Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2312/07.3BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:DEFICIT INSTRUTÓRIO
IMT
CARATERÍSTICAS IMÓVEL
DÚVIDA
Sumário:I-Inexiste deficit instrutório se o Tribunal a quo enveredou as diligências que se reputavam pertinentes para o efeito, não podendo o Juiz substituir-se às partes realizando ele a prova que as partes tinham que produzir.

II-Competia à Recorrente provar as caraterísticas do prédio à data da sua transmissão, concretamente quanto à sua capacidade construtiva, por forma a demonstrar, inequivocamente, a ilegalidade do ato de liquidação.

III-Não se verifica qualquer dúvida relativamente ao facto tributário ou à sua quantificação, uma vez da prova produzida em juízo e dos elementos carreados para os autos não resulta que tenha sido cometida qualquer ilegalidade pela Administração Tributária.

IV- Resultando da liquidação impugnada que esta se baseou no valor patrimonial tributário anteriormente notificado e que o imposto a pagar resulta da diferença entre o montante da coleta apurada e a anteriormente paga, o ato contém a fundamentação legalmente exigível, adequada ao caso vertente.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

M….., SA veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT), referente à aquisição do imóvel inscrito na matriz predial sob o artigo ….., da freguesia da Ajuda, concelho de Peniche, no montante de €86.802,30.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso, devidamente aperfeiçoadas, nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“I- No âmbito do anterior recurso, o Tribunal Central Administrativo ordenou abaixa dos autos para que o Tribunal a quo praticasse diversos actos, que foram omitidos e que seriam necessários à descoberta da verdade material.

II- O Tribunal recorrido não cumpriu o ordenado pelo TCA, nomeadamente o que se refere ao indicado à instrução dos autos designadamente através da junção de documentos (pareceres e avaliações) ou ouvidas as entidades pertinentes (IPPAR e Camara Municipal) para conhecer as características do prédio à data da sua transmissão, nomeadamente no que respeita à sua capacidade construtiva e valor deste à data da sua transmissão para, posteriormente.

III- No entender da Recorrente, o Tribunal aquo deveria tê-la notificado para produzir a prova que entendesse sobre a matéria do processo e deveria ter notificado as entidades citadas pelo TCA para responder à questão central deste processo que é saber quais as características do imóvel à data da sua transmissão.

IV- Dessa forma, face à anterior decisão do TCA, nenhuma decisão poderia ter sido proferida sem que o Tribunal a quo obtivesse os documentos (pareceres e avaliações) ou ouvisse as entidades pertinentes (IPPAR e Camara Municipal) para conhecer as características do prédio à data da sua transmissão, nomeadamente no que respeita à sua capacidade construtiva e valor deste à data da sua transmissão.

V-Em face do deficit instrutório anterior e que se manteve e porque se reputa essencial para a decisão da causa a realização das diligências probatórias que já foram indicadas pelo TCA tendentes à recolha de elementos objectivos que permitam conhecer as características do prédio à data da sua transmissão, nomeadamente no que respeita à sua capacidade construtiva e valor deste à data da sua transmissão, deverá a douta sentença ser anulada (cfr. artºs. 712º nº 4 e 749º do CPC e artº 169º do CPT).

VI- Além do que já foi dito, verifica-se que na notificação da liquidação adicional nenhuma referência é feita à motivação da liquidação e muito menos à existência de indícios fundados da prática de actos com vista à diminuição da dívida do imposto.

VII- A referida notificação não indica os critérios que determinaram a nova liquidação.

VIII- Tais omissões de fundamentação determinam a anulabilidade da liquidação, que deve ser declarada.

IX- Apesar do que acima ficou dito, e caso não se entenda anular a douta sentença recorrida com os fundamentos expostos, considera a Recorrente que o processo contém elementos que deveriam ter conduzido à impugnação do acto tributário, tal como solicitado, senão vejamos:

X- O Tribunal aquo deu como provado que em 2013 a AT avaliou o mesmo imóvel e fixou-lhe um valor patrimonial de metade do que tinha antes indicado. (Ver alínea N) dos factos provados)

XI- Face a esta prova, o Tribunal Recorrido deveria ter entendido, desde logo, que a primeira avaliação efectuada se encontrava errada.

XII- Não é nem normal nem habitual que o mesmo terreno, que se mantém como terreno apto para construção e mantém o mesmo índice de construção (ver ponto M) dos factos provados), veja, pouco tempo depois, o seu valor patrimonial reduzido para metade.

XIII- Trata-se de uma diferença de 1.164.000 euros nos valores patrimoniais à qual o Tribunal recorrido não poderia ter ficado indiferente e cujo fundamento deveria ter sido aprofundado pelo Tribunal aquo.

XIV- Por outro lado, como ficou demonstrado em audiência de julgamento (alíneas B, E e F dos factos provados), só depois da aquisição do imóvel e face a um conjunto de actos praticados pela impugnante, a área construtiva do imóvel aumentou e consequentemente o valor do mesmo.

XV- Ou seja, encontra-se provado que, no momento da sua transmissão, o imóvel não possuía a área construtiva indicada no documento de avaliação.

XVI- A recorrente faz, ainda, notar que o facto M) da douta sentença refere que o índice de construção bruta do terreno era de 0,70.

XVII- Ora, sendo a área total do terreno de 9.294,30 m2 a aplicação do referido índice daria uma área bruta de construção de 6.505 m2.

