Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:449/20.2BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:03/18/2021
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:CERTIDÃO DE DESTAQUE;
INTIMAÇÃO;
DEFERIMENTO TÁCITO;
NULIDADE.
Sumário:I. Considerando que a existência de uma lacuna no RJUE quanto à forma do processo de intimação para emissão de certidão de destaque não é indiscutível.
II. Considerando que, no caso em apreço, a causa de pedir é a existência de um deferimento tácito - cfr. disposições conjugadas dos art.s 111.º e 114.º do RJUE - face à não decisão oportuna do recurso interposto para o Presidente da Câmara, do ato praticado pela Vereadora que havia rejeitado liminarmente o pedido de emissão de certidão de destaque, com recurso a formulário disponibilizado pelos serviços.
III. Conclui-se que o recurso à tramitação do processo para intimação para passagem de certidão se afigura adequado, pois o que se espera é que seja emitida uma certidão em como o pedido de certidão de destaque foi tacitamente deferido, retirando-se dali todas as demais consequências legais.
IV. Quanto aos vícios geradores de nulidade, o seu regime substantivo tem de prevalecer, estando o seu conhecimento oficioso, a todo o tempo e em qualquer fase do processo, em perfeita harmonia com a improdutividade jurídica dos atos nulos, para que o processo sirva o direito material - cfr. disposições conjugadas dos art. 162.º, n.º 2, do CPA e art.s 573.º, n.º 2, e 608.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC.
Votação:Voto de vencido
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O MUNICÍPIO DE FARO, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 10.12.2020, que julgou procedente o pedido de «intimação para emissão de certidão de destaque», contra si deduzido pela R... - R..., S.A.

Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 331 e ss., ref. SITAF:

«(…)

a. Do ponto de vista do Recorrente, é manifesto o erro de julgamento de que padece o raciocínio jurídico perfilhado e exposto pela sentença recorrida, até porque o acórdão invocado pelo Tribunal a quo (ac. do TCA Sul, de 14/7/2011) não poderia ter sido utilizado - como foi - em substituição da análise jurídica que se impunha (!) que tivesse sido realizada pelo Tribunal a quo, do disposto nos artigos 112.° e 113.° do RJUE, nomeadamente do ponto de vista da sua sistemática e da sua ratio.

b. Ademais, a aplicação analógica do regime dos artigos 104.° e seguintes do CPTA (intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões) ao pedido da Recorrida por aplicação do n.° 7 do art.° 112.°, conjugado com os números 5 e 6 do art.° 113.° do RJUE, não é de todo consensual na doutrina e na jurisprudência.

c. Prova disso, aliás, é o acórdão também mencionado na sentença recorrida, proferido mais recentemente a 29 de maio de 2020, no processo n.° 03113/19.1 BEPRT, no qual se defendeu que a “intimação para a prestação de informações, prevista nos artigos 104.° e seguintes do CPTA, visa a prestação de informações e passagem de certidões e não a intimação das partes para a prática de quaisquer outros atos, para os quais existem no nosso ordenamento contencioso administrativo, outro tipo de ações tendentes, designadamente, à “prática de ato devido”.”. (…)

d. Ora, é justamente esta a conclusão que se extrai da análise jurídica dos artigos 112.° e 113.° do RJUE, cuja conjugação não permite, de facto, concluir pelo enquadramento de um pedido de emissão de certidão de destaque no meio processual de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, como a Recorrida entendeu (erroneamente) ser possível, antes se impondo o recurso a uma forma especial de intimação tendente à prática de ato devido - como, aliás, decorre justamente do artigo 112.°, n.° 1 do RJUE.

e. Neste sentido, cabe destacar que o regime legal consagrado nos artigos 112.° e 113.° do RJUE está construído para ser aplicado exclusivamente às situações da alínea a) do art.° 111.° do RJUE, nas quais o caso dos autos desde logo não se enquadra.

f. No caso concreto, o silêncio do Recorrente no âmbito de pedido de emissão de certidão de destaque enquadra-se, como reconhecido nos autos, na al. c) do art.° 111.° do RJUE, e não nas situações da al. a), respeitantes exclusivamente “aos atos que devessem ser praticados por qualquer órgão municipal no âmbito de um procedimento de licenciamento”,

g. O que é especialmente relevante porque, conforme se demonstrará em seguida, o regime dos art.°s 112.° e art.° 113.° do RJUE só é aplicável aos atos enquadráveis na al. a) do art.° 111.° do RJUE, ou não começasse o n.° 1 do art.° 112.° do RJUE por dizer que “No caso previsto na alínea a) do artigo anterior, o interessado pode deduzir junto dos tribunais administrativos um pedido de intimação dirigido à interpelação da entidade competente para o cumprimento do dever de decisão.” (…).

h. Além disso, nos termos dos artigos 112.° e 113.° do RJUE, a consequência prevista para o silêncio da Administração não é o deferimento tácito do pedido, mas sim a possibilidade de o interessado deduzir junto dos tribunais um pedido de intimação dirigido à entidade competente para o cumprimento do dever de decisão.

i. Assim, é evidente que este regime legal [contemplado nos art.°s 112.° e 113.° do RJUE] não se confunde com o regime do deferimento tácito, o qual se forma com o mero decurso do prazo no qual a Administração deveria ter proferido uma decisão e não o fez.

j. Por sua vez, muito embora a sentença recorrida tenha enquadrado o deferimento tácito verificado nestes autos no regime do art.° 113.° do RJUE, a verdade é que bastaria uma vez mais ter-se atentado na letra deste artigo para concluir que esse enquadramento jamais seria possível, porquanto o art.° 113.° do RJUE pressupõe a aplicação prévia do regime do art.° 112.° do RJUE.

k. Por conseguinte, é manifesto que o art.° 113.° do RJUE não é de aplicação direta e autónoma a todas as situações enquadráveis no RJUE em que ocorra deferimento tácito, antes se aplicando o seu regime apenas nas situações previstas no n.° 9 do art.° 112.° do RJUE, ou seja, em que o interessado deduziu um pedido de intimação junto dos tribunais administrativos para que a entidade competente fosse interpelada para o cumprimento do dever de decisão e em que, fixado um prazo não inferior a 30 dias pelo juiz (cfr. n.° 6 do art.° 112.° do RJUE), esse prazo já decorreu e, mesmo assim, a Administração não praticou o ato que lhe era devido, podendo o interessado, nesse caso e só nesse momento, prosseguir de acordo com o previsto no art.° 113.° do RJUE.

l. É justamente porque o regime do art.° 113.° do RJUE está construído desta forma que, novamente no RJUE comentado, se lê que “O artigo 113.° tem como epígrafe “deferimento tácito”. Porém, este título não joga perfeitamente com o disposto no seu primeiro número (...) porque parece impedir que aos deferimentos tácitos praticados ao abrigo do disposto na alínea c) do art.° 111.° possa seguir-se o disposto neste diploma (,..)”. (…).

m. Efetivamente, assim é, sendo a letra dos respetivos preceitos legais (isto é, o seu elemento literal), como é sabido, o ponto de partida para a interpretação do seu âmbito de aplicação.

n. Poderia apontar-se como exceção o disposto no n.° 2 do art.° 114.° do RJUE, em que o legislador já não distingue entre a impugnação administrativa de atos proferidos em procedimento de licenciamento e a impugnação administrativa de outros atos (o legislador refere-se apenas à “impugnação administrativa de quaisquer atos"), atribuindo a todos nesse caso o “deferimento tácito” como consequência.

o. Porém, a explicação para tal exceção é simples e consta do ponto 3 da anotação do art.° 114.° do RJUE comentado, onde se explica que “Esta diferenciação relativa às consequências da omissão do dever legal de decisão no âmbito dos procedimento de licenciamento [artigo 111.°, alínea a)] motiva-se, sobretudo, pelo facto de aqui se desencadear uma segunda apreciação do mesmo processo ou de elementos dele, pelo que os dados normativos a mobilizar para uma tomada de decisão se encontram mais concretizados.”. (…)

p. Donde, portanto, se retira que, não fosse estar já em causa uma “segunda apreciação do mesmo processo ou de elementos dele" - pois, sendo impugnação administrativa, já terá sua base uma primeira decisão administrativa -, a consequência aplicável aos atos previstos na al. a) do art.° 111.° do RJUE não seria o deferimento tácito e, portanto, seria diferente da prevista para os demais atos, ou seja, os da al. c) do art.° 111.° do RJUE.

q. Em face do exposto, não pode proceder o entendimento do Tribunal a quo de que o pedido da Recorrida, muito embora não se enquadre nos atos da al. a) do art.° 111.° do RJUE, poderá mesmo assim, por absurdo, ser julgado nos termos do regime legal àqueles aplicável, nomeadamente os artigos 112.° e 113.° do RJUE.

r. Se assim fosse, por que motivo teria o legislador feito uma distinção entre os atos da al. a) e da al. c) do art.° 111.° do RJUE? E porque teria criado um regime de tramitação especial só para os atos enquadráveis nessa al. a) do art.° 111.° do RJUE?

s. Ademais, mesmo o entendimento doutrinário constante do acórdão do TCA Sul de 14/7/2011, constante da anotação 3 ao artigo 113.° do RJUE comentado, a verdade é que não se lê em parte alguma dessa anotação 3 que o meio processual de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões é um meio processual adequado ou passível de aplicação analógica aos pedidos de emissão de certidão de destaque, como aquele que é formulado nos autos!

t. Aliás, essa anotação 3 ao artigo 113.° do RJUE analisa o n.° 5 deste artigo sempre na perspetiva da passagem de alvará de licença ou autorização de utilização (cfr. previsto na letra desse artigo), não se defendendo a utilização deste meio processual para a emissão de uma certidão de destaque!

u. Tanto assim é que se conclui nessa anotação 3 ao n.° 5 do art.° 113.° do RJUE que “A sentença judicial emitida pelo Tribunal Administrativo de Círculo da área da sede da autarquia, ao abrigo deste processo, é, na sua essência, uma sentença condenatória, na medida em que visa a intimação da câmara à passagem do alvará de licença ou autorização".

v. Assim, nem sequer nos termos dessa anotação 3 ao art.° 113.° do RJUE, que é invocada no acórdão proferido pelo TCA Sul, de 14/7/2011, se faz qualquer menção à possibilidade de utilização deste meio processual de intimação no caso de um pedido de emissão de certidão de destaque que, portanto, não se enquadraria nos atos da al. a) do art.° 111.° do RJUE, mas sim nos da al. c) do art.° 111.° do RJUE.

w. Termos em que se requer a V.Exas seja declarado o manifesto erro na forma de processo adotada pela Recorrida nos presentes autos, nomeadamente a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões ao abrigo dos artigos 104.° e seguintes do CPTA, por manifesta impossibilidade de aplicação a um pedido de emissão de certidão de destaque do regime legal dos artigos 112.° e 113.° do RJUE, que apenas se debruçam sobre as situações enquadráveis na al. a) do art.° 111.° do RJUE.

