Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:238/08.2BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:10/15/2020
Relator:RICARDO FERREIRA LEITE
Descritores:LEI DA CAÇA
REGULAMENTO DA LEI DA CAÇA (DECRETO-LEI N.º 220/2008, DE 18/08)
ZONA DE CAÇA MUNICIPAL (ZCM) / ZONA DE CAÇA ASSOCIATIVA (ZCA)
CRIAÇÃO E TRANSFERÊNCIA DE GESTÃO CINEGÉTICA DE ZC
EXCLUSÃO DE TERRENOS
RENOVAÇÃO E CADUCIDADE DA TRANSFERÊNCIA
Sumário:I. Um pedido de renovação da transferência de gestão de zona de caça formulado é facto impeditivo da respetiva caducidade, tanto pela natureza do instituto em causa, como pela forma em que se encontra legalmente estruturado, fazendo com que o procedimento em que se insira não produza efeitos enquanto não for decidido por ato expresso.
II. A falta de decisão de pedido de renovação da transferência de gestão tempestivamente formulado acarreta a suspensão do exercício da caça, em conformidade com o disposto no n.º 8, do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de Agosto, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 201/2005, de 24 de Novembro, sem que se possa afirmar que existe caducidade de zona de caça.
III. O preceituado no n.º 2, do art.º 167.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de Agosto, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 201/2005, de 24 de Novembro ressalva as ZCM criadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 227-B/2000, de 15 de Setembro, com a redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 338/2001, de 26 de Dezembro, determinando a aplicação do disposto no seu art.º 26.º, nos termos do qual os proprietários de terrenos da ZCM, apenas podem requerer a exclusão dos seus terrenos da mesma até um ano antes do termo do prazo de transferência.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo – Sul:

I. Relatório
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS PESCAS, com sede na Praça do Comércio, 1149-010 Lisboa, Recorrente/Réu nos presentes autos, em que é Autor/Recorrido CLUBE DE AMADORES DE CAÇA E PESCA DE ELVAS, com sede no Largo Luís de Camões, n.º 1, 7350 Elvas e contrainteressada a ASSOCIAÇÃO DE CAÇADORES E PESCADORES DE VILA BOIM, com sede na Rua Francisco António Brás, n.º 39, 7350-501 Vila Boim, vem recorrer do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, datado de 20 de junho de 2016, que, em sede de reclamação para a conferência, confirmando a sentença de 28 de setembro de 2009, que anulou o “(…) ato praticado em 31 de Janeiro de 2008, pelo Secretário de Estado-Adjunto da Agricultura e das Pescas, e constante da Portaria n.º 133/2008, de 14 de Fevereiro (publicada na I Série do Diário da República n.º 32, de 14 de Fevereiro de 2008), nos termos do qual, foi concessionada, pelo período de seis anos, à Contrainteressada, a zona de caça associativa de Vila Boim, englobando vários prédios rústicos sitos na freguesia de Vila Boim, Município de Elvas, e na freguesia de Ciladas, Município de Vila Viçosa (processo n.º …..).”

O Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“ A) O ordenamento cinegético concretizado na aprovação do plano de gestão e exploração cinegética de uma zona de caça de interesse municipal tem a sua vigência e regime definidos no acto constitutivo.
B) A renovação não é potestativa, nem prescinde de intermediação administrativa, pois, como se depreende do disposto no artigo 21º do Decreto-Lei nº 202/2004, à renovação da transferência, são aplicáveis tantos os procedimentos estipulados para o pedido inicial como também os requisitos materiais de que depende, nos termos gerais, uma decisão favorável à constituição ex novo de uma zona de caça
C) A autoridade decidente pondera, quando requerida a renovação, todas as circunstâncias que permitam avaliar a conveniência ou inconveniência da exploração que igualmente pudessem dar azo à extinção da zona de caça por revogação, em razão do que o legislador concede à Administração um prazo suplementar de seis meses para concluir, por decisão expressa de deferimento, o procedimento de renovação
D) O prazo mencionado no artigo 26º nº 2 do Decreto-Lei n.º 202/2004 é um prazo de caducidade, dotado de natureza peremptória/preclusiva e improrrogável (para além do que se mostra estatuído no nº 8 do artigo 29º).
E) Estipulado o prazo de vigência da zona de caça e respectiva transferência de gestão, o decurso do mesmo é o facto jurídico que opera ipso jure a caducidade tornando ilegal a manutenção da vigência da zona de caça e da transferência de gestão inicial.
F) A caducidade de zona de caça e de transferência de gestão inicial opera pelo decurso do prazo de vigência inicialmente fixado, donde o único acto cuja prática impede a caducidade é a renovação da transferência de gestão - entenda-se, a concreta decisão do procedimento iniciado com a apresentação de requerimento nos termos do artigo 21º Decreto-Lei nº 202/2004, que diz "aplicando-se com as devidas adaptações o disposto para a trans ferência inicial"
G) O facto de não ter sido emitida decisão expressa no procedimento tendente à renovação da transferência de gestão da zona de caça de interesse municipal importa a extinção do procedimento e, também, a impossibilidade superveniente de renovação da transferência de gestão requerida por perda de objecto -caducidade da zona de caça
H) E, sendo isso o que está em causa, o Tribunal a quo incorreu em erro de interpretação e aplicação da lei quanto ao disposto nos artigos 106º e 109º do Código de Procedimento Administrativo, 21º, 22º nº 1 al. c), 26°, nºs 1 e 2, 27º e 29°, nº 8 todos do Decreto-Lei nº 202/2004, e 9º e 331º nº 1 do C. Civil (onde se lê que "só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei atribua efeito impeditivo.")
I) O Decreto-Lei nº 202/2004, no artigo 170°, alínea a), revogou o Decreto-Lei nº 227- B/2000, de 15 de Setembro, e o Decreto-Lei n.º 338/2001, de 26 de Dezembro, que o alterou e republicou, revogando, portanto, o artigo 26º do Decreto-Lei n.º 227-B/2000.
J) O Decreto-Lei nº 202/2004, no seu artigo 167°, nº 1, veio permitir que a exclusão dos terrenos referidos no seu artigo 28°, nº 2, pudesse ser requerida no prazo de 1 ano a contar da data de publicação da portaria de transferência de gestão, até 2005, inclusive, e, a qualquer momento, nas ZCM criadas ou renovadas a partir de 2006 -o que seria o caso -, produzindo os seus efeitos imediatamente, do que resulta que o artigo 26° do Decreto-Lei nº 227-B/2000, revogado pelo Decreto-Lei nº 202/2004, não se aplica ao caso.
K) Pelo Decreto-Lei nº 201/2005 (em cujo preâmbulo se pode ler que: "... optou-se por manter em vigor o Decreto-Lei nº 202/2004, de 24 de Janeiro, alterando apenas alguns artigos ..."), nunca se pode recolocar em vigor a legislação - Decreto-Lei nº 227-B/2000 - que tinha sido revogada, anteriormente, pelo Decreto-Lei nº 202/2004, pois seria necessário que o dissesse expressamente e que o legislador o assumisse na norma repristinatória contida no seu artigo 3° -o que não aconteceu.
L) O artigo 167° do Decreto-Lei nº 201/2005 não pode pôr em vigor a norma do artigo 26° do Decreto-Lei nº 227-B/2000, que se encontra revogada, não tendo a faculdade de a repristinar, pois a repristinação acontece quando uma norma é revogada por outra e posteriormente a própria norma revogadora é revogada por uma outra lei, o que não aconteceu.
M) A alteração - que não revogação -do Decreto-Lei n.º 202/2004 - artigo 167º-pela nova redação dada pelo Decreto-Lei nº 201/2005 ao mesmo artigo 167°, não pode implicar o renascimento do Decreto-Lei nº 227-B/2000, artigo 26º, que fora revogado pelo Decreto­ Lei nº 202/2004, pela simples razão de que não operou a revogação da lei revogadora e, mesmo no caso de revogação, esse não é um efeito necessário, pois, conforme dispõe o artigo 7°, nº 4, do Código Civil "...a revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogara ..."
N) Mas, ainda que tivesse havido revogação, no caso concreto, o Decreto-Lei nº 202/2004 dispôs sobre aquela matéria (exclusão de terrenos) em termos tais que a remissão, em 2005, para a norma de 2000 acarretaria um absurdo jurídico , a saber: os proprietários não tinham exercido os seus direitos nos termos do artigo 26° do supra citado Decreto-Lei nº 227-B/2000 porque este fora revogado; e já não poderiam exercê-los, em 2006, porque o prazo estaria expirado no momento em que a putativa "repristinação" ocorresse.
O) Se a norma que trata a "exclusão de terrenos" (artigo 26º, do Decreto-Lei nº 227-B/2000 ou artigo 28° do Decreto-Lei nº 201/2005) não se pode aplicar, seja porque o tempo decorrido o impede, seja porque o legislador o proíbe, então estamos perante um "não-direito'', o que põe em crise os interesses causais do preceito.
P) Assim, sempre com o maior respeito pelos Tribunais, o douto aresto ora recorrido ao julgar procedente a alegada violação do disposto do disposto no artigo 167° n.º 2 do Decreto-Lei n .º 202/2004 (com as alterações conferidas pelo Decreto-Lei n.º 20112005 de 24.11 e do artigo 26° do Decreto-Lei n.º 227-B/2000 de 15.09, na redacção resultante do Decreto-Lei n .0 338/2001, de 26.12), por não haver sido observado o prazo estabelecido para os proprietários requererem a exclusão dos seus terrenos da ZCM de Elvas 2, não procedeu à correcta interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis.