XVIII- Esta área, perto da de 5.000 m2 que ficou demonstrada como sendo a área provável, é muito inferior à área de 15.243 m2 referidos pela AT.

XIX- Assim, se o valor fixado de 2.335.420 euros teus como pressuposto uma área bruta de construção de 15,243 m2 facilmente se conclui que para a área real bruta de construção permitida de 6.505 m2 o valor patrimonial do terreno só poderia ser, no seu máximo de 996.648.11 euros.

XX- E, seguramente, que não foi por acaso que o preço do terreno foi de 1.000.000 de euros, valor quase aproximado ao do VP encontrado.

XXI- A douta sentença deu como provado que as diligências que aumentaram a área construtiva que influenciou o valor da avaliação só ocorreram depois da escritura de compra, ou seja após Janeiro de 2006 e antes de Maio de 2006 (data em que a recorrente entregou a declaração modelo 1 já com a área bruta de 11 .479.1800 m2) (alínea F dos factos provados).

XXII-Assim, nunca o imóvel teria, à data da sua transmissão, o valor patrimonial que lhe foi fixado em Agosto de 2006.

XXIII- Assim, nenhuma dúvida podia haver no sentido de se proceder à anulação da liquidação adicional do IMT.

XXIV- Por outro lado a douta sentença recorrida reconhece, na página 9, que da prova carreada para os autos, não fica afastada a possibilidade de se afirmar que a avaliação, apesar de ter sido realizada 6 meses depois da data da transmissão e à qual se devia reportar, foi efectuada com referência a outra data que não a da transmissão.

XXV-Ou seja, a douta sentença reconhece que foi produzida prova suficiente para se aferir que a avaliação não teve como referência a data da transmissão do imóvel.

XXVI- Face a esta conclusão não podia a douta sentença deixar de atender à pretensão da Recorrente.

XXVII- Além disso, no entender da Recorrente, a douta decisão aplica incorrectamente o regime do ónus da prova estabelecido no nº 1 do artigo 74.º da LGT.

XXVII- Neste processo o que está em causa é saber qual o valor do prédio à data da sua transmissão, ou seja em 23 de Janeiro de 2006.

XXX- A avaliação da AT foi efectuada em Agosto de 2006.

XXX-Assim, caberia à AT demonstrar que o imóvel já tinha o mesmo valor 7 meses antes da data da avaliação.

XXXI- De qualquer forma, a Recorrente realizou prova suficiente para que ficasse demonstrado que o prédio não tinha o valor da avaliação.

XXXII- Apesar de não ter indicado qual o valor que o prédio tinha, nem a si tal lhe competia, a mera colocação em dúvida do valor do prédio com efeitos a Janeiro seria suficiente para lhe dar ganho de causa.

XXXIII- Assim, o Tribunal Central pode já decidir, também, sobre a matéria da impugnação, deferindo-a.

XXXN- A liquidação adicional impugnada viola os nº 2 do artigo 12.º e nº 1 do artigo 31º do CIMT, os artigos 268º nº 3 e 77.º da LGT e 125.º do CPA e ainda os critérios de avaliação definidos no CIMI, pelo que não pode subsistir na ordem jurídico-fiscal e deve ser anulada.

XXXV- A decisão recorrida viola o artigo 31.º nº4 do CIMT, os artigos 97º nº1 f) e 99.º e 134.º do CPPT e 74.º da LGT.

Termos em que, deve ser revogada a douta sentença e substituída por outra que decrete a anulação da liquidação de IMT na quantia total de €86.802,30.”


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A Recorrida DRFP, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.


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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Factos provados

Com relevância para a decisão, consideraram-se provados pelos documentos constantes dos autos e pela prova testemunhal produzida, os seguintes factos, não impugnados, já fixados na sentença proferida e aos quais não foi feito qualquer aditamento no Acórdão do TCA Sul referido:


A)

Com data de 18-09-2003, a impugnante celebrou com a F….. contrato promessa de compra e venda do terreno para construção sito em Peniche, freguesia da Ajuda, inscrito na matriz predial …... – (cfr. doc. de fls. 29 a 31 dos autos).

B)

A expectativa inicial de viabilidade de construção no imóvel referido na alínea antecedente era de cerca de 5.000m2. – (cfr. depoimentos de P….. e J…..).

C)

A impugnante apresentou em 20-01-2006 a declaração modelo 1 de IMT n.º ….., referindo como valor do contrato o montante de € 1.000.00,00 assim dando lugar à liquidação de IMT n° …., no valor de € 65.000,00. – (cfr. processo instrutor apenso).

D)


Por escritura de 23-01-2006, a impugnante adquiriu da F….., em Peniche, o ….., pelo valor de € 1.000.000,00. - (cfr. fls. 8 a 13 dos autos[1]).

E)

Após realização da escritura pública de compra e venda a impugnante realizou investimentos que acarretaram custos por ela suportados, com vista a aumentar a área construtiva no terreno. – (cfr. depoimento de P…..).

F)

Em 11-05-2006 a impugnante entregou declaração modelo n.º 1 de IMI n° ….., de 11- 05-2006, declarando, para além do mais, a área Bruta de Construção de 11.479.1800 m2. - (cfr. processo instrutor apenso).

G)

Em 02-08-2006 a Autoridade Tributária e Aduaneira efetuou a primeira avaliação ao imóvel identificado em C), fixando o valor patrimonial tributário (VPT) em € 2.335.420,00. - (cfr. processo instrutor apenso).