CASO, POR ABSURDO, ASSIM NÃO SE ENTENDA,

x. Mesmo admitindo que o n.° 5 do art.° 113.° do RJUE é autonomamente aplicável às situações deferimento tácito dos atos da al. c) do art.° 111.° do RJUE, diz-se no n.° 6 do art.° 113.° do RJUE que ao pedido de intimação previsto n.° 5 “aplica-se o disposto no n.° 7 do artigo anterior”, isto é, o n.° 7 do art.° 112.° do RJUE.

y. Assim, uma vez mais, independentemente do que foi defendido no acórdão do TCA Sul de 14/7/2011 tido por referência pelo Tribunal a quo, não resulta do n.° 6 do art.° 113.° do RJUE uma remissão para as normas do artigo 104.° e seguintes do CPTA (e, por inerência, para o regime da intimação para a prestação de informações e passagem de certidões), mas sim uma remissão para o regime do art.° 112.° do RJUE, mais concretamente para o seu n.° 7.

z. Ora, o n.° 7 do art.° 112.° do RJUE dispõe que “Ao pedido de intimação é aplicável o disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto aos processos urgentes.”. Aqui chegados, importa perceber a que pedido de intimação se refere o n.° 7 do art.° 112.° do RJUE, encontrando-se a resposta no n.° 1 do art.° 112.°: refere-se ao “pedido de intimação dirigido à interpelação da entidade competente para o cumprimento do dever de decisão.”.

aa. Por conseguinte, se o pedido de intimação previsto no n.° 6 do art.° 113.° do RJUE remete para o pedido de intimação e respetivo regime legal previsto no art.° 112.° do RJUE, cujo procedimento se destina a fazer com que a Administração cumpra o seu dever de decisão, é manifesto que esse dever de decisão não será cumprido através de uma intimação para a prestação de informações e passagem de certidões, mas sim através de uma intimação tendente à prática de ato devido, nomeadamente do ato decisório que é devido e que está omisso!

bb. Todavia, esta intimação não se confunde com uma ação de condenação propriamente dita, ainda que, conforme a anotação 4 ao art.° 112.° do RJUE anotado, neste intimação especial “opera-se um recurso manifesto às disposições da acção de condenação prevista no CPTA, quer no que se refere à marcha do processo, quer no que se refere aos prazos, já que deve entender-se que, também no âmbito do RJUE, o direito de ação caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto legalmente omitido (artigo 69.°, n.° 1 do CPTA)’’

cc. Esta solução é, aliás, a que mais se coaduna com a natureza do pedido da Recorrida, na medida em que o que esta efetivamente pretende do Recorrente é a prática de um ato jurídico constitutivo de direitos, que, como já se disse, consistirá na divisão de uma propriedade, com declaração de capacidade edificativa para a parcela sobrante.

dd. Assim, não pode esquecer-se que o destaque corresponde a uma verdadeira operação urbanística, que dará origem a 2 lotes para efeitos de registo predial e de futura edificação, e que consubstancia o fracionamento da propriedade fundiária para fins edificativos, fracionamento que se dá pela divisão de uma parcela em duas, e que assenta em certidão emanada pela Câmara Municipal, comprovativa da verificação dos respetivos requisitos (cfr. artigo 6.°, n.° 9 do RJUE), e que constitui ato certificativo bastante para efeitos de registo (inscrição) predial da parcela destacada.

ee. Assim, à Câmara Municipal, colocada perante o requerimento para emissão de certidão para efeitos de destaque de uma parcela, compete averiguar se se encontram preenchidos, no caso concreto, os requisitos para o destaque pretendido.

ff. Tal significa, portanto, que a certidão de destaque que é peticionada nos autos pela Recorrida constitui, em bom rigor, um ato certificativo, emitido pela Câmara Municipal, enquanto órgão competente para o efeito, do preenchimento dos pressupostos de facto e de direito para a operação de destaque.

gg. Por conseguinte, sobressai à saciedade que o meio processual da intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, previsto no art.° 104.° e seguintes do CPTA, não serve o fim pretendido pela Recorrida com a presente ação para a emissão de uma certidão de destaque,

hh. Pois o meio processual de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões pressupõe que já exista um ato certificativo que é preexistente à certidão pretendida com a referida intimação.

ii. No caso concreto, o que a Recorrida pretende é que a certidão de destaque seja, ela mesma, um ato certificativo emitido pela Câmara Municipal como se, por absurdo, a Câmara tivesse podido averiguar se se encontram preenchidos, no caso concreto, os requisitos para o destaque pretendido.

jj. Tal só será possível, de facto, através de uma intimação especial tendente à prática de ato devido, nos termos do disposto no art.° 66.° do CPTA, ainda que seguindo uma tramitação urgente, conforme previsto no n.° 7 do art.° 112.° do RJUE.

NÃO OBSTANTE, SEM PRESCINDIR NEM CONCEDER,

kk. Ainda que, apenas por mera cautela de patrocínio, se admitisse por hipótese que o meio processual subjacente ao n.° 5 e 6 do art.° 113.° do RJUE seja a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, cfr. o artigo 104.° e seguintes do CPTA,

ll. Há que ter em conta que o recurso a este meio processual na sequência de toda a tramitação prevista no art.° 112.° do RJUE (que pressupõe a existência final de uma decisão) é completamente diferente da sua aplicação aos casos da al. c) do art.° 111.° do RJUE, em que já não se está “numa segunda apreciação do mesmo processo”, mas sim numa primeira e única apreciação em que a decisão que o interessado pretende obter com a intimação carecerá de total verificação do ponto de vista dos pressupostos do ato.

mm. Neste sentido, aquilo que se defendeu na sentença recorrida foi a solução prevista nos artigos 104.° e seguintes do CPTA por se entender que é “a tramitação que mais se aproxima desta realidade (pedido de certidão com a natureza excecional de acto administrativo) ”.

nn. Porém, importa não esquecer que o facto de ser, porventura, a tramitação mais próxima, não significa que, mesmo assim, seja adequada e apta a suprir a eventual lacuna legislativa em apreço, sob pena de se provocar exatamente aquilo que o legislador quis evitar com a distinção a que procedeu nos artigos 112.° e 113.° do RJUE, isto é, “uma acentuada margem de discricionariedade administrativa” que resulte “em manifesto prejuízo para o interesse público urbanístico.”

oo. Termos em que, pelos motivos que se expuseram anteriormente, é inadmissível a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, previsto no art.° 104.° e seguintes do CPTA como meio processual apropriado para o pretendido pela Recorrida,

pp. Requerendo-se, por isso, a V.Exas seja declarada a verificação de erro na forma de processo utilizado pela Recorrida, com o consequente indeferimento liminar da ação intentada pela Recorrida e a revogação da sentença proferida em primeira instância com este fundamento.

qq. Conforme resulta da douta sentença, entende o meritíssimo Tribunal a quo ser de emitir a certidão de destaque requerida, também porque não veio imputada concretamente ao ato de deferimento uma nulidade e permitindo o PDM a construção resultante de destaque nos termos do artigo 50°, n.°4, com a condicionantes previstas no n.° 6, não há razões para recusar a intimação.

rr. Entende o Recorrente que não é assim, padecendo o ato requerido de manifesta nulidade, por este não identificar/especificar os concretos termos em que o destaque será permitido.

ss. Contrariamente ao sustentado na sentença em crise, o cumprimento dos pressupostos de edificabilidade exigidos para a parcela colocam-se com referência ao todo em que se insere previamente à operação de destaque, constituem-se como pressuposto da sua admissibilidade, e o destaque a que alude o n° 8 do artigo 6° do RJUE apenas será permitido desde que o prédio mãe os não tenha esgotado.

tt. Daí que o .° 8 exija para o destaque (e não apenas para o licenciamento) a observância das normas regulamentares e legais aplicáveis .

uu. No caso dos autos e a ser deferida a certidão de destaque nos termos decididos, não será assegurada essa observância, porque simplesmente está omissa no requerimento apresentado.

vv. A entidade Requerida - Câmara Municipal de Faro - nem sequer poderia, pois, pronunciar-se quanto a uma eventual admissibilidade do destaque, desde logo porque a Requerente nem sequer especificou os termos da operação pretendida, que se constituía como essencial para a análise da viabilidade do destaque pretendido.

ww. Temos assim que a certidão decidida e determinada pela sentença em crise, padecerá, tal como o requerido destaque, por carecer totalmente de forma legal, nos termos previstos pela alínea g) do n.° 2 do artigo 161° do CPA, em que se insiste, que a sentença deveria ter verificado e não relegar para qualquer momento posterior, em que nem sequer poderia ser apreciado.

xx. Nessa conformidade, ainda que o meritíssimo Tribunal não conclua pelo erro no meio processual seguido, nunca poderá permitir e determinar a intimação ora requerida.

yy. Já que é patente a nulidade do ato visado obter, que podendo produzir quaisquer efeitos jurídicos (cfr. artigo 162° n° 1 do CPA), 82° Jamais poderá justificar a intimação do Requerido à sua prática,

zz. Impondo-se como tal, por este motivo a recusa da intimação do Requerido a emitir a certidão requerida, caso por absurdo seja admitida a forma de processo seguida.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser determinada a revogação da sentença recorrida por verificação da exceção de erro na forma de processo ou, alternativamente, caso assim não se entenda, por verificação da nulidade do ato administrativo pretendido, com a consequente absolvição do Recorrente de todo o peticionado e condenação da Recorrida no pagamento de todos os encargos e custos a que houver lugar.» (sublinhados nossos).

