Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04909/01
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/17/2003
Relator:Dulce Manuel Neto
Descritores:IMPOSTO SOBRE BEBIDAS ALCOÓLICAS
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO IMPUGNADO
FALTA DE DEVOLUÇÃO DO EXEMPLAR Nº 3 DO DAA
RESPOSNABILIDADE DO EXPEDIDOR
Sumário:1. Se na fundamentação do acto tributário impugnado existe um discurso justificativo, claro, congruente e suficiente para revelar o iter cognoscitivo e valorativo seguido, inexiste o vício de falta de fundamentação, independentemente do acerto factual ou jurídico dessa fundamentação.
2. A falta ou insuficiência da fundamentação constante da notificação apenas contende com a eficácia do acto notificado e já não com a validade do acto em si, pelo que não pode determinar a anulação do acto tributário impugnado por vício de falta de fundamentação.
3. Do disposto no art. 19º do DL nº 52/93, de 26-02, resulta que só quando o exemplar nº 3 do DAA é devolvido ao expedidor, visado pela estância aduaneira de destino, certificando que a mercadoria foi regularmente recebida, é que se considera existir apuramento do regime de circulação em suspensão de imposto -(cfr. nºs 3 e 6 al. b);
4. Assim, a falta de entrega do exemplar nº 3 determina o não apuramento do regime de suspensão, presumindo a lei que no caso da não entrega desse exemplar os produtos terão sido introduzidos no consumo.
5. A dívida do IEC liquidada pela Alfândega face à situação de não apuramento é da responsabilidade do expedidor, a menos que este prove que a mercadoria foi efectivamente recebida de forma regular no destino, sendo essa prova feita, nomeadamente, através do DAA que preencha as condições previstas no art. 19º (cfr. art. 15º nº 6) ou através de outro meio de prova idóneo a demonstrar o facto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juizes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo:



V...Ldª com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida no processo de impugnação judicial deduzida contra as liquidações de imposto sobre bebidas alcoólicas no valor total de 18.606.412$00 levadas a cabo pelos serviços aduaneiros de Faro.
Terminou a sua alegação de recurso formulando o seguinte quadro conclusivo:
- a)- A alegante procedeu à remessa da mercadoria, em regime de suspensão, para o entreposto fiscal da destinatária, Adega Cooperativa da Lourinhã, tendo solicitado informação prévia sobre essa possibilidade junto da Alfândega de Faro;
- b)- Processou, para o efeito, os respectivos DAA que acompanharam a mercadoria até ao seu destino;
- c)- A mercadoria foi, efectivamente, recepcionada pela destinatária que a introduziu irregularmente no consumo;
- d)- Cumpriu, assim, todas as obrigações relacionadas com o funcionamento do regime suspensivo, designadamente informando a Alfândega do não apuramento da expedição;
- e)- A alegante não introduziu, irregularmente, as bebidas alcoólicas no consumo, não sendo, por isso, sujeito passivo da relação jurídica tributária;
- f)- São, assim, inaplicáveis à alegante o art. 3º do Decreto-Lei nº 104º/93, de 5 de Abril, bem como o nº 9 do art. 19º e o nº 7 do art. 20º do Decreto-Lei nº 52/93, de 26 de Fevereiro;
- g)- A ter havido qualquer ilegalidade na introdução da mercadoria no consumo, só poderá ser imputável à Adega Cooperativa da Lourinhã e aos seus representantes nos termos do art. 3º do Decreto-Lei nº 104/93, de 5 de Abril;
- h)- Na sentença recorrida não foi apreciada correctamente a matéria de facto dando não provado que a Adega Cooperativa da Lourinhã não recebeu as bebidas alcoólicas quando ficou provado documentalmente e testemunhalmente que essa Adega as recebeu efectivamente e não foi apresentada qualquer fundamentação para afastar a validade intrínseca da prova produzida;
- i)- Na sentença recorrida também não foram apreciadas as questões de direito carreadas pela alegante e não foram especificados os fundamentos de direito que justificariam a decisão, limitando-se a referir o nº 9 do art. 19º do Decreto-Lei nº 52/93, de 26 de Fevereiro, o qual, por se tratar de uma norma meramente formal, não pode justificar o teor da referida decisão;
- j)- As disposições combinadas dos arts. 144º nº 1 do CPT, 660º nº 2 e 668º do CPC, impõem ao juiz a obrigação de conhecer todas as questões que as partes hajam submetido, verificando-se, assim, omissão de pronúncia;
- l)- Houve, assim, por parte da douta decisão recorrida errada apreciação da matéria de facto, omissão de pronúncia e violação e errada interpretação e aplicação da lei substantiva e da lei processual, designadamente do nº 1 do art. 3º do Decreto-Lei nº 104/93, de 5 de Abril, do nº 9 do art. 19º e nº 7 do art. 20º do Decreto-Lei nº 52/93, de 26 de Fevereiro e dos nºs 2 e 3 do art. 659º, do nº 2 do art. 660º e das alíneas b) e d) do nº 1 do art. 668º do Código de Processo Civil;
- m)- A sentença recorrida está, pois, ferida de nulidade nos termos das alíneas b) e d) do nº 1 do art. 668º do CPC, aplicável por força da alínea f) do art. 2º do Código de Processo Tributário;
- n)- A sentença recorrida enferma ainda de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito, por errada interpretação e aplicação das normas aplicáveis referidas.
Pediu que, dando provimento ao recurso, se considerasse nula a sentença recorrida com fundamento, designadamente, nas alíneas b) e d) do nº 1 do art. 668º do CPC, ou que se revogasse essa sentença por erro nos pressupostos de facto e de direito determinantes de uma errada interpretação e aplicação das normas referidas.
* * *

