Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:109/13.0BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:04/18/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. PROVA TESTEMUNHAL.
NORMAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CARÁCTER SUBSTANTIVO.
CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
HERDEIRO DO RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO.
TRANSMISSÃO DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA NOS TERMOS DO ARTº.29, Nº.2, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ÓNUS DA PROVA DO EFECTIVO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO COMPETE À A. FISCAL.
MÉTODO DE AFERIÇÃO DA CULPA DO RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, AL.B), DA L.G.T.
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE POR PARTE DOS TRIBUNAIS.
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE.
DIREITO DE ACESSO AO DIREITO E À TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA.
ARTºS.20, Nº.1, E 268, Nº.4, DA C.R.PORTUGUESA.
RESPONSABILIDADE DO HERDEIRO FICA LIMITADA ÀS "FORÇAS DA HERANÇA".
NÃO APLICAÇÃO DO REGIME PREVISTO NO ARTº.29, Nº.2, DA L.G.T., NOS CASOS EM QUE, FACE AO RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO, ENTRETANTO JÁ FALECIDO, SE VERIFIQUE A REVERSÃO AO ABRIGO DO ARTº.24, Nº.1, AL.B), DA L.G.T.
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À TUTELA JUDICIAL EFECTIVA.
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
5. Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
6. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).
7. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.
8. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
9. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.
10. O herdeiro do responsável subsidiário, falecido sem que tivesse sido citado para a reversão, contra quem revertera a execução fiscal originariamente instaurada contra sociedade comercial, responde pela dívida exequenda até ao limite das forças da herança, nos termos do artº.29, nº.2, da L.G.T., assim havendo que distinguir, para efeitos práticos, se a herança foi aceite pura e simplesmente ou a benefício de inventário (cfr.artº.2071, do C.Civil). É, por isso, inquestionável, actualmente, à face do regime previsto na L.G.T., que os sucessores dos responsáveis subsidiários podem ser responsabilizados pelo pagamento das dívidas dos devedores originários abrangidas pela dita responsabilidade subsidiária.
11. Apesar de tudo o acabado de referir, quanto à legitimidade dos sucessores dos responsáveis subsidiários em sede de execução fiscal, o certo é que somente se pode transmitir ao sucessor a responsabilidade que se tenha constituído na esfera jurídica do responsável subsidiário, entretanto falecido em momento anterior à reversão. Pelo que, em qualquer caso, se devem examinar os pressupostos substantivos da reversão previstos no examinado artº.24, nº.1, da L.G.T., face ao "de cuius", com vista a posterior transmissão dessa responsabilidade aos sucessores, nos termos do citado artº.29, nº.2, do mesmo diploma.
12. Ao abrigo do regime examinado é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
13. A culpa em causa no artº.24, nº.1, da L.G.T., deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.
14. O que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr. artº.204, da C.R.Portuguesa).
15. O princípio da proporcionalidade, é explicitado como princípio material informador e conformador da actividade administrativa, no artº.266, nº.2, da C.R.Portuguesa, assim implicando a juridicidade de toda a actividade da Administração (cfr.artº.5, nº.2, do anterior C.P.A.). No âmbito do procedimento tributário, a consagração de tal princípio resulta do artº.55, da L.G.Tributária, tendo expresso desenvolvimento no artº.46, do C.P.P.Tributário.
16. O princípio do acesso ao Direito está consagrado no artº.20, nº.1, da C.R.P., normativo constitucional que consubstancia, ele mesmo, um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais e sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de Direito. Ele é um corolário lógico do monopólio tendencial da solução dos conflitos por órgãos do Estado ou dotados de legitimação pública, da proibição da autodefesa e das exigências de paz e segurança jurídicas. O preceito reconhece vários direitos conexos mas distintos, como seja, o direito de acesso aos Tribunais, tal como a garantia de que o direito à justiça não pode ser prejudicado por insuficiência de meios económicos e ainda o direito a um processo equitativo, o qual se densifica, além do mais, através do direito à igualdade de armas ou posições no processo, tal como do direito à prova.
17. No artº.268, nº.4, da C.R.Portuguesa, é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, e a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos. Na mesma linha, no artº.9, nº.1, da L.G.Tributária, garante-se o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos. O direito a uma tutela jurisdicional efectiva consubstancia-se como o direito a obter, em prazo razoável, decisões que apreciem, com força de caso julgado, as pretensões regularmente deduzidas em juízo (isto é, as pretensões que forem apresentadas na observância dos pressupostos processuais de cujo preenchimento depende, nos termos da lei, a obtenção de uma pronúncia judicial sobre o respectivo mérito) e a possibilidade de fazer executar essas decisões.
18. Resulta do disposto no artº.2071, do C.Civil que o sucessor não vem ocupar exacta e precisamente a mesma situação jurídica do “de cuius”, uma vez que a sua responsabilidade fica limitada às "forças da herança", isto é, ao valor das situações jurídicas herdadas (responsabilidade “intra vires hereditatis”), seja a aceitação pura e simples ou a benefício de inventário. É que, e sob o ponto de vista da responsabilidade por dívidas, a herança é um património separado que constitui um núcleo patrimonial independente do património de afectação geral do herdeiro.
19. Nos termos do disposto no artº.29, nº.2, da L.G.T., as obrigações tributárias originárias e subsidiárias podem ser objecto de transmissão “mortis causa”. E podem sê-lo uma vez verificado o respectivo facto gerador antes do falecimento do seu titular. Ora, depois de revertida a execução fiscal contra o “de cuius”, não nos opomos a que os sucessores sejam chamados a responder, dentro das forças da herança, pelas dívidas tributárias subsidiárias que oneravam o património do falecido no momento da morte.