A Recorrida R... - R..., S.A, apresentou as suas contra-alegações, tendo ali concluído como se segue:
«(…)
1.ª - É manifesta a improcedência do presente recurso devendo manter-se a sentença recorrida por legal e justa.
2.ª - Desde logo, improcede em absoluto o alegado erro na forma na forma de processo.
3.ª - Não estamos de todo em sede de direito à informação administrativa, já que a certidão de destaque, sendo um título, é sobretudo um acto administrativo certificativo do exigido no art. 6°-4-5-8 do RJUE.
4.ª - “O autor pretende, pois, neste processo, a tomada de uma decisão definidora da sua situação jurídica, não a obtenção de uma simples prestação que se cifra numa informação, numa mera certidão (declarativa) ou no acesso a documentos e cujo cumprimento envolve mais do que a realização de actos internos e operações materiais ou o exercício de um poder de autoridade/controlo por parte da Administração" (MÁRIO AROSO…O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2a edição revista e actualizada, Almedina, pág. 266).
5.ª - "Há, portanto, quanto ao meio adequado de tutela jurisdicional, uma lacuna (incompleição do sistema jurídico, que contraria o plano deste" - OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito..., 3ª ed., p. 347).
6.ª - Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos. A integração desta lacuna pode ser feita com recurso ao tipo de processo previsto no artigo 113°, n° 5 in fine e n° 6, do RJUE (5). Esta é, portanto, a norma a criar nos termos do artigo 10° do CC.
7.ª - E, neste contexto, temos um processo especial (o do art. 113°-5-6 do RJUE), cuja tramitação é urgente (art. 112°-7 do RJUE ex vi art. 113°-6 cit.). E A tramitação em concreto que mais se aproxima desta realidade (pedido de uma certidão com a natureza excepcional de acto administrativo) é a dos arts. 104° ss do CPTA (ex vi arts. 112°-7 (6) e 113°-5-6 do RJUE), tal como parece entender FERNANDA PAULA OLIVEIRA, et al., RJUE Comentado, 2a ed., p. 598, anot. 3 ao art. 113°.
8.ª - Assim, como bem se afirmou na sentença recorrida "Considerando que a presente ação se destina a obter a intimação do -(...) Requerido a, no prazo de 10 dias, emitir a certidão de destaque nos termos solicitados pela requerente, de acordo com a jurisprudência supra citada, o que está verdadeiramente em causa é uma ação de intimação nos termos previstos no RJUE, o que a Requerente identifica em sede de requerimento inicial (v.g. introito e ainda artigos 17.°, 18.º e 19.º). Acontece, porém, que, apesar da referência feita pela Requerente - (...) aos termos conjugados dos artigos, 113.º, n.os 5 e 6 e 112.º n. ° 7 do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação («RJUE») e dos artigos 104.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativo («CPTA»), veio a presente ação a ser distribuída na —5.a Espécie - Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões".
9.ª - Verifica-se, pois, que não ocorre o alegado erro na forma de processo, precisamente na medida em que o pedido deduzido corresponde à forma de processo intimação prevista no RJUE, o que se encontra identificado no requerimento inicial.
10.ª - Ou seja, do requerimento inicial resulta evidente, ao contrário do que afirma o Recorrente, que a Requerente, ora Recorrida, não utiliza o meio processual previsto no artigo 104.° do CPTA, mas sim o meio processual especial previsto nos artigos, 113.°, n. os 5 e 6 e 112, n. ° 7 do RTUE.
11.ª - Ao qual - por entendimento dos tribunais e não por "criatividade" da Requerente -, se aplica analogicamente a tramitação dos processos regulados no artigo 104.° e ss do CPTA.
14.ª - O Recorrente engana-se quando faz a análise da interpretação do regime da alínea a) do artigo 111.° do RJUE segundo o qual "Tratando-se de ato que devesse ser praticado por qualquer órgão municipal no âmbito do procedimento de licenciamento, o interessado pode recorrer ao processo regulado no artigo 112.º".
15.ª - A situação em causa nos autos é obviamente outra conforme resulta da matéria dada como provada no autos, e enquadra-se no deferimento tácito previsto no n.° 2 do art.° 114.° do RJUE, em que o legislador, como bem refere o Recorrente "não distingue entre a impugnação administrativa de atos proferidos em procedimento de licenciamento e a impugnação administrativa de outros atos (o legislador refere-se apenas à "impugnação administrativa de quaisquer atos"), atribuindo a todos nesse caso o "deferimento tácito" como consequência".
16.ª - Acresce que, é totalmente improcedente e mais uma vez assenta em pressupostos errado a argumentação no sentido de que não está em causa um ato certificativo e que a Câmara Municipal tem de aferir da legalidade da operação urbanística inerente à operação de destaque.
17.ª - Tal argumentação ignora (quiçá, propositadamente), todos os atos praticados no presente procedimento administrativo e esquece que o Requerido se pronunciou sobre a dita legalidade do destaque quando indeferiu o pedido de destaque apresentado pela Requerente.
18.ª - Pelo que, não pode deixar de entender-se que (i) ao contrário do alegado, a presente intimação não é uma intimação para passagem de certidões informativas ao abrigo dos artigos 104.° e ss do CPTA e que (ii) o meio processual especifico utilizado resulta da conjugação dos artigos, 113.°, n.°s 5 e 6 e 112, n. ° 7 do RJUE sendo, de acordo com a jurisprudência maioritária, o meio processual idóneo e adequado à tutela jurisdicional efetiva nas situações como a presente.
19.ª - Não padecendo, por isso, a sentença recorrida do vício que lhe vem assacado pelo Recorrente.
20.ª - No que concerne à procedência do pedido de intimação, é também improcedente a argumentação invocada pelo Recorrente, não podendo deixar de concluir-se como na sentença recorrida que "(...) Tendo a certidão comprovativa da verificação dos requisitos do destaque e do cumprimento das normas aplicáveis uma natureza verificativa-constitutiva, por definir uma situação jurídica, tendo o pedido da sua emissão sido dirigido ao órgão competente com o dever legal de decidir e sendo atribuído por lei ao silêncio administrativo o significado de deferimento tácito [cf. art.º 111.º, al. c), do RJUE], a procedência da requerida intimação judicial dependia de a situação de inércia em que se manteve o órgão administrativo se ter prolongado pelo lapso de tempo legalmente exigido e de o deferimento tácito não estar afectado por um vício gerador de nulidade. (...)".
21.ª - Ou seja, é manifesto que, verificando-se que ocorreu uma situação de inércia da Administração, com o decurso do prazo de 30 (trinta) dias, previsto no artigo 114.°, n.° 2 do RJUE para a decisão do recurso intentado, sem que a Entidade Requerida tenha decidido o recurso hierárquico, apenas caberia ao tribunal recorrido verificar se o deferimento tácito está ou não afetado por vício gerador de nulidade.
22.ª - Toda a argumentação expendida na alegação do Recorrente ignora o facto de o ato constitutivo de direitos já se ter formado na ordem jurídica através do deferimento tácito, que não foi revogado pelo Município Recorrente e que só pode ser posto em causa se padecer de nulidade.
23.ª - O que se pretende agora é tão-só e apenas a intimação do Recorrente à emissão de um documento certificativo do ato constitutivo de direitos que se formou na ordem jurídica, ou seja, a emissão do documento jurídico, escrito, formal que titula tal ato. Estamos, assim, ao nível da execução e não ao nível do ato gerador do direito.
24.ª - Com base em tal ato de deferimento tácito a Câmara Municipal de Faro teria que ter liquidado as taxas e emitido o título (documento) certificativo, nos termos previstos no artigo 113.° do RJUE aplicável analogicamente.
25.ª - Ou seja, está em causa um mero ato de execução do referido ato de deferimento tácito, cuja legalidade não cabe nesta sede aferir.
26.ª - Em sede de apreciação desta intimação “[...] o que incumb[e] ao Tribunal a quo [é] averiguar se se tinha ou não formado ato tácito de deferimento."
27.ª - "[...] ao Tribunal, quando chamado a intimar a entidade administrativa a emitir a certidão com base no ato tácito de deferimento, não cumpre, nem pode este aferir, da eventual ilegalidade (anulabilidade) desse ato tácito, apenas devendo recusar a intimação se for de concluir pela sua nulidade, já que o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos".
28.ª - No entanto, e como bem resulta da sentença recorrida, no caso dos autos inexiste qualquer nulidade do deferimento tácito que inquine igualmente de invalidade a certidão a emitir.
29.ª- "A nulidade invocada pela Entidade Requerida alicerça-se na omissão da apreciação prevista no artigo 21.º do RJUE, o que na sua perspetiva equivaleria à prática de ato nulo, impedido, entre outros, pela alínea a) do artigo 24.º do RJUE. Com efeito, o que no fundo alega a Entidade Requerida é que, não tendo sido realizada a verificação quanto à capacidade edificativa do prédio, está o ato de deferimento tácito inquinado de nulidade, o que levaria à recusa da intimação. Ora, na verdade, analisada a alegação da Entidade Requerida, verificamos que nenhuma nulidade concreta é imputada ao ato de deferimento. Por outras palavras, a alegação de nulidade alicerça-se na invocação genérica, consubstanciada na falta de apreciação dos pressupostos para a emissão da certidão de destaque, tarefa que incumbia à Entidade Requerida e não na imputação de uma concreta e específica violação do PDM ou de outras normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes de planos municipais, intermunicipais ou especiais de ordenamento do território, de servidões ou restrições de utilidade pública, as normas técnicas de construção, as de proteção do património cultural imóvel, e a obrigação de comunicação prévia nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei nº 73/2009, de 31 de março, que estabelece o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional, como impõe o artigo 6.º, n.º 8 do RJUE."
30.ª - "Ademais, o que aqui importa é aferir da conformidade do pedido da Requerente com as disposições impostas para a operação de destaque, prevista no artigo 6.º, n.º 8 do RJUE e não as imposições para pedidos de licenciamento que eventualmente venham a ser apresentados sobre a parcela destacada e a que alude o invocado artigo 21.º do RJUE".
31.ª - "Assim, não vindo concretamente imputada ao ato de deferimento uma nulidade e permitindo o PDM a construção resultante de destaque nos termos do artigo 50.º, n.º 4, com as condicionantes previstas no n.º 6, não há razões para recusar a intimação".
32.ª - Aliás, em rigor, o Recorrente já se havia pronunciado no sentido da legalidade do destaque ao afirmar na informação técnica acima citada que "O pedido de destaque encontra-se em condições de merecer deferimento, podendo ser emitida a respetiva certidão, dado que o mesmo fica sujeito ao previsto no ponto 4 do art. 6º do RJUE, sendo-lhe aplicável o previsto no ponto 4 do referido artigo, o qual o requerido cumpre dado que ambas as parcelas confrontam com arruamento público." (cfr. documento n.° 4 junto com o requerimento inicial)
33.ª - Estranhando-se, ainda, que venha o Recorrente alegar uma suposta necessidade de aferir da verificação dos requisitos do destaque que diz não ter sido feita quando tal análise foi feita pelo serviço técnico competente (que confirma a verificação dos requisitos do destaque) e, depois do despacho de indeferimento, teve ainda a possibilidade de se pronunciar mais 2 vezes na sequência dos 2 requerimentos apresentados pela ora Recorrida (o recurso e o pedido de liquidação das taxas).
34.ª - Não há, pois, nada mais a verificar sobre a possibilidade de emissão da certidão de destaque peticionada, possibilidade que se encontra expressamente confirmada pelos serviços camarários na informação supra citada-
35.ª - Por último, não pode deixar de fazer-se notar que, a não verificação das condições do artigo 6.°, n.° 4 do RJUE para que a certidão seja emitida, não determina a nulidade da mesma porquanto o artigo 68.° do RJUE apenas determina a nulidade de licenças, autorizações de utilização e pedidos de informação prévia e apenas dos que:
a) Violem o disposto em plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença ou comunicação prévia de loteamento em vigor;
b) Não tenham sido precedidas de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis, bem como quando não estejam em conformidade com esses pareceres, autorizações ou aprovações.
36.ª - E, a inexistência de referência na norma citada às certidões de destaque é óbvia: é que, ao contrário do que pretende o Requerido, não há na mesma aferição da sua conformidade com os instrumentos de gestão territorial em vigor nem há lugar a quaisquer consultas de entidades externas, pelo simples facto de que não há uma pretensão concreta edificativa assente num projeto, a qual, sendo esse o caso, é apresentada em momento posterior ao destaque através do adequado procedimento de controlo prévio.
37.ª - De acordo com a jurisprudência, o n.° 8 do artigo 6.° do RJUE tem de ser interpretado com base no pressuposto de que "[...] a operação de destaque para a qual foi solicitada a emissão da respetiva certidão, não tem como subjacente um pedido de licenciamento de obras de edificação ou de alteração da construção já existente. (...) o que a certidão de destaque atesta é a edificabilidade (a aptidão edificativa) do prédio a destacar." (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 14/07/2011, disponível em www.dgsi.pt).
38.ª - Por seu turno, salientando a distinção entre as operações urbanísticas sujeitas a controlo prévio e as operações de destaque isentas de controlo prévio reguladas artigo 6.°, n.ºs 4 a 8 do RJUE, a doutrina entende que "consideramos razoável que o pedido de emissão da certidão de destaque seja instruído com memória descritiva e justificativa do projeto, mas sem que esta e as plantas que eventualmente a acompanham tenham de se sujeitar às regras sobre subscrição e tramitação de projetos urbanísticos". (cfr. OLIVEIRA, FERNANDA PAULA ET AL, in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, Almedina, 4.ª Edição, pg. 142.).
39.ª - De todo o exposto, afigura-se irrefutável que se verificam todos os requisitos legais para a emissão da certidão de destaque, conforme entendimento expresso na informação técnica do Departamento de infraestruturas e Urbanismo, de 3/02/2020.
40.ª - Verificando-se, pois, todos os requisitos de que a lei faz depender a intimação do Requerido, ora Recorrente, e não padecendo, em consequência, a sentença recorrida de qualquer dos vícios que lhe vêm assacados pelo Recorrente (…).» (sublinhados nossos).

