Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:499/17.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/28/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:JUNÇÃO DOCUMENTOS.
VALOR DA CAUSA/ALÇADA.
TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA.
Sumário:I. A lei processual civil, concretamente os artigos 425.º e 651.º ambos do CPC, somente possibilitam a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, e apenas quando não tenha sido possível a respetiva apresentação em momento anterior ou quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância;
II. No contencioso associado à execução fiscal o juiz deve fixar o valor da causa de acordo com o montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior.
III. Tendo sido fixado o valor da causa em €52,79, sem qualquer erro de julgamento, está vedada a possibilidade de discussão do mérito, por a lide não dispor de alçada.
IV. O direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre o recurso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

J..., com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pela Mmª. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, exarada a fls. 76 a 79 dos autos, através da qual declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, atento o pagamento voluntário da dívida exequenda.


O Recorrente, a fls. 86 a 91 dos autos, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

1º. No presente recurso está em causa a douta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra proferida em 26.05.2017, que:

a) Declarou extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide; e

b) Fixou à causa o valor de € 52,79, correspondente à dívida exequenda.

2º. A douta decisão recorrida ampara-se em informação prestada pelo Órgão Fiscal no sentido de que o processo de execução fiscal em causa, se encontrar extinto por pagamento voluntário, em 22.06.2016;

3º. O recorrente discorda deste entendimento, dado que o mesmo não se funda em matéria de facto suficiente e por não acautelar os direitos e interesses legalmente protegidos do recorrente e violar o direito à tutela jurisdicional efetiva e o direito ao contraditório;

4º. Na parte final da douta decisão recorrida veio fixar-se o valor da causa em €52,79;

5º. O recorrente na sua reclamação impugnou a citação para a execução fiscal, além do mais, em razão de ali faltar a identificação do veículo sobre o qual incidia o imposto liquidado, o certo é que na douta contestação veio revelar-se que o que está em causa é o veículo com a matrícula G..-...-...;

6º. No entanto, sobre o IUC que incide sobre o veículo com esta matrícula o recorrente tem pendentes vários processos como resulta do requerimento que foi junto aos autos em 13.04.2017;

7º. Em linha com o vertido no sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 10-11-2016 no processo n.º 04846/11, no valor da causa se há de considerar o valor acumulado nas diferentes ações onde está em causa o mesmo imposto relativamente ao mesmo veículo, na medida que as mesmas são suscetíveis de apensação;

8º. Nesta e nas demais ações onde litiga contra a existência da obrigação do IUC sobre este veículo desde o ano de 2005 que o recorrente já não está na posse do referido veículo;

9º. Face ao que vem alegado na epígrafe II e que aqui se dá por reproduzido, a decisão que fixou o valor à causa padece de erro de julgamento, por não se saber ao certo o montante que está envolvido em relação à matéria em causa, requerendo-se a Vossas Excelências que a revoguem, substituindo-a por outra em conformidade;

10º. Na alínea e) dos factos provados deu-se por assente que: “Em 22/06/2016 foi extinto o processo de execução fiscal nº 3166.2015/01367358, na sequência de pagamento – Cfr. Informação a fls. 28 e fls. 26 do PEF;”

11º. Do referido facto nenhuma prova foi carreada para os autos, baseando-se o mesmo em informação prestada pelo S.F. de Sintra 4;

12º. Atento o princípio do contraditório, impunha-se que o órgão Fiscal viesse dar conhecimento ao recorrente da extinção da execução fiscal e dos factos que fundamentam a sua extinção, o que nunca aconteceu;

13º. A mera informação do Órgão Fiscal de que foi extinta a execução, não é suficiente para que se possa dar assente o facto levado à alínea e);

14º. Face ao que se alegou na epígrafe III e que aqui se dá por reproduzido, a douta decisão recorrida enferma de erro de julgamento, por insuficiência de prova não contraditada, requerendo-se a Vossas Excelências que revoguem a decisão na parte em deu como provado o facto levado à alínea e), julgando-se o mesmo como não provado;

