Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8160/14.7BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS
Sumário:I. A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.
II. A simples constatação de existência de irregularidades na contabilidade não é suficiente para a demonstração do recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria tributável.
III. A evidenciação dos pressupostos de recurso a métodos indiretos não se basta com a existência de meros elencos de irregularidades da contabilidade, sendo imprescindível que se espelhe de que forma essas irregularidades são impeditivas, no todo ou em parte, do recurso ao método direto de avaliação da matéria tributável.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante FP ou Recorrente) veio apresentar recurso da sentença proferida a 30.06.2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por A..., entretanto falecido, tendo sido habilitadas para prosseguirem os autos M..., S... e V... (doravante Recorridas ou impugnantes), impugnação essa que teve por objeto as liquidações de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), relativas aos anos de 1996 e 1997.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“a) A douta sentença violou os artigos 661/1 do CPC, 668/1 alínea d) do CPC [actuais artigos 609° e 615° do CPC], o artigo 125° do CPPT, em virtude do tribunal “a quo” não ter considerado toda a prova carreada aos autos e não se ter pronunciado sobre questões que devia apreciar.

b) Assim, quanto ao primeiro vício da contabilidade (da impugnante) apontado pela inspecção como fundamentador da necessidade inelutável do recurso a métodos indirectos - que “Relativamente às existências finais dos anos de 1995, 1996 e 1997, possui apenas um arrolamento que serve de suporte aos registos contabilísticos, que face à sua variação, por não existirem compras significativas no final de cada ano, concluímos que não correspondem à realidade efectiva, face à rotação constante do consumo das matérias primas -, ou seja, falta de credibilidade dos inventários físicos das existências finais nos exercícios de 1995, 1996 e 1997, tal é corroborado no depoimento prestado pela testemunha E..., ao referir que “4.000 Kg. de farinha dá para cerca de duas semanas”, sendo certo que “faziam compras para um mês”, referindo depois a testemunha J... que “gastam cerca de 1.500 Kg de farinha por dia”, sendo que “4.000 Kg não dava para uma semana”. Ora, foram declarados pelo impugnante de existências finais, em 1995, 4.000 Kg. que, de acordo com J..., não chegavam para uma semana sendo certo que “faziam compras para um mês”, e em 1996 apenas 58.000 Kg, e nestes 2 anos apenas foram declaradas existências finais da farinha tipo 65. E ainda revelador o facto de “gastarem cerca de 1.500 Kg. de farinha por dia”, obrigando-os a ter um stock mensal de pelo menos 30.000 Kg., ao que acresce o facto da padaria não gastar apenas um tipo de farinha.

c) Sendo que esta prova foi totalmente desconsiderada pelo tribunal “a quo” em violação dos artigos 661/1 do CPC, 668/1 alínea d) do CPC [actuais artigos 609° e 615° do CPC], do artigo 125° do CPPT.

d) Ainda no concernente à explicitação da fundamentação de facto e à conclusão pela douta sentença, após análise de alguns dos vícios da contabilidade apontados pela inspecção como fundamentadores da necessidade inelutável do recurso a métodos indirectos, da falta de fundamentação adequada dos pressupostos de que depende o recurso aos métodos indirectos, é de evidenciar que, apesar de na matéria de facto dada como provada, a douta sentença ter mencionado outros fundamentos para aplicação de métodos indirectos:

e) O tribunal “a quo” na matéria de direito analisou apenas os fundamentos para aplicação de métodos indirectos elencados de 1) a 4) nos “motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos”, desconsiderando o restante elenco dos fundamentos para aplicação de métodos indirectos constantes dos n° 5), 6), 7), 8), 9), 10) 11), 12), 13) e 14).

f) Assim, foi desconsiderado o facto da inspecção ter constatado que o impugnante não possui contabilidade de custos (analítica) de produção, impossibilitando a análise da repartição da produção pelos vários tipos de pão produzidos (pontos 5 e 6 dos fundamentos para aplicação de métodos indirectos elencados pela inspecção); a constatação pela inspecção, a partir dos consumos de farinha dados a conhecer e omitidos, de fabrico de maior quantidade de pão do que aquele que é dado a conhecer pela contabilidade (fundamentos para aplicação de métodos indirectos elencados em 7 a 11 pela inspecção); a impossibilidade de determinação do volume de vendas para retalhistas para posterior venda em virtude da inexistência de contas separadas na contabilidade, tendo sido estimada uma percentagem a partir dos apuros mensais (fundamentos para aplicação de métodos indirectos elencados em 12 pela inspecção).