Neste tribunal, o DMMP, não se pronunciou.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com prévia divulgação do texto do acórdão pelos Mmos. Juízes Adjuntos, vem o processo submetido à conferência desta Secção de Contencioso Administrativo para decisão.

I. 1. Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à forma do processo seguida e por ter sido condenado à emissão de certidão de destaque em apreço.

II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis:
«(…)
A. Desde 19.09.1985, mostra-se inscrito a favor da Requerente a aquisição de prédio urbano sito no Campo da Senhora da Saúde, Freguesia de S. Pedro, no Concelho de Faro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro, sob o n.° 5... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3..., cfr. documento n.° 1-A junto com a petição inicial e fls. 22 e 23 do processo administrativo.
B. O prédio urbano identificado em A), encontra-se constituído em propriedade total, sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, constando da respetiva descrição, o seguinte:
“Edifício onde está instalado o posto emissor regional do sul, com res do chão e primeiro andar, com paredes em alvenaria rebocadas e guarnecidas de vãos em cantaria, pavimento do primeiro andar em cimento armado revestimento de pavimentos em mármore, mosaico hidráulico e madeira, tetos guarnecidos a branco e cobertura em telha. O rés do chão tem 18 divisões e o primeiro andar 9 divisões. As fachadas apresentam 5 portas, 37 janelas 3 frestas e 1 oculo. O edifício tem a superfície coberta de 422m2, havendo terreno anexo, no qual está instalada a antena com a superfície descoberta de 13 673m2. O edifício e terreno.” cfr., documento n.° 1-B junto com a petição inicial e fls. 24 e 25 do processo administrativo.
C. Em 20.01.2020 a Requerente subscreveu formulário da Câmara Municipal de Faro intitulado “CERTIDÃO DE DESTAQUE”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“(...) DO/A REQUERENTE
Nome/Firma (...) R..., S.A.
(…)
DO PEDIDO
Requer a V. Ex.ª,, ao abrigo do n.° 9 do artigo 6° do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.° 136/14 de 9 de setembro, a emissão de certidão comprovativa da verificação dos requisitos de destaque de uma parcela, com área de 11.032m2, do prédio com a área total de 13.723m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 525, e inscrito na matriz predial (...) urbana da freguesia de União de Freguesias de Faro (Sé e São Pedro), sob o(a) artigo(a) 3..., sita em Senhora da Saúde, freguesia de Faro (São Pedro), do Município de Faro, área situada dentro do perímetro urbano.
(…)
DESCRIÇÃO DAS PARCELAS RESULTANTES DO DESTAQUE
A parcela a destacar (identificada pela letra A, no levantamento topográfico em anexo), tem a área de 11.032m2, confrontando a Norte com Avenida Calouste Gulbenkian e Terreno; a Sul com Rua José Pavão e Rua Coronel António dos Santos Fonseca; a Nascente com R... e a Poente com armazéns e beco de acesso à Estrada da Senhora da Saúde (...).
A parcela restante (identificada pela letra B, no levantamento topográfico em anexo), tem a área de 2691m2, confrontando a Norte com a Avenida Calouste Gukbenkian e Terreno, a Sul com Rua José Pavão e Rua Coronel António dos Santos Fonseca, a Nascente Edifício do Arquivo Distrital e a Poente com R....
(…)
Tratando-se de parcela situada em perímetro urbano, informa que as parcelas resultantes do destaque, confrontam com arruamentos públicos.
(…)
Documentos instrutórios (...)
1. Documento de identificação do requerente
2. Documento(a) comprovativo(a) da legitimidade do requerente;
3. Certidão da descrição e de todas as inscrições em vigor emitida pela Conservatória do Registo Predial referente ao prédio;
4. Cópia da Caderneta Predial atualizada, referente ao prédio
5. Planta de localização à escala 1:10000 e 1:2000, com indicação precisa dos limites da parcela a destacar;
6. Extrato das plantas de ordenamento e condicionantes do PDM de Faro;
7. Planta topográfica do terreno à escala 1:500 ou superior, com representação da delimitação do prédio objeto da operação de destaque bem como da delimitação da parcela e da parcela remanescente, e respetivas áreas
8. Memória descritiva que inclua a descrição do prédio objeto de destaque pretendido, da parcela a destacar e da parcela remanescente;
9. Fotografias do local.”, cfr. documento n.° 2 junto com a petição inicial e fls. 1 a 65 do processo administrativo.

D. Do documento “Memória descritiva da operação de destaque”, referido na alínea precedente, consta, em particular, que:
“A Presente Memória Descritiva e Justificativa é parte integrante do Pedido de destaque de parcela, nos termos do artigo n.° 6 do Decreto Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro na sua atual, redação, do prédio sito na Senhora da Saúde, em Faro, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.° 3..., da União de Freguesias de Faro (Sé e São Pedro), concelho de Faro e descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n.° 5…, da freguesia de Faro (S. Pedro), concelho de Faro, encontrando-se isento de licenciamento municipal, ao abrigo do disposto no artigo 14° do Regulamento Geral das Edificações Urbanas.
1. Caracterização do edifício existente:
N° de Pisos - Prédio com Rés-do-chão e primeiro andar
Área do terreno -13.723,00 m2
Área de implantação do edifício - 425,00 m2
Área Bruta de Construção - 610,0 m2
Uso: Prédio destinado a serviços
Confinantes:
• Norte com Avenida Calouste Gulbenkian e terreno;
• a Sul com Rua José Pavão e Rua Coronel António dos Santos Fonseca;
• a Nascente com o edifício do Arquivo Distrital;
• e a Poente com armazéns e beco de acesso à Estrada Senhora da Saúde.
2. Caracterização da Operação de Destaque:
Pretende-se dividir e autonomizar o prédio existente, em duas parcelas de terreno, que passamos a descrever:
Parcela a destacar
• Parcela de terreno com a área total de 11.032,00 m2,
• Confinantes:
o Norte com Avenida Calouste Gulbenkian e terreno;
o a Sul com Rua José Pavão e Rua Coronel António dos Santos Fonseca;
o a Nascente, a R...;
o e a Poente com armazéns e beco de acesso à Estrada Senhora da Saúde.
A parcela restante
• Parcela de terreno com a área total de 2.691,00 m2,
• Confinantes:
o Norte com Avenida Calouste Gulbenkian e terreno;
o a Sul com Rua José Pavão e Rua Coronel António dos Santos Fonseca;
o a Nascente com edifício do Arquivo Distrital;
o e a Poente com a parcela a destacar”, cfr. fls. 26 e 27 do processo administrativo.

E. Em 03.02.2020 o Departamento de Infraestruturas e Urbanismo da Câmara Municipal de Faro elaborou documento intitulado “Informação”, sob o assunto “Pedido de certidão de Destaque”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)

«Imagem no original»

(..)”, cfr. documento n.° 4 junto com a petição inicial e fls. 67 do processo administrativo.

F. A Vereadora das Infraestruturas e do Urbanismo da Câmara Municipal de Faro subscreveu o ofício n.° 003087, de 30.03.2020, sob o assunto “Pedido de certidão de destaque do edifício da R..., na Estrada da Senhora da Saúde, em Faro | Req° n° 1945/2020”, dirigido à Requerente, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“ Relativamente ao assunto em epígrafe, e de harmonia com o meu despacho datado de 25/03/2020, serve o presente para transmitir a V. Exª., a informação prestada pelos serviços técnicos:
«Imagem no original»

cfr. documento n.° 3 junto com a petição inicial e fls. 69 do processo administrativo.

G. Em 16.04.2020 o Consultor Jurídico “Jorge Abreu Rodrigues" subscreveu documento intitulado “Consulta”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
«Imagem no original»





(...)", cfr. documento n.° 4 junto com a petição inicial e fls. 75 a 79 do processo administrativo.

H. A Vereadora das Infraestruturas e do Urbanismo da Câmara Municipal de Faro subscreveu o ofício n.° 004033, de 04.05.2020, sob o assunto “Pedido de certidão de destaque do edifício da R..., na Estrada da Senhora da Saúde, em Faro | Req° n° 1945/2020", dirigido à Requerente, do qual consta, designadamente, o seguinte:
Relativamente ao assunto em epígrafe, e de harmonia com o meu despacho datado de 21704/2020, " Rejeito liminarmente o pedido nos termos das informações dos serviços e do parecer do Dr. J...em anexo."
(...)", cfr. documento n.° 4 junto com a petição inicial e fls. 83 do processo administrativo.

I. A Requerente dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal de Faro requerimento datado de 18.05.2020, sob o assunto “Recurso de decisão de rejeição liminar de pedido de certidão de Destaque / Req. n° 1945/2020", (…) peticionando a final o seguinte:
“NESTES TERMOS,
Deve o presente recurso ser considerado procedente, anulando-se o despacho impugnando-se e ordenando-se a emissão da certidão de destaque peticionada", cfr. documento n.° 5 junto com a petição inicial e fls. 86 a 175 do processo administrativo.

