Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:166/22.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/11/2024
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
MODELO DE AVALIAÇÃO
ESCALA DE PONTUAÇÃO
Sumário:I - O erro na qualificação jurídica de um fundamento de nulidade da sentença como erro de julgamento não configura causa de inadmissibilidade do recurso.
II - A ampliação do objeto do recurso não se destina a impugnar matéria de facto que apenas releva para a procedência de questões que, por prejudicadas, não foram conhecidas pela decisão recorrida, nem para recorrer do despacho que apreciou a (des)necessidade de prova à luz da procedência do (único) vício que a sentença conheceu.
III - O modelo de avaliação das propostas, concretamente a escala de pontuação dos fatores e subfatores, deve ser apta a permitir a mensuração e diferenciação das propostas, promovendo a concorrência e assegurando a escolha da proposta economicamente mais vantajosa.
IV - Não prevendo a lei a quantidade de níveis de pontuação que devem ser estabelecidos para avaliação dos fatores e subfactores do critério e modelos de adjudicação, a aptidão de uma escala de pontuação de 2 ou 3 níveis para atingir os objetivos de escolha da proposta economicamente mais vantajosa deve ser realizada em função da análise do concreto procedimento concursal, do seu objeto, dos aspetos da execução contratual submetidos à concorrência e dos objetivos visados pela entidade adjudicante.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção de CONTRATOS PÚBLICOS
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

M......, S.A.. e E...... – P......., O......., Lda. (doravante Recorrentes ou AA.) intentaram, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a presente ação de contencioso pré-contratual contra a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (doravante Recorrida, R. ou SCML), indicando como contrainteressadas C......., S.A., N......., S.A. e R.......S.A., peticionando, em suma,
(i) A declaração de nulidade ou anulação da deliberação da Mesa da R. n.º 20/2022 de 6.1.2022, nas partes correspondentes ao ato de adjudicação à proposta das CI, C....... e N....... e homologação do relatório final e admissão propostas das CI, no âmbito do procedimento concursal para celebração do contrato de aquisição de serviços de outsourcing de recursos humanos para o Contact Center do Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa;
(ii) A condenação da R. a reconhecer o direito das AA. à adjudicação a sua proposta e a celebrar com estas o contrato;
Subsidiariamente,
(iii) A anulação do ato de adjudicação, determinando-se que o procedimento seja retomado na fase de resposta a pedidos de suprimento de erros e omissões (prévia à apresentação de propostas), anulando-se as cláusulas 14.7., 39.1, 44.4 e 44.7 retificadas e das clausulas 31M, 45.1.1., 45.1.2, 45.1.3 e 45.11, aditadas ao Caderno de Encargos na fase de suprimento de erros e omissões, suprindo-se sendo caso disso a ilegalidade cometida com essa alteração e retificação ao Caderno de Encargos, prosseguindo este procedimento os seus termos;
Ou, ainda, subsidiariamente,
(iv) A anulação da decisão de adjudicação, determinando-se que o procedimento retome a fase de análise das propostas, devendo ser solicitados esclarecimentos sobre o preço proposto pelos CI, C....... e N....... e, bem assim, sobre o sentido da declaração da CI Reditus na p. 16, 1.º parágrafo da sua proposta, seguindo o procedimento os seus termos.

A este processo foi apensada a ação de contencioso pré-contratual, a que foi atribuído o número de processo 287/22.8BELSB, instaurada por R.......S.A., contra a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, indicando como contra-interessadas C......., S.A., N......., S.A. e M......, S.A.. e E...... – P......., O......., Lda., peticionando a aí A. a anulação do ato de adjudicação à proposta do agrupamento C......./N........ e a declaração de nulidade do contrato caso o mesmo já tenha sido celebrado, a condenação da R. a excluir a proposta do agrupamento adjudicatário e a adjudicar à Reditus.

Por sentença de 27.12.2022 o Juízo de Contratos Públicos do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou a ação procedente e, em consequência, anulou a decisão de adjudicação.

Inconformada, a Ré, SCML, interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul dessa decisão, concluindo nos seguintes termos:
“a) Alega a SCML, em primeiro lugar, que o juízo ínsito na sentença, segundo o qual a grelha classificativa do concurso em causa nestes autos redundaria na ilegalidade do modelo de avaliação de propostas, atenta a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão, de 21 de janeiro de 2014, está incorreto porque esse acórdão não refere isso e, assim, o juízo final da sentença alicerça-se num acórdão que é de sentido oposto ao decidido na sentença recorrida;
b) Basta confrontar o teor do acórdão do Pleno para se ver que, em suma, nele se julgou (em sentido contrário ao da sentença recorrida) que “a avaliação das propostas apresentadas num concurso tem-se por fundamentada através da valoração por elas obtida nos vários itens de uma grelha classificativa minimamente densa” e que “nada justifica que rompamos com essa jurisprudência, que integralmente satisfaz as funções que a fundamentação prossegue, designadamente a de esclarecer qualquer destinatário dos motivos das pontuações atribuídas às propostas. Assim, e ao invés do que afirma a aqui recorrida, tal solução não fere quaisquer normas ou princípios constitucionais, pois habilita os interessados a compreender os fundamentos do acto classificador e a reagir em conformidade. É, pois, falso que a fundamentação advinda da referência das propostas aos itens da grelha classificativa contrarie o disposto no art. 268o, n.° 3, da CRP, ofenda o princípio da confiança ou ponha em causa a garantia de uma tutela jurisdicional efetiva”;
c) A sentença padece de erro de julgamento porque a decisão da sentença refere expressamente “atenta a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão, de 21 de janeiro de 2014” e essa jurisprudência não secunda o decidido pela sentença recorrida;
d) Em segundo lugar, se porventura a decisão recorrida se estribou (não naquele, mas) no acórdão do STA 24 de junho de 2021, tirado no processo n.° 0223/20.6BESNT, também esse aresto não julgou aquilo que a sentença recorrida refere que julgou, nem julgou em conformidade com ela;
e) As questões que a aí Recorrente pretendia ver discutidas prendiam-se com a da ilegalidade do modelo de avaliação “constante do artigo 19° do Programa do Procedimento ao pretender “avaliar a clareza e o detalhe das propostas ”, ou seja, o modo como estas são elaboradas, pelo que, nos fatores “F2” e “F3”, os respetivos descritores fazem depender a pontuação a atribuir às propostas pelo júri, não das características e valias técnicas das soluções propostas, mas sim do nível de detalhe com que estas foram apresentadas, em violação dos arts. 56°, 74°, n° 1, 75°, n° 1, e 139°, todos do CCP”;
f) Não se tratava, ao contrário do que se refere na sentença recorrida, de uma análise jurídica acerca da quantidade de subníveis das grelhas classificativas do critério de adjudicação, nem de matéria relacionada, mas sim, em parte, do apuramento da (i)legalidade do teor dos respetivos descritores, por neles se usarem termos eventualmente equívocos para efeitos da classificação;
g) Apesar de a conclusão III do sumário desse acórdão versar sobre a suposta legalidade, para os fins referidos no AUJ n° 2/2014 do STA, de uma grelha classificativa que diferencia em 4 níveis descritivos, isso não constituiu fundamento da decisão porque, não só a matéria em julgamento era outra, como também porque esse aresto se limitou a considerar que, no concurso que estava em causa nesse processo, 2 dos subfactores estavam suficientemente densificados em 4 níveis;
h) Acresce que a sentença recorrida tinha ónus de explicar por que razão é que os níveis de densificação do modelo de avaliação por grelhas adotado no concurso do contact center não se coadunariam, por insuficiência, com a lei;
i) Mas limitou-se a sentença, depois de um excurso pela lei e pela jurisprudência, a referir, em modo conclusivo, que “a previsão de 2 e 3 níveis, numa grelha de avaliação, relativa a um fator que representa 60% do critério de adjudicação, não exprime uma suficiente densidade dessa grelha classificativa, o que redunda na ilegalidade do modelo de avaliação das propostas fixado”;
j) Omitindo uma pronúncia sobre as circunstâncias do caso, explicando por que motivos é que se julgou como que se julgou;
k) A sentença devia ter julgado o caso concreto de acordo com as circunstâncias e particularidades desse caso concreto e não de acordo com um critério teórico retirado de um acórdão que, apesar da sua evidente valia, não significa que o julgador esteja dispensado de fundamentar a sua decisão e que possa limitar-se a remeter para outro acórdão, nada dizendo sobre o modo como esse acórdão teria ou deveria ter plena aplicabilidade ao caso concreto que está em julgamento;
l) A decisão da causa baseou-se num juízo meramente conclusivo, nada se dizendo sobre as particularidades do concurso em análise, nem sobre o que consta nos subfactores, nem de que forma é que isso inviabilizaria que a grelha classificativa fosse suficientemente densa, tendo em conta os objetivos de avaliação do concurso do contact center;
m) Com o máximo respeito, alega-se que o conceito de Justiça obriga a uma ponderação efetiva das circunstâncias do caso concreto, as quais constavam dos factos provados e deveriam ter sido trazidas à colação na parte decisória da sentença para fundamentar a decisão de anular o ato de adjudicação que foi tomada;
n) Manifestamente tais circunstâncias não foram tidas em consideração e, portanto, não se sabe que concreta razão motivou a anulação do ato de adjudicação, porque afirmar que o modelo de avaliação deve ter 4 níveis em não 2 ou 3 sem demostrar que, no caso concreto, devia realmente ter 4 níveis, por referência a aresto do STA que não foi tirado em sede de uniformização, corresponde a um juízo conclusivo;
o) Acresce, por um lado, que o objeto do concurso em causa era bastante simples (recrutamento de recursos humanos para centro de atendimento de telefonemas) e, portanto, não faria sentido ter um modelo de avaliação que também não fosse;
p) Bastaria confrontar as Clausulas Técnicas do Caderno de Encargos (ponto 31) para se aquilatar que os serviços a prestar pelo adjudicatário não envolvem exigência técnica (nem rocket science), admitindo-se colaboradores com o 12° ano de escolaridade, inclusive para a função de coordenador da equipa, com experiência nas funções de 1 ou 3 anos;
q) De modo que não se vislumbra que razão faria com que 2 e 3 níveis de avaliação em 3 subfatores existentes no concurso em apreço seriam suscetíveis de violar o princípio da concorrência e o dever de fundamentação dos atos administrativos, sendo que a sentença, como se alegou acima, não o justifica em concreto, limitando-se, de forma conclusiva, a julgar que assim seria porque noutro aresto do STA, noutro caso concreto da vida real, se julgou que 4 níveis de densificação eram suficientes, como se viu acima;
r) Por outro lado, a avaliação da componente técnica das propostas mediante os 3 subfactores previstos no critério de adjudicação (ou o modelo de avaliação) foi uniforme e concordante para todos os concorrentes, sendo que a adjudicação se decidiu por apelo ao preço, que era a componente B, significando que a parte técnica não seria determinante para se apurar o adjudicatário;
s) A aplicação (ou transposição) incondicionada do que se julgou no acórdão do STA 24 de junho de 2021, processo n.° 0223/20.6BESNT, para julgar que no concurso destes autos era no mínimo necessário, para não se violar os arts 1°- A, n° 1, 139°, n°s 3 e 5 e o art. 148.°, n.° 1, do CCP, 4 níveis descritivos, sem explicar concretamente porquê, faz com que a sentença esteja inquinada por erro de julgamento (e por omissão), devendo ser revogada por este Alto Tribunal.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exa, se roga que o presente recurso seja julgado procedente, por provado, e a sentença recorrida seja revogada por, no julgamento realizado, padecer de erros de direito que a inquinam.”