H)

Em 21-08-2006 a impugnante foi notificada, mediante carta registada com aviso de receção n.º ……, de 08-08-02006, na morada da impugnante, recebido por S….., do resultado da avaliação referida na alínea antecedente - (cfr. processo instrutor apenso).

I)

Em 19-11-2006 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu em nome da impugnante a liquidação adicional de IMT n.º ….., no valor de € 86.802,30. – (cfr. fls. 234 dos autos).

J)

Em 28-03-2007 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a respetiva nota de cobrança da liquidação referida na alínea antecedente, sob correio registado com o n.º ….., de 10/4/2007, com data limite para pagamento até 31/5/2007, rececionada em 13-04-2007. – (cfr. fls. 193 e 194 dos autos e processo instrutor apenso).

Encontra-se ainda provado por documento que:


K)

Consta da demonstração da liquidação adicional de IMT n.º …., com o valor de € 86.802,30, respeitante ao prédio ….., além do mais, os seguintes elementos:

Área total do terreno: 9.294,30m2;

Destino: Terreno para construção;

Valor patrimonial IMT após Avaliação: € 2.335.420,00;

Valor declarado: € 1.000.000,00

Matéria Coletável: € 2.335.420,00;

Taxa: 6,50%

Coleta: € 151.802,30. – (cfr. doc. de fls. 190 dos autos).


L)

Consta da caderneta predial urbana respeitante ao art.º ….. da freguesia da Ajuda e concelho de Peniche, obtida via internet em 02-05-2006, o VPT de € 35.869,65, determinado em 2003, ano de inscrição na matriz. – (cfr. doc. de fls. 27 dos autos).

M)

Com data de 13-02-2013 o Município de Peniche comunicou a T….. a informação prestada em 24-01-2013 pela Divisão de Gestão Urbanística e Ordenamento respeitante à obra sito em Rua Azeredo Perdigão, freguesia da Ajuda, da qual resulta que, de acordo com o PDM, em vigor desde 1995, o índice de construção bruta é de 0,70. - (cfr. fls. 198 e 199 dos autos).

N)

Em 20-03-2013 a Autoridade Tributária e Aduaneira efetuou avaliação ao imóvel identificado na alínea anterior, fixando o VPT em 1.164.090,00, onde consta, designadamente o seguinte:

Área total do terreno: 9.294,3000m2;

Área de implantação do edifício: 3.754,6500m2;

Área bruta de construção: 15.243,4800m2. – (cfr. doc. de fls. 182 e 183 dos autos).

Consta como factualidade não provada o seguinte:

“Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.”


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A decisão recorrida motivou a matéria de facto da seguinte forma:

“A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos, não impugnados, bem como na prova testemunhal produzida e considerada na sentença de 12-04-2013, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IMT liquidada pela aquisição do imóvel inscrito na matriz predial sob o artigo …., da freguesia da Ajuda, concelho de Peniche, no montante de €86.802,30.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se:

A decisão recorrida padece de deficit instrutório, por não terem sido realizadas as diligências de instrução ordenadas pelo TCA em anterior Aresto;

Improcedendo a aludida questão se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por:
Ø A liquidação de IMT padecer de falta de fundamentação.
Ø Resultar do probatório que à data da aquisição o imóvel em questão não tinha as caraterísticas evidenciadas na avaliação realizada em 02 de agosto de 2006;
Ø Ter sido erradamente aplicado o regime do ónus da prova estabelecido no nº 1 do artigo 74.º da LGT, visto que competiria à Administração Tributária demonstrar que o imóvel já tinha o mesmo valor sete meses antes da data da avaliação.
Ø A dúvida quanto ao valor do prédio determina, per se, a anulabilidade do ato?
Ø A liquidação adicional impugnada viola os nº 2 do artigo 12.º e nºs 1 e 4 do artigo 31.º do CIMT, os artigos 268.º nº 3 e 77.º da LGT e 125.º do CPA, os artigos 97.º, nº1 alínea f), 99.º e 134.º todos do CPPT, 74.º da LGT e ainda os critérios de avaliação definidos no CIMI.

Apreciando.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo omitiu a prática de atos que seriam necessários à descoberta da verdade material, incumprindo o ordenado pelo TCA, nomeadamente quanto à junção de documentos (pareceres e avaliações) e audição das entidades pertinentes (IPPAR e Câmara Municipal) o que seria vital para se conhecer das características do prédio à data da sua transmissão, nomeadamente no que respeita à sua capacidade construtiva e valor deste à data da sua transmissão;

Tal situação comporta a existência de deficit instrutório, devendo, por isso, ser anulada por forma à realização das competentes diligências probatórias e que já foram indicadas pelo TCA.

Acresce que, conforme resulta da notificação da liquidação adicional impugnada inexiste qualquer referência à sua motivação e muito menos à existência de indícios fundados da prática de atos com vista à diminuição da dívida do imposto. Logo, ao não serem indicados os critérios que determinaram a emissão da liquidação tal determina falta de fundamentação que comina o ato de anulabilidade.

Sem embargo do exposto, e caso não se entenda anular a douta sentença recorrida com os fundamentos expostos, a verdade é que dos elementos constantes dos autos se conclui que a liquidação padece de ilegalidade e isto porque se o Tribunal a quo deu como provado que em 2013 a AT avaliou o mesmo imóvel e fixou-lhe um valor patrimonial de metade do que tinha antes indicado, então a conclusão que se impunha retirar é a de que a primeira avaliação efetuada se encontrava errada.