15º. Procedendo a impugnação da matéria de facto a que se procedeu, fica evidente que a que foi dada como provada é insuficiente para a decisão que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide;

16º. Face ao que se alegou na epígrafe IV.1 e que aqui se dá por reproduzido, ocorre erro de julgamento na decisão que julgou extinta a instância, requerendo-se a Vossas Excelências que revoguem a decisão nesta parte;

17º. Não obstante, para o caso de assim não se entender, sem conceder, ocorrem outras razões que levam à sua revogação por erro de julgamento;

18º. O recorrente não procedeu a qualquer pagamento da dívida exequenda, pelo que o mesmo a ter acontecido só se pode ter ocorrido de forma abusiva, com o seu absoluto desconhecimento e contra a sua inalienável vontade e só por estas razões é que tais factos não foram devidamente impugnados na Reclamação Judicial que deu origem aos presentes autos;

19º. Nunca a AT comunicou ao recorrente por qualquer forma, sobre o pagamento e a extinção da execução que agora vem invocar;

20º. O recorrente nunca iria proceder a qualquer pagamento voluntário do IUC 2015 relativo ao veículo com a matrícula G..-...-... por três ordens de razão:

21º. Primeiro, porque da sentença proferida em 19.05.2015 no processo n.º 47/13.7YXLSB, já transitada em julgado, cujos autos correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Cartaxo – Instância Local – Secção de Competência Genérica – J1, de que se juntou cópia nos presentes autos (cf. requerimento de 13.04.2017 – Doc. 1), resultar judicialmente assente que o recorrente não tem a posse do veículo com a matrícula G..-...-... desde o início de 2005 e que o mesmo desapareceu da oficina que o detinha desde essa data em dezembro de 2013, tendo levado ali à condenação do terceiro responsável (cf. requerimento 13.04.2017, pontos 5 a 7);

22º. Segundo, como se alegou nos pontos 8 e 9 do requerimento de 13.04.2017, o recorrente intentou ação contra o Estado Português – Instituto dos Registos e Notariado onde, com base na sentença proferida no processo cível a que se aludiu no antecedente, peticionou a sua condenação a proceder à atualização do registo automóvel respetivo em conformidade;

23º. Como decorre do alegado e comunicado nos pontos 10 a 12 do requerimento que apresentou nestes autos em 13.04.2017, sob o processo n.º 2700/15.1BESNT do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra – UO 1, correm termos os autos relativos a impugnação de matéria sobre o exercício da Audição Prévia com o mesmo objeto dos presentes (mesmo imposto e mesmo veículo), no qual o recorrente pretende demonstrar que não existe a obrigação de imposto em causa;

24º. Nunca seria lógico o pagamento voluntário pelo recorrente do IUC 2015 relativo ao veículo com a matrícula G..-...-..., quando por decisão judicial de Magistrado da Primeira Instância transitada em julgado e reiterado pelos venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, ficou assente que não está na posse do mesmo desde o início do ano de 2005, tendo o mesmo desaparecido em dezembro de 2013 quando estava na posse de terceiro que na referida ação foi condenado com tais factos;

25º. O recorrente sabe em que condições ocorreu o alegado pagamento por terceiro, isto é, assumiu a dívida como “própria”, tratou-se de um assunção cumulativa de dívida ou de outra situação qualquer?