As Recorridas, M........ e E........, apresentaram alegações formulando as seguintes conclusões,
“A. Deve ser julgado inadmissível ou improcedente o recurso, em toda a extensão dos pontos 1 a 39 [e respetivas conclusões a) a n) e s)], nos quais a recorrente apenas alega matéria que, não se confundindo com erro de julgamento, se enquadraria no regime da nulidade da sentença por omissão ou insuficiência de fundamentação, que não arguiu nem individualizou, em violação do disposto no artigo 615.° n.° 1, alínea b), n.° 3 e 617.°, todos do CPC.
B. Ademais, não se verifica na douta sentença em recurso qualquer erro de direito ou de julgamento, tanto mais que de fls. 16 em diante, aí se desenvolve todo o raciocínio jurídico respeitante ao quadro legal conformador da exigência e do vício relativo ao modelo de avaliação das propostas, englobando no seu discurso fundamentador não apenas as normas legais pertinentes, como a síntese da mais respeitada doutrina e da jurisprudência sobre o conteúdo do modelo de avaliação e sobre o conceito de grelha classificativa suficientemente densa.
C. E feito esse excurso, a douta sentença conclui de forma cristalina, com um correto discurso fundamentador e processo decisório lógico que a existência de dois níveis em dois subfactores e de três níveis no outro subfactor não constitui uma concretização suficiente das opções disponibilizados ao funcionamento da concorrência em relação a cada um desses atributos. Ou seja, a redução, por exemplo, de uma pontuação a duas opções 100 (máximo) e 50 (mínimo) não representa um incentivo adequado à concorrência e não permite a mensuração e promoção da diversidade nas ofertas que o mercado pode estar disposto a fornecer.
D. Decidindo, ainda que a previsão de 2 e 3 níveis, numa grelha de avaliação, relativa a um fator que representa 60% do critério de adjudicação, não exprime uma suficiente densidade dessa grelha classificativa, o que redunda na ilegalidade do modelo de avaliação das propostas fixado, por violação dos artigos 1.°-A, n.° 1 (princípio da concorrência) e 139.°, n.°s 3 e 5, ambos do CCP.
E. É a própria Recorrente em 46. do seu recurso que acaba por reconhecer que a grelha de classificação ou o modelo de avaliação adotado no caso dos autos não se coaduna nem é coerente com a finalidade de tal modelo - o critério multifator, pois que, afinal, o fator componente técnica que valia 60% da ponderação global foi irrelevante e todo o concurso se revelou ser verdadeiramente baseado num único fator, o preço.
F. Mas, como concluído na douta sentença recorrida, não foi esse o modelo escolhido pela entidade adjudicante, o que é bem revelador do que ainda na sentença se afirma com clarividência ser “Uma grelha de pontuação de um subfactor que não corresponda a uma efetiva desagregação das possibilidades de funcionamento da concorrência acaba por se traduzir numa frustração dessa potenciação da concorrência, redundando na sua desconsideração real. Não permitir a diferenciação das propostas, através de uma grelha classificativa que não explore e incentive a diversidade que pode existir nesse atributo em concreto, tem duas consequências: desrespeita a existência de um modelo de avaliação das propostas em conformidade com o disposto no CCP e traduz-se numa grelha que não sendo suficientemente densa afeta a decisão, que nela se suporte, por falta de fundamentação.”
G. É precisamente esta distorção da avaliação resultante do modelo de avaliação existente no caso dos autos, que a Recorrente confessa e aponta, que torna precisamente ilegal, por violação do princípio da concorrência e do disposto no artigo 139.°, n.° 3 e 5 do CCP, o modelo de avaliação escolhido - inquinando a decisão administrativa do vício de falta de fundamentação.
H. Bem andou a douta Sentença em recurso ao decidir, fundamentadamente e de concordância com a doutrina e a jurisprudência, que o modelo de avaliação e a escala de pontuação constante da grelha, no respeitante ao critério valia técnica, não favorecia a concorrência e a multiplicidade possível de atributos de propostas no mercado, criando extremos e ou polarizando-as, em prejuízo do princípio da concorrência e em violação do disposto no artigo 139.°, n.° 3 e 5 do CCP.
I. Por outro lado, é falsa a ideia da recorrente de que seria de tal modo simples o objeto do concurso a grelha de avaliação e a escala de pontuação poderia m ser muito simplificadas.
J. O concurso envolve toda a gestão do contact center, incluindo a linha direta jogos e o suporte aos mediadores de jogos, sendo inúmeros e diversificados os problemas relatados, de cuja resolução técnica depende o funcionamento do sistema de jogo e da sua disponibilização aos consumidores.
K. Tal complexidade, pela sua especificidade, não depende de qualquer licenciatura mas de formação adequada e daí ser o 12.° ano o grau de ensino exigido.
L. Não podendo ainda e só agora, em sede de recurso, a Recorrente alegar em dissonância com a realidade, uma simplicidade do procedimento e do serviço a prestar, como fundamento para a quase irrelevância do modelo de avaliação, quando essa simplicidade não transparece do Caderno de Encargos, nem da sua defesa em sede de contestação.
M. Termos em que, por total falta de fundamento, deve ser indeferido o recurso, mantendo-se na íntegra a douta sentença recorrida de 27/12/2022 que julgou a ação procedente, anulando o ato de adjudicação do contrato.
N. Subsidiariamente, caso se entenda que a douta Sentença padece do vício que lhe vem assacado, o que só se admite por cautela de patrocínio e sem conceder, desde já e ao abrigo do disposto no artigo 636.°, n.° 2 do CPC, se impugna o facto assente em G) da matéria de facto assente na douta Sentença e se impugna a dispensa de realização de diligências probatórias adicionais necessárias para a apreciação do mérito da pretensão das Autoras no que respeita ao preço anormalmente baixo como causa de pedir (decidida por despacho de 27/12/2022, data da douta Sentença).
O. No respeitante ao facto assente em G), o mesmo apenas se alicerça no documento a fls. 1960 no SITAF, que corresponde a documento junto pela Recorrente, em 05/07/2022, composto de uma página e que é a ata da 180.a sessão ordinária da mesa Administrativa da SCML, de 28/10/2021. 
P. Quando em 13/07/2022 as Autoras se pronunciaram sobre tal documento e o douto Tribunal recorrido, por despacho de 26/07/2022, decidiu solicitar documentos adicionais, bem se evidenciando nele que o documento de fls. 1960 não era de todo suficiente para prova do que quer que fosse, designadamente do teor efetivo das alterações ao caderno de Encargos, de modo a poder-se afirmar que o caderno de Encargos na versão consolidada apresentada pelo Júri é o que contém as efetivas e precisas alterações aprovadas pela Mesa da Recorrente em 28/10/2021.
Q. E precisamente nos anexos I a V da informação com a referência acima que deveria constar o exato sentido e alcance dos erros e omissões aprovados e das alterações ao Caderno de Encargos.
R. Não há notícia nos autos da juntada da totalidade dos referidos anexos I a V, de modo a que seja possível determinar, com a necessária exatidão, quais os erros e omissões e quais as alterações ao Caderno de Encargos, que derivaram diretamente da sobredita deliberação da Recorrente, de 28/10/2021, que não contém o sentido de qualquer uma dessas deliberações.
S. Do documento n.° 7 junto com a petição (ata n.° 2 do júri) resultam os erros e omissões concretos, bem como as alterações ao Caderno de Encargos, imputáveis a tal ata deliberativa do Júri.
T. Já do documento de fls. 1960 do SITAF, que o visa contrariar, nada resulta no sentido de que erros e omissões ou alterações ao CE foram efetivamente resultantes dessa deliberação, sendo fundamental para a compreensão da mesma a informação em que se funda e os seus anexos.
U. Ao fundamentar apenas com o teor de fls. 1960 do SITAF a razão de prova do facto assente em G), o douto tribunal recorrido incorre em erro de facto na apreciação das provas, não podendo pois este Alto Tribunal deixar de anular a decisão proferida a este propósito em primeira instância, julgando tal facto como não provado ou, no limite determinar que o douto tribunal a quo a reaprecie e fundamente, tudo nos termos do artigo 662.°, n.° 1 e 2, alínea c) do CPC.
V. De igual modo, por despacho prévio e contemporâneo à douta sentença, de 27/12/2022, o douto tribunal recorrido, por decisão fundamentada, decidiu julgar desnecessária e indeferir a produção de prova.
W. Não o dizendo expressamente, fê-lo ao abrigo do disposto no artigo 90.°, n.° 3 do CPTA.
X. Evidentemente, as Autoras não podiam nem podem recorrer desse despacho, dado que não sucumbiram na causa, podendo todavia ampliar o objeto do recurso ao eventual erro de julgamento dessa decisão, prevenindo a hipótese, ainda que remota, de o douto Tribunal de recurso anular a Sentença e ordenar que seja retomado o julgamento da causa.
Y. Em particular a alegação de preço ou custo anormalmente baixo na proposta das Contrainteressadas adjudicatárias e não contestantes, exposta em 70.° a 171.°, contém amplos factos não provados por documentos nem carecendo de tal prova, que podem e devem ser demonstrados pela perícia requerida e pelas testemunhas arroladas.
Z. No entender das Autoras e Recorridas, da matéria de facto alegada na petição inicial, resulta ainda matéria controvertida, relevante para a boa decisão de mérito da causa, pelo que a dispensa de instrução viola o artigo 90.°, n.° 1 e 3 do C.P.T.A., criando uma restrição ilegal aos meios de prova produzidos nos autos, suscetível de influir na decisão da causa e ofendendo o direito das partes a uma tutela jurisdicional plena e efetiva, de assento Constitucional, bem como o princípio da promoção do acesso à justiça, vertido no artigo 7.° do C.P.T.A.
AA. Termos em que, deve ser subsidiariamente admitida e julgada procedente a impugnação da matéria de facto assente em G), nos exatos termos propugnados, bem como anulada a douta decisão de 27/12/2022 que decidiu pela dispensa de realização de diligências probatórias adicionais. 
BB. Deverá, ainda, este Venerando TCA (isto se como apenas subsidiariamente se equaciona, vier a julgar procedente o recurso) ordenar a baixa dos autos para julgamento da ação e de todos os pedidos e causas de pedir formulados na mesma.
CC. Ao invés, caso se entenda que este Venerando TCA dispõe de todos os elementos para decidir a ação, ainda subsidiariamente e nos termos do artigo 636.° do CPC, se amplia o objeto do recurso a todas as causas de pedir ou fundamentos expostos nos artigos 33.° e seguintes da petição, que aqui se dão por reproduzidos, que o douto Tribunal a quo não apreciou apenas por os julgar prejudicados pela decisão proferida.
Termos em que deverá ser julgado improcedente o recurso interposto, quer pela inexistência de erro de julgamento quanto ao teor das conclusões A) a N) e S), quer por inexistência de erro de julgamento quanto às conclusões O) a R).
Subsidiariamente, caso assim não se entenda, deverá ser alterado o facto assente em G) nos termos constantes da respetiva impugnação, bem como anulada a decisão de 27.12.2022 que decidiu pela dispensa de realização de diligências probatórias adicionais, ordenando-se a baixa dos autos para julgamento da ação e de todos os fundamentos.
Ainda subsidiariamente, caso este alto Tribunal decida conhecer da ação, desde já e para o efeito se amplia o objeto do recurso a todas as causas de pedir e fundamentos dos artigos 33.º e seguintes da petição, cujo conhecimento ficou prejudicado apenas em virtude da solução dada ao litígio.”

