Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10858/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/06/2014
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores: PROVIDÊNCIA DE FORMAÇÃO DE CONTRATOS, CRITÉRIOS DE DECRETAMENTO, PONDERAÇÃO DE INTERESSES
Sumário:I. Sendo requerida uma providência cautelar relativa a procedimentos de formação de contratos, nos termos do disposto no artº 132º do CPTA, não tem aplicação o critério do periculum in mora, a que alude a alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA, pois que nos termos do disposto no nº 6 do artº 132º do CPTA, a concessão da providência depende, sem prejuízo do disposto na alínea a) do nº 1 do artº 120º, do juízo de probabilidade do Tribunal quanto a saber se, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da adopção da providência são superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção.

II. As providências cautelares a que se refere o artº 132º do CPTA têm requisitos de decretamento diferentes daqueles que se encontram, em geral, previstos nos termos do artº 120º do CPTA, para as demais providências.

III. Os interesses a tutelar segundo o juízo de ponderação de interesses, nos termos do nº 6 do artº 132º do CPTA, não se podem resumir, por parte da Requerente, na defesa da legalidade e em garantir-se a existência de um procedimento pré-contratual legal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

JD…………….. Portugal - Mobiliário ……………, Lda., na qualidade de contra-interessada e REFER Património - Administração e Gestão Imobiliária, SA., como entidade requerida, devidamente identificadas nos autos, inconformadas, vieram, cada uma por si interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 01/11/2013, que no âmbito da providência cautelar relativa a procedimento de formação de contratos, instaurada nos termos do disposto no artº 132º do CPTA, pela I….. - Instalação e …………….., Lda., julgou o pedido cautelar procedente, determinando a suspensão de eficácia da decisão final do júri, a suspensão do procedimento tendente à celebração do contrato com a J……….e determinou que a REFER se abstenha de celebrar o contrato de concessão de exploração de publicidade através de painéis publicitários ou, se o contrato já tiver sido celebrado, se abstenha de o executar.

Formula a aqui Recorrente, J……….., nas respectivas alegações (cfr. fls. 481 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1. As providências relativas a procedimentos de formação de contratos, como é o caso dos autos, regem-se pelo artigo 132º do CPTA;

2. O nº 6 daquele artigo 132° afasta na apreciação destas providências, a aplicação das alíneas b) e c) do artigo 120º também do CPTA, como se vê em jurisprudência uniforme;

3. Em consequência, por aplicação da alínea a) daquele artigo 120º, a providência deverá ser decretada quando for evidente a procedência da pretensão formulada no processo principal nomeadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal;

4. A decisão recorrida entendeu, e bem, não existir no procedimento em causa nos autos ilegalidade que se afigurasse ostensiva ou evidente;

5. Não constitui critério para a adopção da providência que “não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular” no processo principal, pois tal critério apenas é exigido pela aqui inaplicável alínea b) do artigo 120º;

6. A decisão recorrida aplicou a alínea b) do artigo 120º, que assim foi violado;

7. Não sendo o acto impugnado manifestamente ilegal, como se afirma na decisão recorrida, deve o tribunal, por aplicação do no 6 do artigo 132º, também do CPTA, ponderar os interesses susceptíveis de serem lesados para determinar se os danos que resultariam da adopção da providência seriam superiores aos prejuízos que poderiam resultar da sua não adopção.

8. A decisão recorrida não procedeu a essa ponderação, tendo assim violado também aquele artigo 132º nº 6;

9. Os prejuízos da Requerida em consequência da adopção da providência traduzem-se no não recebimento das rendas que receberia pelos seus equipamentos publicitários até decisão definitiva da acção principal;

10. Só nos primeiros cinco anos de contrato aquelas rendas ascenderiam a mais de dois milhões de euros;

11. E os prejuízos da contra-interessada correspondem à não possibilidade de exploração comercial daqueles equipamentos, o que a jurisprudência sempre considerou como constituindo dano de difícil reparação;

12. O tribunal a quo, porém, não vislumbrou danos resultantes da adopção da providência, assim enfermando também a decisão recorrida de erro de facto nos seus pressupostos.”.

Pede que seja dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se improcedente o pedido de adopção da providência.