g) Fundamentos estes a corroborar a evasão fiscal constatada nas vendas efectuadas e não declaradas, partindo, por um lado, dos consumos de farinha que o impugnante declarou e, por outro, dos consumos de farinha que a inspecção detectou como omitidos à contabilidade, vendas omitidas cujo valor obtido apenas foi aproximado em virtude da impossibilidade de proceder a uma correcção técnica, como evidenciado pela inspecção.

h) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela fazenda. O tribunal “a quo” na matéria de facto desconsiderou os fundamentos para aplicação de métodos indirectos elencados nos “motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos”, constantes dos n° 5), 6), 7), 8), 9), 10) 11), 12), 13) e 14), sendo de importância relevante no sentido de determinar a revogação da douta sentença, como supra evidenciado”.

As Recorridas não apresentaram contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há nulidade por omissão de pronúncia, em virtude de o Tribunal a quo não ter considerado toda a prova carreada aos autos e não se ter pronunciado sobre questões que devia apreciar?

b) Há erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto?

c) Há erro de julgamento em virtude de estarem demonstrados todos os pressupostos de recurso a tributação por métodos indiretos?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1) Em cumprimento Ordem de Serviço n.º 5760, de 15-03-1999, foi efectuada uma acção inspectiva ao impugnante, com início em 23-03-1999, em sede de IRS e IVA, incidente sobre os exercícios de 1996 e 1997.

Cfr. fls. 72 do Processo Administrativo (PA) apenso

2) Em 09-07-1999, foi elaborado o RELATÓRIO FINAL DA INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA [RIT] de fls. 69 a 83 do PA apenso, cujo teor aqui se dá aqui por integralmente reproduzido, e donde se destaca, além do mais, o seguinte:

«(...)

III - MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS.

1) - Trata-se de um sujeito passivo com a actividade de panificação (produção de pão), possuindo escrita devidamente organizada segundo as leis fiscais e comerciais, enquadrado em Iva no regime normal mensal, e para IRS - Categoria C, pela Repartição de Finanças da Guarda;

2) - Relativamente às existências finais dos anos de 1995, 1996 e 1997, possui apenas um arrolamento que serve de suporte aos registos contabilísticos, que face à sua variação, por não existirem compras significativas no final de cada ano, concluímos que não correspondem à realidade efectiva, face à rotação constante do consumo das matérias-primas;

3) - Feito um controle de aquisição de matérias-primas, e mais propriamente farinhas dos vários tipos, concluímos que relativamente ao exercício de 1997, omitiu a aquisição de 12 000 Kgs de farinha tipo 65, constante da factura n° 5091/1, 08-09-97, do Fornecedor – L…, Lda, com sede em Av.ª de S…- G…;

4) - Os apuros diários na secção de venda a retalho junto da fabricação não estão devidamente apoiados em fitas de máquina registadora, talões de venda, ou qualquer outro meio informático ou electrónico, por força do determinado nos artigos 39° e 46° do CIVA;

5) O fabrico de pão há vários anos que não sofre alteração na sua confecção, a produção de pão por quilo de farinha depende apenas, e só da percentagem da humidade para as diversas farinhas utilizadas por iniciativa de cada fabricante, contudo, e face ao artigo 4° do D.L. n° 289/84, de 24 de Agosto, os teores de humidade admitidos para a confecção de pão, são os seguintes:


PÃO FABRICADO COM FARINHA TIPO 75 E 65 (1ª)

(HUMIDADE MÁXIMA - 14%)



PÃO FABRICADO COM FARINHA TIPO 65 E 70 (MISTURA)

(HUMIDADE MÁXIMA - 14%)


PÃO DE 45 grs (PAPO SECO) - (HUMIDADE MÁXIMA DE 25%)

PÃO DE 400, 450 e 500 grs - (HUMIDADE MÁXIMA DE 30%)

PÃO DE 800, 900, 1000 grs - (HUMIDADE MÁXIMA DE 30%);

6) - Como não existe uma base de imputação quantitativa e objectiva, por não possuir contabilidade de custos (analítica) de produção, propomos a seguinte repartição da produção com base no movimento mensal, como seja:

Papo secos (moletes) 40%

Pães de quartos pequenos e grandes 20%

Pão de mistura tipo mealhadas 20%

Pão Espanhol 3%

Pão centeio mistura 5%

Sêmeas grandes e pequenas 10%

Pão integral 1%

Pão de forma 1%;