20. Pelo contrário, não chegando a ser revertida a execução fiscal contra o responsável subsidiário, devido ao falecimento do mesmo, já se revela inadequada a aplicação do regime previsto no artº.29, nº.2, da L.G.T., nos casos em que, face ao responsável subsidiário, entretanto falecido, se verifique a reversão ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., preceito que consagra uma presunção de culpa, conforme examinado supra. Por isso, admitir uma presunção de culpa e esperar que um sucessor a consiga afastar é permitir, na prática, a existência de uma responsabilidade tributária subsidiária objectiva.
21. O estabelecimento de regras do ónus da prova (incluindo presunções que as alteram) de que resulta a imposição a alguém de obrigações de prova não pode, por força da proibição constitucional de situações de indefesa que emerge do direito à tutela judicial efectiva (cfr.artº.20, nº.1, da C.R.P.), deixar de ter uma justificação razoável à face das regras da vida e da experiência, não podendo ser imposto tal ónus a quem não tem, presumivelmente, qualquer possibilidade de conhecer os factos de que resulta a mesma imposição de obrigações probatórias.
22. O regime previsto no artº.29, nº.2, da L.G.T., nos casos em que, face ao responsável subsidiário, entretanto já falecido, se verifique a reversão ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., contra os sucessores, viola o princípio constitucional do direito à tutela judicial efectiva.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A…, na qualidade de cabeça-de-casal da herança de L…., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Beja, exarada a fls.270 a 305 do presente processo que julgou parcialmente improcedente (na parte relativa às dívidas de I.V.A.) a oposição intentada pelo recorrente, visando a execução fiscal nº.0906-2008/100410.7 e apensos, a qual corre seus termos no Serviço de Finanças de ..., contra o opoente/recorrente revertida, na qualidade de sucessor do responsável subsidiário e instaurada para a cobrança de dívidas de I.V.A. e coimas fiscais, relativas aos anos de 2007 e 2008 e no montante global de € 441.835,45.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.321 a 328 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Não tendo transitado em julgado quanto ao então arguido Laurentino ... Campanha a decisão proferida no âmbito do Processo Comum nº 15/09.3IDEVR e apensos, não pode dar-se como provada a matéria vertida em O) dos factos assentes, nomeadamente que L... foi condenado como autor material de um crime de abuso de confiança fiscal qualificado;
2-Tal situação é potenciada pela circunstância de o recurso relativo a essa decisão ter impugnado a matéria de facto, nomeadamente o exercício efectivo da gerência nos anos de 2007 e 2008;
3-Também a matéria dada como provada e através da qual se pretende extrair que L... exercia gerência de facto da devedora originária ..., Lda., matéria vertida nas alíneas I), J), K), L) e P) não pode ser dada como assente;
4-Tal matéria tem que ser analizada à luz da situação clínica de L… - alínea C), D) e H) - e da cessão de quotas celebrada com a ..., Limited - alíneas G), M) e N);
5-O que resulta da prova produzida é que nem L... tinha capacidade para exercer a gerência de facto nos anos de 2007 e 2008, e que as atitudes tomadas tinham origem em instruções da nova detentora do capital;
6-Não estando provada a matéria vertida nas alíneas I), J), K), L), P) e O), é forçoso concluir que L... não exercia a gerência efectiva da E... nos anos de 2007 e 2008, pelo que não existia quanto a este a possibilidade de reversão relativamente a obrigações tributárias daquela sociedade;
7-A decisão recorrida faz incorrecta interpretação do disposto no artigo 29º da L.G.T. e dos princípios constitucionais da proporcionalidade e tutela de direito;
8-Desde logo porque à data do seu óbito, 12 de Julho de 2001, L... não era responsável por quaisquer obrigações subsidiárias com origem na E..., Lda. já que o procedimento com vista à reversão ainda se não tinha iniciado;
9-Se não existia tal responsabilidade a mesma não podia ser transmissível por morte - artigos 2031º, 2050º, nº 2 e 2025º, nº 1 do Código Civil e nº 2 do artigo 29º da L.G.T.;
10-Não se pode confundir responsabilidade subsidiária como previsão, potencionalidade ou possibilidade da responsabilidade subsidiária. Antes de efectuar a reversão a situação jurídica não é de natureza patrimonial e, consequentemente, dada a sua natureza extingue-se com a morte do respectivo titular;
11-Porque a responsabilidade subsidiária decorrente de reversão contra os gerentes da sociedade pressupõe requisitos, cuja anuência ou discordância decorrem quase exclusivamente de situações do conhecimento pessoal desses gerentes, a instrução do procedimento com vista à responsabilização da herança do gerente - contra o que não foi iniciado qualquer processo com vista à reversão - já após o respectivo óbito, viola os princípios constitucionais da proporcionalidade e tutela do direito;
12-Não permite uma efectiva tutela de direito e representa um esforço de defesa manifestamente desproporcional, o instaurar-se o procedimento após o óbito do gerente, especialmente nas situações, como é o caso dos autos, que nem a cabeça-de-casal nem qualquer das herdeiras tem qualquer ligação à sociedade ou tiveram conhecimento dos negócios societários;
13-Ofendendo a decisão os referidos princípios constitucionais da tutela do direito e proporcionalidade, deve tal ser declarado;
14-Termos em que a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por uma outra que julgue procedente a Oposição deduzida e com a qual farão V. Exas. JUSTIÇA!