O Exmº Director da Alfândega de Faro apresentou contra-alegações para pugnar pela manutenção do julgado.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso por considerar que a sentença recorrida não merece qualquer reparo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
* * *

Suscitada que foi a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, importa começar por apreciar e decidir tal questão.
Segundo a alegação de recurso e respectivas conclusões, tal vício formal da sentença consistiria no facto de não terem sido apreciadas todas as questões colocadas e de não terem sido especificados os fundamentos de direito que justificariam a decisão (cfr. alíneas i) e j) das conclusões).
Sabido que o juiz deve conhecer de toda as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, sob pena de, não o fazendo, a sentença ficar ferida de nulidade (art. 144.º do CPT, a que corresponde o actual art. 125º do CPPT, e arts. 660º nº 2 e 668º nº 1 al. d) do CPC), vejamos o que aconteceu nos presentes autos.
Da leitura da petição de impugnação decorre que a impugnante imputara às liquidações impugnadas os seguintes vícios:
· falta de fundamentação;
· erro nos pressupostos de facto, em virtude de a mercadoria ter sido recepcionada no destinatário e ter sido este quem a introduziu irregularmente no consumo sem o pagamento do imposto;
· violação de lei por ofensa do disposto no art.19º do D.L. nº52/93, de 26/02, em virtude de esta norma não ter sido infringido pela impugnante;
· violação de lei por ofensa do disposto no art.3º nº1 do D.L. nº104/93, de 5/04, e do art. 20º nº 7 do D.L. nº 52/93, em virtude de o sujeito passivo do imposto ser a Adega Cooperativa da Lourinhã e não a impugnante.

Na sentença recorrida, depois de se ter explicitado porque razão se entendia não existir o arguido vício de falta de fundamentação, aduziu-se mais o seguinte: «Por outro lado, e em sede do arguido vício de violação de lei, se dirá que o mesmo não existe, pois as liquidações em causa aplicaram devidamente o disposto no art. 19º nº 9 do Dec.Lei 52/93, de 26/02, na redacção que lhe deu a Lei 39-B/94, de 27/12. Tem assim, a impugnação deduzida que improceder».
Ou seja, o Mmº Juiz “a quo” não se pronunciou sobre todas as questões colocadas, omitindo, designadamente, pronúncia sobre o invocado vício de lei por ofensa do disposto no art. 3º nº 1 do D.L. nº 104/93, de 5-04, e do art. 20º nº 7 do D.L. nº 52/93, de 26-02, apesar de o seu conhecimento não estar prejudicado pela solução dada às questões apreciadas.
Pelo que ocorre a invocada nulidade da sentença recorrida.
Tal nulidade não obsta, porém, a que este Tribunal de recurso conheça do objecto da impugnação, impondo-se-lhe mesmo esse conhecimento por força do preceituado no art. 715º nº 1 do CPC, pelo que se passa de imediato à fixação da matéria fáctica pertinente e à apreciação jurídica das questões suscitadas na impugnação.
* * *