7) - Os preços de venda de pão ao consumidor final, são os abaixo mencionados, face à tabela existente na secção de venda a retalho, desde 01-04-96, até à presente data, como sejam:


8) - Feito um controlo às existências iniciais, compras de matérias-primas de farinha do tipo 75,65 e 70, e finais do exercício de 1996, conclui-se que neste exercício consumiu 328,800 kgs de farinhas, como seja:

Iniciais tipo 65 4 000 kgs

Compras de M. Primas 65, 75 e 70 382 800 kgs

Finais tipo 65 (56 000) kgs

Consumo de M. Primas 328 800 kgs

9) - Feita uma imputação do consumo de quilos de farinha, conforme item 6 retro mencionado, obtemos os seguintes valores em quilos de farinha confeccionados por categorias de pão, como seja:

Papo secos 40% x 328800 kgs =131 520 kgs

Pães de quartos 20% x 328800 kgs = 65 760 kgs

Mealhadas 20% x 328800 kgs = 65 760 kgs

Pão Espanhol 3% x 328800 kgs = 9 864 Kgs

Pão Centeio 5% x 328800 kgs = 16 440 Kgs

Sêmeas Pequenas 8% x 328800 kgs = 26 304 Kgs

Pão Integral 1 % x 328800 kgs = 3 288 Kgs

Pão de Forma 1 % x 328800 kgs = 3 288 Kgs

Sêmeas Grandes 2% x 328800 kgs = 6 576 Kgs

328 800 Kgs

10)- Face à humidade máxima para as farinhas dos tipos 75, 70 e 65 serem de 14% e às várias humidades determinadas no item 4 retro mencionado, obtemos os seguintes valores de kgs de pão para cada tipo de produto fabricado, como seja:

10.1) Pães de 45 grs (humidade máxima de 25%)

100-14/100-25= 86/75 = 1,1467/kg : 45 grs = 25, 4 (pães), por kg, vezes 131 520 Kgs consumidos, será igual a 3 340 608 pães, ou 150,814 Kgs de pão

10.2) PÃES de 400, 450 e 500 grs (humidade máxima de 30%)

100-14/100-30= 86/70 = 1,228 Kgs de pão fabricado, que compreende as categorias de pão espanhol, centeio pequeno, pão de quartos grande, sêmea pequena e pão de forma, vezes o número de quilos consumidos de 121 656 Kgs de farinha, obtemos o valor de 149 394 Kgs de pão,

10.3) PÃO integral

100-14/100-33= 86/77= 1,1168 de pão fabricado, vezes o número de quilos consumidos de farinha de 3288 Kgs, será igual a 3 672 quilos de pão,

10.4) Mealhadas – 100 grs

100-14/100-30= 76/70 = 1,228 Kg de pão fabricado, vezes o número de quilos consumidos de 65 760 kgs, será igual a 80 753 quilos de pão,

10.5) SÊMEAS GRANDES - 900 grs (humidade máxima de 30%)

100-14/100-30 = 86/70 = 1,228 kgs de pão fabricado, vezes 6 576 kgs de farinha consumida, obtemos o valor de 8 075 kgs de pão;

11) - PRODUÇÃO A PREÇOS DE VENDA NORMAIS COM IVA INCLUÍDO - 1996 -

Papo secos (moletes) 150 814 kgs x 278$00 kg = 41 926292$

Pães de 400, 450 e 500 grs 149 394 kgs x 222$00 kg = 33 165468$

Pão Integral 3 672 kgs x 278$00 kg = 1 020816$

Pão de mistura tipo mealhadas 80 753 kgs x 250$00 kg = 20 188250$

Sêmeas 900 grs 8 075 kgs x 200$00 kg = 1 615000$

Total da produção 97 915826$

12) - Os produtos fabricados são na maioria vendidos para retalhistas para posterior venda, como não é possível determinar o volume destas vendas por não existirem contas separadas na contabilidade, e face aos apuros mensais, estimamos a percentagem de 60% para este tipo de vendas, os restantes 40% para vendas para consumidores finais, e 2% para quebras de produção e comercialização;

13) - VENDAS LIQUIDAS EXPURGADAS DO IVA E QUEBRAS DE PRODUÇÃO

Vendas Totais liquidas sem IVA ……………………………97 915 826$00: 1.05 = 93 253 167$00

Quebras de produção e comercialização …………93 253 167$ x 2% = 1 865 063$00

Vendas líquidas sem IVA ……………………………………………………………. 91 388 104$00;