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.337 a 343 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.273 a 293 dos autos):
A)Em 05/02/2003, foi constituída a sociedade “..., L.da.”, tendo como sócios-gerentes L... e Maria ... e vinculando-se com as assinaturas conjuntas dos dois gerentes (cfr.documento junto a fls.18 a 21 dos presentes autos);
B)Em 25/04/2004, foi lavrada a ata n.º 3 da sociedade E... na qual foram aprovadas as contas da sociedade (cfr. fls. 1007 do PEF apenso);
C)Em 04/09/2004, L... foi internado no Hospital ..., na Unidade de AVC, sendo-lhe diagnosticado «acidente isquémico transitório/HTA/dislipidemia» (cfr.documento junto a fls.23 dos presentes autos);
D)Em 18/04/2008, L... foi internado no Hospital ..., na Unidade de AVC, sendo-lhe diagnosticado «1. Acidente Vascular Cerebral Isquémico não localizado por RM CE// 2. Leucoencefalopatia isqiemica microangiopatica// 3. Hipertensão Arterial //4.Dislipidemia // 5. Epistaxis Recorrentes», sendo que foi observada sua evolução e relatado que «…no dia 21/4 o doente apresentava discurso mantido sem defeito da nomeação e paresia do MI esquerdo grau 4, com marcha mantida» (cfr.documento junto a fls.24 dos presentes autos);
E)Contra a sociedade E... foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 0906-2008/100410.7 e apensos, pelo Serviço de Finanças de ..., para cobrança coerciva de dívidas de IVA, relativas aos períodos de Abril a Dezembro de 2007 e Janeiro de 2008, e coimas do ano de 2008, tudo no montante global de € 441.835,45 (fls.1 e seg. do PEF apenso; informação constante de fls.75 a 85 dos presentes autos);
F)Em 06/06/2008, a E... remeteu, por fax, à DGCI os dados atualizados desta sociedade, identificando como gerentes L... e A... ... (cfr. fls. 1433 do PEF apenso);
G)Com data de 15/06/2008, foi assinado entre L... e M..., como primeiros outorgantes, e “….- SUCURSAL EM PORTUGAL”, como segundo outorgante, um documento denominado “CONTRATO DE CESSÃO DE QUOTAS” da sociedade E... (cfr.documento junto a fls.16 e 17 dos presentes autos);
H)Desde Julho de 2008, L... era seguido por um neurologista (cfr.documento junto a fls.22 dos presentes autos; depoimento prestado pela testemunha J...);
I)Em 09/10/2008, L... e A... ..., em nome da E..., requereram o pagamento em prestações do processo de execução fiscal n.º 0906-2008/101261.4 e ofereceram como garantia idónea as viaturas da empresa (cfr.fls.1579 do PEF apenso);
J)Em 09/10/2008, L... e A... ..., em nome da E..., requereram o pagamento em prestações do processo de execução fiscal n.º 0906-2008/101363.7 e ofereceram como garantia idónea as viaturas da empresa (cfr.fls.1581 do PEF apenso);
K)Em 12/05/2009, L... foi ouvido no âmbito do processo de inquérito NUIPC 15/09-3 IDEVR, constando do respetivo auto de interrogatório de arguido, assinado por este e pelo seu Ilustre Advogado, nomeadamente, o seguinte:
«(…)
É sócio e gerente da empresa “E... INDUSTRIA DE CORTIÇAS LDA”, com sede em ..., desde que a mesma iniciou a atividade, qualidades que mantém na presente data e manteve, portanto, também, nos meses de Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Outubro e Dezembro do ano de 2007, tendo exercido efetivamente as funções de gerência para que foi designado.
Perguntado declarou o ora declarante que embora não constasse da citada sociedade seria o senhor A... Manuel Madeira Conceição que conjuntamente com ora declarante geriam de facto a sociedade em causa (…)»
(cfr. fls. 1541 a 1542 do PEF apenso);
L)Em 12/02/2009, L... e A... ..., em nome da E..., informaram da impossibilidade de proceder ao pagamento da terceira prestação do plano prestacional n.º 09062008000044 (cfr. fls. 1580 do PEF apenso);
M)Em 13/07/2010, foi averbada a renúncia de L... à gerência da sociedade E..., com base na Adenda à Ata n.º 3, da qual consta o seguinte:
“(…)
Pelas quatorze horas e vinte e sete minutos verificou-se ser necessário proceder à adenda da presente acta, porquanto, a gerência de facto já vem sendo exercida pela sociedade promitente adquirente “…”, pelo que os gerentes designados são apenas gerentes de direito e não de facto, recebendo instruções da gerência de facto, tendo inclusive aprovado contas de (…) com data de hoje, 25/04/2004, em como não exercem a gerência de facto, mas apenas de direito (…)”
(cfr. fls. 1004 a 1007 do PEF apenso);
N)Em 13/07/2010, foi registada a transmissão de quotas de L... e M... para …LIMITED - Sucursal em Portugal (cfr.documento junto a fls.18 a 21 dos presentes autos);
O)Em 31/10/2010, L... foi condenado como autor material do crime de abuso de confiança fiscal qualificado na forma continuada pelo Tribunal Judicial da Comarca de ... - Secção Única, no âmbito do processo 15/09.3IDEVR, e apensos 6/09.4IDEVR, 44/09.7IDEVR, 80/09.3IDEVR, 87/09.0IDEVR e 118/08.1IDEVR (cfr.documentos juntos a fls.174 a 203 dos presentes autos);