J. A Requerente dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal de Faro requerimento datado de 08.09.2020, sob o assunto “Req. n° 1945/2020 /deferimento do recurso de rejeição liminar do pedido de certidão de destaque /liquidação de taxa e emissão da certidão”, peticionando a final o seguinte:
“Requer-se, assim, seja ordenada a liquidação da taxa devida nos termos do artigo 138 ° da Tabela de Taxas do Município de Faro e a emissão da certidão de destaque peticionada.”, cfr. documento n.° 6 junto com a petição inicial.

K. A Requerente constituiu depósito no montante de €61,20, relativo “(...) Req. 1945/2020 Câmara Municipal de Faro - taxas devidas pela emissão de destaque, contra o Município de Faro (...)”, cfr. documento n.° 7 junto com a petição inicial.

L. A Requerente instaurou a presente ação em 12.10.2020, cfr. documento n.° 18.24.16, de 12-10-2020 16:39:39.

M. A Entidade Requerida não decidiu o recurso intentado em 18.05.2020 pela Requerente nem emitiu a certidão solicitada em 20.01.2020, cfr. facto admitido.
***
Factos não provados
Não existem factos alegados não provados com relevância para a decisão da causa.
Motivação da matéria de Facto
A decisão da matéria de facto provada fundou-se nas posições assumidas pelas partes e na análise crítica dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados, incluindo o processo administrativo apenso, tudo o que aqui se dá por integralmente reproduzido, conforme indicado em cada alínea do probatório.» (negritos e sublinhados nossos).



II.2. De direito

O discurso fundamentador da sentença recorrida, na parte que releva para o conhecimento do presente recurso, foi o seguinte:

«(…) a concretização do destaque não é necessário o desencadear de um procedimento prévio de licenciamento ou comunicação prévia. Porém, a isenção prevista no artigo 6.° do RJUE é “(...) apenas a isenção de submissão ao procedimento de licenciamento ou de comunicação prévia e não já a isenção do cumprimento das normas substanciais aplicáveis às operações urbanísticas em causa” (FERNANDA PAULA OLIVEIRA, MARIA JOSÉ CASTANHEIRA NEVES, DULCE LOPES e FERNANDA MAÇÃS, in op. cit., página 126).

De facto, o legislador é claro ao afirmar no n.° 8 do artigo 6.° do RJUE que, a realização destas operações não as isenta do cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente, as constantes de planos municipais [in casu, o Plano Director Municipal (PDM), o Plano de Urbanização (PU) ou o Plano de Pormenor (PP), que podem prever uma área mínima para os lotes para construção, o que significa que a constituição de lotes para este efeito, mesmo que resultem de uma operação de destaque, terá de cumprir aquelas exigências mínimas].

“Por isso é que, embora a câmara municipal não tenha, nestes processos, uma intervenção através da emissão de um acto formal de controlo prévio, tem sempre de intervir através da emissão de uma certidão comprovativa de que os requisitos do destaque estão presentes ou que as normas aplicáveis estão cumpridas (cfr. n° 9)” (FERNANDA PAULA OLIVEIRA, MARIA JOSÉ CASTANHEIRA NEVES, DULCE LOPES e FERNANDA MAÇÃS, in op. cit., página 126 in fine; sublinhado nosso).

Tanto assim o é que, no Acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, de 12.03.2008, processo n.° 0442/07, se assegura que “(..'.) não sofre por isso de ilegalidade o despacho que indeferiu um pedido de destaque (...), com o fundamento de que a operação de destaque não cumpre com os indicadores urbanísticos previstos pelo PDM”.

Por sua vez, sob a epígrafe “Silêncio da Administração”, o artigo 111.° estatui o seguinte:

Já o artigo 114.°, n.° 2 do RJUE dispõe o seguinte:

“A impugnação administrativa de quaisquer atos praticados ou pareceres emitidos nos termos do presente diploma deve ser decidida no prazo de 30 dias, findo o qual se considera deferida.”

Feito este breve enquadramento, retomemos o caso dos autos.

Resulta da factualidade dada como provada que:

- em 20.01.2020 a Requerente apresentou, junto da Entidade Requerida, pedido para emissão de certidão de destaque [cfr. Facto provado C)];

- que em 03.02.2020 foi proferida informação pelo Departamento de Infraestruturas e Urbanismo da Câmara Municipal de Faro, na qual se concluiu que “O pedido de destaque encontra-se em condições de merecer deferimento, podendo ser emitida a respetiva certidão, dado que o mesmo fica sujeito ao regime previsto no ponto 4 do art.° 6.° do RJUE, sendo-lhe aplicável no ponto 4 do referido artigo, o qual o requerido cumpre dado que ambas as parcelas confrontam com arruamento público” [cfr. Facto provado E)];

- que em 04.05.2020 a Vereadora das Infraestruturas e do Urbanismo da Câmara Municipal de Faro rejeitou o pedido apresentado, com fundamento nas informações dos serviços e no parecer jurídico de 16.04.2020 [cfr. respetivamente, Factos provados H) e G)];

- que em 18.05.2020 a Requerente interpôs recurso da referida decisão e que o mesmo ainda não mereceu resposta da Entidade Requerida [cfr. respetivamente, Factos provados I) e M)].

Quanto à formação do alegado deferimento tácito, importa atentar no acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo de 14.02.2019, processo n.° 035/18.7BEBJA, em que se pode ler o seguinte:

“(...) Tendo a certidão comprovativa da verificação dos requisitos do destaque e do cumprimento das normas aplicáveis uma natureza verificativa-constitutiva, por definir uma situação jurídica, tendo o pedido da sua emissão sido dirigido ao órgão competente com o dever legal de decidir e sendo atribuído por lei ao silêncio administrativo o significado de deferimento tácito [cf. art° 111.°, al. c), do RJUE], a procedência da requerida intimação judicial dependia de a situação de inércia em que se manteve o órgão administrativo se ter prolongado pelo lapso de tempo legalmente exigido e de o deferimento tácito não estar afectado por um vício gerador de nulidade. (...)" (destaque nosso).

Assim, verificando-se que ocorreu uma situação de inércia da Administração, com o decurso do prazo de 30 (trinta) dias, previsto no artigo 114.°, n.° 2 do RJUE para a decisão do recurso intentado sem que a Entidade Requerida tenha decidido o recurso hierárquico, resta verificar se o deferimento tácito está ou não afetado por vício gerador de nulidade.

Conforme visto, para ser atendido (administrativa e jurisdicionalmente), o pedido de emissão da certidão em causa deve radicar em causa de pedir que se subsuma positivamente no supra transcrito artigo 6.° do RJUE, sendo que o ónus de tal prova cabe à Requerente, nos termos gerais de direito (cfr. artigo 342.° do Código Civil).

Por outro lado, e conforme já referido, estando em causa uma operação de loteamento em sentido estrito, por consistir no fracionamento de um prédio para efeitos de construção, trata-se de uma operação urbanística prevista no art.° 6.°, do RJUE, que, de acordo com o n.° 8 deste preceito, está sujeita à “observância das normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes do plano municipal e plano especial de ordenamento do território e as normas técnicas de construção” (neste sentido vide Acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo de 12.03.2008, processo n.° 0442/07).

Ora, compulsada a factualidade dada como provada, constata-se que, de facto, como alega a Entidade Requerida, os serviços camarários não procederam à análise da conformidade do pedido com o disposto no 6.°, n.° 8 do RJUE. Com efeito, pese embora na informação de 03.02.2020 se aluda à inserção do prédio em perímetro urbano, motivo pelo qual foi a apreciação ali realizada se fez por reporte ao artigo 6.°, n.° 4 do RJUE, a verdade é que nada foi avaliado quanto à capacidade edificativa e demais disposições previstas no n.° 8 do referido preceito.

E aqui sustenta a Requerente que, não obstante a previsão do artigo 6.°, n.° 8 do RJUE, mesmo que o deferimento da presente intimação dependesse da apreciação da edificabilidade da parcela a destacar, se conclui pela mesma, sendo que esse esse juízo deverá ser realizado em abstrato.

Já a Entidade Requerida pugna em sentido contrário.

Alega ainda a Requerente que o Prédio se localiza em Espaços Urbanos Estruturantes, sendo que os parâmetros que lhe são aplicáveis estão previstos no artigo 50.°, n.° 4 e 6 do Regulamento do PDM de Faro (…) A este respeito sustenta a Entidade Requerida que mesmo a classificação do prédio como integrando espaço urbano não estruturante não pode ser aceite, uma vez que nos termos constantes do artigo 55° do Regulamento do PDM tais espaços correspondem “aos loteamentos com alvará, consolidados e com infraestruturas e habitações construídas”.

Lembramos que, nesta sede, formado o deferimento tácito e não tendo ocorrido a sua anulação, apenas será de recusar a intimação se for de concluir pela sua nulidade, já que o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos (cfr. artigo 162° n° 1 do CPA).

A nulidade invocada pela Entidade Requerida alicerça-se na omissão da apreciação prevista no artigo 21.° do RJUE, o que na sua perspetiva equivaleria à prática de ato nulo, impedido, entre outros, pela alínea a) do artigo 24.° do RJUE.

Com efeito, o que no fundo alega a Entidade Requerida é que, não tendo sido realizada a verificação quanto à capacidade edificativa do prédio, está o ato de deferimento tácito inquinado de nulidade, o que levaria à recusa da intimação.

Ora, na verdade, analisada a alegação da Entidade Requerida, verificamos que nenhuma nulidade concreta é imputada ao ato de deferimento. Por outras palavras, a alegação de nulidade alicerça-se na invocação genérica, consubstanciada na falta de apreciação dos pressupostos para a emissão da certidão de destaque, tarefa que incumbia à Entidade Requerida e não na imputação de uma concreta e específica violação do PDM ou de outras normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes de planos municipais, intermunicipais ou especiais de ordenamento do território, de servidões ou restrições de utilidade pública, as normas técnicas de construção, as de proteção do património cultural imóvel, e a obrigação de comunicação prévia nos termos do artigo 24.° do Decreto-Lei n.° 73/2009, de 31 de março, que estabelece o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional, como impõe o artigo 6.°, n.° 8 do RJUE.

Ademais, o que aqui importa é aferir da conformidade do pedido da Requerente com as disposições impostas para a operação de destaque, prevista no artigo 6.°, n.° 8 do RJUE e não as imposições para pedidos de licenciamento que eventualmente venham a ser apresentados sobre a parcela destacada e a que alude o invocado artigo 21.° do RJUE.

Assim, não vindo concretamente imputada ao ato de deferimento uma nulidade e permitindo o PDM a construção resultante de destaque nos termos do artigo 50.°, n.° 4, com as condicionantes previstas no n.° 6, não há razões para recusar a intimação.

Pelo exposto, à luz dos fundamentos expostos, há que julgar a presente intimação integralmente procedente, conforme infra se determinará.(…).» (negritos e sublinhados nossos).