Com interesse para a decisão da causa, julgam-se provados os seguintes factos:
- 1)- A impugnante, enquanto depositário autorizado e titular do entreposto fiscal de armazenamento sito na área do posto aduaneiro de Portimão, apresentou em 17/02/98, na Alfândega de Faro, três Documentos Administrativos de Acompanhamento (DAA’s) com os nºs 1993, 1994 e 1995, referentes à expedição em 15/12/98 de bebidas alcoólicas de diversas categorias, com destino à Adega Cooperativa da Lourinhã, titular do entreposto fiscal de produção (cfr. docs. de fls. 30 a 32);
- 2) - Essas bebidas encontravam-se em suspensão de imposto;
- 3)- A impugnante não recebeu os exemplares nº 3 desses DAA’s para apuramento do regime, não tendo informado disso a Alfândega de Faro no prazo de 2 meses subsequentes à expedição das referidas bebidas alcoólicas;
- 4)- Em auto de declarações lavrado em 18/12/98 o sócio gerente da Adega Cooperativa da Lourinhã, Alfredo Manuel Carvalho da Silva, declarou a uma equipa de inspecção dos serviços aduaneiros de Alverca que não recebera nem encomendara quaisquer bebidas espirituosas à aqui impugnante e que por esse motivo os DAA’s emitidos por aquela em 15/12/98 com os nºs 1993, 1994 e 1995, cujas cópias lhe foram presentes pela equipa inspectiva, não tiveram como destino o Entreposto Fiscal dessa Adega, tendo sido utilizado abusivamente o seu nome e número de identificação
- 5)- Em 22/03/99, isto é, decorridos mais de três meses sobre a data da expedição, a impugnante requereu ao Director da Alfândega do destino (Alverca) que se dignasse comunicar-lhe se os mesmos haviam sido entregues aí conforme fora informada pela destinatária da mercadoria (cfr. doc. de fls. 16);
- 6)- Em resposta, a Alfândega de Alverca informou a impugnante de que os DAA’s não haviam sido ali recebidos e que a Adega Cooperativa da Lourinhã não podia receber nesse entreposto bebidas já fabricadas - cfr. ofício de fls. 17 - adiantando posteriormente que essa Adega não havia recepcionado as mercadorias declaradas, sendo por isso que não apresentara os exemplares dos DAA’s, e que por ser apenas titular de Entreposto Fiscal de Produção não possuía estatuto fiscal ou entreposto fiscal que lhe permitisse receber bebidas alcoólicas produzidas noutros entrepostos fiscais- cfr. ofício de fls. 18;
- 7)- Em 28/04/99 a Alfândega de Alverca informou a Alfândega de Faro de que os exemplares nº 3 daqueles DDA não tinham sido apresentados e que o gerente da Adega Cooperativa da Lourinhã havia afirmado, em auto de declarações, desconhecer esses documentos e que a mercadoria em causa não havia dado entrada no seu entreposto fiscal (cfr. doc. de fls. 33);
- 8)- Tal circunstancialismo levou a que a Alfândega de Faro procedesse à liquidação do imposto sobre bebidas alcoólicas devido, no valor total de 18.606.412$00, e ao seu registo com os números 900015, 900016 e 900017;
- 9)- A impugnante foi notificada das liquidações em 21/06/99 e para no prazo de 5 dias fazer o seu pagamento (cfr. doc. de fls. 38);
- 10)- A impugnação deduzida contra essas liquidações foi instaurada em 16/09/99.
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As liquidações impugnadas estribam-se no disposto no art. 19º, conjugado com o disposto no art.15º, ambos do Dec.Lei nº 52/93, de 26-02, apoiando-se nos seguintes factos:
- em 15/12/98 a impugnante expediu, do seu entreposto fiscal, bebidas alcoólicas, em suspensão de imposto, para o entreposto fiscal da “Adega Cooperativa da Lourinhã, CRL”, apresentando na Alfândega de Faro os respectivos documentos administrativos de acompanhamento (DAA’s com os nºs 1993, 1994 e 1995);
- a impugnante não apresentou os exemplares nº 3 desses DAA’s nos termos consignados no art. 19º do D.L. nº 52/93, de 26/2, e tendo a Alfândega de Faro indagado do apuramento do regime de circulação através da estância aduaneira de destino (Alfândega de Alverca) esta informou que nenhum desses DAA’s lhe fora presente e que o gerente da “Adega Cooperativa da Lourinhã” declarara desconhecê-los, afirmando que a mercadoria em causa não fora encomendada nem dera entrada no seu entreposto fiscal.