Logo, encontrando-se provado que, no momento da sua transmissão, o imóvel não possuía a área construtiva indicada no documento de avaliação, até porque o índice de construção bruta do terreno era de 0,70, tal determina a ilegalidade, donde, a anulabilidade do ato impugnado.

Mais enfatiza que a sentença recorrida deu como provado que as diligências que aumentaram a área construtiva que influenciou o valor da avaliação só ocorreram depois da escritura de compra, ou seja, após janeiro de 2006 e antes de maio de 2006, ou seja, na data em que a Recorrente entregou a declaração modelo 1 já com a área bruta de 11 .479.1800 m2.

Acresce, outrossim, que é a própria decisão recorrida que conclui que foi produzida prova suficiente para se aferir que a avaliação não teve como referência a data da transmissão do imóvel, pelo que teria de ter concedido provimento à Recorrente.

Aduz, in fine, que foi erradamente aplicado o regime do ónus da prova estabelecido no nº 1 do artigo 74.º da LGT, visto que competiria à Administração Tributária demonstrar que o imóvel já tinha o mesmo valor sete meses antes da data da avaliação.

Termina concluindo que a liquidação adicional impugnada viola os nº 2 do artigo 12.º e nºs 1 e 4 do artigo 31.º do CIMT, os artigos 268.º nº 3 e 77.º da LGT e 125.º do CPA, os artigos 97.º, nº1 alínea f), 99.º e 134.º todos do CPPT, 74.º da LGT e ainda os critérios de avaliação definidos no CIMI, pelo que não pode subsistir na ordem jurídico-fiscal e deve ser anulada.

Vista a posição da Recorrente atentemos, ora, na fundamentação jurídica que suportou a improcedência da impugnação judicial.

O Tribunal a quo começa por delimitar o objeto da lide da seguinte forma:

“De acordo com o douto Acórdão do TCA Sul, foi ordenada a baixa dos autos a esta instância para serem realizadas diligências tendentes a apurar do teor do documento de notificação da liquidação e eventualmente outros com esta enviados à impugnante, bem como apurar da efetiva área de construção do imóvel e valor deste à data de transmissão.”

Ajuizando, depois, que “[n]o caso dos autos o imóvel foi avaliado, ao abrigo do CIMI, por via da 1.ª transmissão ocorrida na vigência daquele, sendo que o resultado da avaliação se consolidou na ordem jurídica por falta de impugnação por parte da impugnante.”

Explicitando, assim, que “[a] questão não tem a ver com o valor atribuído, mas com a verificação dos pressupostos legais em que se baseou essa avaliação existentes à data da transmissão.”

Concretizando, depois, que “[d]a prova carreada para os autos pelo Tribunal conforme determinado no douto acórdão, da factualidade provada e não provada não fica afastada a possibilidade de se afirmar que a avaliação, apesar de efetuada seis meses após o ato translativo, foi efetuada com referência a outra data que não a da transmissão.

Aliás, conforme consta do próprio PDM do concelho de Peniche, que foi ratificado pela Resolução do Concelho de Ministros - RCM n.º 139/95, publicada no Diário da República, 1.ª Série –B, n.º 265, de 16 de novembro e alterado pela RCM n.º 8/2001, de 26 de janeiro, mantendo um índice de construção bruto em 0,70, conforme consta, aliás, da avaliação junta aos autos pela impugnante, levada a efeito em 20-03-2013.

Por conseguinte, atento o ónus probatório decorrente do art.º 74.º, n.º 1 da LGT, a impugnante não demonstrou, nem foi possível ao Tribunal apurar, que a liquidação aqui sindicada assentou em errados pressupostos decorrentes da avaliação, pelo que, á mingua de melhor prova, não pode a presente impugnação, nesta parte, deixar de ser contra si decidida.”

Sustenta, depois, “[q]uanto à invocada ausência de motivação da liquidação adicional, alegadamente insuficiente quanto aos seus fundamentos, importa reafirmar que não se mostra controvertido que a impugnante foi notificada da decisão de avaliação, respetivos critérios e do valor patrimonial atribuído ao imóvel.”

Mais explicitando que “[a] fundamentação exigível em cada caso varia consoante o concreto tipo de ato, possuindo um carácter instrumental do próprio ato e devendo a sua suficiência ser aferida pelo comprometimento da possibilidade de reação graciosa ou judicial contra o mesmo.

Para depois concluir que “[r]esultando da liquidação de IMT sindicada que se baseou no valor patrimonial tributário, anteriormente notificado e que o imposto a pagar resulta da diferença entre o montante da coleta apurada e a anteriormente paga, é de concluir que este ato contêm a fundamentação legalmente exigível, adequada ao caso em apreço.”

Vejamos, então, se a decisão recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são assacados pela Recorrente.

A Recorrente começa por evidenciar que o Tribunal a quo incorreu em deficit instrutório, tendo incumprido o ordenado pelo Tribunal Central Administrativo.

Ab initio, entende-se curial uma abordagem de todo o trâmite processual, visto que só dessa forma se consegue percecionar o que já se encontra definitivamente firmado na ordem jurídica e o que, em concreto, ficou por decidir e quais as diligências instrutórias reputadas relevantes pela instância superior quando procedeu à anulação da decisão recorrida.

A 28 de novembro de 2013, foi prolatado Acórdão por este Tribunal tendo sido decidido que “a Recorrente foi sempre clara quanto ao objecto da lide: não é a fixação do valor patrimonial, valor que nem sequer discute, que se pretende ver apreciado, mas sim a ilicitude de uma liquidação que, em seu entender, foi emitida com base num valor de um imóvel que não era por este detido à data da sua transmissão.”