26º. O recorrente considera que não existe a obrigação de imposto em causa e por isso não se considera devedor;

27º. Face ao que se alegou na epígrafe IV.2 e que aqui se dá por reproduzido, ocorre erro de julgamento nesta parte da decisão, requerendo-se a Vossas Excelências que a revoguem e determinem a prossecução dos autos para julgamento de mérito;

28º. O pagamento realizado por terceiro e que determinou a extinção da execução sem qualquer contraditório inviabiliza a apreciação e julgamento de mérito que é essencial para o apuramento da verdade material e boa decisão da causa;

29º. O que verdadeiramente está em causa na decisão recorrida são as condições de exercício pelo recorrente do direito a aceder ao sistema judiciário com o objetivo de se opor a uma execução fiscal;

30º. A decisão recorrida que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide viola o direito fundamental de ação do autor ou o direito fundamental de acesso ao direito e à justiça – rectius, aos Tribunais -, previsto no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;

31º. Assim como, o direito fundamental ao processo equitativo conforme previsto no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa;

32º. Face ao que se alegou na epígrafe IV.2 e que aqui se dá por reproduzido, ocorre erro de julgamento nesta parte da decisão, requerendo-se a Vossas Excelências que a revoguem e determinem a prossecução dos autos para julgamento de mérito;

33º. O pagamento realizado por terceiro e que determinou a extinção da execução sem qualquer contraditório inviabiliza a apreciação e julgamento de mérito que é essencial para o apuramento da verdade material e boa decisão da causa;

34º. O que verdadeiramente está em causa na decisão recorrida são as condições de exercício pelo recorrente do direito a aceder ao sistema judiciário com o objetivo de se opor a uma execução fiscal;

35º. A decisão recorrida que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide viola o direito fundamental de ação do autor ou o direito fundamental de acesso ao direito e à justiça – rectius, aos Tribunais -, previsto no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;

36º. Assim como, o direito fundamental ao processo equitativo conforme previsto no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa;

37º. Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências deverá ser admitido e proceder o presente recurso, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”


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Não foram produzidas contra-alegações.



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A fls. 117 e 118 dos autos foi proferido despacho pelo anterior Relator dos autos que entendeu não ser admissível o recurso interposto da decisão recorrida por o valor da causa ser inferior ao valor da alçada do Tribunal, julgando-o findo ao abrigo do artigo 652.º, nº1, alínea h), parte final do CPC.



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A fls. 156 a 154 dos autos, na sequência de apresentação de reclamação para a Conferência foi prolatado Acórdão no qual se julgou procedente a reclamação para a conferência, determinando-se a revogação do despacho que julgou findo o recurso jurisdicional, nele se tendo doutrinado que: “constituindo objecto do presente recurso jurisdicional o valor fixado à causa, é de afastar qualquer juízo de inadmissibilidade de interposição do recurso jurisdicional com esse fundamento e, consequentemente, para o recurso ser julgado findo ao abrigo do preceituado no artigo 652.° al. b) do Código de Processo Civil (existência de circunstância , que obsta ao conhecimento do recurso), devendo, por isso, ser mantida a sua admissão, tal como realizada em 1ª instância. Tudo, naturalmente, sem prejuízo de, conhecendo do seu mérito, incluindo da legalidade do valor da causa fixada, o mesmo, designadamente pelas apontadas razões de falta de alegação, concretização ou prova de factos bastantes a suportar a pretensão recursória, nessa parte, ser julgado improcedente.”



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Por requerimento de fls. 181 a 197 dos autos, vem o Recorrente proceder à junção de cinco documentos. Assegurado o contraditório a Recorrida nada disse.



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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso (cfr.fls. 226 a 231 dos autos).



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Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.



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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr. fls. 77 e 78 dos presentes autos):

a) Em 07/08/2015 foi autuado, no Serviço de Finanças de Sintra 4, o processo de execução fiscal nº 3…, contra o ora Reclamante J…, para cobrança coerciva da quantia de € 52,79, referente a dívida de IUC do ano de 2015 – Cfr. PEF, apenso;


b) Em 17/08/2015 foi o Reclamante citado no âmbito do PEF referido na alínea antecedente – Cfr. Documentos a fls. 7 e 8 do PEF, apenso;


c) Em 06/11/2015 o Reclamante deu entrada de requerimento de arguição de nulidade da citação no Serviço de Finanças de Sintra 4 – Cfr. Documento a fls. 12 do PEF, apenso;