Na impugnação deduzida contra essa liquidação, a impugnante imputa-lhe, como vimos, os seguintes vícios:- falta de fundamentação; erro nos pressupostos de facto; violação de lei por ofensa do disposto no art. 19º do D.L. nº 52/93, de 26 de Fevereiro, no art. 3º nº 1 do D.L. nº 104/93, de 5 de Abril, e do art. 20º nº 7 daquele D.L. nº 52/93.

Quanto ao vício de falta de fundamentação.
Como é sabido e consabido (e dispensamo-nos de grandes explanações acerca desta matéria, mais que debatida na doutrina e na jurisprudência), a função da fundamentação é mostrar qual o processo cognoscitivo e valorativo e os pressupostos adoptados pelo autor do acto. Se esse entendimento for ilegal e esses pressupostos estiverem errados não há falta de fundamentação, mas violação de lei de fundo.
Daí que o que releva para efeitos de cumprimento do dever de fundamentação é a apresentação de um discurso justificativo da decisão, que seja claro, congruente e suficiente para revelar o iter cognoscitivo e valorativo seguido, independentemente do seu acerto factual ou jurídico.
Ora, no caso dos autos, e face à matéria que acima deixámos exposta e que suporta o acto de liquidação, este não pode deixar de considerar-se fundamentado. E embora se compreenda que o recorrente não concorde com essa fundamentação, já é difícil compreender que sustente que o acto não está fundamentado.
Por outro lado, a falta ou insuficiência da fundamentação constante da notificação da liquidação apenas contende com a eficácia do acto tributário notificado (isto é, com a aptidão do acto para produzir imediatamente os efeitos que dele normalmente decorrem) e já não com a legalidade do acto notificado (isto é, com a qualidade demonstrada pelo acto que é praticado pelo órgão para tanto competente e com observância de todas as formalidades legais).

Tal como se refere no recente Acórdão do STA de 24/04/02, proferido no Rec. nº 26636, «A eventual irregularidade da notificação não gera qualquer vício de forma do acto impugnado pois não respeita à validade do mesmo mas à sua eficácia; não aos elementos do acto propriamente ditos mas à realização deste na ordem jurídica. Tal notificação não constitui mais que um acto complementar que apenas assegura a plena eficácia do acto comunicando. O que, aliás, constitui jurisprudência uniforme e reiterada deste STA - cfr., por mais recentes, os Acs. de 24/01/02 Rec. 26.376, 12/12/01 Rec. 26.529, 20/06/01 Rec. 25.955, 08/03/01 in Fiscalidade 6.38, 15/12/99 Rec.s 24.143 e 23.480,10/02/99 Rec. 23.093, 23/09/98 Rec.15.224, 11/03/98 Rec. 22.004, 12/02/98 Rec.14.320, 06/06/95 in Acs. Dout. 416/17- 968 e do TC de 08/Out/96 in D.R., 2ª Série, de 13/12/96.
Nem o exposto contraria qualquer princípio ou preceito constitucional, logo porque, dando direito a que se requeira a notificação dos elementos omitidos, difere o prazo da reclamação graciosa e da impugnação judicial, ut art. 22º do CPT, permitindo ainda o uso do meio processual de intimação previsto no art. 166°».
Em conclusão, a insuficiência de fundamentação do acto de notificação não afecta a validade do acto notificado e, como tal, essa circunstância não constitui vício que inquine a legalidade do acto tributário impugnado e que determine a respectiva anulação.
Razão porque não procede este vício.