O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

A Recorrente, notificada nos termos do art. 638.º, n.º 8 do CPC, não apresentou resposta à matéria da ampliação do objeto do recurso requerida pelas Recorridas.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Da admissibilidade do recurso

Em sede de contra alegações foi suscitada pelas Recorridas a inadmissibilidade do recurso quanto aos pontos 1 a 39 [e respetivas conclusões a) a n) e s)], aduzindo que a Recorrente alega matéria que, não se confundindo com erro de julgamento, se enquadra no regime da nulidade da sentença por omissão ou insuficiência de fundamentação, que não arguiu nem individualizou, em violação do disposto no artigo 615.° n.° 1, alínea b), n.° 3 do 617.°, todos do CPC.
Ao nível dos ónus a cargo do recorrente, cuja preterição obsta ao conhecimento total ou parcial do recurso, encontram-se o da formulação de alegações ou de conclusões (art. 641.º, n.º 2 al. b) do CPC) e, em caso de impugnação da matéria de facto, a falta de especificação dos concretos pontos de facto impugnados (art. 640.º do CPC). Não corresponde a causa de inadmissibilidade do recurso o erro na qualificação jurídica, pois que, nos termos do art. 5.º, n.º 3 do CPC “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.
Daqui decorre que, ainda que se aceitasse que a alegação da Recorrente se reconduzia à imputação à sentença recorrida de causa de nulidade nos termos do n.º 1 do art. 615.º do CPC, daí não resultaria a inadmissibilidade do recurso, cabendo ao Tribunal apreciar a alegação subsumindo-a ao seu correto enquadramento legal.
Esclareça-se, todavia, que a leitura integral e contextualizada das alegações e conclusões de recurso, permite compreender que a Recorrente não aduz causa de nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de direito em conformidade com a al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC e que se verifica com a falta absoluta de motivação e não com a sua deficiência, mas sim a sua insuficiência para alcançar a conclusão que lhe subjaz. Está, pois, em causa, o erro de julgamento, tal como a Recorrida enquadrou nas conclusões do recurso.
Neste sentido, nenhum óbice se verifica à apreciação do recurso.