Daí que tenha sido revogada a decisão por ter julgado improcedente a pretensão da, ora, Recorrente com o fundamento no preceituado no artigo 134° n.° 7 do CPPT, explicitando, para o efeito, que “[n]os casos em que o sujeito passivo não discorda da quantificação do valor patrimonial mas reconduz a sua discordância a outros factores, designadamente, in casu, que esse valor patrimonial seja o atendido para efeitos da liquidação do imposto devido pela transmissão onerosa do imóvel, não faz sentido algum exigir-se o prévio requerimento de segunda avaliação para deduzir impugnação judicial, por a alegada ilegalidade apontada se situar a jusante daquela avaliação.

Do que vimos expondo resulta, pois, desde logo, que se impõe a procedência do recurso interposto com a consequente revogação da sentença recorrida na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial com o fundamento no preceituado no artigo 134° n.° 7 do CPPT.”

Decidindo, por seu turno, “[q]uanto à questão da violação do preceituado nos artigos 12° e 31° do Código de Imposto Sobre Transmissão Onerosa de Imóveis já a razão lhe não assiste.

Explicitando, para o efeito, que “[p]or a liquidação realizada ter subjacente um valor patrimonial tributário fixado na sequência de uma avaliação realizada por força do preceituado no artigo 15° do DL n.° 287/2003 de 12-11, forçoso é concluir que a mesma não viola o disposto no artigo 31° do CIMT com o qual não contende por se destinar a regular situação de facto distinta da regulada por aquele diploma ou regime provisório razão pela qual se tem de concluir, pelo ora exposto, pela não verificação da violação dos artigos 12° e 31° do CIMT invocada pela Recorrente.”

No concernente ao alegado não conhecimento dos “critérios da avaliação”, entende que o Tribunal a quo ignorou “[o]limpicamente a também invocada omissão de notificação cujos contornos ou fundamento de procedência ou improcedência apenas na presença do documento enviado se revelarão claros.”

Determinando, por isso, “[a] revogação da sentença e que os autos baixem para que no Tribunal a quo seja efectuada a instrução devida, designadamente, que seja apurado qual o teor concreto da liquidação emitida e eventuais documentos com esta juntos para que, com segurança, se afira da suficiência ou insuficiência da liquidação quanto aos seus fundamentos.”

Mais sublinhando que “[s]e impõe a baixa dos autos para apreciação da ilegalidade assacada à liquidação por esta ter por referência um valor que o imóvel não deteria à data da sua transmissão e que o Tribunal a quo não apreciou por ter entendido, como ab initio dissemos, sem fundamento, que era questão já firmada na ordem jurídica por não ter requerido a 2ª avaliação nos termos conjugados do artigo 76° e 134° n.° 7 do CPPT”.

Explicitando, depois, que “da análise do probatório não resulta qual a capacidade construtiva à data da transmissão, isto é, quais as características do prédio, nesse particular, quando foi vendido. Tudo quanto se mostra assente é que «a expectativa inicial de viabilidade de construção era de cerca de 5000 m2» e que «Em 11/5/2006 a impugnante entregou declaração modelo n.° 1 de IMI nc …, de 11/5/2006, declarando, para além do mais, a área Bruta de Construção de 11.479.1800m2”

Tudo, factos que o Tribunal a quo, numa devida instrução dos autos, designadamente através da junção de documentos (designadamente pareceres e avaliações alegadamente realizadas pela Recorrente previamente à aquisição) OU ouvidas/consultadas as entidades pertinentes (algumas até mencionadas pela Recorrente, como sejam o IPPAR e a Câmara Municipal alegadamente interveniente numa avaliação requerida pela transmitente e mencionadas na fundamentação da matéria de facto) deverá diligenciar no sentido de apurar e, após, em conformidade, decidir.

Donde, por todo o exposto, se conclui que se impõe a revogação da sentença sob recurso, devendo os autos baixar à 1 instância para aí, desenvolvidas as devidas diligências, tendentes a apurar do teor do documento de notificação da liquidação e eventualmente outros com esta enviados, bem como apurar da efectiva área de construção do imóvel e valor deste à data de transmissão e, após, se proceder a novo julgamento de facto e de direito conhecendo do mérito da impugnação nos segmentos ora revogados.”

Razão pela qual foi concedido parcial provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida na parte em que julgou que a liquidação adicional impugnada não violava o preceituado nos artigos 12.° e 31.° do CIMT; e revogando-se a decisão recorrida “na parte remanescente devendo os autos baixar à 1a instância a fim de aí, após suplementar produção de prova, se proceder a novo julgamento e se conhecer das demais ilegalidades assacadas ao acto impugnado.”

Face ao supra aludido, dimana evidente que, a questão inerente à suscetibilidade de discussão contenciosa contemplada no artigo 134.º, nº7 do CPPT, e a concreta violação dos artigos 12.º e 31.º do CIMT se encontram firmadas na ordem jurídica, sendo, portanto, caso julgado.

Logo, ficou por dirimir, face ao decidido no anterior Aresto e após a realização das competentes diligências instrutórias, do vício da falta de fundamentação e bem assim da, eventual, errónea assunção de um valor de construção que não evidenciava as caraterísticas e a capacidade edificativas do bem à data da transmissão.