Quanto ao vício de violação de lei por ofensa do art. 19º do D.L. nº 52/93, de 26-02 e erro nos pressupostos de facto.
O citado D.L. nº 52/93 (actualmente revogado pelo Código de dos Impostos Especiais de Consumo aprovado pelo D.L. nº 566/99, de 22-12) havia transposto para o direito interno a Directiva 92/12/CEE, do Conselho de 25/2/92, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (tendo-lhe sido aditados alguns números aos arts. 19º, 20º e 21º pela Lei nº 39-B/94, de 27-12 - O. E. para 1995).
Esse diploma previa o regime de suspensão desses impostos (IEC), isto é, «o regime fiscal aplicável à produção, transformação, detenção e circulação dos produtos em suspensão dos IEC» (art. 3º/c), regime que constitui uma vantagem para o vendedor de produtos sujeitos a IEC, permitindo o pagamento do imposto apenas quando a mercadoria entra no consumo.
E esclarecia o que se considerava por introdução no consumo, referindo as situações a que tal figura se aplicava, contemplando no art. 5º nº 2 al. a) «toda e qualquer saída desses produtos de um regime de suspensão».
Assim, porque nesse regime de suspensão, o imposto não era logo liquidado ao vendedor/expedidor, o D.L 52/93 estabelecia uma série de medidas que visavam impedir a fuga ao pagamento do imposto. Por isso se estipulava no art. 15º nº 1 que a circulação em regime de suspensão dos produtos sujeitos a IEC, ainda que sujeitos à taxa zero, devia ser efectuada entre entrepostos fiscais, e se estabelecia no art. 18º nº 1 que todos os produtos sujeitos a IEC que circulem em regime de suspensão em território nacional deverão ser acompanhados de um documento emitido pelo expedidor, nos termos do Regulamento (CEE) nº 2719/92, da Comissão, de 11 de Setembro.
Este documento que acompanha os produtos sujeitos a IEC que circulem em regime de suspensão de imposto em território nacional, e que visa permitir o controle da situação fiscal desses produtos, é o DAA a que alude o art. 19º, preceito que reza assim:
1. A DGA será informada pelos operadores das remessas expedidas e recebidas, por meio de documento ou de uma referência ao documento referido no art. 18º, no prazo de dois dias úteis contados a partir da data da expedição ou da recepção.
2. Este documento será emitido em cinco exemplares, destinando-se:
a)- O exemplar nº 1 ao expedidor;
b)- O exemplar nº 1-A à estância aduaneira de expedição
c)- O exemplar nº 2 ao destinatário;
d)- O exemplar nº 3 a ser reenviado ao expedidor para apuramento;
e)- O exemplar nº 4 às autoridades competentes do estado membro de destino.
3. Quando o destino for o território nacional, o exemplar nº 3, destinado a ser reenviado ao expedidor para apuramento, será visado pela DGA.
4. O depositário autorizado, o operador registado ou não registado ou o representante fiscal estabelecido em território nacional devem enviar ao expedidor, para efeitos de apuramento, o exemplar referido no nº 3 o mais tardar até ao dia 15 do mês seguinte ao da recepção.
5. (...)
6. O regime de suspensão, tal como definido na alínea c) do artigo 3º, é apurado:
a)- (...)
b)- Após a recepção pelo expedidor do exemplar de reenvio do documento administrativo de acompanhamento ou de uma cópia do documento comercial devidamente anotados.
7. (...)
8. Em caso de não apuramento, o expedidor deve informar a DGA no prazo de dois meses a contar da data de expedição dos produtos.
9. Se, no prazo de três meses, a contar da data da expedição dos produtos, se mantiver a situação de não apuramento, a DGA liquidará o IEC a pagar e procederá ao correspondente registo de liquidação até ao dia 8 do 4º mês seguinte à data de expedição dos produtos, devendo as importâncias liquidadas ser pagas no prazo de 5 dias, contados a partir da data da notificação.