P)Em 20/01/2011, o Banco Popular informou o Serviço de Finanças de ... que a conta bancaria da E... podia ser movimentada por L... e A... ... (cfr.fls.1319 do PEF apenso);
Q)Em 20/01/2011, foi lavrada a informação no processo de execução fiscal n.º0906-2008/100410.7 e apensos, na qual se conclui pela verificação dos pressupostos e requisitos legais para acionamento do instituto da reversão contra L... e A... ... (cfr. fls. 1588 a 1597 do PEF apenso);
R)Em 12/07/2011, faleceu L... (cfr. fls. 1661 e 1662 do PEF apenso);
S)Em 12/08/2011, o Chefe de Finanças determinou a preparação do processo para efeitos de reversão contra L... (cfr. fls. 1600 e 1601 do PEF apenso);
T)Em 12/08/2011, foi remetido para L... o ofício n.º 1895, “NOTIFICAÇÃO AUDIÇÃO-PRÉVIA (REVERSÃO)”, no qual se comunica o prazo de oito dias para o exercício do direito de audição prévia para efeitos de avaliação da prossecução da reversão (cfr. fls. 1604 a 1605 do PEF apenso);
U)O ofício referido na alínea anterior foi devolvido (cfr. fls. 1605-verso do PEF apenso);
V)Em 12/08/2011, foi lavrada informação no processo de execução fiscal n.º0906-2008/100410.7 e apensos na qual se conclui pelo acionamento da reversão contra L... (cfr. fls. 1623 a 1632 do PEF apenso);
W)Em 30/09/2011, por despacho do Chefe de Finanças foi determinada a reversão do processo de execução fiscal n.º 0906-2008/100410.7 e apensos contra L... (cfr. fls. 1616 do PEF apenso);
X)Em 30/09/2011, foi remetido para L... o ofício 2284, “CITAÇÃO (REVERSÃO)” (cfr. fls. 1618 do PEF apenso);
Y)O ofício identificado na alínea anterior foi devolvido (cfr. fls. 1648-verso do PEF apenso);
Z)Em 07/11/2012, foi lavrada informação no processo de execução fiscal n.º 0906-2008/100410.7 e apensos na qual se conclui que estão reunidos os pressupostos para a reversão da execução contra L... quanto à totalidade da dívida exequenda de IVA e coimas dos anos de 2007 e 2008 e no montante global de € 441.835,45, ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., mais se constatando o seu falecimento em 12/07/2011 (cfr.informação constante de fls.1832 a 1842 do PEF apenso);
AA)Em 08/11/2012, o Chefe de Finanças de ... proferiu despacho de preparação do processo de execução fiscal para reversão contra “L... - CABEÇA DE CASAL DA HERANÇA DE”, pessoa coletiva n.º 708879110 (cfr. fls. 1844 do PEF apenso);
BB)Com data de 08/11/2012, foi remetido para “L... - CABEÇA DE CASAL DA HERANÇA DE” o ofício n.º 02166 «NOTIFICAÇÃO AUDIÇÃO-PRÉVIA (reversão)» (cfr. fls. 1846 do PEF apenso);
CC)Em 26/11/2012, a oponente, A…, na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de L..., exerceu o direito de audição prévia (cfr. fls. 1850 a 1854 do PEF apenso);
DD)Em 07/12/2012, o Chefe de Finanças de ... lavrou despacho no processo de execução fiscal no qual decidiu a intempestividade do requerimento apresentado pela oponente e identificado na alínea anterior (cfr. fls. 1856 do PEF apenso);
EE)Em 10/12/2012, por ofício n.º 02393 foi comunicado à oponente o despacho de 07/12/2012 (cfr. fls. 1857 do PEF apenso);
FF)Em 10/12/2012, o Chefe de Finanças de ... lavrou despacho de reversão contra “L... – CABEÇA DE CASAL DA HERANÇA DE” com os seguintes fundamentos:
“(…)
Por se verificarem as condições previstas na al. a) do n.º 2 do artigo 153.º do CPPT, os responsáveis pela gestão das sociedades respondem subsidiariamente pelas dívidas destas, nos termos do artº 23º e al. b) do n.º 1 do art.º 2 4.º da LGT relativamente aos tributos e artº 8º pelas coimas, esgotada a possibilidade de pagamento por parte da devedora originária, reverto a presente dívida para os respetivos responsáveis com os fundamentos de facto e de direito enunciados na informação prestada e que se anexa(…)”
(cfr. fls. 1859 do PEF apenso);
GG)Em 10/12/2012, foi remetido para “L... – CABEÇA DE CASAL DA HERANÇA DE” o ofício n.º 02391 «CITAÇÃO» (cfr. fls. 1861 do PEF apenso);
HH)O ofício melhor identificado na alínea anterior foi recebido por A...em 13/12/2012 (cfr. fls. 1862-verso do PEF apenso);
II)Em 22/01/2013, deu entrada no Serviço de Finanças de ... a petição inicial de oposição que originou o presente processo (cfr.data de entrega de documento constante de fls. 9 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, nomeadamente:
1-Em 24/04/2004, foi celebrado contrato promessa de cessão de quotas - pese embora a testemunha N… tenha afirmado que, em 2004/2005, tinha sido negociada a venda das quotas de L..., tal depoimento não encontra suporte na prova documental carreada para os autos pelas partes e constante do PEF, mormente o auto de declarações prestado por L…, na qualidade de arguido no processo de inquérito n.º 15/09.3IDEVR. Ademais, nada é referido a esse no propósito no contrato de cessão de quotas junto aos autos, o qual sendo datado de 2008, apenas foi registado em 2010, na mesma data em que foi, também, registada a renúncia de L... (alíneas G), K), M), N) do probatório).