d) Em 11/02/2016 foi proferido despacho, pelo Chefe de Finanças de Sintra 4, indeferindo o requerimento de arguição de nulidade da citação apresentado pelo Reclamante – Cfr. Documento a fls. 22 do PEF, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;


e) Em 22/06/2016 foi extinto o processo de execução fiscal nº 3…, na sequência de pagamento – Cfr. Informação a fls. 28 e fls. 26 do PEF;


f) Em 08/09/2016 deu entrada a presente reclamação, no Serviço de Finanças de Sintra 4 – Cfr. Carimbo aposto a fls. 7;


g) Em 05/04/2017 foi a reclamação remetida ao TAF de Sintra – Cfr. Fls. 3;



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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada e corroborada por consulta à plataforma informática SITAF, adita-se, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT ao probatório, a seguinte factualidade:

h) Em 19 de maio de 2015, foi proferida sentença no âmbito da ação declarativa de condenação que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém com o número de processo 47/13.7YXLSB que J… interpôs contra José A…, tendo o R sido condenado no pagamento de indemnização ao A. pelo valor do veículo de matrícula G..-...-..., fixada em €2.500,00 (cfr. fls. 38 a 43 dos autos);


i) Em 13 de julho de 2015, J… deduziu impugnação judicial contra o ato de liquidação oficiosa de Imposto Único de Circulação, referente ao veículo automóvel com a matrícula G..-...-..., respeitante ao ano de 2015, a qual corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sob o número de processo 2700/15.1 BESNT (cfr. fls. 37 dos autos, corroborado pela consulta à plataforma SITAF);


j) Em 04 de abril de 2016, J… interpôs ação administrativa contra o Instituto do Registo e do Notariado IP e Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres, IP peticionando o reconhecimento que o A. não tem o veículo automóvel com a matrícula G..-...-..., na sua posse desde 2005; e a condenação solidária numa indemnização por danos não patrimoniais no valor de €5.000,00 (cfr. fls. 37 dos autos, corroborado pela consulta à plataforma SITAF);



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III - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.


Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa começar por apreciar o erro de julgamento quanto à fixação do valor da causa, visto que mostrando-se o mesmo corretamente fixado tal obsta ao conhecimento do mérito atenta a alçada do tribunal de recurso.


Sem prejuízo do que fica exposto, importa como questão prévia aferir da admissibilidade dos documentos juntos aos autos mediante requerimento apresentado em 09 de agosto de 2018, junto a fls. 181 a 197 dos autos a que se faz alusão no relatório do presente Acórdão.


Importa começar por referir que em fase de recurso, a lei processual civil, concretamente o artigo 425.º e bem assim o normativo 651.º do CPC, somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, e apenas quando não tenha sido possível a respetiva apresentação em momento anterior (artigo 425.º, nº1, do CPC) ou quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (artigo 651.º, nº.1, do CPC);


O STA, por Acórdão proferido em Recurso de Revista (1) julgou que “são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância”. (destaque nosso).


Sendo certo que, a verificação das circunstâncias supra identificadas têm, necessariamente, como pressuposto basilar que os factos documentados sejam pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, da circunstância dos documentos cuja junção se pretende visarem a prova dos fundamentos da ação e/ou da defesa e, bem assim da circunstância de o juiz se encontrar vinculado a ordenar o desentranhamento do processo dos que sejam impertinentes ou desnecessários (2).


Mais importa ter presente, neste particular, que o advérbio “apenas”, utilizado no artigo 651.º, nº 1, do CPC significa, tão-só, que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. É entendimento unânime jurisprudencial que deve ser recusada a junção de documentos que visem a prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a demonstração, sendo certo que não pode servir de pretexto da junção a mera surpresa quanto ao resultado (3).


In casu, quanto aos cinco documentos cuja junção se requereu, deve a mesma ser recusada, desde logo porque nem tão-pouco foram apresentados com as alegações de recurso, mas em momento ulterior.