III. Da admissibilidade da ampliação do objeto do recurso

Em sede de contra-alegações vieram as Recorrentes requerer a ampliação do objeto do recurso à apreciação de erro de julgamento de facto, quanto à consideração como facto provado da matéria inserta no ponto G) e, bem assim, ao erro de julgamento quanto ao despacho que indeferiu os requerimentos de prova por existir matéria controvertida carecida de prova.
Dispõe-se no art. 636.º do CPC ex vi art. 1.º do CPTA que,
1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2 - Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.
Constata-se que as questões a apreciar nos autos se reconduziam a saber se,
(i) A deliberação de 6 de janeiro de 2022 da Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que adjudicou o contrato ao agrupamento N......../C....... padecia de,
a. Erro nos pressupostos decorrente da invalidade do modelo de avaliação das propostas por violação dos artigos 1.°-A, n.° 1 (princípio da concorrência) e 139.°, n.°s 3 e 5 do CCP;
b. Falta de fundamentação quanto à avaliação do fator A - Componente Técnica;
c. Vicio de violação de lei decorrente da incompetência do júri para a decisão quanto a erros e omissões e retificação das peças do procedimento;
d. Erro nos pressupostos quanto à admissão da proposta das CI, N......../C......., por se verificarem as causas de exclusão previstas
· No art. 70.º, n.º 2 als. e) e f) do CCP, ou seja, preço/custo anormalmente baixo e que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis;
· No art. 70.º, n.º 2 al. a) por omissão da apresentação de termos ou condições
· No art. 70.º, n.º 2 al. b) por apresentação de termos ou condições em violação de aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência;
· No art. 70.º, n.º 2 al. b) por apresentação de atributos em violação dos parâmetros base fixados no Caderno de Encargos;
e. Erro nos pressupostos quanto à admissão da proposta da CI, Reditus, por se verificar a causa de exclusão prevista no art. 70.º, n.º 2 al. b) por apresentação de termos ou condições em violação de aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência.
(ii) Em consequência se o ato de adjudicação deve ser anulado, declarado nulo o contrato que possa ter sido celebrado e se assiste à M......../E........ ou à Reditus o direito à adjudicação.
O Tribunal recorrido julgou procedente o vício imputado ao ato de adjudicação referenciado em (i) a) e, consequentemente, julgou prejudicada a apreciação das demais questões objeto dos autos, nos termos do art. 608.º, n.º 2 do CPC.
Considerando o exposto, bem se vê, que na requerida ampliação do objeto do recurso não está em causa um pedido da parte vencedora dirigido a (i) suscitar a “reapreciação de questões cuja resposta tenha sido desfavorável” adicionando ao objeto do recurso as questões em que decaiu, (ii) arguir nulidades ou (ii) impugnar a matéria de facto com vista a acautelar “a eventual procedência das questões suscitadas pelo recorrente mediante a modificação da matéria de facto no sentido que lhe seja mais favorável, a fim de continuar a beneficiar do mesmo resultado que foi declarado na primeira decisão” (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.º edição, Almedina, pp. 146 e ss.).
A Recorrida solicita a ampliação do objeto do recurso para impugnar matéria de facto que, como resulta da sua alegação apenas assume relevo para a decisão de questão que não chegou a ser apreciada, mostrando-se inócua para, em caso de procedência das questões suscitadas no recurso, continuar a beneficiar do mesmo resultado, e, bem assim, para recorrer de um despacho que apreciou a (des)necessidade de prova à luz da procedência do (único) vício que conheceu.
Entende-se, pois, por inadmissível a referida ampliação do objeto do recurso.


IV. Delimitação do objeto do recurso

Em face das conclusões formuladas, a questão que se encontra submetida à apreciação deste Tribunal resume-se a saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, quanto à apontada invalidade do modelo de avaliação das propostas por insuficiente densificação da grelha de avaliação.

V. Fundamentação de facto

V.1. Na sentença recorrida foi julgada provada a seguinte factualidade:

A) Em 16 de setembro de 2021, a Mesa da Entidade Demandada adotou a decisão de contratar, no âmbito do procedimento de concurso público, relativo ao contrato de aquisição de serviços de outsourcing de recursos humanos para o Contact Center do Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, incluindo a delegação de competências no júri do procedimento, entre outras, para a prestação de esclarecimentos, para a prorrogação do prazo de apresentação de propostas, para a classificação e desclassificação de documentos que integram as propostas (cfr. pasta 1, do Processo Administrativo em suporte eletrónico, adiante PA);
B) Em 24 de setembro de 2021, foi publicado, no Diário da República, 2.- série, n.° 187, o anúncio do concurso público, relativo ao contrato de aquisição de serviços de outsourcing de recursos humanos para o Contact Center do Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (cfr. pasta 1, do PA);
C) Em 27 de setembro de 2021, foi publicado, no Jornal Oficial da União Europeia, o anúncio do concurso público, relativo ao contrato de aquisição de serviços de outsourcing de recursos humanos para o Contact Center do Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (cfr. pasta 2, do PA);
D) O Programa do Concurso, que se dá por integralmente reproduzido, do procedimento identificado, inclui, entre o mais, as seguintes disposições:
"(…) 1. OBJETO DO CONCURSO
1.1. Constitui objeto do presente concurso público internacional a AQUISIÇÃO DE SERVIÇOS DE OUTSOURCING DE RECURSOS HUMANOS PARA O CONTACT CENTER DO DEPARTAMENTO DE JOGOS DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA, de acordo com o estabelecido no Caderno de Encargos e respetivas cláusulas técnicas.
8. ELEMENTOS QUE CONSTITUEM AS PROPOSTAS
8.1. Na proposta, cada Concorrente manifesta a sua vontade em contratar e indica as condições em que se dispõe a fazê-lo.
8.2. A proposta deve ser constituída pelos seguintes documentos, sob pena de exclusão: 8.2.1. Formulário do Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP), devidamente preenchido, conforme modelo constante do ANEXO I ao presente Programa do Concurso;
8.2.2. Declaração com indicação do preço contratual global, conforme modelo constante do ANEXO II ao presente Programa do Concurso, observando o disposto no artigo 60.° do CCP;
8.2.3. Documento autónomo com as seguintes informações:
8.2.3.1. Proporção Supervisor / Operador;
8.2.3.2. Tempo Proposto para cumprir os SLA's;
8.2.3.3. Modelo de Gestão de Formação;
8.2.3.4. Sistema de incentivos remuneratórios e de motivação.
(...)
10. PREÇO BASE
10.1. Pela execução de todas as prestações objeto do contrato a celebrar, até à duração total máxima de 3 (três) anos, o preço base global é de € 3.000.000,00 (três milhões de euros), acrescido de IVA à taxa legal aplicável.
10.2. O preço base do presente procedimento aquisitivo foi obtido tendo por base os custos médios unitários, resultantes de anteriores procedimentos, para prestações do mesmo tipo, já incluindo um possível aumento da equipa e possíveis ajustes salariais. Para este cálculo foi considerada uma estimativa de 6944 horas mensais a realizar, sendo destas 6592 horas diurnas e 352 horas noturnas.
10.3. No decurso da execução do contrato, a SCML pagará apenas os serviços efetivamente prestados, sendo que no caso de não ser atingido o valor total da adjudicação, tal não confere ao Adjudicatário o direito a ser indemnizado, seja a que título for.
(...)
12. CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO E CRITÉRIOS DE DESEMPATE
12.1. O critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com a modalidade multifator, sendo densificado por um conjunto de fatores, e eventuais subfatores, correspondentes a diversos aspetos da execução do contrato a celebrar. É composto pelo seguinte modelo de avaliação das propostas, que considera os fatores, subfatores e respetivos ponderadores que se apresentam:

A classificação final de cada proposta é obtida através da seguinte expressão:
𝑪𝒍𝒂𝒔𝒔𝒊𝒇𝒊𝒄𝒂ção 𝑭𝒊𝒏𝒂𝒍=𝑭𝒂𝒕𝒐𝒓 𝑨 𝒙 𝟎,𝟔𝟎+𝑭𝒂𝒕𝒐𝒓 𝑩 𝒙 𝟎,𝟒𝟎
FATOR A - COMPONENTE TÉCNICA
Este FATOR, com a posterior ponderação final de 60% (sessenta por cento), será
pontuado e valorizado pela aplicação da seguinte fórmula matemática:
𝑭𝒂𝒕𝒐𝒓 𝑨=𝑺𝒖𝒃𝒇𝒂𝒕𝒐𝒓 𝑨𝟏 +𝑺𝒖𝒃𝒇𝒂𝒕𝒐𝒓 𝑨𝟐+𝑺𝒖𝒃𝒇𝒂𝒕𝒐𝒓 𝑨𝟑
Os arredondamentos serão feitos às centésimas.
Por sua vez, os SUBFATORES serão pontuados de acordo com as seguintes escalas:
SUBFATOR A1 – TEMPO PROPOSTO PARA CUMPRIR OS SLA’S
Este SUBFATOR representa 30% (trinta por cento) da ponderação da componente técnica, sendo aferido pelo tempo que o Concorrente propõe para cumprir os SLA’s estabelecidos no Caderno de Encargos, considerando a informação constante do documento solicitado em 8.2.3.1. deste Programa do Concurso e tendo em consideração o constante no Caderno de Encargos.
Avalia-se conforme a seguinte escala de pontuação:
Para cada proposta, a pontuação resultante da tabela anterior é sujeita ao ponderador relativo a este subfator, através da seguinte expressão:
𝑺𝒖𝒃𝒇𝒂𝒕𝒐𝒓 𝑨𝟏=𝑷𝒐𝒏𝒕𝒖𝒂çã𝒐 𝑿 𝟎,𝟑𝟎
SUBFATOR A2 - MODELO DE GESTÃO DE FORMAÇÃO
Este SUBFATOR representa 35% (trinta e cinco por cento) ponderação da componente técnica. É aferido pela apresentação das seguintes evidências: conteúdos e metodologias da formação dos assistentes e supervisores, no âmbito das melhores práticas de Contact Centers e tempo proposto para realização de ação de formação específicas para Supervisão. O tempo proposto será avaliado considerando a informação constante do documento solicitado em 8.2.3.2., de acordo com a seguinte escala de pontuação:

Para cada proposta, a pontuação resultante da tabela anterior é sujeita ao ponderador relativo a este subfator, através da seguinte expressão:
𝑺𝒖𝒃𝒇𝒂𝒕𝒐𝒓 𝑨𝟐=𝑷𝒐𝒏𝒕𝒖𝒂çã𝒐 𝑿 𝟎,𝟑𝟓
SUBFATOR A3 – SISTEMA DE INCENTIVOS REMUNERATÓRIOS E DE MOTIVAÇÃO
Este SUBFATOR representa 35% (trinta e cinco por cento) da ponderação da componente técnica. O sistema de incentivos proposto será avaliado considerando a informação constante do documento solicitado em 8.2.3.3. deste Programa do Concurso e o constante no Caderno de Encargos, de acordo com a seguinte escala de pontuação:
Para cada proposta, a pontuação resultante da tabela anterior é sujeita ao ponderador relativo a este subfator, através da seguinte expressão:
𝑺𝒖𝒃𝒇𝒂𝒕𝒐𝒓 𝑨𝟑=𝑷𝒐𝒏𝒕𝒖𝒂çã𝒐 𝑿 𝟎,𝟑𝟓
FATOR B – COMPONENTE FINANCEIRA (PREÇO)
Este FATOR, com a ponderação de 40% (quarenta por cento), permitirá avaliar as propostas relativamente ao preço proposto por cada Concorrente, de acordo com o definido no Caderno de Encargos.
Este fator será pontuado e valorizado, de forma linear, pela aplicação da seguinte fórmula matemática:
Os arredondamentos serão feitos às centésimas.
Sendo que:
• PBase = Preço Base estabelecido pela SCML
• PProp = Preço proposto pelo Concorrente
12.2. A adjudicação será efetuada ao Concorrente cuja proposta obtiver a classificação final global mais elevada, calculada através do somatório das pontuações obtidas em cada um dos fatores.
(...)
13. JÚRI DO CONCURSO
13.1. O concurso será conduzido por um Júri, designado para o efeito, de acordo com o disposto no artigo 67.° do CCP.
13.2. O Júri inicia o exercício das suas funções no dia útil subsequente ao do envio do anúncio para publicação e o seu funcionamento rege-se pelas disposições legais aplicáveis, nomeadamente os artigos 67.° e seguintes do CCP.
13.3. Ao abrigo do n.° 2 do artigo 69.° do CCP, foram delegadas no Júri as seguintes competências:
a) Prestação de esclarecimentos solicitados pelos Interessados necessários à boa compreensão e interpretação das peças procedimentais, nos termos deste Programa do Concurso e do artigo 50.° do CCP;
b) Decisão de prorrogação do prazo de apresentação de propostas, nos termos do n.° 3 e 4 do artigo 64.° do CCP;
c) Decisão sobre requerimentos dos Interessados para a classificação ou desclassificação de documentos que constituem as suas propostas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 66.° do CCP;
d) Designação de peritos ou consultores internos para apoiar o Júri no exercício das suas funções, quer através da emissão de pareceres em áreas especializadas, nos termos do n.° 6 do artigo 68.° do CCP, quer mediante a participação, sem direito de voto, nas reuniões do Júri;
e) Proposta fundamentada de exclusão de uma proposta que apresente um preço ou custo anormalmente baixo, mesmo na ausência de definição no Programa do Concurso.
(...)." (cfr. pasta 3, do PA);
E) Em 14 de outubro de 2021, o júri deliberou prorrogar o prazo para apresentação de propostas até às 23h59 do dia 8 de novembro de 2021 (cfr. pasta 5, do PA);
F) Em 18 de outubro de 2021, foi publicado, no Diário da República, 2.- série, n.°
202, anúncio de prorrogação do prazo de apresentação de propostas (cfr. pasta 2, do PA);
G) Em 28 de outubro de 2021, a Mesa da Entidade Demandada pronunciou-se sobre os erros e omissões apresentadas e aprovou a versão consolidada do Caderno de Encargos, que se dá por integralmente reproduzido, no qual foram efetuados alterações e aditamentos (cfr. fls. 1960, no SITAF);
H) Em 29 de outubro de 2021, o júri do procedimento elaborou a ata n.° 2, que se dá por integralmente reproduzida, pela qual procedeu à prestação de esclarecimentos necessários à boa compreensão e interpretação das peças do procedimento (cfr. pasta 5, do PA);
I) Em 30 de novembro de 2021, o júri elaborou o relatório preliminar, que se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
"(…)

“(Texto integral no original; imagem)”
J) Os concorrentes M......../E........, apresentaram pronúncias, em sede de audiência prévia (cfr. pasta 8, do PA);
K) Em 29 de dezembro de 2021, o júri elaborou o relatório final, que se dá por integralmente reproduzido, no qual, após apreciação das alegações apresentadas em sede de audiência prévia, mantém a ordenação das propostas constante do relatório preliminar (cfr. pasta 8, do PA);
L) Em 6 de janeiro de 2022, a Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa adjudicou o contrato ao agrupamento N......., S.A./C......., S.A., pelo preço contratual global de 1.982.211,84 euros, sendo o preço hora diurno de 7,83 euros e o preço hora noturno de 9,79 euros, que não incluem IVA (cfr. pasta 9, do PA);
M) Em 10 de janeiro de 2022, os concorrentes foram notificados da decisão a que
se refere a alínea anterior (cfr. pasta PI 21DC11CPI046, do PA).”