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O recorrido, por sua vez, não apresentou contra-alegações.

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O M.P. não emitiu parecer.

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II. Delimitação do objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA)
As questões suscitadas pelo Recorrente prendem-se com saber se a decisão em crise incorreu em erro de julgamento ao anular o ato constante da Portaria nº 133/2008 (DR I Série, nº 32, de 14/02/2008) por alegada violação:
- Do disposto nos artigos 21º, 22º nº 1 al. c), 26°, nºs 1 e 2, 27º e 29°, nº 8 todos do Decreto-Lei nº 202/2004, e 9º e 331º nº 1 do C. Civil, porquanto teria tido lugar a caducidade da transferência, apesar de o pedido de renovação formulado pela Recorrida ainda não ter sido decidido;
- Do disposto do disposto no artigo 167° n.º 2 do Decreto-Lei n.º 202/2004 (com as alterações conferidas pelo Decreto-Lei n.º 201/2005 de 24.11 e do artigo 26° do Decreto-Lei n.º 227-B/2000 de 15.09, na redação resultante do Decreto-Lei nº 338/2001, de 26.12), por não haver necessidade de observar o prazo estabelecido para os proprietários requererem a exclusão dos seus terrenos da ZCM de Elvas 2, nos termos do artº do art. 26.° do DL n.° 227-B/2000, de 15/09, com a redacção conferida pelo DL 338/2001, de 26/12.
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III. Factos (dados como provados na sentença recorrida):
































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IV. Direito
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas alegações importa conhecer da pretensão recursiva formulada e que se prende com o facto de, alegadamente, o Juiz a quo ter incorrido em erro de julgamento ao anular o ato constante da Portaria nº 133/2008 (DR I Série, nº 32, de 14/02/2008) por alegada violação:
- Do disposto nos artigos 21º, 22º nº 1 al. c), 26°, nºs 1 e 2, 27º e 29°, nº 8 todos do Decreto-Lei nº 202/2004, e 9º e 331º nº 1 do C. Civil, porquanto teria tido lugar a caducidade da transferência, apesar d o pedido de renovação formulado pela Recorrida ainda não ter sido decidido;
- Do disposto do disposto no artigo 167° n.º 2 do Decreto-Lei n.º 202/2004 (com as alterações conferidas pelo Decreto-Lei n.º 201/2005 de 24.11 e do artigo 26° do Decreto-Lei n.º 227-B/2000 de 15.09, na redação resultante do Decreto-Lei nº 338/2001, de 26.12), por não haver necessidade de observar o prazo estabelecido para os proprietários requererem a exclusão dos seus terrenos da ZCM de Elvas 2, nos termos do artº do art. 26.° do DL n.° 227-B/2000, de 15/09, com a redacção conferida pelo DL 338/2001, de 26/12.
Vejamos.
No âmbito do DL n.º 202/2004, de 18 de Agosto (REGULAMENTO LEI DE BASES GERAIS DA CAÇA), na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 201/2005, de 24 de Novembro, o artigo 14.º, com a epígrafe “Transferência”, diz-nos que “[o] Estado pode transferir para associações e federações de caçadores, organizações de agricultores, de proprietários, de produtores florestais e de defesa do ambiente, autarquias locais ou para outras entidades colectivas integradas por aquelas:
a) A gestão de ZCN;
b) A gestão das áreas referidas a terrenos cinegéticos não ordenados, com vista à constituição de ZCM.”
Por sua vez, o artº 16º, relativo à “instrução do processo” diz-nos que:
“1 - A instrução dos processos relativos à criação e transferência de gestão de ZCN e ZCM é da competência da DGRF.
2 - Os processos que incluam terrenos situados em áreas classificadas carecem de parecer do ICN.
3 - O prazo para a emissão do parecer referido no número anterior é de 30 dias, findo o qual pode o procedimento prosseguir e vir a ser decidido sem o parecer.
4 - Os prazos e termos do procedimento para a criação e transferência de gestão de zonas de caça são regulados por portaria do Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas.”