2-L... seguia instruções do representante da promitente compradora - Tal como referido supra, o depoimento prestado pela testemunha N… não se mostra consentâneo com a prova documental junta aos autos, da qual se destaca o auto de declarações prestado por L... e, ainda, a sentença proferida no processo crime n.º 15/09.3IDEVR, que o condenou pelo crime de abuso de confi ança fiscal, qualificado e na forma qualificada (alíneas K) e O) do probatório)…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, nas informações oficiais e documentos constantes do processo de execução fiscal, apensos aos autos, conforme remissão feita a propósito de cada alínea do probatório.
Foram ainda ouvidas as testemunhas arroladas pela oponente, a saber N…, J... e L… (fls.254 a 257 dos autos).
A testemunha N… é filho do falecido L..., tendo afirmado ter trabalhado para a sociedade devedora originária “E...” entre 2003 e 2006. A testemunha afirmou que o pai, L..., vendeu as quotas da sociedade em 2004/2005, embora não tenha acompanhado o negócio e saiba que o mesmo não se efetivou. Mais afirmou que o pai e o outro gerente, A... , recebiam ordens de outro senhor, que não identificou. Ora, no que concerne a esta matéria, não resulta dos autos qualquer documento que corrobore a versão dos factos apresentada por esta testemunha, mormente um contrato promessa de compra e venda.
Esta afirmação, bem como a asserção de que L... se limitava a cumprir as instruções que lhe eram dadas por alguém da sociedade M… - SUCURSAL EM PORTUGAL é contraditada pelas declarações do próprio pai da testemunha prestadas, em 12/05/2009, no âmbito do processo de inquérito NUIPC 15/09-3IDEVR, no qual assumiu, sem reticências e na presença do seu Ilustre mandatário, exercer de facto as funções de gerência para que foi designado, em conjunto com A... e, ainda, com o resultou provado no processo crime n.º 15/09.3IDEVR. O depoimento prestado pela testemunha não foi, portanto, de molde a convencer este Tribunal da veracidade dos factos alegados na petição inicial, pois que não se vislumbra como os mesmos não foram invocados pelo falecido L... no processo crime no qual foi acusado e condenado pelo crime de abuso de confiança fiscal agravado, para afastar a sua responsabilidade criminal. Aliás, tais declarações e a decisão proferida naquele processo-crime arrasaram, de modo lapidar, o argumentário ora aduzido pela oponente, colocando sobre um manto de dúvida todas as suas alegações, que as testemunhas arroladas não lograram afastar.
Do mesmo passo, e pelos mesmos motivos, não se afigura credível que, desde 2004, L... se limitasse a cumprir com as ordens e instruções que lhe eram transmitidas por outrem, que a testemunha não logrou identificar. Importa reiterar que a testemunha, para além da sua relação filial com o falecido, foi também trabalhador na sociedade devedora originária entre 2003 e 2006, pelo que tal desconhecimento não se configura credível.
Mais disse esta testemunha que o falecido pai, L..., sofreu dois AVC (em 2002 e 2008) e um AIT (em 2004). Na sequência do AVC que sofreu em 2008, L... ficou dois meses sem falar e teve que fazer terapia da fala. Nessa altura, diz a testemunha que L... evidenciou um quadro de demência e passou a ser acompanhado por um neurologista. É certo que estas afirmações se encontram corroboradas pelos documentos juntos aos autos, porém cumpre sublinhar que as dívidas em cobrança coerciva nos presentes autos se reportam a IVA de Abril a Dezembro 2007 e Janeiro de 2008 e, como tal, são anteriores ao episódio de AVC e ao diagnóstico de demência vascular que a testemunha alega ter diminuído consideravelmente as capacidades de L.... De qualquer forma, sublinha-se que não ficou este Tribunal inteiramente convencido de que, mesmo após Abril de 2008, L... tenha deixado de ser capaz de exercer a sua atividade profissional, posto que existem documentos por si assinados em data posterior, incluindo requerimentos dirigidos ao processo de execução fiscal.
Questionado sobre as dificuldades financeiras da sociedade devedora originária, a testemunha afirmou que as mesmas se deveram à conjuntura do mercado, com o preço da cortiça a baixar, tendo L... dado bens próprios como garantia para o Serviço de Finanças de ... e investido dinheiro próprio para salvar a sociedade. Estas afirmações não são credíveis por duas ordens de razões, primeiro porque tendo L... cedido as quotas da sociedade para a M… - Sucursal em Portugal em 2008 não se compreende que tenha sido aquele a investir, pessoalmente, na continuidade da sociedade e, em segundo lugar, não existe qualquer prova documental que permita corroborar a asserção de que L... aplicou dinheiro próprio na sociedade, designadamente documentos da contabilidade.
O depoimento desta testemunha não se mostrou credível, sendo refutado, em grande medida, pela prova documental carreada para os autos pela Fazenda Pública, pelo que foi desconsiderado por este Tribunal.
A testemunha J..., médico de família de L..., depôs quanto à matéria de facto vertida na petição inicial relativa ao estado de saúde daquele, corroborando os episódios de AVC e AIT por aquele sofridos, designadamente em 2004 e 2008. Afirmou que na sequência do AVC sofrido em 2008 L... teve uma recuperação mais lenta, tendo-se agravado a situação da parte da memória e cerebral e que foi, então, diagnosticado com um síndrome demencial. Mais disse conhecer L... como seu médico e, também, por ser da mesma cidade. Afirmou que a atividade profissional do falecido L... praticamente desapareceu em 2008 e que o neurologista o aconselhou a parar. O depoimento desta testemunha relevou apenas na medida em que corroborou o estado de saúde de L..., não sendo relevado quanto ao demais por se tratar de matéria que não é do seu conhecimento direto e imediato ou é contraditado pela demais prova produzida nos autos.