*

A Recorrente, REFER, nas respectivas alegações (cfr. fls. 502 e segs.), formulou as seguintes conclusões que se reproduzem:

“A - O acto do júri que consiste na avaliação e ordenação e propostas não projecta quaisquer efeitos para o exterior porque carece da prática de acto posterior, emitido pelo órgão perante quem aquele responde; o mesmo sucede quanto à comunicação da intenção de adjudicação, que carece, para ter efeitos externos, da prática do acto de adjudicação. Assim, nem um, nem outro, actos são impugnáveis, restando apenas como acto impugnável no processo em causa a decisão de contratar, anunciada pelo convite dirigido pela Recorrente a três empresas;

B - O Tribunal a quo quando entendeu que essa decisão de convidar três empresas a apresentarem propostas foi lesiva do interesse da Recorrida (que não foi convidada), porque, para assim ter incidentalmente julgado, teria de ter antes julgado que o CCP é aplicável ao procedimento referido nos autos - matéria sobre a qual decidiu, bem, não ser possível formular decisão neste momento cautelar - e que as disposições deste teriam sido violadas pela decisão do CA da Recorrente em convidar certas empresas e não outras. Nenhuma dessas decisões consta da sentença e nenhuma poderia, em qualquer caso, dela constar, por manifesta falta de prova;

C - O que está em causa na impugnação do convite que exterioriza a decisão de contratar não é a possibilidade de impugnação do acto mas a possível ilegalidade da escolha do procedimento, sendo impugnável, nesse caso, essa decisão;

D - Só faz sentido determinar a suspensão de um procedimento pré-contratual em momento no qual este procedimento ainda não tenha terminado para que a suspensão ainda possa ter por efeito impedir a prática de actos pré-contratuais (maxime, o acto de adjudicação) determinantes para a celebração do contrato;

E - O art.º 132.º do CPTA derroga o regime geral dos meios cautelares, fixando um regime especial atinente aos procedimentos de formação de contratos;

F - Tal regime cria providências cautelares especificadas cujo critério de decisão é o da ponderação, devendo o Tribunal recusar a providência se, em juízo de probabilidade, ponderados os direitos ou interesses susceptíveis de serem lesados, concluir que os danos que resultarão da adopção são superiores aos prejuízos que resultariam da sua não adopção, sem que possa haver contra-providências que evitem ou atenuem suficientemente a lesão;

G - As alíneas b) e c) do art.º 120.º do CPTA não têm aplicação no campo das providências cautelares referentes a procedimentos pré-contratuais, em que vigora o critério da ponderação, semelhante àquela que se encontra prevista no artigo 120.º, n.º 2, e que, no quadro do processo cautelar comum, surge apenas como um factor complementar de decisão relativamente aos requisitos do periculum in mora e do fumus boni juris que constam do artigo 120.º, alíneas a) e b) do n.º 1;

H - Nem o periculum in mora, nem a aparência de bom direito, segundo os critérios definidos no artigo 120.º, n.º 1, alíneas b) e c), são critérios de cuja aplicação depende a concessão de providências cautelares no quadro do art.º 132.º do CPTA, estando afastada a sua consideração com a exacta configuração que lhe atribuem as alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 120º;

I - Não há lugar, ao abrigo do artº 132º, a qualquer apreciação prévia do periculum in mora enquanto requisito autónomo da decisão da providência;

J - A circunstância de a lei ter dado relevo à aparência do direito apenas em caso de manifesta ou ostensiva procedência do pedido na causa principal afasta a possibilidade de dever ainda atender-se, em conjugação com a ponderação de interesses, ao fumus non malus iuris (exigindo-se que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão, no caso de providencia conservatória) ou ao fumus boni iuris (exigindo-se a probabilidade de que a pretensão venha a ser julgada procedente, em caso de providência antecipatória), o que corresponderia, no fundo, à aplicação dos critérios que resultam das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 120º;

K - A regra especial do nº 6 do artigo 132º afasta o fumus boni iuris e o periculum in mora, sem prejuízo de se justificar o recurso a este último elemento de ponderação, não como um critério autónomo da concessão da providência, mas como uma condição do interesse em agir;

L - A ponderação de interesses não se esgota, como fez o Tribunal a quo, na demonstração de que uma das partes não é lesada com o deferimento da providência. Ao invés, exige a identificação dos interesses em presença e a sua comparação relativa para justamente aferir da razoabilidade do deferimento da providência requerida;

M - A Requerente identificou com precisão o seu interesse que seria lesado pelo não deferimento da providência, que consiste na possibilidade de, segundo o concurso uma das formas previstas no CCP, ela “ponderar concorrer ao mesmo”;

N - A Requerente identificou a lesão do interesse da Recorrente como estando situada no não recebimento do preço do contrato cuja outorga queria impedir, o que esta aceitou expressamente no art.º 55.º da oposição, quantificando o dano com a apresentação dos docs. 9 e 10;

O - O Tribunal a quo procedeu mal não dando como provado o dano da Recorrente quando é evidente que dispunha de todos os elementos de prova para tal: desde logo os docs. 9 e 10 que são aqueles em que o júri avaliou o conteúdo patrimonial das propostas submetidas a concurso, identificando a melhor proposta como aquela em que esta receberia uma renda de um pouco mais de 3 milhões de euros em 8 anos;