De todo o modo e não obstante o exposto sempre se dirá que quanto ao documento um o mesmo respeita a um documento que o Recorrente já tinha junto aos autos em 1ª instância, conforme a parte expressamente o reconhece, donde, como é bom de ver, não carece de qualquer admissibilidade posterior. Aliás, conforme veremos infra o Tribunal aditou factualidade motivada em tal documento e fez a devida ponderação para a decisão da causa.


No concernente aos outros quatro documentos, concretamente, decisão arbitral referente à liquidação de IUC do ano de 2016, sentença de oposição ao processo de execução fiscal proferida no âmbito do processo nº 557/17.7 BESNT, instauração de processo de contraordenacional por alegada infração ao artigo 17.º, nº2 do CIUC e respetivo requerimento endereçado ao órgão da execução fiscal, encontramo-nos perante documentos que em nada relevam para a presente lide, encontrando-se, de resto, o processo arbitral e bem assim o processo judicial supra elencados findos. Ademais, sempre importa ter presente que os aludidos documentos visam a prova de factos que já antes da sentença o Recorrente sabia estarem sujeitos a prova, não se visualizando, outrossim, a necessidade da sua junção em virtude do conteúdo da decisão recorrida e em conformidade com o consignado no artigo 651.º, nº1, do CPC.


Concluindo, dada a sua impertinência, desnecessidade e extemporaneidade, devem os documentos juntos a fls.181 a 197 dos autos ser desentranhados e restituídos ao Requerente, condenando-se este no pagamento de multa pelo incidente, em conformidade com o consignado no artigo 443.º, nº 1, do CPC, ao que se procederá no dispositivo do presente acórdão.


Atentemos, ora, na questão do erro do julgamento quanto à fixação do valor da causa.

O Recorrente começa por evidenciar que a decisão recorrida fixou, erradamente, o valor da causa em €52,79 por corresponder à dívida exequenda, a verdade é que não se sabe ao certo o montante que está envolvido em relação à matéria em causa.

Defende, neste particular, que aquando da reclamação impugnou a citação para a execução fiscal, além do mais, em razão de ali faltar a identificação do veículo sobre o qual incidia o imposto liquidado, o certo é que na douta contestação veio revelar-se que o que está em causa é o veículo com a matrícula G..-...-....

Mais aduzindo que sobre o IUC que incide sobre o veículo com esta matrícula o Recorrente tem pendentes vários processos, razão pela qual no valor da causa “se há de considerar o valor acumulado nas diferentes ações onde está em causa o mesmo imposto relativamente ao mesmo veículo, na medida que as mesmas são suscetíveis de apensação”.

Vejamos, então.


Importa, desde já, evidenciar que a atribuição do valor da causa releva, além do mais, para efeitos de determinação da competência do Tribunal, a forma de processo, sendo caso disso, e, bem assim, a viabilidade de interposição de recurso, de acordo com a alçada do Tribunal de que se recorre.


Mais importa ter presente que em ordem ao consignado nos artigos 296.º e 299.º ambos do CPC aplicáveis ex vi artigo 2.º alínea e), do CPPT, na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a ação é proposta.


No caso vertente, o valor da causa foi fixado no dispositivo da sentença recorrida no montante de €52,79, fundamentando-se nos artigos 306.º do CPC e 97.º A, nº1, alínea e), do CPPT, razão pela qual importa convocar tais preceitos legais.


Preceitua o normativo 306.º, nº1, do CPC que: “1-Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes”.


Dispõe, por seu turno, o artigo 97.º A, nº1, alínea e), do CPPT, com a redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, sob a epígrafe “valor da causa” que:


“1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:


“ e) No contencioso associado à execução fiscal, o valor correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior”.


Da interpretação dos citados normativos legais resulta que no contencioso associado à execução fiscal o juiz deve fixar o valor da causa de acordo com o montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior.


Visto o direito aplicável importa transpor para o caso dos autos.