V.2. Quanto aos factos não provados consignou-se na sentença recorrida:

“Inexistem outros factos com relevância para a decisão.”

V.3. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

A matéria dada como provada resulta da análise dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo e das posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados, expressamente indicados em cada um dos pontos do probatório.”

V.4. Constatando-se a insuficiência do probatório para, face à causa de pedir alegada pela Recorrente, se conhecer do objeto do recurso, nos termos do n.º 1 do art.º 662 do CPC ex vi art. 140.º, n.º 3 do CPTA, procede-se ao aditamento da seguinte factualidade:

D.1) O Caderno de Encargos dispunha,
“PARTE I - CLÁUSULAS JURÍDICAS GERAIS
1. OBJETO DO CONCURSO
1.1. O presente Caderno de Encargos compreende as cláusulas a incluir no contrato a celebrar na sequência do concurso público internacional para AQUISIÇÃO DE SERVIÇOS DE
OUTSOURCING DE RECURSOS HUMANOS PARA O CONTACT CENTER DO DEPARTAMENTO DE JOGOS DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA, em conformidade com as condições e caraterísticas técnicas definidas neste Caderno de Encargos.
(…)
PARTE II - CLÁUSULAS TÉCNICAS
31. DESCRIÇÃO DOS SERVIÇOS A PRESTAR
Caberá ao Adjudicatário o recrutamento, seleção, formação inicial e contínua de reciclagem, adequação às solicitações do Cliente e supervisão dos recursos necessários à gestão dos contactos de Clientes da SCML, nomeadamente:
a) Atendimento das chamadas Inbound dos Clientes da SCML, através das Linhas disponibilizadas para o efeito;
b) Registo de todos os contactos dos Clientes nos Sistemas de Informação utilizados pela SCML, sendo que o acesso aos mesmos se fará através de perfil de acesso atribuído individualmente e tendo presente o previsto no Regime Geral de Proteção de Dados;
c) Encaminhamento das solicitações que não possam ser resolvidas ao primeiro contacto para as áreas competentes para a sua resolução;
d) Realização de chamadas Outbound, sempre que necessário, para melhor esclarecimento de solicitação de cliente, para fecho de processo ou campanhas, inquéritos de satisfação e para resposta às mensagens deixadas pelos clientes da SCML, no sistema de Voice-Mail/calIback;
e) Resposta a e-mail dos Clientes da SCML, através dos endereços disponibilizados para o efeito;
f) Monitorização e tratamento das redes sociais afetas aos Jogos Santa Casa;
g) Realização de tarefas de Suporte ao Atendimento e Back-Office, de acordo com os procedimentos definidos e sempre que necessário;
h) Tarefas inerentes ao processo administrativo de Validação Documental;
i) Atendimento à 1a Linha, linha institucional de triagem;
j) Colaboração proactiva na melhoria da qualidade do serviço e dos indicadores de produtividade, assegurando o cumprimento dos Níveis de Serviço contratados;
k) Comunicação de toda e qualquer situação que interfira com a qualidade do serviço prestado, inclusive falhas aplicacionais, anomalias de equipamento, entre outras;
l) Assegurar o cumprimento dos SLA's contratados.
(…)
34. INDICADORES LINHA DIRETA JOGOS E SUPORTE MEDIADORES
34.1. INDICADORES PRINCIPAIS A TER EM CONTA:
• QUALIDADE DO ATENDIMENTO (QA)
• CORREÇÃO DA RESPOSTA (CR)
• TEMPO MÉDIO DE ATENDIMENTO INBOUND (TMA)
• QUALIDADE DOS REGISTOS (QR)
• TAXA DE ABANDONO DE CHAMADAS (TAB)
• TEMPO DE TRATAMENTO E-MAILS (T@)
• TEMPO TRATAMENTO REDES SOCIAIS (Trs)
• TAXA DE ROTATIVIDADE DOS COLABORADORES (TR)
• TAXA DE RESOLUÇÃO AO 1 ° CONTACTO (FCR - FIRST CALL RESOLUTION)
• TAXA DE ATENDIMENTO EM 30 SEGUNDOS (SLA)
• QUALIDADE DO SERVIÇO (INQUÉRITOS DE SATISFAÇÃO)
(…)
34.1.10. TAXA DE ATENDIMENTO EM 30 SEGUNDOS (SLA)
Média retirada dos Sistemas de Informação, representando a taxa de chamadas atendidas em 30 (trinta) segundos.
(…)
36. GESTÃO
A SCML desenvolve políticas ativas de motivação de Recursos Humanos no Contact Center, onde se incluem os Colaboradores afetos ao Adjudicatário. Neste sentido, cabe ao Adjudicatário assegurar o desenvolvimento de políticas próprias, complementares às desenvolvidas pela SCML, acordadas trimestralmente.
Cabe igualmente ao Adjudicatário o tratamento administrativo referente ao tratamento salarial atempado da equipa, correto dimensionamento e elaboração dos horários.
O Adjudicatário deverá apresentar modelos de relatório e matriz de indicadores de gestão, a validar e aprovar pela SCML.
(…)
42. FORMAÇÃO
Cabe ao Adjudicatário apresentar o Plano de Formação anual até ao final do mês de janeiro do mesmo ano. Os módulos de formação, nomeadamente, estrutura e conteúdos elaborados pelo Adjudicatário deverão ser validados pela SCML. A Formação dos Colaboradores deve incluir pelo menos o seguinte:
42.1. FORMAÇÃO INICIAL
Ministrada aos Colaboradores em início de funções, com a duração média de 96 (noventa e seis) horas. De responsabilidade repartida entre a SCML e o Adjudicatário, incluindo componente comportamental e técnica. Os custos com as horas de formação são da responsabilidade do Adjudicatário, sendo o valor pago de € 4,00/hora, para os formandos que forem considerados aptos após teste final. Nesta formação são incluídos módulos que permitam assegurar que todos os Colaboradores têm conhecimento das Normas de Segurança, Proteção de dados e Política de Jogo Responsável em vigor na SCML.
Cabe à SCML a validação dos Colaboradores a integrarem a equipa no final do período de formação inicial.
42.2. FORMAÇÃO CONTÍNUA DE RECICLAGEM
Cabe ao Adjudicatário assegurar que os seus Colaboradores dominem os conhecimentos técnicos e comportamentais necessários ao desempenho da sua função, pelo que a formação é assegurada pelo Adjudicatário, assim como todos os custos inerentes. O Formador será obrigatoriamente detentor de um Certificado de Competências Pedagógicas como formador.
Deverão ser asseguradas um mínimo de 35 (trinta e cinco) horas anuais de formação comportamental de reciclagem.
42.3. FORMAÇÃO CONTÍNUA DE NOVOS PRODUTOS E SERVIÇOS
Esta formação é da responsabilidade da SCML, sendo da sua responsabilidade o pagamento das horas dos Assistentes que nela participem, ao preço/hora de trabalho.
42.4. FORMAÇÃO DE SUPERVISÃO / GESTÃO DE EQUIPAS
Caberá ao Adjudicatário assegurar um mínimo de 35 (trinta e cinco) horas anuais de formação específica para supervisão e gestão de equipas, por Supervisor. Os custos desta formação são da responsabilidade do Adjudicatário. Caberá à SCML o pagamento das horas dos colaboradores que nela participem, ao preço/hora de trabalho.
(…)”
-cf. doc. CadernoEncargos constante da pasta 3 do p.a.;
*

Considerando que a matéria factual a demonstrar é objeto de prova documental reportando-se a ato praticado no âmbito do procedimento concursal e ao que do mesmo se extrai, valorou-se a prova documental em concordância com o disposto nos arts. 362.º e ss. do CC, na medida em que não foi impugnada, indicando-se no ponto do probatório o elemento que esteve na base da demonstração do facto e da formação da convicção do Tribunal.