P - O critério da ponderação impõe que a providência seja concedida se os danos que dela resultarem se mostrarem inferiores aos prejuízos que poderiam resultar da sua não adopção e justificam a sua recusa na hipótese inversa;

Q - A ponderação dos interesses em presença, nos termos desse preceito, integra matéria de facto, que consta expressamente dos autos, em confissão e em prova documental não disputada;

R - O Tribunal a quo ignorou, portanto, que o regime do n.º 6 do art.º 132.º, na medida em que traça um paralelo com o do n.º 2 do art.º 120.º, manda averiguar da eventual desproporção entre danos aos interesses de uma parte que seriam causados pelo deferimento da providência e os danos que o seu não deferimento poderia causar, não realizando um juízo de valor relativo, fundado na comparação da situação do Requerente com a dos interesses da Recorrente;

S - Os interesses das partes, revelados no processo, exibem interesses materiais concretos e muito bem definidos no valor e no tempo do lado da Recorrente e, do lado da Requerente, um interesse imaterial, de conteúdo dependente da formulação futura e hipotética da sua vontade e interesse em concorrer a um outro concurso que, com o mesmo objecto, pudesse vir a ser lançado pela Recorrente - cuja vontade em assim agir é igualmente hipotética -, no caso de a acção principal concluir pela procedência do pedido e anular o procedimento concursal em causa nos autos;

T - A desproporção entre os dois interesses em jogo é absolutamente evidente: de um lado, estão 3 milhões de euros a receber pela Recorrente no prazo de 8 anos; do outro, está a ainda imprecisa vontade da Requerente de talvez concorrer a um concurso que não sabe sequer, nem ninguém sabse, se irá ser lançado - posto que, mesmo que o concurso dos autos fosse anulado, nada obriga a ora Recorrente a lançar um concurso com o mesmo objecto ou com objecto semelhante - e que evidentemente não pode antecipar que irá ganhar;

U - Não existe, por outro lado, alegação ou evidência do lucro que para a Requerente poderia gerar a atribuição da exploração dos espaços publicitários em causa nestes autos e, também por isso, não existe interesse material desta que possa ser comparado com o interesse material da Recorrente.

V - Deve o Tribunal fazer prevalecer interesses de conteúdo patrimonial que correm o risco de sofrer graves prejuízos sobre interesses imateriais que apenas correm o risco de sofrer prejuízos hipotéticos e incertos;

W - Os prejuízos que a Requerente invoca como fundamento da adopção das providências requeridas são relativos ao direito a um procedimento em conformidade com a lei, o que será devidamente assegurado na acção principal, não em sede de providência cautelar, tanto mais que o Tribunal entendeu que não é ostensiva a ilegalidade apontada pela Requerente à falta/omissão de procedimento em conformidade com o CCP e tanto mais que, quer a Requerente, quer a Contra-interessada, quer quaisquer terceiros detêm idênticas expectativas quanto à adjudicação do contrato de concessão, na hipótese a acção principal proceder e de a Recorrente decidir iniciar outro procedimento com objecto idêntico;

X - A identificação da Recorrente como uma entidade adjudicante no sentido do Código dos Contratos Públicos é um facto que foi alegado pela Requerente no requerimento inicial e, por isso, o ónus da sua prova cabe à Requerente, não à Recorrente;

Y - Esse facto foi contestado pela Recorrente e pela Contra-Interessada, pelo que não pode ser dado por provado, mesmo que indiciariamente, por falta de oposição;

Z - Para que um ente jurídico seja qualificado como entidade adjudicante no sentido do art.º 2 do CCP é necessário que possa ser incluído numa das categorias de entes jurídicos que nele são listados;

AA - A natureza jurídica da Recorrente como empresa de capitais públicos detida a 100% pela REFER, EPE, não é um facto controvertido nos autos e deveria ter sido dada como provada;

BB - Em todo o caso, a detenção do capital social não é critério para definir uma entidade adjudicante, salvo nos casos restritos do artº 7º, nº 2 do CCP: as entidades adjudicantes, no sentido do CCP, definem-se pelo que fazem e não pelo que são;

CC - A qualificação como entidade adjudicante de uma pessoa colectiva detida a 100% ou maioritariamente por uma EPE não releva essencialmente da prova de factos mas, antes, da análise do direito;

DD - Para que a Recorrente fosse havida como entidade adjudicante nos termos as alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 2º do CCP, teria que haver nos autos prova ao menos indiciária de ter sido criada para, especificamente, satisfazer necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial;