In casu, encontramo-nos perante uma reclamação de atos do órgão da execução fiscal cujo ato reclamado se coaduna com o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Sintra 4 identificado na alínea d) do probatório, o qual indeferiu o pedido de arguição de nulidade apresentado pelo Recorrente no âmbito do processo de execução fiscal nº 3…, mediante requerimento datado de 06 de novembro de 2015 e melhor identificado na alínea c) supra.


Nessa medida, encontrando-se o processo de reclamação de atos do órgão da execução fiscal associado, como o próprio nome o indica, a execução fiscal, o valor da causa terá de corresponder ao montante da dívida exequenda, no caso sub judice a €52,79 conforme dimana da alínea a) do probatório.

O Recorrente alega, em abono da sua posição, que relativamente ao veículo automóvel sobre o qual foi liquidado oficiosamente o IUC o mesmo tem pendentes vários processos, e nessa medida o valor do processo terá de ser “o valor acumulado”, a verdade, porém, é que essa argumentação não pode lograr provimento.

Desde logo, porque a aludida alegação é absolutamente genérica, faltando a devida circunstanciação fáctica, cujo ónus se circunscrevia na sua esfera jurídica.

É certo que nas conclusões das alegações (ponto 6) por remissão para um requerimento apresentado junto do TAF de Sintra alude a três ações judiciais pendentes, as quais, ainda que a propósito da extinção do processo de execução fiscal, enumera nos pontos 21.º a 23.º.

Mas a verdade é que tais ações -descritas nas alíneas h) a j) ora aditadas à matéria de facto- nada têm a ver com a cobrança coerciva de IUC. Com efeito, compulsado o teor das evidenciadas alíneas resulta que duas dessas ações respeitam a pedidos indemnizatórios, e outra concerne à impugnação judicial onde se discute o ato de liquidação oficiosa de IUC que deu origem ao processo de execução fiscal nº 3….

Portanto, ações cujo âmbito e objeto nada têm a ver com a execução fiscal, e nessa medida, sem qualquer relevo para a situação sub judice.

Acresce que não podemos perder de vista qual o objeto da reclamação de atos do órgão da execução fiscal.

Com efeito, do teor do artigo 276.º do CPPT resulta que, por um lado, o objeto da reclamação é a decisão proferida pelo órgão da execução fiscal e por outro lado, que se destina a obter a anulação desse mesma decisão praticada pelo órgão da execução fiscal, por a mesma padecer de ilegalidades.

É, assim, um meio processual que visa apreciar a legalidade de um ato praticado pelo órgão da execução fiscal. Convoque-se, neste particular, designadamente, o teor do Aresto proferido pelo STA no âmbito do recurso nº 0258/11, com data de 6 de abril de 2011.

Portanto, in casu, reagindo o Recorrente de um ato de citação respeitante a um específico processo de execução fiscal, concretamente, o processo de execução fiscal nº 3… e não constando qualquer elemento nos autos e no processo de execução fiscal apenso que, à data da interposição da ação de reclamação, tenha ocorrido qualquer apensação de outros processos de execução fiscal -nem tão-pouco o Recorrente, nas suas conclusões, alega nesse sentido- o valor do processo respeita efetivamente ao valor da quantia exequenda, no caso, como visto, €52,79.

De relevar, a final, que o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que o Recorrente faz alusão nas suas conclusões de recurso, proferido no processo n.º 04846/11, com data de 10 de novembro de 2016, não respeita à fixação do valor da causa no contencioso associado à execução fiscal, mas sim à fixação do valor do processo quando sejam impugnados atos de fixação dos valores patrimoniais, logo sem qualquer paralelismo com a situação dos autos, donde, sem relevância neste e para este efeito.

Nessa medida, contrariamente ao peticionado pelo Recorrente o Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento na fixação do valor da causa.

Aqui chegados, importa extrair as devidas consequências em termos da presente lide, concretamente, da possibilidade de apreciação do mérito.