Por último, foi ouvida a testemunha L…, que foi contabilista da sociedade devedora originária E.... A testemunha iniciou funções como contabilista da sociedade executada em 2008, após a renúncia do seu pai, M…, que exerceu tais funções entre 2002 e 2008. A testemunha renunciou ao cargo em 2010, quando a sociedade foi vendida. Apesar de a testemunha ter declarado não ter contacto direto com os gerentes da sociedade, reconheceu ter falado com L..., não conhecendo A... .... O depoimento desta testemunha não relevou para a prova de qualquer facto, até porque ainda não exercia as funções de contabilista no período correspondente às dívidas ora em cobrança coerciva.
Destarte, as testemunhas relevaram apenas e só na estrita medida do referido a propósito de cada alínea do probatório, sendo no demais os depoimentos prestados vagos, imprecisos e incongruentes com a prova documental carreada para os autos, não logrando, como tal, convencer este Tribunal da veracidade dos mesmos…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou parcialmente improcedente a oposição à execução, na parte relativa às dívidas de I.V.A. revertidas, devido ao decaimento de todos os seus fundamentos, mais mantendo o processo de execução fiscal quanto ao opoente e enquanto sucessor do revertido.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente defende, em primeiro lugar, que não tendo transitado em julgado quanto ao então arguido L... a decisão proferida no âmbito do Processo Comum nº 15/09.3IDEVR e apensos, não pode dar-se como provada a matéria vertida na alínea O) dos factos assentes. Que a matéria dada como provada e através da qual se pretende extrair que L... exercia a gerência de facto da devedora originária “..., L.da.”, matéria vertida nas alíneas I), J), K), L) e P) do probatório, não pode ser dada como assente. Que é forçoso concluir que L... não exercia a gerência efectiva da “E...” nos anos de 2007 e 2008, assim não existindo, quanto ao mesmo, a possibilidade de reversão relativamente a obrigações tributárias daquela sociedade (cfr.conclusão 1 a 6 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erros de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
Por outro lado, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
No caso concreto, começando pelo conteúdo da alínea O), do probatório, entende o Tribunal que o mesmo deve manter-se, dado não constar de tal factualidade que a sentença estruturada pelo Tribunal Judicial da Comarca de ... tenha transitado em julgado. E nenhum relevo tem no presente processo tal trânsito em julgado, visto que a prova da gerência de facto da sociedade “..., L.da.”, por parte do falecido L... e nos anos de 2007 e 2008, também passa por outras alíneas do probatório (cfr.v.g.alíneas F), G), J) e K) do probatório).
Defende, seguidamente, o apelante que a matéria dada como provada e através da qual se pretende extrair que L... exercia a gerência de facto da devedora originária “..., L.da.”, matéria vertida nas alíneas I), J), K), L) e P) do probatório, não pode ser dada como assente. Ora, não fundamenta o recorrente a conclusão a que chega quanto a tal factualidade provada, assim desrespeitando o ónus consagrado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, e supra citado. Por outro lado, esquece o apelante que existem outras alíneas do probatório que fazem prova de tal gerência de facto (cfr.alíneas F) e G) da factualidade provada). Por último, a factualidade posta em causa pelo recorrente deve ser confirmada por este Tribunal, visto que está devidamente fundamentada, mais tendo o Tribunal “a quo” efectuado um correcto exame crítico da prova produzida (documental e testemunhal, tanto provada, como não provada).
Com estes pressupostos, deve concluir-se pela devida fundamentação da reversão da execução fiscal nº.0906-2008/100410.7 e apensos contra o falecido L..., mais se negando provimento ao presente esteio do recurso.
O apelante aduz, igualmente e em síntese, que a decisão recorrida faz uma incorrecta interpretação do disposto no artº.29, da L.G.T., tal como dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da tutela efectiva do direito (cfr.conclusões 7 a 13 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão recorrida comporta tal vício.
O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Antes de mais, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente e enquanto sucessor do revertido, deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração o período temporal (anos de 2007 e 2008) a que respeitam as dívidas que constituem o débito exequendo revertido - cfr.als.E), V) e Z) do probatório (cfr.por todos ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C.P.C.Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C.P.Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C.P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L.G.Tributária, o qual é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L.G.Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b), do artº.24, da L.G.Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Conforme é jurisprudência uniforme, é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
No caso dos autos, a sentença recorrida concluiu pela improcedência da oposição, relativamente às dívidas revertidas de I.V.A., visto se verificarem os pressupostos do chamamento à execução do revertido já falecido, enquanto responsável subsidiário e ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., mais não tendo o mesmo, ou o opoente seu sucessor, efectuado prova da falta de culpa na insuficiência patrimonial da sociedade executada originária com vista ao pagamento dos créditos fiscais exequendos.
Recorde-se que o herdeiro do responsável subsidiário, falecido sem que tivesse sido citado para a reversão, contra quem revertera a execução fiscal originariamente instaurada contra sociedade comercial, responde pela dívida exequenda até ao limite das forças da herança, nos termos do artº.29, nº.2, da L.G.T., assim havendo que distinguir, para efeitos práticos, se a herança foi aceite pura e simplesmente ou a benefício de inventário (cfr.artº.2071, do C.Civil; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 30/9/2009, rec.329/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.7634/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/07/2015, proc.8654/15; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.264; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.69 e seg.).
Pelo que, é inquestionável, actualmente, à face do regime previsto na L.G.T., que os sucessores dos responsáveis subsidiários podem ser responsabilizados pelo pagamento das dívidas dos devedores originários abrangidas pela dita responsabilidade subsidiária.