Razão pela qual o Tribunal a quo, aquando da notificação do Acórdão que vimos evidenciando, realizou as seguintes diligências:

Prolatou despacho a ordenar a notificação do DRFP para juntar a liquidação emitida e eventuais documentos juntos e bem assim a notificação da Impugnante, ora Recorrente, para demonstrar, documentalmente, a capacidade construtiva do terreno à data da transmissão, concedendo um prazo legal de 30 dias.

A Recorrente na sequência dessa notificação, evidenciou de forma expressa de que não possuía “[e]m seu poder qualquer documento que demonstre a capacidade construtiva do imóvel à data da sua transmissão mas está a promover diligências com vista a saber se o mesmo existe”, solicitando a prorrogação de prazo por vinte dias, o que foi concedido.

Ulteriormente, vem apresentar um requerimento no qual evidencia que, em meados de 2013, a Administração Tributária reavaliou o imóvel em questão no qual fixou um valor patrimonial tributário de €1.164.090, tendo por base a área construtiva de 15.243 m2, juntando documentação atinente para o efeito.

E bem assim um documento emitido pela Câmara Municipal no qual é evidenciado, designadamente, o seguinte:

“Para efeitos de IMI, considera-se que o terreno fica sujeito às seguintes condições:
a) Aglomerado urbano de Nível 1
b) Terreno para construção;
c) Índice de construção bruta:0,70;
d) Densidade habitacional:60 fogos por hectare;
e) Condições construtivas previstas no PDM, RGEU, RMUE e demais legislação aplicável.”

Ulteriormente, foi junta a liquidação de IMT, ora, impugnada.

Tendo sido concedido às partes a faculdade de apresentação de alegações escritas ao abrigo do artigo 120.º do CPPT.

Ora, face ao supra expendido e contrariamente ao evidenciado pela Recorrente, o Tribunal a quo cumpriu o decretado no Aresto do TCA, visto que notificou as partes envolvidas para demonstrarem os factos por si alegados.

Com efeito, notificou a Recorrente para fazer prova da capacidade construtiva do terreno à data da transmissão, de forma a poder aferir-se se o valor que serviu de base à liquidação impugnada padecia de erróneo apuramento, tendo a Recorrente procedido à junção dos documentos atinentes para o efeito.

É certo que inexistiu uma audição expressa do IPPAR, mas a verdade é que o Tribunal ad quem não ordenou, entenda-se, de forma vinculativa, que tal Entidade fosse ouvida, apenas evidenciou que as diligências poderiam passar, sendo caso disso, pela audição dessa entidade. Aliás, se atentarmos na expressão usada pelo TCA e supra transcrita verifica-se que é usada a conjunção “ou” que indica alternativa ou opcionalidade, e não a conjunção coordenativa “e”.

Acresce, outrossim, e inversamente ao por si preconizado, que o ónus probatório relativamente à errada aplicação e apuramento de uma área de construção, circunscrevia-se na sua esfera jurídica e não da Administração Tributária.

Em sede de procedimento administrativo tributário incumbe à Administração Tributária a prova dos factos constitutivos do ato administrativo, ou seja, cumpre à entidade fiscalizadora aquilatar e indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, porquanto, o procedimento só pode produzir uma liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estiver adquirida a plena convicção da existência e conteúdo do facto tributário.

De resto, tal conclusão resulta evidente em face do princípio da verdade material, ínsito nos artigos. 50.º, do CPPT e 58.º, n.º 1, da LGT.

Compete, portanto, à Administração Tributária identificar o facto tributário e justificar os fundamentos para a sua pretensão, competindo, por seu turno, à Recorrente, e face às questões delimitadas em anterior Aresto deste Tribunal, alegar e provar, inequivocamente, que o valor de construção que teve por base o ato avaliativo, e por consequência o ato impugnado, desrespeitou, as caraterísticas do imóvel, mormente, a sua capacidade edificativa à data da transmissão.

Com efeito, atentando nas alegações da Recorrente constantes no seu articulado inicial e tendo como norteador basilar que o ónus da prova pertence a quem alega a respetiva factualidade, competia à Recorrente demonstrar, com o devido suporte documental, a factualidade em que alicerçou a sua posição, concretamente, a descrita nos artigos 16 a 20, relacionada, designadamente, com a inexistência de qualquer projeto aprovado, com a presença de condicionantes impostas, as quais careciam da respetiva densificação espácio temporal, e bem assim quais os ulteriores projetos que encetou, a devida circunscrição temporal e em que medida demonstravam a desconformidade arguida entre a data de avaliação e a data de aquisição.

Resulta, assim, que não só o Tribunal a quo enveredou as diligências que se reputavam pertinentes para o efeito, cumprindo o ordenado pelo anterior Aresto deste TCA como competia à Recorrente provar as caraterísticas do prédio à data da sua transmissão, concretamente quanto à sua capacidade construtiva, por forma a demonstrar, inequivocamente, que a liquidação impugnada tem na sua base uma área de construção desconforme com a data da transmissão.

Mais importa relevar, neste particular, que não obstante o consignado no artigo 13.º do CPPT, o Juiz não pode substituir-se às partes realizando ele a prova que as partes tinham que produzir[2].

Improcede, assim, o arguido deficit instrutório e inerente densificação do ónus probatório.

Atentemos, ora, na questão inerente à falta de fundamentação.

A Recorrente defende que da notificação da liquidação adicional impugnada inexiste qualquer referência à sua motivação e muito menos à existência de indícios fundados da prática de atos com vista à diminuição da dívida do imposto, razão pela qual ao não serem indicados os critérios tal determina falta de fundamentação cominando o ato de anulabilidade.

