ausência do efeito anulatório).
Esta ausência do efeito anulatório radica, portanto, num juízo de prognose póstuma (análise posterior) da irrelevância desse vício.
Como alude o Prof. PEDRO MACHETE, “O aproveitamento do actos administrativos ilegais”, in Estudos em homenagem a Rui Machete, p. 831,
“… A regra, por força do princípio da legalidade, é a relevância invalidante de todos os vícios de ilegalidade: são anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção. O afastamento de tal regra pode ser legítimo, a título excecional, por consideração de outros princípios, como os da eficiência e celeridade e da eficácia da Administração na prossecução do interesse público. Mas, mesmo nesses casos, em especial quanto esteja a ser atuado o controlo jurisdicional da atividade administrativa, exige-se que os tribunais administrativos não se substituam à Administração. Assim, e como referido, é indispensável assegurar que a exclusão do efeito anulatório constitui o meio necessário e suficiente para evitar que a Administração tenha de proceder à renovação de um ato administrativo anterior materialmente correto. Tal exige um juízo de certeza positiva quanto à não interferência da ilegalidade cometida com o conteúdo desse mesmo ato. A ilegalidade em apreço apenas pode deixar de relevar, se se verificar que a mesma não teve a menor influência na decisão, pelo que, se se renovasse esta última observando as normas jurídicas anteriormente preteridas, o conteúdo da nova decisão seria necessariamente idêntico ao da decisão ilegal anterior.”

E, no caso em apreço, atenta a fundamentação expendida na sentença recorrida outra não poderia ser a decisão do Recorrido, não só em face das comunicações / alertas feitos por outras entidades; como a localização e classificação do imóvel em causa e dos pareceres obrigatórios que estavam sujeitam as operações urbanísticas aí realizadas, designadamente à emissão dos pareceres das entidades externas.

Com efeito, de acordo com a informação que fundamentou o acto suspendendo:

“.. No local, verificou-se no exterior da parcela de terreno, intervenção na vedação do mesmo, bem como na zona adjacente ao portão de acesso à propriedade, em plena estrada nacional, onde foi alterado o tratamento da berma, conforme se constata nas fotos anexas (1 a 4).

No interior da propriedade, verificou-se uma grande movimentação de terras (solo natural) (ver fotos nºs 5 e 6).
Na edificação (Palácio da Comenda), as fachadas encontram-se já com alguns andaimes colocados, não se verificando, contudo, ainda grandes intervenções (fotos nºs 7 a 10). Verificou-se a substituição integral da estrutura e revestimento da cobertura. A nova estrutura já colocada é em madeira e aparenta ser semelhante à original (fotos nºs 11 a 14), o revestimento está a ser executado com subtelha tipo Onduline e telha cerâmica de canudo.

No interior do edifício observaram-se algumas paredes picadas até ao osso (fotos nºs 15 e 16), a remoção de parte da escadaria principal (que havia já colapsado em parte do seu percurso) e a recuperação e pintura de paredes, estuques e tetos em duas das salas do piso 1 (foto nº 17). Na sala do mirante verificou-se a colocação de caixilharia em pvc de cor branca nos vãos (foto nº 18).”

Donde, para além da falta de licenciamento das obras efectuadas, como se alude na mesma Informação de 03.06.2020, as “mesmas [obras] se encontram sujeitas a parecer vinculativo da DGPC, uma vez que o imóvel em questão se encontra em vias de classificação por esta entidade, de acordo com a Lei n.º 107/2001 de 8 de setembro.

Uma vez que as obras a decorrer se encontram em área do Parque Natural da Arrábida, as mesmas encontram-se também sujeitas a parecer vinculativo dessa entidade”.

Fundamentos que a Recorrente não afastou ou questionou.

Por conseguinte, não corresponde à realidade que as aludidas obras embargadas se tratam apenas de “obras urgentes e necessárias de conservação e manutenção da estrutura de modo a que a mesma não desabe e se venha a transformar numa ruina, conforme reconhecido pelo ICNF – Parque Natural da Arrábida e que vão ao encontro do interesse público “, na medida em que excedem o âmbito da autorização concedida pelo ICNF – vide alínea K) do probatório.

De igual modo, carece de fundamento o alegado erro imputado à sentença recorrida de que a audiência prévia poderia servir para que o Recorrido pudesse determinar a realização das obras previstas no artigo 102.º, n.º 3 do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE), segundo o qual “independentemente das situações previstas no n.º 1, a câmara municipal pode:

a) Determinar a execução de obras de conservação necessárias à correção de más condições de segurança ou salubridade ou à melhoria do arranjo estético”.

Ora, o previsto no nº 1 do mesmo preceito legal é que:

1 - Os órgãos administrativos competentes estão obrigados a adotar as medidas adequadas de tutela e restauração da legalidade urbanística quando sejam realizadas operações urbanísticas:
a) Sem os necessários atos administrativos de controlo prévio;
b) Em desconformidade com os respetivos atos administrativos de controlo prévio;
c) Ao abrigo de ato administrativo de controlo prévio revogado ou declarado nulo;
d) Em desconformidade com as condições da comunicação prévia;
e) Em desconformidade com as normas legais ou regulamentares aplicáveis”
.