Apesar de tudo o acabado de referir, quanto à legitimidade dos sucessores dos responsáveis subsidiários em sede de execução fiscal, o certo é que somente se pode transmitir ao sucessor a responsabilidade que se tenha constituído na esfera jurídica do responsável subsidiário, entretanto falecido em momento anterior à reversão. Pelo que, em qualquer caso, se devem examinar os pressupostos substantivos da reversão previstos no examinado artº.24, nº.1, da L.G.T., face ao "de cuius", com vista a posterior transmissão dessa responsabilidade aos sucessores, nos termos do citado artº.29, nº.2, do mesmo diploma (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/06/2015, rec.1025/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.7634/14; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.266 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.69 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, desde logo, se dirá que a reversão do responsável subsidiário já falecido se fundamentou no citado artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., visto que o mesmo exerceu funções de gerência da sociedade executada originária, “..., L.da.”, tanto no período de constituição das dívidas, como no decurso do período em que as mesmas estiveram a pagamento, factualidade admitida pelo próprio (cfr.als.E) e K) do probatório).
Quanto a este vector, confirma-se a decisão do Tribunal “a quo”.
Analisando, de novo, a matéria de facto provada (cfr.v.g.als. F), G), J) e K) do probatório), deve concluir-se no mesmo sentido do Tribunal “a quo”, porquanto, se mostra preenchido o pressuposto do exercício de facto da gerência da sociedade executada originária, por parte de L... e quanto à dívida de I.V.A. revertida, referente a Abril/Dezembro de 2007 e Janeiro de 2008.
Fundando-se a reversão da execução no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., tal faz impender o ónus da prova sobre o gerente/administrador revertido e já falecido, tal ónus incidindo no caso sobre o opoente/recorrente, enquanto sucessor daquele, sendo ele quem tem de provar que não foi imputável ao primeiro a falta de pagamento da dívida exequenda revertida, conforme examinado supra (na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 13/11/2014, proc.7549/14).
Resta apreciar a aludida violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da tutela efectiva do direito, ao operar a reversão de execução fiscal contra sucessores de responsável subsidiário já falecido.
Encontramo-nos perante alegados vícios de inconstitucionalidade material e que buscam uma fiscalização concreta e com características oficiosas (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.940 e seg.). No entanto, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/4/2006, proc.64561/96; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/1/2011, proc.4401/10; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 5/6/2012, proc.5445/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7164/13; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.).
O princípio da proporcionalidade, é explicitado como princípio material informador e conformador da actividade administrativa, no citado artº.266, nº.2, da C.R.Portuguesa, assim implicando a juridicidade de toda a actividade da Administração (cfr.artº.5, nº.2, do anterior C.P.A.; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.801 e seg.).
De acordo com o mesmo, na actuação administrativa terá de existir uma proporção adequada entre os meios empregues e o fim que se pretende atingir (cfr.José Manuel Santos Botelho, e Outros, Código do Procedimento Administrativo anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2000, pág.67, em anotação ao artº.5). No âmbito do procedimento tributário, a consagração de tal princípio resulta do artº.55, da L.G.Tributária, tendo expresso desenvolvimento no artº.46, do C.P.P.Tributário. O princípio da proporcionalidade obriga a Administração Tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações procedimentais que sejam desnecessárias ou inadequadas à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir ou que vão além do que seja necessário e adequado impor aos mesmos contribuintes (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/09/2017, proc.6294/13; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.448 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.449 e seg.).
Já o princípio do aceso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva encontra consagração no artº.20, nº.1, da C.R.P., normativo constitucional que consubstancia, ele mesmo, um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais e sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de Direito. Ele é um corolário lógico do monopólio tendencial da solução dos conflitos por órgãos do Estado ou dotados de legitimação pública, da proibição da autodefesa e das exigências de paz e segurança jurídicas. O preceito reconhece vários direitos conexos mas distintos, como seja, o direito de acesso aos Tribunais, tal como a garantia de que o direito à justiça não pode ser prejudicado por insuficiência de meios económicos, e ainda o direito a um processo equitativo, o qual se densifica, além do mais, através do direito à igualdade de armas ou posições no processo, tal como do direito à prova (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 24/7/2014, proc.7793/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2015, proc.6295/13; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.415 e seg.). Por sua vez, no artº.268, nº.4, da C.R.Portuguesa, é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, e a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos. Na mesma linha, no artº.9, nº.1, da L.G.Tributária, garante-se o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos. O direito a uma tutela jurisdicional efectiva consubstancia-se como o direito a obter, em prazo razoável, decisões que apreciem, com força de caso julgado, as pretensões regularmente deduzidas em juízo (isto é, as pretensões que forem apresentadas na observância dos pressupostos processuais de cujo preenchimento depende, nos termos da lei, a obtenção de uma pronúncia judicial sobre o respectivo mérito) e a possibilidade de fazer executar essas decisões (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/6/2012, proc.5445/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.6309/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7104/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/7/2014, proc.7793/14; J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.827 e seg.; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao C.P.T.A., Almedina, 3ª.edição, 2010, pág.30 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.27 e seg.).
“In casu”, haverá que saber se a reversão de execução fiscal contra sucessores de responsável subsidiário já falecido e ao abrigo do citado artº.29, nº.2, da L.G.T., viola, ou não, algum dos princípios constitucionais examinados.