Donde resulta que só quando o exemplar 3 do DAA é devolvido ao expedidor, visado pela estância aduaneira de destino, certificando que a mercadoria foi regularmente recebida, é que se considera que o regime de circulação em suspensão de imposto foi apurado - cfr. nºs 3 e 6/b.
Em caso de não apuramento, o expedidor deve informar a sua estância aduaneira no prazo de 2 meses a contar da data de expedição, e caso se mantenha essa situação de não apuramento durante 3 meses a Alfândega tem de liquidar o IEC, imputando a dívida ao expedidor, já que os riscos inerentes à circulação do produto são cobertos pelo depositário autorizado expedidor, só podendo a sua responsabilidade ser libertada quando for feita prova de que os produtos foram regularmente recebidos no destino (cfr. art. 15º nºs 3 e 6).
Tal como se refere na obra “Impostos Especiais de Consumo” da autoria de Brigas Afonso e de Álvaro Caneira, em anotação ao art. 19º do citado D.L nº 52/93, o regime de suspensão é apurado pela colocação dos produtos sob um regime aduaneiro comunitário ou, na maioria dos casos, pela recepção do exemplar de reenvio do DAA, ficando o expedidor obrigado a ter especial cuidado em averiguar a idoneidade dos destinatários para quem expede produtos em suspensão, sob pena de poder vir a ser responsável pelo pagamento do IEC.
Em suma, face ao disposto no art. 19º do D.L nº 52/93, a falta de entrega do exemplar nº 3 determina o não apuramento do regime de suspensão, presumindo a lei que no caso da não entrega desse exemplar os produtos terão sido introduzidos no consumo.
Porém, como refere Rui Oliva, in “Impostos Especiais de Consumo e Regime Fiscal das Bebidas Alcoólicas”, págs. 78, trata-se de «uma presunção ilidível da responsabilidade do expedidor, como não pode deixar de ser, sob pena de se privilegiar o destinatário infractor, impondo uma penalização absurda ao expedidor que comprovadamente cumpriu as suas obrigações declarativas (envio do exemplar nº 1 à sua Alfândega e os devidos registos contabilísticos e de movimentos) e expediu regularmente a mercadoria, apenas pelo facto de não ter comunicado nos dois meses seguintes à expedição a falta de envio do exemplar nº 3 do DAA por parte do destinatário».
Em conclusão, a dívida do IEC liquidada pela Alfândega face à situação de não apuramento é da responsabilidade do expedidor, a menos que este faça prova de que a mercadoria foi efectivamente recebida de forma regular no destino, sendo essa prova feita, nomeadamente, através do DAA que preencha as condições previstas no art. 19º (cfr. art. 15º nº 6) ou através de outro meio de prova idóneo a demonstrar o facto.

No caso vertente, resulta do probatório que a impugnante (expedidor) não informou a estância aduaneira competente (Alfândega de Faro) nos termos e prazos previstos no art. 19º nº 8 da falta de recepção do exemplar nº3 do DAA e da consequente situação de não apuramento, deixando mesmo que essa situação se mantivesse durante mais de três meses a contar da data da expedição dos produtos.
O que desde logo legitima a actuação da Alfândega de liquidar o respectivo IEC, de harmonia com o disposto no art. 19º nº 9 do DL 52/93, face à presunção de que os produtos terão sido introduzidos no consumo.
De qualquer forma, a Alfândega de Faro contactou a estância aduaneira de destino (Alfândega de Alverca) no sentido de saber se os DAA’s aí tinham sido apresentados (já que a lei impõe que aí fossem visados), tendo-lhe esta respondido negativamente e adiantando que o gerente da firma destinatária afirmara, em auto de declarações, não ter a sua firma recebido ou sequer encomendado quaisquer bebidas à impugnante.
Perante este quadro factual e face ao disposto nos arts. 19º nº 9 e 15º nº 6 do D.L. nº 52/93, procedeu a Alfândega de Faro à liquidação do IEC referente a essa expedição, não ocorrendo qualquer violação de lei por indevida aplicação desses normativos.
E assim sendo, competia à impugnante ilidir a referida presunção, provando que a mercadoria foi regularmente recebida no destino pela Adega Cooperativa da Lourinhã, o que não logrou fazer.