Porém, mais uma vez, entendemos que o Tribunal a quo, interpretou adequadamente o regime jurídico aplicável à aludida questão com a devida transposição para a realidade fática dos autos.

Vejamos, então, porque assim o entendemos.

Importa, desde já, relevar que a falta de fundamentação da notificação da liquidação não é confundível com a falta de fundamentação do ato tributário, sendo que do teor das suas alegações de recurso afigura-se, se bem interpretamos a sua pretensão, que a Recorrente convoca a falta de fundamentação nesta dupla vertente, ainda que, com alguma, confusão conceptual.

Apreciando.

O dever de fundamentação dos atos de liquidação insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se especificamente previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” [3].

Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente[4].

 “[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto[5]”.

No caso vertente, e conforme decidido pelo Tribunal a quo, resultando, inexoravelmente, da liquidação impugnada que esta se baseou no valor patrimonial tributário, anteriormente notificado e que o imposto a pagar resulta da diferença entre o montante da coleta apurada e a anteriormente paga, o ato contém a fundamentação legalmente exigível, adequada ao caso em apreço.

Noutra formulação, dir-se-á que resultando a liquidação impugnada da avaliação efetuada após a entrega da correspondente Modelo 1, linear se torna a inferência de que a fundamentação tem de radicar e estribar-se nesse mesmo documento, o qual, sublinhe-se, a Recorrente não só, expressamente, reconhece ter sido notificada para o efeito, como se conforma com o seu teor.

Pelo que inexiste qualquer erro de julgamento no que respeita à fundamentação do ato de liquidação impugnado.

De relevar, outrossim, e no atinente à falta de fundamentação da notificação que sempre importa ter presente e sublinhar que o legislador tributário consagrou no artigo 37.º do CPPT com a epígrafe “Comunicação ou notificação insuficiente”, a possibilidade de sanação de deficiências dos atos de notificação, ou seja, se o ato de notificação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reação contra o ato notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o sujeito passivo requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omissos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.

Logo, sem embargo do supra exposto, sempre a Recorrente tinha ao seu dispor a faculdade de lançar mão do pedido de passagem de certidão de fundamentos, pelo que não logrando dos autos elementos que permitam provar que tenha lançado uso do mesmo, nem tão-pouco sido alegado nesse sentido, sibi imput.

Daí que se imponha concluir, como se concluiu no acórdão do STA de 7 de outubro de 2009, no processo nº 128/09, que “a notificação sem todos os requisitos exigidos, mas que contenha aqueles sem os quais ela é considerada nula, indicados no n.º 9 do art. 39.º do CPPT, não deixará de valer como ato de comunicação ao destinatário quanto a tudo o que comunicou, produzindo os efeitos próprios de uma notificação quanto àquilo de que o informou, só não produzindo, no caso de o destinatário utilizar tempestivamente a faculdade prevista no art. 37.º, n.º 1, do CPPT, o efeito de determinar o início dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa do ato notificado.”[6].

Face ao exposto improcede, igualmente, o vício de falta de fundamentação.

Atentemos, ora, na questão inerente ao concreto cumprimento do ónus probatório e se face ao acervo fático dos autos, o Tribunal a quo deveria ter anulado o ato de liquidação de IMT.

Vejamos, então.

A Recorrente entende que pela circunstância de ter resultado provado que em 2013, a Administração Tributária fixou o valor patrimonial tributário do terreno visado em 1.164.000,00€ tal permite inferir que a capacidade construtiva fixada na avaliação em questão padece de erro passível de anular o ato de liquidação.

Porém, assim o não entendemos.

Com efeito, atendendo ao teor da alínea N) da factualidade assente apenas é possível retirar que face aos valores constantes no ato de avaliação realizado no ano de 2013, o valor patrimonial tributário ascendeu ao aludido montante. Não pode, contudo, servir para inferir que a área bruta de construção constante na avaliação desrespeitou a realidade vigente à data da transmissão.

Mais importa referir que carece de qualquer relevância a alegação de que face à aludida factualidade “o Tribunal recorrido deveria ter entendido, desde logo, que a primeira avaliação efectuada se encontrava errada”., pois recorde-se o valor patrimonial tributário fixado em agosto de 2006 encontra-se firmado na ordem jurídica, não podendo ser assacada qualquer ilegalidade à fórmula de cálculo do VPT, consignada no artigo 45.º do CIMI.

Face ao anterior julgamento do TCA, a que se deve obediência, a ilegalidade da liquidação de IMT, apenas poderia resultar se resultasse provada, inequivocamente, a incorreção da área bruta de construção por não coincidir com a existente à data da transmissão, ou seja, se os elementos que serviram de fundamento na fixação do VPT na avaliação realizada em 8 de agosto de 2006, maxime a área construtiva diferiam dos, realmente, existentes em 23 de janeiro de 2006, e isso contrariamente ao propugnado pela Recorrente não resultou provado, conforme resulta perentório do acervo fático dos autos.

Não merecendo, outrossim, provimento a alegação de que da factualidade constante nas alíneas B), E) e F) dos factos provados se retira que, no momento da transmissão, o imóvel não possuía a área construtiva indicada no documento de avaliação.

Note-se que a alínea B) apenas alude a uma mera expetativa inicial de viabilidade de construção de cerca de 5000 m2, mas não que na data da outorga da escritura pública, fosse essa a capacidade máxima construtiva. Mais importando relevar que a alínea E) é absolutamente genérica, não contemplando qualquer concretização em termos temporais.