(negrito, itálico e sublinhados são sempre de nossa autoria)

Na sequência da instrução do procedimento, nos termos do Artigo 18.º, dois desfechos são possíveis:
“O Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas pode:
a) Conceder, por portaria, a respectiva transferência de gestão;
b) Por despacho devidamente fundamentado, indeferir o pedido de transferência.”

O artº 21º da mesma Lei, sobre a “Renovação da transferência”, diz-nos que:
“O requerimento de renovação da transferência de gestão deve ser apresentado entre um ano e seis meses antes do termo da transferência da respectiva zona de caça, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto para a transferência inicial.”

O artº 22º, por sua vez, prevê os casos em que ocorre a “Extinção da transferência” nos seguintes termos:
“1 - A transferência de gestão prevista no artigo 14.º extingue-se:
a) A pedido da entidade gestora;
b) Por revogação decorrente do incumprimento das obrigações previstas no artigo 19.º;
c) Por caducidade, se decorrido o prazo de transferência esta não for renovada;
d) Por decisão do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, sempre que, por exclusão de terrenos, ao abrigo do disposto nos artigos 28.º e 167.º, a área remanescente não permita prosseguir os objectivos inerentes a este tipo de zonas de caça.
2 - A extinção da transferência prevista nas alíneas a), b) e d) do número anterior é objecto de portaria do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

Sobre isto diz-se, na sentença/acórdão em crise, o seguinte:
“(…) compulsada a factualidade julgada provada em 1) a 11), da sentença reclamada, constata-se que, consubstanciando o acto impugnado um acto administrativo, decorreu o respectivo prazo legal sem que a Administração decidisse sobre o pedido de renovação formulado pelo Autor, como era seu dever [cf. art. 9.º do CPA; cf. arts. 18.º e 21.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de Agosto, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 201/2005, de 24 de Novembro]. Por conseguinte, o Autor foi confrontado com o acto impugnado nos autos que contende com a faculdade de renovação - de continuidade de anterior acto constitutivo de direitos - de ZCM, já solicitada, nada se podendo imputar em inércia ao Autor que até insistiu para saber em que estado se encontrava o seu pedido. Consequentemente, a falta de decisão acarreta a suspensão do exercício da caça, em conformidade com o disposto no n.º 8, do art. 29.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de Agosto, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 201/2005, de 24 de Novembro; sem que se possa afirmar que existe caducidade.
Assim, o pedido de renovação - que pode ou não ser deferido -, é facto impeditivo, tanto pela natureza do instituto em causa, como pela forma em que se encontra legalmente estruturado, fazendo com que o procedimento em que se insira não produza efeitos enquanto não for decidido por acto expresso”
Ora bem:
No caso em apreço, o Recorrente alega que a transferência se extinguiu porque teve lugar a caducidade nos termos do artº 22º, nº 1, c), acima transcrito.
No entanto, conforme resulta dos autos, neste caso, havia sido feita, pela Recorrida, pedido de renovação da transferência, nos termos do artº 21º acima transcrito (cfr. ponto 4 dos factos provados, acima).
Tendo a Recorrida requerido tempestivamente a renovação da transferência de gestão, nos termos do artigo 21º do Decreto-lei n.º 202/2004 de 18.08, e não havendo sido proferido despacho fundamentado de indeferimento dessa pretensão (cfr. ponto 5 e ss. dos factos provados, acima), a consequência da não ultimação do processo até ao termo da transferência de gestão, seria apenas a suspensão do exercício da caça, nos termos do artigo 29 n.º 8 do DL 2020/2004, preceito esse que, com a epígrafe “Acompanhamento da gestão das ZCM”, diz que “(…) [s]empre que as entidades gestoras requeiram atempadamente a renovação e os processos não tenham ficado concluídos até ao termo da transferência de gestão, fica suspenso o exercício da caça até à publicação da portaria de renovação, pelo prazo máximo de seis meses.”