EE - Esse juízo só poderia ser feito na medida em que no processo existissem - o que não acontece - factos ou raciocínio de direito carreados pela Requerente, porque é ela que invoca a natureza de entidade adjudicante da ora Recorrente, que exibissem se esta foi ou não criada para satisfazer necessidades de interesse geral e se exerce ou não a sua actividade numa lógica de mercado e da livre concorrência com outros operadores de mercado, demonstrando-se se goza ou não de algum direito especial ou exclusivo, se a actividade que exerce, em razão da sua natureza e das suas características, é ou não insusceptível de estar submetida à concorrência de mercado, se prossegue ou não um fim lucrativo e se beneficia ou não de compensações financeiras públicas dirigidas aos prejuízos decorrentes da sua actividade;

FF - Nenhum desses factos ou raciocínios de direito existem nos autos - pelo contrário, o que existe é justamente a arguição pela ora Recorrente de que não foi criada para satisfazer necessidades de interesse geral;

GG - Também por isso, o Tribunal a quo não poderia ter decidido que não ficou demonstrado que a Recorrente é uma entidade adjudicante e, ao mesmo tempo, que ficou “em princípio” demonstrado que assim é.”.


*

A Recorrida, I……….., contra-alegou, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 535 e segs.):

“a) A Douta sentença recorrida, salvo melhor entendimento de Vossas Excelências, não padece de qualquer mácula, e mais concretamente de qualquer um dos vícios ou erros de julgamento que lhe são imputados pela Entidade Requerida e pela contra-interessada, ora Recorrentes;

b) Caracterizando-se os processos cautelares pela sua natureza judicialmente provisória, o juízo de probabilidade ínsito na Douta Sentença Recorrida, de que a Entidade Requerida, ora Recorrente, será uma entidade adjudicante para efeitos do artigo 2.º do CCP, constitui um juízo processual perfeitamente admissível, próprio até de um processo de natureza cautelar;

c) Por essa razão, não padece a Douta Sentença recorrida de erro de julgamento ao proferir tal juízo de probabilidade, tendo igualmente ficado demonstrado que este juízo até a beneficiou, pois se o Douto Tribunal a quo tivesse concluído assertivamente que a Entidade Requerida qualifica como uma entidade adjudicante nos termos do artigo 2.º do CCP, verificar-se-ia então nesse caso, imediata e consequentemente ilegalidade manifesta nos termos e para os efeitos da al. a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, podendo a presente providência cautelar ser decretada sem mais indagações ou ponderações;

d) Como fica demonstrado, a Entidade Requerida, ora Recorrida, é uma entidade adjudicante para efeitos do artigo 2.º do CCP, qualificando como um organismo de direito público de 2.ª geração, preenchendo os requisitos previstos na alínea b) do n.º 2 daquele artigo 2.º;

e) Pois como resulta dos autos e é matéria do conhecimento público (www.refer.pt ) a Entidade Requerida REFER Património SA, é detida em 100% pela REFER EPE, goza de um direito especial e exclusivo constituído pelo direito de gerir o património a cargo da REFER EPE, direito este que lhe foi atribuído sem observância de qualquer procedimento concursal, ao abrigo do n.º 3 do artigo 28.º do DL n.º 276/2003, de 4 de Novembro, e a título totalmente gratuito;

f) Ademais, atenta a natureza empresarial pública da Entidade Requerida e o fim específico para que foi criada, e nos termos em que o foi, a sua actividade não está nem nunca esteve submetida à concorrência do mercado, uma vez que, como também ficou demonstrado, foi criada para satisfazer necessidades de interesse geral, estando inclusivamente incumbida de prática actos de licenciamento de obras particulares e estando por essa razão sujeita a um corpo legislativo apenas aplicável a entidades que prosseguem a satisfação de necessidades de interesse geral;

g) Acresce ter ficado também demonstrado que quer as incumbências puramente de autoridade que lhe estão cometidas quer a obrigatoriedade de administração e de gestão do património que lhe foi contratualmente atribuído de acordo e em consonância com os objectivos de gestão da infra-estrutura ferroviária faz necessariamente com que o seu fim último não seja o lucro ao menos nos termos em que este mesmo fim é prosseguido pelos privados, numa lógica pura de mercado;

h) Por último, ficou demonstrado que a Entidade Requerida beneficiou no acto de constituição e continua a beneficiar de várias compensações financeiras públicas: desde a que lhe foi atribuída em espécie e a título gratuito pela REFER EPE à possibilidade de se pagar directamente na totalidade das suas despesas através dos resultados da exploração económica que faz, tendo também ficado demonstrado que até apresentou resultados negativos, que transitaram de exercício, sendo assim totalmente financiada pela REFER EPE;

i) Demonstrada que está a qualificação da Entidade Requerida como uma Entidade Adjudicante para efeitos do artigo 2.º do CCP, fica também demonstrada a ilegalidade manifesta, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, decorrente da não sujeição do procedimento pré-contratual dos autos às regras do CCP, podendo este Alto Tribunal, ao abrigo dos poderes de apelação que lhe estão legalmente cometidos, julgar esta ilegalidade manifesta;