VI. Fundamentação de direito

Do erro de julgamento de direito

Aponta a Recorrente à sentença recorrida o erro de julgamento aduzindo, em síntese, que a situação em causa nos autos não se reconduz à jurisprudência citada pela sentença e que a exigência acrítica dos 4 níveis de diferenciação não fundamenta porque, no caso concreto, o princípio da concorrência e o dever de fundamentação dos atos administrativos exigiam um modelo de avaliação que não se basta com os 2 ou 3 níveis de avaliação em 3 subfatores,
Emerge do art. 73.º n.º 1 do Código dos Contratos Públicos(1) (CCP) que “a adjudicação é o ato pelo qual o órgão competente para a decisão de contratar aceita a única proposta apresentada ou escolhe uma de entre as propostas apresentadas”, resultando da conjugação da cláusula 12.ª do Programa de Concurso com o art. 74.º do CCP ter sido adotado o critério da proposta economicamente mais vantajosa determinado pela modalidade multifator que corresponde à densificação do critério de adjudicação “por um conjunto de fatores, e eventuais subfatores, correspondentes a diversos aspetos da execução do contrato a celebrar” (n.º 1 al. a)).
O artigo 139.º do CCP, por remissão do n.º 2 do art. 74.º do mesmo diploma, regula o modelo de avaliação das propostas impondo que este “explicite claramente os fatores e os eventuais subfatores relativos aos aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos” (n.º 1) e que “para cada fator ou subfator elementar deve ser definida uma escala de pontuação através de uma expressão matemática ou em função de um conjunto ordenado de diferentes atributos suscetíveis de serem propostos para o aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos respeitante a esse fator ou subfactor” (n.º 3)), atribuindo o júri as pontuações parciais de cada proposta “através da aplicação da expressão matemática referida no n.º 3 ou, quando esta não existir, através de um juízo de comparação do respetivo atributo com o conjunto ordenado referido no mesmo número” (n.º 5) e correspondendo a pontuação global “ao resultado da soma das pontuações parciais obtidas em cada fator ou subfator elementar, multiplicadas pelos valores dos respetivos coeficientes de ponderação” (n.º 2).
Na escolha e definição do critério de adjudicação mostra-se atribuída à entidade adjudicante uma margem de livre decisão, cabendo-lhe, desde logo, ponderar se o caderno de encargos define de forma imperativa e consolidada os aspetos contratuais (com exceção do que for submetido à concorrência), caso em que optará pela modalidade monofator, ou se aquela peça procedimental apresenta alguma insuficiência na definição das cláusulas imperativas do projeto de contrato que determine a sua necessidade de sujeição à concorrência ou se pretende valorizar elementos, por um sistema de compensação de valias, em que a melhor prossecução do interesse público demande a abertura à concorrência.
Mas situa-se, também, nessa discricionariedade administrativa a escolha dos fatores e subfactores submetidos a avaliação nos limites do art. 75.º do CCP, a definição dos coeficientes de ponderação de cada fator – “que assegura a natureza compensatória do modelo: cada pontuação menos competitiva num factor ou subfactor elementar pode ser compensada pela pontuação superior noutro factor ou subfactor elementar” e, bem assim, “a comparabilidade entre os diferentes objetos avaliados” ( Pedro Fernandez Sanchez, Direito da Contratação Pública, Vol. II, Almedina, pp. 346 e ss.) – e a escala de pontuação que “permite determinar a quantos pontos corresponderá cada atributo concretamente proposto por um concorrente”.
A sindicabilidade contenciosa desta discricionariedade administrativa na definição do que constitui, para a satisfação dos interesses públicos a cargo da entidade adjudicante, a proposta economicamente mais vantajosa e dos concretos moldes em que a mesma será concorrencialmente obtida, no que não respeita a aspetos vinculados, mostra-se restringida às situações de legalidade externa, ao erro grosseiro ou manifesto e/ou ao desrespeito dos princípios gerais que enformam o procedimento em questão e a atividade administrativa em geral.
Acrescente-se que “o princípio da concorrência tutela os interesses relativos ao acesso aos mercados públicos e o interesse público na contratação ótima” (Pedro Daniel S.N. Inês, Os princípios da contratação pública: O principio da concorrência, disponível em https://estudogeral.uc.pt).. No prisma da entidade adjudicante, a mobilização deste princípio visa permitir a vinda ao procedimento adjudicatório, do maior número possível de candidatos, em condições de igualdade, de tal forma que “quanto mais aberto, mais apelativo e atraente, competitivo e concorrencial for o procedimento, maior e será a oferta e maior será a panóplia de propostas contratuais que a entidade adjudicante terá ao seu dispor para negociar e escolher a melhor e mais otimizada solução”, obrigando os concorrentes a “ melhorar as condições da sua proposta, nomeadamente o preço, qualidade e inovação do bem e/ou serviço, a fim de se distinguirem dos demais interessados e, desse modo, lograrem a celebração de contrato”.
Recorrendo à jurisprudência, além do mais, do STA firmada no Ac. de 24.6.2021, proferido no processo 0223/20.6BESNT, a sentença recorrida considerou que a grelha classificativa não tinha aptidão diferenciadora do merecimento das propostas relativamente aos subfactores em que se decompõe o fator Componente Técnica em virtude de a escala de pontuação desses subfactores comportar, apenas, 2 ou 3 níveis.
Seguindo-se a jurisprudência do Tribunal de Contas, também referida na sentença recorrida – Ac. n.º 18/2014 – 21.Out.-1.ªS/PL -, constitui uma certeza que “a lei não estabelece regras sobre a quantidade de níveis de pontuação que devem ser estabelecidos para avaliação dos factores e subfactores do critério e modelos de adjudicação”. Ademais, como aponta a Recorrente, o Ac. do STA de 24.6.2021, proferido no processo 0223/20.6BESNT, não constitui um referencial de exigência (mínima) de 4 níveis na escala de pontuação que possa ser aplicado tout court a todos os procedimentos concursais desconsiderando as particularidades do caso concreto, antes resultando do Acórdão que, no caso concreto nele analisado, se considerou suficientemente densificada “uma grelha classificativa que permite diferenciar, em 4 níveis descritivos, o merecimento, em determinado fator, das propostas apresentadas, em termos de bastar a atribuição avaliativa da classificação numérica de um desses níveis, para se considerar compreensível e, portanto, fundamentada, a valoração de cada proposta quanto a esse fator, sem necessidade de uma suplementar fundamentação discursiva, que sempre “redundaria numa fundamentação do já fundamentado”.
Sendo o objetivo subjacente à definição de um modelo de avaliação avaliar e graduar as propostas, este deve ser construído de “forma a assegurar posicionamentos relativos entre as propostas que sejam gradativamente diferenciados e não polarizados em extremos” “de forma a encontrar as (eventualmente pequenas) diferenças entre as propostas que sejam economicamente mais vantajosas para a entidade adjudicante” assegurando “diferentes posicionamentos relativos entre elas” (Ac. do Tribunal de Contas n.º 18/2014 – 21.Out.-1.ªS/PL). E, embora, em abstrato se aceite que “as escalas binárias não são, frequentemente, aptas aos efeitos a que se destinam os modelos de avaliação de propostas em contratação pública”, como resulta da jurisprudência convocada pela decisão recorrida tal asserção é feita “sem prejuízo das especificidades de cada caso e de cada factor”, pelo que “[a] inerente discricionariedade deve (…) ser contextualizada nas restantes regras estabelecidas, nos objectivos prosseguidos e na necessária coerência e finalidade dos modelos”.
Considerando o exposto, não podemos deixar de alinhar com a Recorrente, quando a este respeito aduz que a decisão recorrida não esclarece a razão pela qual conclui que, no caso concreto, “a existência de dois níveis em dois subfactores e de três níveis no outro subfactor não constitui uma concretização suficiente das opções disponibilizados ao funcionamento da concorrência em relação a cada um desses atributos” e “não representa um incentivo adequado à concorrência e não permite a mensuração e promoção da diversidade nas ofertas que o mercado pode estar disposto a fornecer”.