Para o efeito importa ter presente a Lei nº 82-B/2014, de 31 de dezembro (OE 2015), com entrada em vigor a 1 de janeiro de 2015, a qual veio introduzir uma nova redação ao artigo 105.º da LGT, sob a epígrafe de alçadas, estatuindo que "A alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância."


E bem assim uma nova redação ao artigo 280.º, nº 4 do CPPT, que a propósito dos recursos das decisões proferidas em processos judiciais, passa a estatuir que:


“ 4- Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapasse o valor da alçada fixada para os tribunais tributários de 1ª instância."


Quanto às disposições transitórias importa reter que está contemplado no artigo 225.º da aludida Lei do Orçamento de Estado de 2015 que “As alterações introduzidas pela presente lei às normas do CPPT e da LGT sobre alçadas e constituição de advogados apenas produzem efeitos relativamente aos processos que se iniciem após a sua entrada em vigor”, aliás em consonância com o que dispõe o artigo 6.º, nº 6 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.


A final, importa convocar o artigo 44.º, nº 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário-Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, o qual dispõe que a alçada dos tribunais judiciais de primeira instância é de €5.000,00.


Resulta, assim, que a alçada dos tribunais tributários de 1ª instância se encontra fixada a partir de 1 de janeiro de 2015, em €5.000,00.


Ora, tendo a presente reclamação sido interposta em 08 de setembro de 2016, e tendo sido fixado o valor da causa em €52,79, e como visto sem qualquer erro de julgamento, resulta inequívoco que não excede a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância e nessa medida está vedada a possibilidade de discussão do mérito dos presentes autos, por a presente lide não dispor de alçada.


Quanto à alegada violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva o “Tribunal Constitucional já firmou jurisprudência no sentido de que não resulta da Constituição nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, consagrado no citado artigo 20.º da Constituição.


Na verdade, a Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil, apenas o contendo no âmbito do processo penal.


Prevendo a Lei Fundamental a existência de tribunais de recurso, há que concluir que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, não estando, no entanto, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.


Sendo certo que, a plenitude do acesso à jurisdição postula um sistema que proteja os interessados contra os próprios atos jurisdicionais, incluindo o direito de recurso, o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.


O mesmo se diga em relação à invocada violação do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, preceito que rege sobre a “força jurídica” dos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias e cujo conteúdo essencial se mostra inteiramente salvaguardado na questionada dimensão normativa. (4)” (destaques nossos).


Ademais, sempre se dirá que no caso vertente não se descortina qualquer denegação da tutela jurisdicional efetiva e isto porque, conforme resulta do probatório, mormente, da alínea i), ora aditada, encontra-se pendente no TAF de Sintra, o processo de impugnação judicial nº 2700/15.1BESNT no qual o Recorrente discute a legalidade da dívida exequenda, ou seja, da liquidação de IUC, referente ao ano de 2015 e nessa medida, a obter vencimento o ato de liquidação será anulado com toda a reconstituição da situação ex ante.


Em face de todo o exposto, tendo a ação o valor de €52,79, inferior à alçada do tribunal de 1.ª instância, fica prejudicada a apreciação do mérito, improcedendo a presente lide recursiva.



***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em :

-Ordenar o desentranhamento e restituição ao Recorrente dos documentos juntos a fls. 181 a 197 dos autos, condenando-se o mesmo em multa no montante de uma (1) U.C.

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E manter A DECISÃO RECORRIDA.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 28 de fevereiro de 2019


(Patrícia Manuel Pires )


(ANABELA RUSSO)


(LURDES TOSCANO)





(1) Cfr. Acórdão de 27-5-2015, proferido no processo n.º 570/14; Vide, igualmente, o Acórdão do TCA Sul proferido no processo nº 07915/14, de 08 de junho de 2017.


(2) Vide José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.229 e seg.


(3) Cfr. Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 312/17.4 BEBJA, de 25 de janeiro de 2018; Vide Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.230


(4) Acórdão do STJ, proferido no processo nº 4255/15.8T8VCT-A.G1.51, de 08 de março de 2018.