j) Para além da sujeição do presente procedimento às regras do CCP, por via da qualificação da Entidade Requerida enquanto uma entidade adjudicante, ficou também demonstrada a aplicabilidade do regime especial contido no n.º 3 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 276/2003, de 4 de Novembro, sob pena de fraude à lei;

k) Norma e decreto que se encontram em vigor, atento o regime previsto no artigo 15.º do Decreto-lei n.º 18/2008, que aprovou o CCP;

l) Corno é até expressamente reconhecido pela Entidade Requerida no seu Relatório e Contas de 2012, que expressamente refere a sua sujeição ao “Decreto-lei n.º 276/2003, de 4 de Novembro, que estabelece o regime jurídico dos bens do domínio público ferroviário, onde se incluem as regras relativas à sua desafectação permuta, e utilização privada destes bens, incluindo as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março”, versando o artigo 28.º precisamente sobre as regras de utilização privada destes bens;

m) Ficou assim demonstrado que as regras constantes da Parte II do CCP, para a locação e aquisição de bens e serviços, são aplicáveis à contratação de concessões de uso privativo parcial ou integral de instalações ou imóveis do domínio público ferroviário, as quais, como também fica demonstrado não foram aplicadas, uma vez que o recurso ao ajuste directo (ainda que com consulta a mais do que uma entidade) só é possível em função do valor, para contratos de valor inferior a € 75.000,00, o que não é manifestamente o caso do contrato objecto dos presentes autos;

n) Ficou também demonstrado que não padece a Douta Sentença recorrida de erro quanto ao critério de julgamento, uma vez que os dois critérios que a lei manda aplicar no caso das providências cautelares relativas a procedimentos de formação de contratos (artigo 132.º n.º 6 do CPTA), foram aplicados pelo Douto Tribunal a quo;

o) Tendo ficado igualmente demonstrado que o Douto Tribunal a quo até efectuou um julgamento mais apertado, ao reconhecer também a existência de prejuízo de difícil reparação, julgamento este que em nada prejudica as ora Recorrentes - podendo até tê-las beneficiado - uma vez que como até reconhecido pela Entidade Requerida, o critério de ponderação dos interesses previsto no n.º 6 do artigo 132.º do CPTA é substancialmente menos exigente que o regime (geral) das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA;

p) A Douta Sentença Recorrida também não padece do alegado erro de julgamento por falta de ponderação dos interesses nos termos do n.º 6 do artigo 132.º do CPTA, uma vez que ficou demonstrado que o Tribunal a quo procedeu a essa ponderação, o que fez tendo em conta os elementos que lhe foram trazidos pelas partes, os quais, no caso quer da Entidade Requerida quer da contra-interessada se limitaram ao interesse em receber uma renda e ao prejuízo decorrente do não recebimento da mesma (artigos 17.º 22.º, e 23.º da Oposição da contra-interessada, e artigo 55.º da Oposição da Entidade Requerida);

q) Não podendo ponderar interesses que não lhe foram trazidos pelas Partes, e não tendo havido adjudicação (como várias vezes repetido pela Requerida REFER), não merece a Douta Sentença Recorrida qualquer censura ao ter concluído que “não tendo ficado provado o acto de adjudicação (factos n.º 7 e 8), não se vislumbram danos resultantes da adopção da providência, caso a mesma seja concedida”, sendo que os interesses públicos da concorrência, da transparência e da igualdade e o interesse privado em participar no procedimento concursal dos presentes autos sempre se sobreporiam ao (único) interesse puramente pecuniário alegado pela Requerida e contra-interessada;

r) Sendo pacífica a destacabilidade do acto de abertura do procedimento impugnado nos autos principais, não se verifica também o alegado erro de julgamento decorrente da inimpugnabilidade da deliberação do júri que procedeu à avaliação e ordenação das propostas e do acto que comunica a intenção de adjudicação à contra-interessada.”.

Pede a improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida.


*

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, não emitiu parecer.

*

O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelas Recorrentes, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artºs. 608º, nº 2, 684º, nºs 4 e 5 e 639º, nº 1, todos do CPC, ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar, em relação a cada um dos recursos, se a decisão judicial recorrida enferma dos seguintes vícios:

A. Recurso apresentado pela Contra-interessada:

1. Erro de julgamento, por violação da alínea b) do nº 1 do artº 120º do CPTA;

2. Erro de julgamento, quanto ao juízo de ponderação de interesses, por violação do nº 6 do artº 132º do CPTA.

B. Recurso apresentado pela Entidade Requerida:

1. Erro de julgamento quanto à impugnabilidade da decisão de contratar;

2. Erro de julgamento, por aplicação da alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA e quanto ao juízo de ponderação de interesses, por violação do nº 6 do artº 132º do CPTA.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1. A Requerente é uma sociedade que se dedica ao exercício da actividade de instalação e exploração a qualquer título de espaços e zonas que sejam susceptíveis de ser exploradas publicitariamente em Portugal – facto admitido