Desde já se adianta que o assim decidido não é para manter em toda a sua extensão. Vejamos porquê.

i) Do erro quanto à forma do processo.

Releva para a decisão da questão em apreço, o seguinte:

Em 20.01.2020 a Requerente, ora Recorrida, subscreveu formulário da Câmara Municipal de Faro intitulado “CERTIDÃO DE DESTAQUE”, do qual consta, designadamente, o seguinte – cfr. alínea C) da matéria de facto supra:

“(...) DO/A REQUERENTE

Nome/Firma (...) R..., S.A.

(…)

DO PEDIDO

Requer a V. Ex.ª,, ao abrigo do n.° 9 do artigo 6° do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.° 136/14 de 9 de setembro, a emissão de certidão comprovativa da verificação dos requisitos de destaque de uma parcela, com área de 11.032m2, do prédio com a área total de 13.723m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 5..., e inscrito na matriz predial (...) urbana da freguesia de União de Freguesias de Faro (Sé e São Pedro), sob o(a) artigo(a) 3..., sita em Senhora da Saúde, freguesia de Faro (São Pedro), do Município de Faro, área situada dentro do perímetro urbano.

(…)

DESCRIÇÃO DAS PARCELAS RESULTANTES DO DESTAQUE

A parcela a destacar (identificada pela letra A, no levantamento topográfico em anexo), tem a área de 11.032m2, confrontando a Norte com Avenida Calouste Gulbenkian e Terreno; a Sul com Rua José Pavão e Rua Coronel António dos Santos Fonseca; a Nascente com R... e a Poente com armazéns e beco de acesso à Estrada da Senhora da Saúde (...).

A parcela restante (identificada pela letra B, no levantamento topográfico em anexo), tem a área de 2691m2, confrontando a Norte com a Avenida Calouste Gukbenkian e Terreno, a Sul com Rua José Pavão e Rua Coronel António dos Santos Fonseca, a Nascente Edifício do Arquivo Distrital e a Poente com R....

(…)

Tratando-se de parcela situada em perímetro urbano, informa que as parcelas resultantes do destaque, confrontam com arruamentos públicos.

(…)

Documentos instrutórios (...)

1. Documento de identificação do requerente

2. Documento(a) comprovativo(a) da legitimidade do requerente;

3. Certidão da descrição e de todas as inscrições em vigor emitida pela Conservatória do Registo Predial referente ao prédio;

4. Cópia da Caderneta Predial atualizada, referente ao prédio

5. Planta de localização à escala 1:10000 e 1:2000, com indicação precisa dos limites da parcela a destacar;

6. Extrato das plantas de ordenamento e condicionantes do PDM de Faro;

7. Planta topográfica do terreno à escala 1:500 ou superior, com representação da delimitação do prédio objeto da operação de destaque bem como da delimitação da parcela e da parcela remanescente, e respetivas áreas

8. Memória descritiva que inclua a descrição do prédio objeto de destaque pretendido, da parcela a destacar e da parcela remanescente;

9. Fotografias do local.”, cfr. documento n.° 2 junto com a petição inicial e fls. 1 a 65 do processo administrativo. »

A Vereadora das Infraestruturas e do Urbanismo da Câmara Municipal de Faro subscreveu o ofício n.° 004033, de 04.05.2020, sob o assunto “Pedido de certidão de destaque do edifício da R..., na Estrada da Senhora da Saúde, em Faro | Req° n° 1945/2020", dirigido à Requerente, do qual consta, designadamente, o seguinte – cfr. alínea H) da matéria de facto supra:

«Relativamente ao assunto em epígrafe, e de harmonia com o meu despacho datado de 21704/2020, " Rejeito liminarmente o pedido nos termos das informações dos serviços e do parecer do Dr. J...em anexo

Por requerimento datado de 18.05.2020, a Requerente, ora Recorrida, interpôs recurso da decisão identificada no parágrafo que antecede, para o Presidente da Câmara Municipal de Faro, peticionando a final a anulação do despacho impugnado e que fosse ordenada a emissão da certidão de destaque peticionada – cfr. alínea I) da matéria de facto supra.

Tal recurso não obteve resposta – cfr. alínea M) da matéria de facto supra.

Por requerimento datado de 08.09.2020, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Faro requerimento, sob o assunto «Req. n° 1945/2020 /deferimento do recurso de rejeição liminar do pedido de certidão de destaque/liquidação de taxa e emissão da certidão», a Requerente, ora Recorrente, requereu fosse ordenada a liquidação da taxa devida nos termos do artigo 138 ° da Tabela de Taxas do Município de Faro e a emissão da certidão de destaque peticionada.

A Recorrida instaurou a presente ação em 12.10.2020 – cfr. alínea L) da matéria de facto supra e fls. 59 e ss., ref. SITAF - «(…) nos termos conjugados dos artigos, 113.º, n. os 5 e 6 e 112, n. º 7 do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação («RJUE») e dos artigos 104.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativo («CPTA»), e com os fundamentos seguintes:

«(…) 12.º

Sucede que, volvidos 30 dias, - i.e. o prazo legalmente previsto para a decisão do recurso interposto pela Requerente, nos termos do disposto no artigo 114.º, n.º 2 do RJUE -, não foi proferida qualquer decisão sobre o mesmo.

13.º

Ora, preceitua a disposição referida que “[a] impugnação administrativa de quaisquer atos praticados ou pareceres emitidos nos termos do presente diploma deve ser decidida no prazo de 30 dias, findo o qual se considera deferida.”.

14.º

Pelo que se afigura inequívoco que o recurso foi tacitamente deferido, tendo o R. ficado constituído no dever de emitir a certidão peticionada.

15.º

Neste quadro, a Requerente apresentou um requerimento na CMF, a fim de serem praticados todos os atos necessários à execução do deferimento da pretensão da ora Requerente, a saber: (i) a liquidação da taxa devida para a emissão da certidão de aprovação da operação de destaque, nos termos do artigo 138.º da Tabela de Taxas do Município de Faro e (ii) a posterior emissão da certidão peticionada (cfr. documento n.º 6)- que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido).

16.º

Contudo, e, mais uma vez, a Requerente não obteve qualquer resposta da CMF, vendo-se, assim, forçada a recorrer aos meios de tutela jurisdicional ao seu dispor de modo a intimar o Município a cumprir o dever de decidir a que está vinculado nos termos do disposto nos artigos 13.º e 129º do Código de Procedimento Administrativo («CPA»).

17.º

Ao caso, é analogicamente aplicável o processo previsto no artigo 113.º, n.os 5 e 6 do RJUE conforme doutrina e jurisprudência dominante.

(…)

18.º

De acordo com a jurisprudência dominante, não existe nenhum meio processual idóneo para intimar o Município a emitir a certidão de destaque, na sequência do deferimento tácito do pedido de destaque, padecendo o nosso ordenamento jurídico, neste particular, de uma lacuna, pois:

(i) em virtude de as operações de destaque estarem, em princípio isentas de controlo prévio, ao contrário das licenças e das comunicações prévias, não devem estar sujeitas a um tipo de tutela jurisdicional mais lento do que o previsto para a obtenção dos títulos referidos no caso de incumprimento do dever de decisão previsto nos artigos 111.º a 113.º do RJUE; e,

(ii) não se pode recorrer à intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, prevista nos artigos 104.º e ss. do CPTA, pois que não está em causa o direito à informação administrativa, já que “[…] a certidão de destaque, sendo um título, é sobretudo um acto administrativo certificativo” (cfr. entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14/02/2019 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 14/07/2011, disponíveis em www.dgsi.pt ).

19.º

Concluindo, de acordo com a jurisprudência citada, em situações com a sub judice , o particular deve poder recorrer, por analogia, ao tipo de processo previsto no artigo 113.º, n.º 5 in fine e n.º 6 do RJUE, -aplicável às situações em que, na sequência de incumprimento do dever de decidir pela Câmara, esta não pratique o ato devido após ser interpelada judicialmente para o efeito, não liquide as taxas necessárias aos trabalhos ou às utilizações requeridas, nem permita o depósito do respetivo montante em instituição de crédito à ordem da câmara municipal,- o qual segue a tramitação urgente relativa às intimações para a prestação de informações, reguladas nos artigos 104.º e ss. do CPTA. (…)».

Vejamos.

Considerando que a existência de uma lacuna no RJUE quanto à forma do processo de intimação para emissão de certidão de destaque não seja indiscutível (1).

Considerando que o processo de intimação para passagem de certidão não é o meio adequado perante o indeferimento de um pedido de certidão de destaque de parcela, porque se trata da prática de um ato administrativo de natureza verificativa e não da passagem de uma mera certidão e que, perante o indeferimento de um pedido emissão de certidão de destaque, o pedido judicial adequado a formular seria o de condenação à prática do ato devido.

A verdade é que, no caso em apreço, a causa de pedir é a existência de um deferimento tácito - cfr. disposições conjugadas dos art.s 111.º e 114.º do RJUE - face à não decisão oportuna do recurso interposto para o Presidente da Câmara, do ato praticado pela Vereadora do Recorrente, que havia rejeitado liminarmente o pedido que havia sido formulado, com recurso a formulário disponibilizado pelo Recorrente, para emissão de certidão de destaque – cfr. alíneas C), H), I), J) e M), da matéria de facto.

Pelo que, no caso em apreço, o recurso à tramitação do processo para intimação para passagem de certidões se afigura adequado, pois o que se espera é que seja emitida uma certidão em como o pedido de certidão de destaque foi tacitamente deferido, retirando-se dali todas as demais consequências legais - cfr. alínea J) da matéria de facto.

Razão pela qual improcede o invocado erro de julgamento, em virtude de o tribunal a quo ter seguido, no caso em apreço, a forma e tramitação processual correta.

ii) Do erro de julgamento em que incorreu a decisão recorrida ao ter condenado o Recorrente à emissão de certidão de destaque.

Seguindo de perto Marta Cavaleira (2), tenhamos presente que estão isentos de controlo prévio os atos que tenham por efeito o destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial que se situe em perímetro urbano, desde que as duas parcelas resultantes do destaque confrontem com arruamentos públicos e, fora dos perímetros urbanos, os atos que tenham por efeito o destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial, se se mostrarem cumpridas as seguintes condições: na parcela destacada só seja construído edifício que se destine exclusivamente a fins habitacionais e que não tenha mais de dois fogos e na parcela restante seja respeitada a área mínima fixada no projeto de intervenção em espaço rural em vigor ou, quando aquele não exista, a área de unidade de cultura fixada nos termos da lei geral para a região respetiva – cfr. alínea d) do n.º 1 e n.ºs 4 e 5 do art. 6.º do RJUE.