A alínea F), por seu turno, apenas permite inferir que em maio de 2006, foi entregue Modelo 1 na qual foi declarado que a área bruta de construção é de 11.479.1800 m2 mas não que fosse essa a área bruta à data da transmissão. Caberia, por isso, à Recorrente demonstrar que a liquidação era ilegal por ter sido atendido para o efeito a um valor que o prédio não detinha à data da sua transmissão.

De relevar, in fine, que da factualidade constante na alínea M) não se retira, de todo, que a área bruta de construção à data da aquisição seria de 6.505 m2, aliás valor em nada convergente com o valor alvitrado pela Recorrente na sua petição inicial, ou seja, de 9.000 m2.

O índice de construção, per se, não permite, de todo, inferir que a área bruta de construção à data da transmissão se cifrava naquele valor. Note-se, ademais, que a Recorrente na declaração Modelo 1 não declarou essa área bruta de construção, a mesma não resultando dos elementos constantes na avaliação ocorrida em 2013, pelo que esse elemento não permite fazer a prova que relevaria para os autos.

No concernente à circunstância da decisão recorrida reconhecer na página 9 que da prova carreada para os autos, não fica afastada a possibilidade de se afirmar que a avaliação, apesar de ter sido realizada 6 meses depois da data da transmissão e à qual devia reportar, foi efetuada com referência a outra data que não a data transmissão, importa relevar que não permite acarretar a conclusão que à mesma competia provar.

Com efeito, o Tribunal a quo, o que evidenciou é que da prova carreada para os autos não é possível extrair-se que existe a aludida desconformidade.

Até porque, a conclusão que sucede à aludida afirmação na decisão recorrida é perentória e concatena-se com o ónus probatório relevando que “[a]tento o ónus probatório decorrente do artº 74.º, nº1 da LGT, a impugnante não demonstrou, nem foi possível ao Tribunal apurar, que a liquidação aqui sindicada assentou em errados pressupostos decorrentes da avaliação, pelo que, à míngua de melhor prova, não pode a presente impugnação, nesta parte, deixar de contra si decidida.”

Conclui-se, assim, que a Recorrente não fez a prova que lhe competia, demonstrando que a realidade fática em que assentou a avaliação de agosto de 2006 e que determinou o ato impugnado divergisse da realidade fática à data da transmissão, ou seja, a 23 de janeiro de 2006.

De resto, importa ter presente que no domínio do ónus probatório quem invoque a seu favor uma situação jurídica tem contra si o risco de ao não serem adquiridos no processo os factos positivos ou negativos que, segundo a lei material, são idóneos a fazer nascer a situação jurídica favorável invocada, determine a improcedência da sua pretensão.

In fine, importa relevar que não procede a argumentação da Recorrente no sentido de que a mera colocação de dúvida quanto ao valor do prédio com efeitos a janeiro é suficiente para determinar a procedência da lide.

E isto porque, o que nos diz o preceito legal 100.º do CPPT, sob a epígrafe de “Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indiretos” é que : “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”. (destaque e sublinhado nosso).

Com efeito, a letra do citado preceito legal consagra um princípio estruturante e inovador no direito tributário que estipula, per se, que a fundada dúvida reverte a favor do contribuinte, em substituição do princípio “in dubio pro fiscum” que, na prática era considerado no regime anterior à Reforma Fiscal.

Neste sentido, importa ter presente os ensinamentos de Alberto Xavier que preconizam que a Administração Tributária só deve praticar o ato tributário-liquidação, quando : “formar convicção da existência e conteúdo do facto tributável” [7].

Resulta, assim, que em caso de subsistência de dúvida “acerca do objeto do processo deve a Administração Fiscal abster-se de praticar o ato tributário, dando assim cumprimento ao princípio in dubio contra fiscum[8].

No caso vertente, face a todo o exposto não se verifica qualquer dúvida relativamente ao facto tributário ou à sua quantificação, uma vez da prova produzida em juízo e dos elementos carreados para os autos não resulta que tenha sido cometida qualquer ilegalidade pela Administração Tributária.

Face a todo o exposto, resulta evidente que a liquidação adicional impugnada não viola, conforme invocado, os nº 2 do artigo 12.º e nºs 1 e 4 do artigo 31.º do CIMT, os artigos 268.º nº 3 e 77.º da LGT e 125.º do CPA, os artigos 97.º, nº1 alínea f), 99.º e 134.º todos do CPPT, 74.º da LGT e ainda os critérios de avaliação definidos no CIMI.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 04 de junho de 2020

 (Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

 (Tânia Meireles da cunha)


_______________________
[1] A numeração reporta-se ao processo em suporte físico.
[2] Vide, designadamente, o Aresto do TCA Norte, proferido no processo nº 00039/17.7, datado de 13.07.2017.
[3] cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675.
[4] neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
[5] Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[6] Entendimento este que, de resto, o STA tem vindo a plasmar, reiteradamente, em muitos outros acórdãos, como sejam, designadamente, aqueles que proferiu em 12.05.2010, no processo nº 632/09, em 13.10.2010, no processo nº 493/10, em 12.01.2011, no processo nº 789/10, em 22.01.2014, no processo nº 1108/12, e em 29.10.2014, no processo nº 1381/12
[7] Alberto Xavier-Conceito e natureza do acto tributário, página 150.
[8] vide ob. citada, páginas 158 e 169