2. Em 11/12/2012, o Conselho de Administração da Entidade Requerida REFER Património deliberou aprovar o “modelo de negociação, por convite”, com o objectivo de vir a celebrar um contrato de concessão de exploração de publicidade através de painéis publicitários, nos termos seguintes, no que ora importa:

“(…)”


- fls. 459 dos autos


3. Na sequência, com data de 2013/03/05 endereçou três cartas convites dirigidas às empresas referidas em 1, tendo as mesmas acusado a recepção – doc. 2 a 4 juntos pela Refer, fls. 161 a 237 dos autos.

4. Das empresas convidadas, só a MOP e a J…………. apresentaram propostas – doc. 7 e 8 juntos pela REFER, fls. 245 a 320 dos autos.

5. A Decisão final do júri sobre a classificação das propostas foi tomada em data que não se pode precisar, entre MARÇO e ABRIL 2013 – doc. nº 13 junto pela REFER, fls. 348 a 355, que aqui se dão como reproduzidas.

6. Os destinatários da notificação da decisão final do júri receberam-na entre Março e Abril de 2013 – idem

7. Em 2013/04/01, a Entidade Requerida notificou a Contra Interessada JCDECAUX da Intenção de Adjudicação – doc. fls. 364/365, que aqui se dá como reproduzido.

Não se Provou:

8. Que a Entidade Requerida tenha celebrado com a Contra Interessada o Contrato objecto destes autos – inexistência de qualquer documento nesse sentido

9. A presente providência cautelar deu entrada em juízo em 16/04/2013 – resulta dos autos.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade supra fixada, não impugnada pelas Recorrentes, importa entrar na análise dos fundamentos dos recursos jurisdicionais interpostos pela Contra-interessada e pela Entidade Requerida.

Considerando que, salvo no que respeita ao erro de julgamento da sentença quanto à impugnabilidade da decisão de contratar, suscitada pela Entidade Requerida, todos os demais fundamentos são comuns, analisar-se-ão em conjunto os fundamentos dos recursos jurisdicionais interpostos.

1. Erro de julgamento, por violação da alínea b) do nº 1 do artº 120º do CPTA

A Contra-interessada e a Entidade Requerida, ora Recorrentes, vieram interpor recurso da sentença que julgou o pedido cautelar procedente, assacando-lhe o erro de julgamento, por as providências cautelares relativas a procedimentos de formação de contratos se regerem pelo artº 132º do CPTA.

Sustentam que o nº 6 do artº 132º do CPTA afasta a aplicação das alíneas b) e c) do artº 120º do CPTA, não constituindo critério para a adopção da providência, que “não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular” no processo principal, pelo que, a sentença recorrida ao aplicar a alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA, violou tal disposição legal.

Vejamos.

Analisando o teor da sentença recorrida, dela decorre a aplicação do critério da providência cautelar previsto na alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA, relativo ao periculum in mora, pelo que, têm as Recorrentes razão quando alegam ter a sentença procedido à aplicação de tal requisito de decretamento das providências cautelares.

Sendo requerida uma providência cautelar relativa a procedimentos de formação de contratos, nos termos do disposto no artº 132º do CPTA, não tem aplicação o critério do periculum in mora, a que alude a alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA, pois que nos termos do disposto no nº 6 do artº 132º do CPTA, a concessão da providência depende, sem prejuízo do disposto na alínea a), do nº 1 do artº 120º, do juízo de probabilidade do Tribunal quanto a saber se, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da adopção da providência são superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção.

As providências cautelares a que se refere o artº 132º do CPTA têm requisitos de decretamento diferentes daqueles que se encontram, em geral, previstos nos termos do artº 120º do CPTA, para as demais providências.

A sentença recorrida não logrou diferenciar tais critérios de decisão, decidindo as providências requeridas à luz dos critérios de decisão previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artº 120º do CPTA.

Pelo exposto, ao aplicar às providências cautelares requeridas o critério do periculum in mora, previsto na alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA, o qual é inaplicável às providências de formação de contratos, previstas e reguladas no artº 132º do CPTA, é manifesto o erro de julgamento em que incorre a sentença recorrida, em violação do disposto na alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA.

Termos em que, procede o erro de julgamento assacado à sentença recorrida.

2. Erro de julgamento, quanto ao juízo de ponderação de interesses, por violação do nº 6 do artº 132º do CPTA

No demais, sustentam as Recorrentes que a sentença recorrida violou o disposto no nº 6 do artº 132º do CPTA, com o fundamento de que não procedeu à ponderação de interesses, enquanto critério de decretamento da providência prevista nessa norma legal e procedeu erradamente a esse juízo.