Assim, contrariamente ao propugnado nas alegações do recorrente, a não renovação da transferência de gestão não determinou a caducidade da ZCM em causa.
Por outro lado, como bem se sustenta no acórdão/sentença em crise (e na sentença que o mesmo confirmou, na sequência de reclamação da mesma para a conferência), afigura-se igualmente demonstrada a violação, pela Administração, do disposto nos artigos 28º e 167º n.º 2 do Decreto-lei n.º 202/2004 (com as alterações conferidas pelo Decreto-lei n.º 201/2005 de 24.11 e do artigo 26 do Decreto-lei n.º 227-B/2000 de 15.09, na redação resultante do Decreto-lei n.º 338/2001, de 26.12), por não haver sido observado o prazo estabelecido para os proprietários requererem “a exclusão dos seus terrenos da ZCM, até um ano antes do termo do prazo de transferência”.
Mas vejamos melhor porquê:
O artº 28º do DL n.º 202/2004, de 18 de Agosto, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 201/2005, de 24 de Novembro, com a epígrafe “Exclusão de terrenos”, diz-nos que:
“1 - Os proprietários ou usufrutuários e arrendatários, neste caso quando o contrato de arrendamento rural inclua a gestão cinegética, podem requerer a exclusão dos seus terrenos da ZCM, sem prejuízo das situações constituídas ao abrigo do direito anterior, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:
a) Sejam titulares de direitos de uso e fruição nos termos legais, quando as formas de uso e fruição incluírem a gestão cinegética;
b) Não tenham estabelecido acordos com a entidade gestora.
2 - A exclusão de terrenos de ZCM pode ainda ocorrer a pedido da respectiva entidade gestora ou por razões de interesse público.
3 - A exclusão dos terrenos produz efeitos na data de entrada em vigor da portaria que redefine os limites da zona de caça na qual os terrenos referidos no número anterior se encontravam integrados.
4 - No caso de alteração dos titulares de direitos sobre os prédios, havendo acordo com o transmitente, não há lugar à exclusão de terrenos até ao termo da transferência de gestão.”
Por sua vez, segundo o artigo 167.º do DL n.º 202/2004, de 18 de Agosto, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 201/2005, de 24 de Novembro, com a epígrafe “Exclusão de terrenos de ZCM”:
“1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a exclusão dos terrenos referidos no n.º 1 do artigo 28.º pode ser requerida no prazo de um ano sobre a data de publicação da portaria de criação ou de renovação da zona de caça.
2 - Às ZCM criadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 227-B/2000, de 15 de Setembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 338/2001, de 26 de Dezembro, aplica-se o disposto no seu artigo 26.º”

O artº 26º do DL nº Decreto-Lei n.º 227-B/2000, de 15 de Setembro, que Regulamenta a Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro (Lei de Bases Gerais da Caça), com a epígrafe “Exclusão de terrenos”, diz-nos que:
“1 - Os proprietários, usufrutuários e arrendatários, quando o contrato de arrendamento inclua a gestão cinegética, podem requerer a exclusão dos seus terrenos da ZCM, até um ano antes do termo do prazo de transferência, se os mesmos se destinarem a constituir ou a ser integrados em zona de caça ou em área de não caça.
2 - A exclusão dos terrenos referidos no número anterior só produz efeitos no final do prazo de transferência ou de renovação.”