A sentença recorrida não procede à análise do concreto procedimento concursal, do seu objeto, dos aspetos da execução contratual submetidos à concorrência e dos objetivos visados pela entidade adjudicante, de forma a suportar a conclusão que ali os dois ou três níveis de pontuação eram insuficientes para valorizar adequadamente os atributos propostos pelos concorrentes.
É, pois, tarefa que ora se impõe para se poder ajuizar sobre o (des)acerto da decisão.
O procedimento concursal tinha por objeto “a aquisição de serviços de outsourcing de recursos humanos para o contact center do Departamento de jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa” (cláusula 1.ª do CE), revelando o modelo de avaliação serem aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência a Componente Técnica, concretamente o “Tempo proposto para cumprir os SLA's”, o “Modelo de gestão de formação” e o “Sistema de incentivos remuneratórios e de motivação”.
No que respeita ao “Tempo proposto para cumprir os SLA's” nos termos da cláusula 34.1 um dos indicadores principais da “Linha Direta Jogos e Suporte Mediadores” traduz-se na “Taxa de atendimento em 30 segundos (SLA)” correspondente à “Média retirada dos Sistemas de Informação, representando a taxa de chamadas atendidas em 30 (trinta) segundos” (34.1.10).
Relativamente ao “Modelo de gestão da formação” o CE dispunha no ponto 42 que a formação dos colaboradores deve incluir pelo menos a formação inicial (42.1.), a formação contínua de reciclagem (42.2), formação contínua de novos produtos e serviços (42.3) e formação de supervisão/gestão de equipas (42.4).
Quanto ao “Sistema de incentivos remuneratórios e de motivação” o CE previa na cláusula 36.ª caber ao “adjudicatário assegurar o desenvolvimento de políticas próprias, complementares às desenvolvidas pela SCML, acordadas trimestralmente.
Cabe igualmente ao Adjudicatário o tratamento administrativo referente ao tratamento salarial atempado da equipa, correto dimensionamento e elaboração dos horários.
O Adjudicatário deverá apresentar modelos de relatório e matriz de indicadores de gestão, a validar e aprovar pela SCML.”
A proposta deveria, nos termos do ponto 8 do Programa de Procedimento e em conformidade com o art. 57.º, n.º 1 al. b) do CCP, ser constituída por um documento que contivesse as informações relativas ao “Tempo Proposto para cumprir os SLA's” (8.2.3.2), ao “Modelo de Gestão de Formação” (8.2.3.3.) e ao “Sistema de incentivos remuneratórios e de motivação” (8.2.3.4).
A cláusula 12.ª do PC define quanto ao subfactor A1 - “Tempo Proposto para cumprir os SLA's” que a diferenciação entre as propostas é feita em função do maior ou menor período que o concorrente propõe para cumprir a taxa de atendimento de 30 segundos, obtendo a pontuação de 100 os que o façam em tempo inferior a 2 meses e 50 pontos a propostas de tempo para atingir os SLA inferiores a 3 meses e superiores a 2 meses.
Quanto ao subfactor A2 - “Modelo de Gestão de Formação” -, em que a avaliação incide sobre a “apresentação das seguintes evidências: conteúdos e metodologias da formação dos assistentes e supervisores, no âmbito das melhores práticas de Contact Centers e tempo proposto para realização de ação de formação específicas para Supervisão”, exigindo-se “evidência da existência de ações de formação, com informação dos conteúdos e metodologias, para supervisores e assistentes”, a diferenciação entre as propostas incide no prazo para ministrar as ações de formação de supervisão, obtendo 100 pontos as que o façam em 3 meses e 50 pontos as que o façam num prazo de 6 meses.
No subfactor A3 - “Sistema de incentivos remuneratórios e de motivação” -, as propostas distinguem-se por evidenciarem “políticas de motivação e sistemas de incentivos remuneratórios e não remuneratórios de produtividade / qualidade com uma frequência mínima semestral” sendo pontuadas com 100, se (apenas) não evidenciarem sistemas de incentivos remuneratórios obtêm 50 pontos e se apenas evidenciarem políticas de motivação alcançam 10 pontos.
Importa dar conta que, analisado o Caderno de Encargos, não se deteta que constituam parâmetros base o prazo para cumprir os SLA´s, nem tão pouco o prazo para ministrar as ações de formação. De tal forma que não pode ser considerada causa de exclusão (por violação dos parâmetros base fixados no CE nos termos da al. b) do n.º 2 do art. 70.º do CC) a apresentação de um tempo para cumprir os SLA superior a 3 meses, nem um prazo para ministrar as ações de formação superior a 6 meses.
Tal circunstância tem como significado que, quanto aos subfactores A1 e A2, respetivamente, a proposta de um tempo para cumprir os SLA superior a 3 meses ou um prazo para ministrar as ações de formação superior a 6 meses redundaria na não obtenção de pontuação no subfactor, ou seja, a pontuação de 0.
Perante este concreto contexto não se reputa que o modelo de avaliação não permita a diferenciação das propostas. Com efeito, ainda, que estejamos perante uma avaliação de subfactores de apenas dois ou de três níveis, não vemos em que medida a definição de tal escala de pontuação não representa um incentivo adequado à concorrência, obstando à “mensuração e promoção da diversidade nas ofertas que o mercado pode estar disposto a fornecer” (nas palavras da decisão recorrida).
Com efeito, os concorrentes poderiam ajustar as suas propostas, por forma a obter uma maior ou menor pontuação, apresentando distintos períodos para cumprimento dos SLA e para ministrar a formação de supervisão e, bem assim, políticas de incentivos remuneratórios e/ou não remuneratórios e/ou apenas políticas de motivação. E seriam avaliados nessa conformidade com 2 ou 3 níveis de pontuação que, não se situando em extremos polarizados, permitem a sua adequada valoração e diferenciação.
Questão diversa é a de saber se os descritores da pontuação são, por si, suficientes para permitir conhecer a motivação subjacente à avaliação dos subfatores, mas essa é problemática que não se prende com a validade do modelo de avaliação aqui em causa, e que, de resto, não chegou a ser apreciada pela decisão recorrida.
Em suma, na situação dos autos, a definição da escala de pontuação do fator Componente Técnica não viola o princípio da concorrência ou as disposições contidas no art. 139.º, n.ºs 3 e 5 do CCP, considerando-se que o modelo de avaliação permite encontrar a proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante à luz dos fatores que ela própria considerou que seria a sua submissão à concorrência o que melhor serviria o interesse público (e cuja definição não foi questionada pelas Recorridas).
Impõe-se, pois, concluir que a sentença recorrida padece do erro de julgamento que lhe é apontado.
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Verificando-se que a sentença recorrida deixou de apreciar, por as julgar prejudicadas, as demais questões suscitadas pelas partes nos autos e que a apreciação destas envolve matéria de facto não levada ao probatório, assomando, atenta a causa de pedir, que o apontado erro nos pressupostos quanto à admissão da proposta das CI, N......../C......., no que respeita ao preço/custo anormalmente baixo e à alegação de que o contrato a celebrar implica a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis (art. 70.º, n.º 2 als. e) e f) do CCP) reclama o apuramento dos encargos necessários à prestação dos serviços, cabe determinar a baixa dos autos à 1.ª Instância para que aí se realizem as diligências instrutórias necessárias, apreciando-se todas as questões cujo conhecimento foi considerado prejudicado.
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Da condenação em custas

Vencida, é a Recorrida responsável pelas custas (arts. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

VII. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, determinando a baixa dos autos à 1.ª Instância para que aí se realizem diligências instrutórias, apreciando-se todas as demais questões cujo conhecimento foi considerado prejudicado;
b. Condenar a Recorrida em custas (arts. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Mara de Magalhães Silveira (relatora)
Ana Cristina Lameira (1.ª adjunta)
Jorge Martins Pelicano (2.º adjunto)

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(1)Na redação da Lei 30/2021 aplicável ao procedimento concursal em causa nos autos e a que nos referimos de ora em diante.