Invoca que os prejuízos em consequência da adopção das providências traduzem-se no não recebimento das rendas que receberia pelos seus equipamentos publicitários até decisão definitiva na acção principal, o que só nos primeiros cinco anos, ascende a mais de dois milhões de euros, ficando impossibilidade de explorar comercialmente aqueles equipamentos.

Vejamos.

Compulsando o teor da fundamentação de Direito da sentença recorrida, dela decorre que foi analisada a pretensão requerida tendo por base os critérios de decisão previstos no artº 120º do CPTA, considerando o fumus bonis iuris e o periculum in mora, concluindo-se, após a verificação deste último critério, nos seguintes termos, que ora se reproduzem:

Por fim, ao seu decretamento não se opõe o disposto no artº 132º nº 6 do CPTA (disposição paralela ao nº 2 do artº 120º). Com efeito, não tendo ficado provado o acto de adjudicação final, mas apenas a intenção de adjudicação (cf. factos nº 7 e 8), não se vislumbram danos resultantes da adopção da providência, caso a mesma seja concedida.”.

Tal segmento da sentença traduz-se numa pronúncia sobre o juízo de ponderação de interesses, previsto na 2ª parte do nº 6 do artº 132º do CPTA, no sentido de o mesmo ser favorável ao decretamento da providência.

Porém, não só se mostra insuficiente a fundamentação acolhida na sentença para o juízo expendido, como o mesmo se afigura incorrecto, em face dos factos demonstrados em juízo e da interpretação e aplicação dos normativos de Direito.

Mostra-se impugnada a sentença recorrida no que se refere ao juízo de ponderação de interesses, formulado segundo o disposto no nº 6 do artº 132º do CPTA, ou seja, quanto a saber se ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da adopção da providência são inferiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outra providência.

Nesse juízo a formular pelo Tribunal, recorrendo a um critério de proporcionalidade, importa atender aos prejuízos que podem resultar para cada uma das partes envolvidas no diferendo, in casu, Requerente, Entidade Requerida e Contra-interessada, da adopção e não adopção das providências cautelares requeridas.

Compulsando a selecção dos factos assentes, extrai-se que nenhuma matéria factual consta do probatório, da qual se possa extrair um juízo sobre os prejuízos para as partes.

Além disso, decorre que nem a Requerente, nem a Entidade Requerida, lograram requerer a produção de meios de prova, destinados à comprovação dos prejuízos alegados.

Analisada a alegação da Requerente, nos termos em que resulta do requerimento inicial, denota-se que a Requerente alicerça o juízo de ponderação de interesses, previsto no nº 6 do artº 132º do CPTA, no “interesse que o procedimento decorra nos termos da lei”, de forma a permitir que a Requerente possa “ponderar concorrer” ao concurso, conhecidas as suas condições.

O interesse invocado pela Requerente respeita ao interesse traduzido na possibilidade de concorrer ao objecto do procedimento, assim como os demais operadores do mercado.

Decorre ainda da alegação da Requerente que a concessão das providências requeridas não causa à Entidade Requerida quaisquer prejuízos, além de que não se produzirão quaisquer prejuízos para a Contra-interessada, por apenas dispor de uma mera expectativa quanto à adjudicação do contrato.

Porém, não é assim.

Decorre da alegação da Requerente quanto aos prejuízos alegados, como fundamento do decretamento das providências cautelares requeridas, a invocação da tutela do direito a um procedimento em conformidade com a lei, ou seja, a uma tutela eminentemente de natureza objectiva, que assegure o respeito pela legalidade que considera infringida.

Além disso, não logrou a Requerente proceder à alegação de prejuízos actuais e reais, nem proceder à concretização de quaisquer prejuízos, limitando-se a à alegação de prejuízos hipotéticos.

Acresce que nunca logra a Requerente alegar em juízo que efectivamente pretendia apresentar proposta ao concreto procedimento que foi aberto pela Entidade Requerida, mas apenas que considera deveria ter tido a possibilidade de ponderar concorrer ao procedimento.

No demais, não resulta dos autos que será maior a lesão para os interesses prosseguidos pela Requerente em resultado da não adopção das providências, quando comparados com os prejuízos que podem resultar para a Entidade Requerida e para a Contra-interessada, do decretamento da providência.

Os interesses prosseguidos pela Requerente e pela Contra-interessada assumem natureza equivalente, ambas detendo o mesmo interesse à adjudicação do objecto do procedimento.

E quando comparados os interesses da Requerente com os demais interesses prosseguidos, quer pela Contra-interessada, que foi convidada a apresentar proposta, apresentou proposta ao procedimento e foi graduada em primeiro lugar, quer com a Entidade Requerida, que prosseguindo os interesses relativos à gestão e exploração do domínio público ferroviário, no que respeita a edifícios das estações e apeadeiros, decidiu proceder à abertura do procedimento, os interesses da Requerente não adquirem maior tutela.