Ou seja, no tocante aos pedidos de exclusão formulados, a sua apreciação confronta-se com o preceituado no n.º 2 do art. 167.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de Agosto, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 201/2005, de 24 de Novembro - segundo o qual, “….às ZCM criadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 227-B/2000, de 15 de Setembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 338/2001, de 26 de Dezembro, aplica-se o disposto no seu art.º 26.º…”. Como tal, aplicar-se-á ao caso em apreço o disposto no art. 26.º do Decreto-Lei n.º 227-B/2000, de 15 de Setembro, nos termos do qual, “…os proprietários…podem requerer a exclusão dos seus terrenos da ZCM, até um ano antes do termo do prazo de transferência…”.
E, tal como se concluiu no acórdão/sentença em crise, in casu, o prazo em causa não foi observado.
Assim sendo, e como decidido no acórdão/sentença rem crise, “…a nova ZCA colide com a faculdade de renovação da ZCM e dever de decisão quanto a tal pedido (sendo que enquanto não for decidida tal renovação, ocorre simples suspensão do exercício da caça, violando a lei, a decisão que não atenda a tal consequência legal e que actue como se de simples afirmação de caducidade tivesse como pressuposto); a nova ZCA, enquanto incorpora terrenos cuja exclusão da ZCM é violadora de lei, resultando em concessão que pode ser incompatível com a manutenção da anterior ZCM, contende com a faculdade de renovação de anterior direito…”.
Prossegue-se, ainda, no acórdão/sentença em crise, “…contenta-se que essa anulação apenas atinja a parte atinente à integração na zona de caça associativa de Vila Boim dos prédios rústicos sitos na freguesia de Vila Boim, Município de Elvas, com a área de 1162ha (com excepção da Herdade da Cavaleira, com a área aproximada de 180ha). Pode a anulação restringir efeitos, não mais atingindo a pronúncia anulatória o que na nova ZCA possa colidir com a ZCM? Não nos parece, logo pela natureza do acto de criação da Zona de Caça que reúne em concorrente pressuposto de legalidade e de conveniência todos os prédios rústicos, todos eles, sem que deixe emergir qualquer aparente cindibilidade, em termos de se poder dizer que sem um qualquer dos determinados prédios componentes, componentes, ou pelo menos sem aqueles aqui em discussão, ainda assim, seria instituída a zona de caça. Mas também pela natureza e estado dos procedimentos, assim não pode ser: sequer temos como garantido que se renove a ZCM, e sempre cumpre à Administração primeira palavra; na manutenção (ou criação) de uma ZCM, tal como na criação (e manutenção) de uma ZCA, participam áleas de conveniência que são deixadas na discricionariedade da Administração, juízos aos quais o tribunal não se substitui e só pode censurar a posteriori e por notória desadequação…”.
No mesmo sentido que se enunciou acima, em caso muito semelhante àquele de que ora nos ocupamos, se pronunciou já este TCA – Sul, embora no âmbito de providência cautelar, no acórdão de 14-05-2009, proferido no processo: 04464/08, disponível para consulta em www.dgsi.pt e segundo o qual, no que para aqui releva, se disse o seguinte:
“(…) Ora, no caso sub judicio mostra-se factualmente provado que, aproximando-se o momento do termo do prazo de seis anos da transferência de gestão da zona de caça municipal Elvas 2 a ocorrer em 25/7/2007, o Clube ...de Elvas requereu em 8/11/2006 ao MADRP a respectiva renovação por mais seis anos.
Esse requerimento nunca chegou a ser deferido nem indeferido, como era obrigação da Administração (artigo 9º nº 1 do CPA), não obstante as insistências do requerente em 12/12/2007, tendo inclusivamente o Chefe do Núcleo do Alto Alentejo e Alentejo Central informado em 9/5/2008 que fora enviado relatório circunstanciado de todo o processo em 20/2/2008 à CFS, para decisão superior.
Por isso, quando em 30/7/2008 foi publicada a Portaria nº 707/2008, e concedida por seis anos, automaticamente renovável por uma vez, a gestão da zona de caça associativa a favor de D...– Associação de Caça e Pesca, em terrenos que integravam a ZCM Elvas 2, o Clube ...de Elvas foi colhido de surpresa, não só por não ter sido previamente ouvido sobre essa concessão, nos termos do artigo 100º do CPA, como porque nunca chegara a ser notificado de decisão proferida sobre o seu requerimento de 8/11/2006.
Mostra-se assim indiciariamente provado que o acto suspendendo padece efectivamente do vício de que lhe é imputado, de omissão do dever de audiência prévia do interessado no procedimento.
E não colhe o argumento (sufragado na sentença recorrida) de que o Clube requerente não era interessado no procedimento, já que a nova concessão se operou sobre terrenos que integravam a ZCM Elvas 2, cuja gestão lhe fora regularmente concedida.
Por outro lado, e no âmbito da presente providência cautelar, a Portaria nº 707/2008 12/10/2020 mostra também padecer de insuficiente fundamentação.
Porque considerou ter-se operado a caducidade da transferência da gestão no termo do respectivo prazo de seis anos, quando a sua renovação tinha sido atempadamente requerida, sem obter deferimento ou indeferimento algum, não constituindo assim fundamentação adequada.
Tanto mais que em 9/5/2008 (seis meses após o requerimento aludido), o Chefe de Núcleo informou o Clube requerente que em 20/2/2008 subira o processo à CFS para decisão superior, que afinal nunca chegou a ser tomada.
Além disso, como é reconhecido na sentença, deferir ou não deferir a transferência da gestão no termo do respectivo prazo de seis anos era prerrogativa da Administração, nos termos dos artigos 14º e 18º do DL nº 202/2004, de 18/8 mas, tendo essa renovação sido atempadamente requerida, não poderia ser indeferida sem ser por despacho devidamente fundamentado – o que não aconteceu no caso dos autos, em que nunca chegou a ser proferido esse despacho.
Desta forma, a publicação da Portaria nº 707/2008 enferma também da ilegalidade que lhe é atribuída pelo Clube requerente (…)”