Não que seja medida alternativa de reposição à protecção da legalidade urbanística de embargo (nº 2, alínea a).

Também aqui falece razão à Recorrente.

O juízo formulado pelo Tribunal a quo teve como pressuposto um regime especifico uma vez que o imóvel em questão se encontra em vias de classificação por esta entidade, de acordo com a Lei n.º 107/2001 de 8 de Setembro – facto não contestado pela Recorrente - e que está perfeitamente assumido no acto suspendendo, enquanto pressuposto de facto e de direito.

Ainda que se tratassem de obras de conservação ou de reconstrução, como defende a Recorrente, tal não as isentaria da respectiva licença administrativa como resulta do art. 4º, nº 2 al, d) do RJUE, segundo qual “As obras de conservação, reconstrução, ampliação, alteração ou demolição de imóveis classificados ou em vias de classificação, bem como de imóveis integrados em conjuntos ou sítios classificados ou em vias de classificação, e as obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração exterior ou demolição de imóveis situados em zonas de proteção de imóveis classificados ou em vias de classificação.”

E não como pretende a Recorrente isenta de controlo prévio por força do disposto na alínea a) do nº 1 do art.º 6.º do RJUE.

O que significa que estavam sujeitas a licenciamento administrativo que exigiria a apresentação dos respectivos estudos e projectos a serem aprovados pela Direcção-Geral do Património Cultural.

Aliás, se o Recorrido autorizasse as referidas obras sem a consulta das aludidas entidades tal acto seria nulo, em conformidade com o disposto no nº 4 do artº 43º da Lei 107/2001, tornava-se necessária a emissão de prévio parecer favorável do IPPAR para o licenciamento de obras (descritas nos autos) em imóvel situado na zona de protecção do imóvel em via de classificação, pelo que, não tendo sido emitido e face ao disposto nos artigos 4º, nº 2, 18, nº 1 º e 68, alínea c) do RJUE.

Ao contrário do que alega a Recorrente na fundamentação do embargo de obra não esteve somente o facto relativo à realização da obra sem licença, sem mais, o que a ser assim não consubstanciaria justificação suficiente para a dispensa de audiência prévia, nos termos do art.º 100º, n.º 3 do CPA (cf. neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Novembro de 2006, processo 0531/06, publicado em www.dgsi.pt e Fernanda Paula Oliveira e Outros, ibidem, pág. 650).

Mas sim porque tratava de obras de intervenção em imóvel em vias de classificação, sendo o embargo uma das medidas impostas às entidades administrativas conforme o disposto no art. 47º do DL 107/2001, sob a epígrafe : “Embargos e medidas provisórias

“1 - O organismo competente da administração do Estado, da administração regional autónoma ou da administração municipal deve determinar o embargo administrativo de quaisquer obras ou trabalhos em bens imóveis classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ou em vias de classificação como tal, cuja execução decorra ou se apreste a iniciar em desconformidade com a presente lei.
2 - O disposto no número anterior aplica-se também às obras ou trabalhos em zonas de protecção de bens imóveis classificados nos termos do artigo 15.º da presente lei, ou em vias de classificação como tal”.

Alega ainda a Recorrente que o n.º 5, do artigo 163.º, do Código do Procedimento Administrativo, na interpretação realizada pelo Tribunal a quo seria inconstitucional, por violar o direito ao recurso contencioso, direito de natureza análoga aos direitos fundamentais, liberdades e garantias, por violar o disposto no artigo 18.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3 da CRP, e por violar o principio do Estado de Direito e o principio da legalidade. Acrescentando que estamos perante a violação grosseira da tutela jurisdicional efetiva consagrada no artigo 268.º, n.º 4 da CRP, perante a violação do direito de acesso aos tribunais administrativos, artigo 20.º da CRP e a violação dos princípios da legalidade e do estado de Direito ao dar-se prevalência aos juízos de oportunidade ou de conveniência administrativa, admitindo-se o atropelo à lei ao impedir-se a tutela dos interesses e direitos dos cidadãos.
Não se antolhe como podem ter sido violados pela decisão recorrida os citados princípios e normas fundamentais. Ademais, a Recorrente nesta parte não substancia minimamente as suas invocações, limitando-se a transcrever as normas e concluir pela sua violação.
Sendo que sempre será de tecer umas breves considerações.
Segundo a Recorrente a interpretação daquela disposição legal, no sentido de atribuir aos tribunais a possibilidade de, numa situação desta natureza, desconsiderar o vício de que padeceria o acto suspendendo / impugnado, ofenderia a Constituição, porque tal norma seria somente aplicável no âmbito dos poderes exercidos pelas entidades administrativas e não pelo Tribunal.
Pela própria formulação da questão se antevê a sua falha de razão.
Desde logo, mal seria que os Tribunais julgando em conformidade com a Lei, como decorre do artigo 203.º da CRP, estivessem limitados no seu julgamento quanto à apreciação do regime legal aplicável, designadamente da solução acolhida pelo legislador no citado art. 163.º, n.º 5 do CPA.