Sobre a natureza da certidão comprovativa da verificação dos requisitos do destaque – cfr. n.º 9 do art. 6.º, do RJUE -, referem Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes e Fernanda Maçãs (3), que embora a «câmara municipal não tenha, nestes processos, uma intervenção através de um ato formal de controlo prévio, tem sempre de intervir através da emissão de uma certidão comprovativa de que os requisitos do destaque estão presentes ou que as normas aplicáveis estão cumpridas». Verifica-se a «necessidade de emissão de um ato de cariz verificativo por parte da câmara municipal, em que esta avalia se os pressupostos legais dispostos no artigo 6.º se encontram verificados e, portanto, se não é exigível a prática de um ato de licenciamento ou admissão de comunicação prévia do loteamento, emitida esta certidão comprovativa, encontra-se o proprietário habilitado a proceder ao destaque na conservatória do registo predial, sem que lhe possa ser exigida qualquer atestação adicional ou recusado o registo - cfr. artigo 6.º, n.º 9 do RJUE e artigo 85.º, n.º 1, alínea f) do Código do Registo Predial].» (4) (sublinhados nossos).

Importa ainda atender, antes de retomar o caso sub judice, à doutrina que dimana do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.02.2019 (5), no sentido de que:

«(…) A formação de acto de deferimento tácito depende da existência de um pedido dirigido à prática de um acto administrativo a um órgão competente que tenha o dever legal de o decidir e que o não tenha feito durante um determinado lapso temporal, desde que a lei atribua a esse silêncio o significado jurídico de deferimento e que o mesmo não esteja afectado por vício gerador da sua nulidade.

(…) Tendo a certidão comprovativa da verificação dos requisitos do destaque e do cumprimento das normas aplicáveis uma natureza verificativa-constitutiva, por definir uma situação jurídica, tendo o pedido da sua emissão sido dirigido ao órgão competente com o dever legal de decidir e sendo atribuído por lei ao silêncio administrativo o significado de deferimento tácito [cf. art.º 111.º, al. c), do RJUE], a procedência da requerida intimação judicial dependia de a situação de inércia em que se manteve o órgão administrativo se ter prolongado pelo lapso de tempo legalmente exigido e de o deferimento tácito não estar afectado por um vício gerador de nulidade (negritos e sublinhados nossos).

Neste pressuposto, retomemos, pois, o caso em apreço.

Resulta dos autos que foi proferido um ato expresso de rejeição liminar do pedido de emissão de certidão de destaque – cfr. alínea H) da matéria de facto – decisão essa que foi objeto de impugnação administrativa que não obteve resposta – cfr. alíneas I) e M) matéria de facto.

Na impugnação administrativa que apresentou, a Recorrida requereu a anulação do despacho de rejeição liminar do seu pedido e que fosse ordenada a emissão da certidão de destaque peticionada – cfr. alínea I) da matéria de facto.

Após, e assumindo o deferimento tácito de tal pretensão, por via do art. 114.º, n.º 2, do RJUE, dirigiu novo requerimento ao Recorrente através do qual solicitou a liquidação da taxa devida nos termos do art. 138.º da Tabela de Taxas do Município de Faro e a posterior emissão da certidão peticionada – cfr. alínea J) da matéria de facto.

Ao silêncio administrativo em sede de impugnações administrativas graciosas o RJUE atribui o efeito de deferimento tácito – cfr. art. 114.º, n.º 2 – sendo que, para o efeito, importa ter presente também que o silêncio administrativo no âmbito da emissão do ato primário que lhe está subjacente já permitia o deferimento tácito, ao abrigo de uma interpretação conjugada entre o citado n.º 2 do art. 114.º e o art. 111.º, al. c), ambos do RJUE.

Neste pressuposto, e tendo presente que o ato secundário silente não pode dar mais do que o ato silente primário.

Verificado que está o silêncio administrativo positivo, ao tribunal a quo competia – nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, supra citada e transcrita - averiguar se o deferimento tácito da pretensão da A., ora Recorrida, padecia de algum vício gerador de nulidade, circunstância em que não teria produzido, pois, quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.

Considerou, porém, o tribunal a quo que «não vindo concretamente imputada ao ato de deferimento uma nulidade e permitindo o PDM a construção resultante de destaque nos termos do artigo 50.°, n.° 4, com as condicionantes previstas no n.° 6, não há razões para recusar a intimação».

Não é esse o nosso entendimento.

Quanto aos vícios geradores de nulidade, o seu regime substantivo tem de prevalecer, estando o seu conhecimento oficioso, a todo o tempo e em qualquer fase do processo, em perfeita harmonia com a improdutividade jurídica dos atos nulos, para que o processo sirva o direito material - cfr. disposições conjugadas dos art. 162.º, n.º 2, do CPA e art.s 573.º, n.º 2, e 608.º, n.º 2, 2.ª parte, estes do CPC.

A nulidade não se sana por não ser conhecida e poderá sempre ser invocada em novo processo, razões pelas quais não há aqui lugar a dizer que as partes se conformaram ou a invocar os princípios do dispositivo ou da preclusão.

Porém, no caso em apreço, os elementos do processo são poucos e não permitem ajuizar a verificação de eventuais nulidades, designadamente, por violação de normas constantes de planos municipais – cfr. n.º 8 do art. 6.º do RJUE - o que se compreende, tratando-se de um ato silente, o ato que está subjacente à pretensão da A., ora Recorrida, e sendo o ato primário um ato de rejeição liminar da pretensão em apreço.

O ato silente secundário, tem em si um ato administrativo de verificação que, silente que é, não se materializou na emissão ou recusa da certidão para efeitos de registo – cfr. art 6.º do RJUE.

E, como se disse supra, este silêncio representa o deferimento da pretensão – cfr. art.s 111.º, alínea c) e art. 114.º, n.º 2 do RJUE.

Temos, portanto, no caso em apreço, a definição do direito do A., ora Recorrida, estabilizada e deferida, exceto se, conforme decorre da supra citada jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, tal ato for nulo.

Inexistindo nos autos os elementos necessários para que se possa aferir da (des)conformidade do pedido em apreço com o disposto no n.º 8 do art. 6.º do RJUE, e tendo presente que em caso de desconformidade, o deferimento tácito aqui em causa pode ser nulo, conclui-se que não está este tribunal de recurso habilitado a conhecer da existência de vícios geradores de nulidade do ato, mas também não pode secundar o entendimento vertido na decisão recorrida em intimar, sem mais, o Recorrente, a emitir a certidão pretendida, sem salvaguardar que, podendo a nulidade dos atos administrativos ser conhecida a todo o tempo e por qualquer entidade – cfr. supra citado art. 162.º, n.º 2, do CPA - tal declaração possa ser efetivada pelo Recorrente, sem violação do caso julgado.

Assim, imperioso se torna conceder parcial provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e condenar o Recorrente a emitir a certidão de destaque requerida, se a tal nenhuma causa de nulidade do ato de deferimento tácito obstar.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, julgando em substituição, intimar o Recorrente a emitir a certidão de destaque requerida, se a tal nenhuma causa de nulidade do ato de deferimento tácito obstar.

Custas pelo Recorrente e pela Recorrida em partes iguais.

Lisboa, 18.03.2021.

____________________________

Dora Lucas Neto

*

A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.°- A do Decreto-Lei n.° 10- A/2020, de 13.03., aditado pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 20/2020, de 01.05., tem voto de conformidade com o presente acórdão, o Senhor Desembargador Pedro Nuno Figueiredo e vota vencido a Senhora Desembargadora Ana Cristina Lameira, conforme voto junto.