Aqui chegados:
Por tudo quanto acima vem exposto, teremos de negar provimento ao recurso interposto e confirmar a decisão proferida, que anulou o ato praticado em 31 de Janeiro de 2008, pelo Secretário de Estado-Adjunto da Agricultura e das Pescas, e constante da Portaria n.º 133/2008, de 14 de Fevereiro (publicada na I Série do Diário da República n.º 32, de 14 de Fevereiro de 2008), nos termos do qual, foi concessionada, pelo período de seis anos, à Contrainteressada, a zona de caça associativa de Vila Boim, englobando vários prédios rústicos sitos na freguesia de Vila Boim, Município de Elvas, e na freguesia de Ciladas, Município de Vila Viçosa (processo n.º …..).
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Concluindo (sumário elaborado nos termos e para os efeitos previstos no artº 663º, nº 7 do CPC):
I. Um pedido de renovação da transferência de gestão de zona de caça formulado é facto impeditivo da respetiva caducidade, tanto pela natureza do instituto em causa, como pela forma em que se encontra legalmente estruturado, fazendo com que o procedimento em que se insira não produza efeitos enquanto não for decidido por ato expresso.
II. A falta de decisão de pedido de renovação da transferência de gestão tempestivamente formulado acarreta a suspensão do exercício da caça, em conformidade com o disposto no n.º 8, do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de Agosto, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 201/2005, de 24 de Novembro, sem que se possa afirmar que existe caducidade de zona de caça.
III. O preceituado no n.º 2, do art.º 167.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de Agosto, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 201/2005, de 24 de Novembro ressalva as ZCM criadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 227-B/2000, de 15 de Setembro, com a redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 338/2001, de 26 de Dezembro, determinando a aplicação do disposto no seu art.º 26.º, nos termos do qual os proprietários de terrenos da ZCM, apenas podem requerer a exclusão dos seus terrenos da mesma até um ano antes do termo do prazo de transferência.
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V – Decisão:
Assim, face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão em crise.
Custas pelo recorrente.
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Lisboa, 15 de Outubro de 2020

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Ricardo Ferreira Leite*



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Ana Celeste Carvalho



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Pedro Marchão Marques

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*O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.