Sendo certo que, quer por razões de ordem sistemática, na medida em que o artigo 163º do CPA se insere na Secção II “Da invalidade do acto administrativo” do Título II “acto administrativo”, onde consagra o regime substantivo da anulabilidade dos actos administrativos, tendo até como epigrafe “Atos anuláveis e regime da anulabilidade”.

Quer por razões de ordem teleológica, atenta a finalidade das decisões judiciais e do sistema judicial de molde a evitar a prolação de decisões que, do ponto de vista material, seriam inócuas para o interessado e para a tutela jurisdicional pretendida. Tal como foi decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 22/06/2011, Proc. 462/2000:

I.O princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, princípio que também tem merecido outras formulações e designações (como a de princípio da inoperância dos vícios, a de princípio anti-formalista, a de princípio da economia dos actos públicos e a de princípio do aproveitamento do acto administrativo), vem sendo reconhecido quanto à sua existência e valia/relevância, pela doutrina e pela jurisprudência nacionais, admitindo-se o seu operar em certas e determinadas circunstâncias.
II. Tal princípio habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração [seja por ilegalidades formais ou materiais], mesmo no domínio dos actos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do acto e pela incidência da sindicância que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nomeadamente, ou porque não afectou as ponderações ou as opções compreendidas (efectuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário, ou porque subsistem fundamentos exactos bastantes para suportar a validade do acto [v.g., derivados da natureza vinculada dos actos praticados conforme à lei], ou seja ainda porque inexiste em concreto utilidade prática e efectiva para o impugnante do operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance. (in www.dgsi.pt)”.

Donde, carece de razão a Recorrente ao pretender limitar o exercício dos mecanismos previstos no citado artigo somente às entidades administrativas.

Por conseguinte, como se aludiu, o art. 163.º n.º 5 do CPA, mais não é do que a consagração de um principio construído quer pela doutrina como pela jurisprudência. O que revela o prévio recurso do interessado aos Tribunais para exercício dos respectivos direitos em conformidade com o art. 20º da CRP.

Nas palavras de Vieira de Andrade “[o] meio de defesa por excelência dos direitos, liberdades e garantias continua a ser (…) constituído pela garantia, a todas as pessoas, de acesso aos tribunais, para defesa da generalidade dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…) — ela própria (…) um direito fundamental” (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p.342.

O que não significa que todas as pretensões tenham de ser julgadas procedentes ou que o sistema jurídico não possa encontrar soluções conformes com o Direito de molde a que as sentenças proferidas pelos Tribunais possam efectivamente garantir uma solução justa e adequada e não meramente formal.

Acresce que não explica a Recorrente minimamente a alegada violação pela sentença recorrida do artigo 336º (acção directa) do Código Civil.

Donde, tal como decidido na sentença recorrida, falha o requisito de probabilidade da pretensão a formular no processo principal. Requisito este cumulativo, em conformidade com o disposto no art. 120º, nº 1 do CPTA, pelo que a sua não verificação impede automaticamente que as providências cautelares sejam concedidas.
Tornando-se, por conseguinte, inútil, porque infrutífera, a apreciação do erro de julgamento apontado à sentença recorrida no que tange ao juízo relativo ao periculum in mora uma vez que depende da verificação do requisito de fumus boni iuris face ao disposto no artigo 120º, nº 1 do mesmo Código. Por conseguinte, os pedidos cautelares terão necessariamente de claudicar.
Concluindo; constada a ausência do requisito de fumus boni iuris nos termos e para os efeitos do artigo 120º, nº 1 do CPTA, então será de negar provimento ao recurso interposto pela Recorrente.

Na sua Alegação o Recorrido alude a uma possível ampliação do recurso – no tocante ao juízo efectuado pelo Tribunal a quo quanto à falta de fundamento da urgência em sede de dispensa de audiência prévia. Contudo tal “recurso” não consta das respectivas conclusões. O que sempre impediria o seu conhecimento.

Em todo o caso, improcedendo o recurso sempre ficaria prejudicado o conhecimento do pedido de ampliação do objecto do recurso formulado pelo Recorrido – vide art. 636º, nº 1 do CPC.

III. Decisão

Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente (cf. arts. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Registe e notifique.

Lisboa, 21 de Janeiro de 2021




(A Relatora consigna e atesta, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, que os Juízes Desembargadores Catarina Vasconcelos e Paulo Pereira Gouveia, que integram a presente formação de julgamento, têm voto de conformidade com o presente acórdão).

Ana Cristina Lameira