A este respeito mostra-se relevante a falta de benefício directo e imediato na esfera jurídica da Requerente, designadamente, de natureza patrimonial, decorrente do eventual decretamento das providências cautelares requeridas, já que não tendo a Requerente apresentado proposta ao procedimento, não poderá ser-lhe adjudicado o objecto do procedimento pré-contratual.

Com a presente instância cautelar e ainda que as providências cautelares requeridas fossem decretadas, não consegue a Requerente evitar a produção dos prejuízos alegados, por não conseguir extrair para si nenhum efeito directo positivo, quer da suspensão do acto de adjudicação, quer do contrato que haja sido celebrado, quer ainda de todo o procedimento pré-contratual.

De resto, no caso de na acção principal de que dependem os presentes autos se vier a demonstrar a ilegalidade do procedimento pré-contratual e dos actos administrativos que no seu âmbito foram praticados, sempre poderá a ora Requerente reclamar a tutela que se mostre devida, de natureza ressarcitória, em virtude da demonstração que venha a fazer em ter ficado impossibilitada em participar no procedimento aberto pela Entidade Requerida.

Nestes termos, não se pode manter a fundamentação expendida na sentença recorrida a respeito do juízo de ponderação de interesses, mostrando-se tal julgamento incorrecto a propósito do requisito negativo de decretamento da providência, por a ponderação de todos os interesses em presença, sejam públicos e/ou privados e mediante um juízo de proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa, se dever entender pela não verificação desse requisito.

Não são alegados, nem demonstrados factos que revelem a relevância de prejuízos na esfera jurídica da Recorrente, pelo que, não está verificado o requisito de ponderação dos interesses que determine o decretamento das providências cautelares requeridas, reputando-se maiores os danos resultantes da concessão das providências em relação aos que se produzirão na esfera jurídica da Requerente, em consequência da sua recusa.

Termos em que, em face do exposto, será de conceder provimento a ambos recursos interpostos, revogando-se a sentença recorrida e, em substituição, em julgar improcedente o pedido cautelar, indeferindo o decretamento das providências cautelares requeridas.

3. Erro de julgamento quanto à impugnabilidade da decisão de contratar

Por último, sustenta a Entidade Requerida no recurso que apresentou, que incorre a sentença recorrida em erro de julgamento, no que respeita à impugnabilidade da decisão de contratar.

Porém, sem razão, pois que se trata de questão que apenas ao processo principal cabe analisar e decidir, por não se mostrar impugnada na presente lide cautelar qualquer decisão administrativa e, muito menos, a decisão de contratar.

A Requerente deduziu o pedido de decretamento das providências cautelares de suspensão de eficácia da deliberação de adjudicação, a suspensão do procedimento tendente à celebração do contrato e a abstenção de execução do contrato, pelo que não está em causa qualquer pedido dirigido à decisão de contratar.

Termos em que, improcede tal questão suscitada pela Entidade Requerida.


*

Pelo que, em suma, procedem as conclusões que se mostram formuladas contra a sentença recorrida, enfermando a mesma em erro de julgamento de Direito, por aplicação do critério de decisão previsto na alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA e quanto ao julgamento do requisito da ponderação de interesses, previsto no nº 6 do artº 132º do CPTA, o que determina a procedência de ambos recursos e a revogação da sentença recorrida e, em substituição, se decida que, ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da concessão da providência se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, indeferindo-se as providências cautelares requeridas.

*

Em face do exposto, procede o presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida.

*

Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Sendo requerida uma providência cautelar relativa a procedimentos de formação de contratos, nos termos do disposto no artº 132º do CPTA, não tem aplicação o critério do periculum in mora, a que alude a alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA, pois que nos termos do disposto no nº 6 do artº 132º do CPTA, a concessão da providência depende, sem prejuízo do disposto na alínea a) do nº 1 do artº 120º, do juízo de probabilidade do Tribunal quanto a saber se, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da adopção da providência são superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção.

II. As providências cautelares a que se refere o artº 132º do CPTA têm requisitos de decretamento diferentes daqueles que se encontram, em geral, previstos nos termos do artº 120º do CPTA, para as demais providências.

III. Os interesses a tutelar segundo o juízo de ponderação de interesses, nos termos do nº 6 do artº 132º do CPTA, não se podem resumir, por parte da Requerente, na defesa da legalidade e em garantir-se a existência de um procedimento pré-contratual legal.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento a ambos os recursos, por erro de julgamento de Direito, em revogar a sentença recorrida e, em substituição, indeferir as providências cautelares requeridas.

Custas pela Recorrente, em ambas as instâncias.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Carlos Araújo)

(António Paulo Vasconcelos)