Com efeito, a prova produzida não é suficiente para nos convencer de que a mercadoria tenha sido efectivamente recepcionada no entreposto fiscal da destinatária.
O depoimento da testemunha Joaquim Ivan Dias Pinho da Silva (que afirma ter acompanhado um sócio da impugnante, de apelido Nunes, na ida à Lourinhã para descarregamento da mercadoria em causa e que afirma ter visto um tal Dr. Manuel Duarte, membro da direcção da Adega Cooperativa da Lourinhã, assinar as guias de transporte), perde credibilidade quando se constata que faltou à verdade ao afirmar que nunca tinha tido qualquer entreposto fiscal, e que apesar de ter requerido a abertura de um para armazenamento de bebidas alcoólicas em Braga havia desistido desse requerimento, assim como desistira do requerimento de entreposto fiscal em Vilamoura em virtude de o processo demorar muito a ser apreciado.
É que, como resulta dos documentos juntos pelo Rep. Fazenda Pública (fls. 107 a 153), essa testemunha fora titular de um entreposto fiscal de armazenamento de bebidas alcoólicas na área de jurisdição da Alfândega de Braga, com o estatuto de depositário autorizado, e viu esse estatuto cancelado pela Alfândega em 1996, no decurso de uma acção inspectiva que detectou várias irregularidades, como a expedição de mercadoria em suspensão de IEC sem acompanhamento do respectivo DAA. Por outro lado, o requerimento de abertura de um entreposto fiscal em Vilamoura foi expressamente indeferido em 1998 pela Alfândega de Faro com base nas irregularidades cometidas na área de jurisdição da Alfândega de Braga.
O que, aliado ao facto de contrariar o teor das declarações prestadas pelo gerente da Adega Cooperativa da Lourinhã junto da Alfândega no sentido de que a mercadoria nunca fora encomendada e expedida para aí (cfr. auto de declarações documentado a fls. 35/36), impede que o Tribunal se deixe convencer quanto à veracidade do seu testemunho.
Por outro lado, as cópias das guias de transporte, com rubricas inelegíveis, desacompanhadas de outros elementos de prova (como, por exemplo, o depoimento de pessoas ligados à empresa transportadora, a apresentação de elementos de prova da encomenda da mercadoria pela Cooperativa da Lourinhã e do respectivo pagamento por esta) mostram-se insuficientes para que se possa dar como provado que a mercadoria foi encomendada e recebida pela Adega Cooperativa da Lourinhã.

Em suma, a impugnante, ora recorrente, não provou o invocado erro nos pressupostos de facto da liquidação e daí que não possa, com tal argumento, ver afastada a responsabilidade que lhe cabe pelo pagamento do IEC em causa nos presentes autos.

Quanto ao vício de violação de lei por ofensa do art. 20º nº 7 do D.L. nº 52/93, e do art. 3º nº 1 do D.L. nº 104/93, de 5/04.
Do que acima deixámos exposto, resulta à evidência a falta de razão da recorrente quanto a este vício, já que ela é, efectivamente, o sujeito passivo do imposto.
Com efeito, quanto ao sujeito passivo do IEC, dispõe o art. 3º do citado D.L. nº 104/93:
«1- São sujeitos passivos do imposto, os depositários autorizados, os operadores registados, os operadores não registados, os representantes fiscais e os arrematantes em hasta pública.
2- (...)
3- No caso de produção, detenção ou introdução no consumo irregulares, são sujeitos passivos do imposto, as pessoas que produzem ou detenham as bebidas alcoólicas».

Por sua vez, o nº 7 do art. 20º do D.L. nº 52/93 dispõe que «São solidariamente responsáveis pelo pagamento dos IEC as pessoas singulares ou colectivas que, irregularmente, produzam, detenham ou introduzam no consumo produtos sujeitos àqueles impostos».

O que conjugado com o disposto no art. 19º nºs 6 e 9 do DL 52/93 e com o que acima ficou referido, permite concluir que, nas situações como a dos autos, o responsável pelo pagamento do IEC é o expedidor, o qual, se houver razões para tal, poderá em sede própria reclamar do adquirente os montantes pagos, sem que tal interfira na sua responsabilidade perante as autoridades aduaneiras - cfr., neste sentido, o Acórdão do S.T.A. de 8/03/01, no Proc. nº 25339, cujo sumário é o seguinte:
«Em regime de suspensão de impostos especiais de consumo (IEC), a não devolução do exemplar 3 do documento administrativo de acompanhamento (DAA), determina desde logo o apuramento do regime, sendo responsável pelo pagamento do montante liquidado, nos termos das disposições dos artigos 1º do DL 104/93, de 5/4 e 19º nºs 6 e 9 do DL 52/93, de 26/2, o expedidor.».
Razão porque a liquidação não padece dos vícios que lhe vêm assacados, sendo de julgar improcedente a respectiva impugnação.

* * *

Termos em que se acorda em conceder provimento ao recurso, declarar nula a sentença recorrida e, em substituição, julgar improcedente a impugnação.
Custas, mas só em 1ª instância, pela impugnante (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza).


Lisboa, 17 de Junho de 2003