Voto de vencido quanto ao entendimento que obteve vencimento por discordar, no essencial, no que concerne à solução de que o presente meio processual é o adequado para obter a tutela jurisdicional requerida.
Com efeito, o alegado direito da Recorrida deriva da formação de acto tácito de deferimento formado por via do disposto no artigo 114.º, n.º 2, do RUE, sobre a impugnação administrativa identificada em I. do probatório, onde peticionou a anulação administrativa da rejeição liminar do pedido de certidão de destaque, por si antes formulado.
Vindo posteriormente através da presente intimação e ao abrigo dos artigos 113.º, n.ºs 5 e 6 e 112.º, n.º 7, do RJUE e artigos 104º e segs. do CPTA requerer que o Recorrente fosse intimado a emitir a aludida certidão de destaque antes solicitada, conforme alínea J) do probatório.
A Entidade Requerida, ora Recorrente, em sede de oposição suscitou a excepção de impropriedade do meio processual, assim como a nulidade do acto de deferimento tácito formado sobre a impugnação administrativa.
Como se alude no acórdão que obteve vencimento “Considerando a existência de uma lacuna no RJUE quanto à forma do processo de intimação para emissão de certidão de destaque não seja indiscutível”, pois este TCA em acórdãos não publicados proferidos nos Rec. nºs 4345/2008, de 22.01.2009 e 4445/08, da mesma data, entre outros, entenderam que a intimação nos termos do art. 104º e segs. do CPTA era o meio processual inidóneo para fazer valer a pretensão em juízo, de emissão da certidão de destaque.
Cremos que o presente caso tem outros contornos que tornam o presente meio processual ainda mais discutível.
De acordo com o presente dissídio o que está em causa é a saber se decorrem para a Recorrida os direitos que esta alega derivarem dos efeitos previstos no art. 114.º, n.º 2, do RJUE, ou seja, o deferimento tácito do pedido de anulação administrativa de acto expresso proferido pela Entidade administrativa, em concreto, de rejeição liminar do pedido de certidão de destaque (alínea H) do probatório). Acto tácito que o Recorrente/Entidade Administrativa defende ser nulo.
Neste contexto, inexiste qualquer silêncio por parte da entidade administrativa quanto ao acto primário. Sendo que, ainda que assim fosse, nunca estaríamos no âmbito do art. 111º, alínea a) do RJUE, mas a que seriam aplicáveis por via do art. 111º, al. c), cuja solução, na falta de norma expressa foi resolvida pelo Acórdão deste TCA Sul, em decisão de 14.07.2011, P.07185/11, disponível em www.dgsi.pt, posição que, como supra se aludiu, não é unânime.
Mesmo que a Recorrida tivesse usado a presente intimação para a emissão de certidão que “confirmasse o deferimento tácito da impugnação administrativa”, sempre seria de entender que “ [n]ão estamos com os pedidos em causa perante uma qualquer solicitação de informação procedimental mas sim perante um pedido que implica uma decisão sobre um determinado assunto. Ora, um pedido de informação procedimental não tem como objectivo a tomada de decisões por parte da administração sobre a pretensão do administrado, nem a elaboração de documentos para responder ao solicitado, mas apenas transmitir, ou certificar, informações constantes do procedimento. Mesmo no âmbito do direito do urbanismo, em que o pedido de informação poderá ser mais abrangente, este nunca pressupõe a tomada de decisão sobre um assunto colocado anteriormente, muito menos decidir se ocorreu, ou não, deferimento tácito em determinada situação. O que está em causa no direito de informação na área do urbanismo é prestar informação sobre o instrumento territorial aplicado a um caso concreto, bem como fornecer informações sobre o estado do processo, com especificação dos actos já praticadas sobre o assunto, questões estas, aliás, já integradas no direito à informação referido no CPA. Mas estamos a falar de informações, e não de decisões a tomar sobre determinado assunto, o que pretende o recorrente” – vide Ac. do TCA Norte, de 20.10.2017, rec. 01373/17 in www.dgsi.pt.
Por outro lado, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14/02/2019, Rec. 35/18, citado no Acórdão que obteve vencimento, não se pronunciou quanto ao meio processual por essa questão não abranger o objecto do recurso, estar resolvida “por si”. Como aí se aludiu:
“A sentença do TAF decidiu – e, nessa parte, não foi objecto de impugnação – que, embora a certidão pretendida consubstanciasse a prática de um acto administrativo e não estivesse em causa a violação do direito à informação administrativa, era correcta a utilização desse meio processual. Este entendimento fundamentou-se no aludido Ac. do TCA-Sul de 14/7/2011 que, decidindo um caso idêntico, considerara que existia uma lacuna quanto ao meio adequado de tutela jurisdicional para obtenção da certidão de destaque que deveria ser preenchida “com recurso ao tipo de processo previsto no art.º 113.º, n.º 5 in fine e n.º 6 do RJUE”, com a tramitação prevista nos artºs. 104.º e segs. do CPTA. Portanto, a posição perfilhada, quer pela sentença, quer pelo acórdão recorrido, foi a de que, sendo pedida uma certidão com a natureza de acto administrativo, era de aplicar por analogia o disposto no citado art.º 113.º, n.º 5, para as situações em que, apesar de existir um acto de deferimento tácito, a Câmara Municipal se recusa a emitir um alvará, sendo a tramitação a seguir a prevista para a intimação judicial destinada à passagem de certidão.
Em face da posição adoptada pelas instâncias neste âmbito, cuja bondade não cumpre aqui avaliar, é de concluir que a questão a decidir traduz-se em saber se o requerimento formulado pela ora recorrida na fase administrativa foi objecto de deferimento tácito não afectado por causa geradora da sua nulidade” (d/n).
Defendem alguns autores que, no caso da intimação prevista no art. 113.º, nº 5 e 6 do RJUE – que sempre seria discutível, uma vez que o nº 1 remete para o artigo 112º, em que está em causa a prática de acto administrativo no âmbito de operações urbanísticas sujeitas a licenciamento - que por sua vez remete para a tramitação dos processos urgentes no âmbito do CPTA. Sempre, “[e]ste procedimento e configurado como um meio processual especial e autónomo, na medida em que se assume como uma intimação para um comportamento da Administração, ao qual serão aplicáveis as normas relativas aos procedimentos urgentes, em especial as atinentes a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, previstas nos artigos 104.o e segs. do CPTA. Para maiores desenvolvimentos sobre este meio processual especial urgente, vide Carlos Alberto Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, cit., pp. 302-303. – Vide FERNANDA PAULA OLIVEIRA, MARIA JOSÉ CASTANHEIRA NEVES E DULCE LOPES, In Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação Comentado 4ª EDIÇÃO, P.716.
Contudo neste caso inexiste qualquer acto silente primário, nos termos do art. 111º, alínea c) do RJUE, uma vez que foi proferido acto expresso de rejeição liminar.
Cremos, pois, que atento o presente dissídio e as questões a resolver, designadamente quais os efeitos derivados do deferimento tácito da pretensão formulada nos termos do art. 114.º, nº. 2 do RJUE e sua validade (nulo ou não), o presente meio processual de intimação para emissão de informação, passagem de certidões de forma ultra simplificado, até mesmo na fase executiva (vide art. 108º, nº 2, do CPTA), não se compadece com as questões a resolver no presente litígio.
Efectivamente, em sede de impugnação administrativa a Recorrida requereu à Entidade Administrativa: “anulando-se o despacho impugnando e ordenando-se a emissão da certidão de destaque peticionada”.
Consequentemente, assumindo o deferimento tácito de tal pretensão, por via do art. 114º, nº 2, do RJUE, apresentou em Setembro novo requerimento onde solicitou a “liquidação da taxa devida nos termos do artigo 138.º da Tabela de Taxas do Município de Faro e (ii) a posterior emissão da certidão peticionada”.
A particularidade do caso sub iudice resulta de a Recorrida / Intimante pretende que lhe sejam reconhecidos os efeitos pretensivos que derivam, segundo a própria, do deferimento tácito do seu pedido de anulação administrativa, nos termos do art. 114º, nº 2 do RJUE, ou seja a emissão de certidão de destaque. Pois não podemos olvidar que “ resulta que quer a operação de destaque de parcela quer a de loteamento em sentido próprio têm a natureza jurídica de operações urbanísticas de reestruturação fundiária. Todavia, o legislador, atento a simplicidade da operação de destaque de uma única parcela de um prédio e, consequentemente, o menor impacto causado na estrutura fundiária urbana, acabou por sujeitar esta operação a um procedimento de controlo prévio mais simples, que desemboca na prolação de um acto administrativo de natureza substancialmente diferente daquele através do qual é aprovada uma operação de loteamento em sentido próprio” – vide NUNO MIGUEL MARRAZES, As certidões de destaque enquanto atos verificativos da legalidade urbanística de uma operação de reestruturação fundiária, in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 29/30 (Jan./Dez. 2008), pp. 221-222.
Neste circunspecto “ … é a interpretação das normas de competência que, em relação a cada tipo de prestações, há de permitir apurar se a Administração está investida do poder de tomar uma decisão dirigida a definir, com autoridade pública, o direito aplicável em relação à pretensão do interessado. Se for esse o caso, a obtenção, por parte dele, da prestação da quantia, da coisa ou do facto depende da prévia emissão de um ato administrativo que lhe reconheça o correspondente direito, pelo que, se este ato for ilegalmente omitido ou recusado, há que pedir a condenação à prática desse ato. Caso contrário, a Administração está apenas constituída numa obrigação, a que corresponde um direito de crédito. Como refere a alínea j) aqui em análise, é este direito de crédito, dirigido à obtenção da prestação a cuja realização a entidade pública se encontra obrigada, que, em caso de incumplimento, o interessado pode fazer valer segundo os termos da ação administrativa.
O pressuposto do exercício do direito de ação, neste caso, é, pois, a existência de uma vinculação da Administração aos deveres de prestar, que resulte diretamente de uma norma administrativa ou de um ato administrativo anteriormente praticado.
Isto é, a obrigação de prestar por parte da Administração deve encontrar-se já definida por um anterior ato jurídico, pelo que a recusa de entregar a coisa ou a quantia ou de prestar o facto não corresponde a um ato administrativo de indeferimento, mas a uma mera declaração de recusa, contra a qual se impõe reagir, não através da impugnação contenciosa, mas por via de uma ação condenatória” – Mário Aroso e Carlos Alberto Cadilha Comentário ao CPTA, p. 261, anotação ao art. 37º.
Ora, é exactamente o caso sub iudice onde sob a “veste” do pedido de certidão o que a Recorrida pretende é que a Recorrente preste / emita a certidão de destaque – que lhe foi expressamente negada, através do acto de rejeição liminar – por via do deferimento tácito da impugnação administrativa por si interposta de tal acto denegatório.
Como aludem Fernanda Paula Oliveira e Outras o legislador no art. 114º do RJUE foi mais benevolente que o regime do CPA, pois através da impugnação graciosa – anula os efeitos de acto denegatórios proferidos pela Adm. “... De facto, este e um novo procedimento, de segundo grau, tendo sido adotada, no âmbito deste diploma especifico, uma solução diferente da que vale em geral para o silencio administrativo nos procedimentos de impugnação – a possibilidade de utilizar os meios contenciosos para fazer valer o seu direito a decisao, de acordo com o CPA.
Forma-se, assim, um ato de deferimento tácito da pretensão deduzida pelo impugnante, ato este que e considerado, segundo a jurisprudência e doutrina administrativas, um ato administrativo em sentido substantivo, pelo que devem dele ser retirados os devidos efeitos”.
Alertando, porém que “ aliar esta consequência jurídica as impugnações administrativas em matéria urbanística pode revelar-se, na prática, muito complexo, uma vez que nos encontramos perante relações muitas vezes multipolares, podendo haver impugnações administrativas varias, não só do destinatário do ato, como de contrainteressados do mesmo, com as quais se pretende a obtenção de efeitos jurídicos diversos. Julgamos, por isso, que o legislador deveria ter repensado esta solução, ajustando-a melhor aos termos do contencioso administrativo.” - in obra citada, p. 719 (ainda há pouco neste TCA se discutia através do presente meio processual o direito de uma contra-interessada à emissão de certidão de declaração de nulidade do acto de licenciamento duma moradia contígua, tendo por fundamento o deferimento tácito da impugnação administrativa do indeferimento expresso de tal declaração por parte da edilidade respectiva!).
Logo, se estamos a falar de direitos derivados de actos administrativos – sejam expressos ou silentes – o meio processual de intimação para a passagem de certidão ou prestação de informações não se adequa ao pedido e ao tipo de litígio que envolve – revelador é o acórdão que obteve vencimento que devolve à Administração, a emissão ou não da certidão de destaque, em função do juízo de nulidade ou não do acto de deferimento tácito, que foi o cerne da oposição do ora Recorrente. O que significa que o litígio se mantém, o que é revelador da impropriedade do presente meio processual.
Cremos, pois, que os direitos derivados para o particular por via do deferimento tácito a que alude o art. 114.º, n.º 2, do RJUE, na falta de norma expressa, deverá seguir os termos da acção administrativa. Devendo ser intentada a acção administrativa nos termos do artigo 37º, nº 1, al. j) do CPTA. Ficando, deste modo, assegurado em pleno a discussão e prova quanto aos direitos reclamados pelo particular do acto administrativo silente.
Teríamos, por isso, considerado procedente a excepção dilatória inominada de impropriedade do meio processual, absolvendo o ora Recorrente da instância – cf. art. 576º, nº 2 do CPC ex vi art. 1º do CPTA
Lisboa, 18 de Março de 2021
(Ana Cristina Lameira)

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(1) Sobre questão similar já teve oportunidade de se pronunciar este Tribunal Administrativo Sul, em decisão de 14.07.2011, P.07185/11, disponível em www.dgsi.pt ; esta decisão foi objeto de anotação nos Cadernos de Justiça Administrativa n.º 93, Maio/Junho de 2012, por LUÍS PEREIRA COUTINHO, em sentido convergente quanto à tramitação a seguir nestes processos de intimação sui generis.
(2) In Contencioso dos atos administrativos de controlo prévio das operações urbanísticas, disponível no repositório da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2015, pgs.15 e 20.
(3) In Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação Comentado, 2012, pgs. 121 e 126.
(4) V. também, neste sentido, NUNO MIGUEL MARRAZES, As certidões de destaque enquanto atos verificativos da legalidade urbanística de uma operação de reestruturação fundiária, in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 29/30 (Jan./Dez. 2008), pg. 222.
(5) P. 035/18.7BEBJA, disponível em www.dgsi.pt