De acordo com a lei civil, as dívidas que compunham o património do “de cuius” aquando da sua morte, enquanto situações jurídicas passivas, subsistem para além do seu falecimento, sendo normalmente integradas no objecto da herança (cfr.artº.2068, do C.Civil). Consequentemente, o herdeiro fica vinculado pelo passivo hereditário e ver-se-á perante novos credores: os credores da herança.
Não obstante, resulta do disposto no artº.2071, do C.Civil que o sucessor não vem ocupar exacta e precisamente a mesma situação jurídica do “de cuius”, uma vez que a sua responsabilidade fica limitada às "forças da herança", isto é, ao valor das situações jurídicas herdadas (responsabilidade “intra vires hereditatis”), seja a aceitação pura e simples ou a benefício de inventário. É que, e sob o ponto de vista da responsabilidade por dívidas, a herança é um património separado que constitui um núcleo patrimonial independente do património de afectação geral do herdeiro.
Nos termos do disposto no artº.29, nº.2, da L.G.T., as obrigações tributárias originárias e subsidiárias podem ser objecto de transmissão “mortis causa”. E podem sê-lo uma vez verificado o respectivo facto gerador antes do falecimento do seu titular, independentemente da efectiva liquidação do imposto - o que decorre da consagração, no artº.36, nº.1, do mesmo diploma legal, da corrente doutrinária segundo a qual a constituição da relação jurídica tributária tem lugar com a ocorrência do facto tributário e não com a quantificação do imposto expressa na dita liquidação.
Ora, depois de revertida a execução fiscal contra o “de cuius”, não nos opomos a que os sucessores sejam chamados a responder, dentro das forças da herança, pelas dívidas tributárias subsidiárias que oneravam o património do falecido no momento da morte.
Pelo contrário, não chegando a ser revertida a execução fiscal contra o responsável subsidiário, devido ao falecimento do mesmo, já se revela inadequada a aplicação do regime previsto no artº.29, nº.2, da L.G.T., nos casos em que, face ao responsável subsidiário, entretanto falecido, se verifique a reversão ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., preceito que consagra uma presunção de culpa, conforme examinado supra.
Por isso, admitir uma presunção de culpa e esperar que um sucessor a consiga afastar é permitir, na prática, a existência de uma responsabilidade tributária subsidiária objectiva.
E recorde-se que em termos adjectivos, a nossa lei tributária não se encontra vocacionada para permitir o chamamento, a uma execução fiscal, de sucessores de eventuais responsáveis subsidiários (contra quem, em virtude da ocorrência de falecimento, aquele processo nunca reverteu). A única norma que o poderá admitir será o artº.29, nº.2, da L.G.T., mas ainda assim, admiti-lo-á indirectamente, na medida em que apesar de prever a transmissão por morte de dívidas tributárias subsidiárias não liquidadas, não se ocupa da forma através da qual tal transmissão deverá operar.
Por outro lado, o estabelecimento, para as dívidas fiscais, de uma presunção de que deriva a obrigação de prova da falta de culpa pelos responsáveis subsidiários, contrária à regra básica da responsabilidade civil extracontratual formulada no artº.487, do C.Civil, e à regra vigente para todos os credores sociais, pode ser considerada razoável nos casos de reversão contra o responsável subsidiário, por este, se não tiver culpa, ter presumivelmente facilidade em prová-lo.
Mas, já será mais difícil aceitar o estabelecimento de tal presunção contra os sucessores dos responsáveis subsidiários, que serão, em regra, pessoas sem ligação à actividade da sociedade originária devedora.
Ainda, a responsabilidade fiscal subsidiária não visa apenas a defesa directa dos interesses patrimoniais da Fazenda Pública, mas tem ínsita uma ideia sancionatória, visando, através da ameaça que cria sobre o património dos administradores ou gerentes de sociedades levá-los a não descurarem o cumprimento das obrigações fiscais. Como é óbvio, esta finalidade sancionatória não pode existir em situações em que o responsável não foi a pessoa que exerceu a actividade de gerência/administração da empresa.
Assim, pode-se questionar mesmo a constitucionalidade desta solução, quando é imposta uma presunção de culpa a sucessores de responsáveis subsidiários que não têm qualquer conhecimento da actividade da sociedade devedora originário geradora das dívidas fiscais.
Na verdade, o estabelecimento de regras do ónus da prova (incluindo presunções que as alteram) de que resulta a imposição a alguém de obrigações de prova não pode, por força da proibição constitucional de situações de indefesa que emerge do direito à tutela judicial efectiva (cfr.artº.20, nº.1, da C.R.P.), deixar de ter uma justificação razoável à face das regras da vida e da experiência, não podendo ser imposto tal ónus a quem não tem, presumivelmente, qualquer possibilidade de conhecer os factos de que resulta a mesma imposição de obrigações (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.69, nota 3; Ana Paula Rocha, Transmissão mortis causa de dívidas tributárias, em especial, no âmbito da responsabilidade tributária subsidiária, Revista Fiscalidade, nº.50, pág.121 e seg.).
Concluindo, o regime previsto no artº.29, nº.2, da L.G.T., nos casos em que, face ao responsável subsidiário, entretanto já falecido, se verifique a reversão ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., contra os sucessores, viola o princípio constitucional do direito à tutela judicial efectiva, assim não se aplicando no caso “sub judice”, em consequência do se deve julgar parte ilegítima na execução o opoente e ora recorrente.
Arrematando, julga-se procedente este fundamento do recurso e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a oposição à execução fiscal nº.0906-2008/100410.7 e apensos, a qual corre termos no Serviço de Finanças de ....
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Condena-se a Fazenda Pública em custas, sem prejuízo da dispensa do pagamento de taxa de justiça nesta instância, visto não ter contra-alegado.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 18 de Abril de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)