14)- REPARTIÇÃO DAS VENDAS PARA RETALHISTAS E CONSUMIDORES FINAIS

Vendas para retalhistas …..91 388 104$00 x 60% = 54 832 862$00

Vendas consumid. Finais ....91 388 104$00 x 40% = 36 555 242$00, como regra geral para retalhistas e grandes empresas, é-lhe considerada uma percentagem de desconto de 20% sobre o preço de venda ao público, daí se concluir que as vendas liquidas para retalhistas e outras empresas, serem no valor de 43 866 290$00, como seja: 54 832 862$00 x 80%) = 43 866 290$, totalizando as vendas totais no montante anual de 80 421 532$00;


EXERCÍCIO DE 1997

1) - Face aos motivos evocados na parte III - itens 2, 3, 4, 5 e 6, procederemos ao cálculo dos produtos fabricados com base no consumo das matérias-primas (farinhas), como seja: 

Farinhas iniciais tipo 65 58 000 kgs

Compras de M. Prima tipo 75 e 65 436 200 kgs

Matéria Prima Omitida - item 3 - tipo 65 12 000 kgs

Compra de M. Prima tipo 70 101 750 kgs

Farinhas finais tipo 65 (140 500 kgs)

Farinhas finais tipo 70 (20 000 kgs)

Total de quilos consumidos 447 450 kgs

2) - Feita uma imputação do consumo de quilos de farinha, conforme bases de imputação para o ano de 1996, obtemos os valores seguintes em quilos imputados para os vários tipos de pão:

Papos secos (meletes) 40% X 447 450 kgs = 178 980 kgs

Pães de quartos 20% X 447 450 kgs = 89 490 kgs

Pão tipo mealhadas 20% X 447 450 kgs = 89 490 kgs

Pão espanhol 3% X 447 450 kgs = 13 423 kgs

Pão Centeio 5% X 447 450 kgs = 22 373 kgs

Pão tipo sêmeas 10% X 447 450 kgs = 44 745 kgs

Pão integral 1% X 447 450 kgs = 4 475 kgs

Pão de forma 1% X 447 450 kgs = 4 474 kgs

Totais 100% 447 450 kgs

3)- Face à humidade máxima para as farinhas dos tipos 75, 65 e 70 serem na ordem dos 14%, e às várias humidades determinadas no item 5 do ano de 1996, obtemos os seguintes valores de kgs de pão por cada tipo e grupo de produto fabricado, como seja:

3.1) Pães de 45 grs (humidade máxima de 25%)

100-14/100-25=86/75 = 1,1467 kgs de pão, vezes 178 980 kgs de farinha consumida, obtemos o valor de 205 236 kgs de pão fabricado;

3.2) Pães de 400, 450 e 500 grs (humidade máxima de 30%)

100-14/100-30=86/70 = 1,228 kgs de pão, vezes 129 760 kgs de farinha consumida, obtemos o valor de 159 345 kgs de pão fabricado, que compreende as categorias de pães de quartos pequenos e grandes, pão espanhol pequeno e grande, pão centeio pequeno e médio e pão de forma;

3.3) Pão integral

100-14/100-33=86/77 = 1,1168 kgs de pão, vezes 4 475 kgs de farinha consumida, obtemos o valor de 4 997 kgs de pão fabricado;

3.4) Pão mealhada mistura – 100 grs

100-14/100-70=86/70 = 1,228 kgs de pão, vezes 89 490 kgs de farinha consumida, obtemos o valor de 109 893 kgs de pão fabricado;

3.5) SÊMEAS - 450 e 900 grs

100-14/100-70=86/70 = 1,228 kgs de pão, vezes 44 475 kgs de farinha consumida, obtemos o valor de 54 947 kgs de pão fabricado;

4) - PRODUÇÃO A PREÇOS DE VENDA NORMAIS COM IVA INCLUÍDO - 1997 -

Papo seco (moletes) 205 236 kgs x 278S00 kg = 57 055 608$00

Pães de 400, 450 e 500 grs 159 345 kgs x 222$00 kg = 35 374 590$00

Pão integral 4 997 kgs x 278$00 kg = 1 389 166$00

Pão tipo mealhadas 109 893 kgs x 200$00 kg = 21 978 600$00

Sêmeas de 450 e 900 grs 54 947 kgs x 200$00 kg = 10 989 400$00

Total da produção 126 787 364$00;

5) - Os produtos fabricados são na maioria vendidos para retalhistas para posterior venda, como não é possível determinar o volume destas vendas, por não existirem contas separadas na contabilidade, face aos apuros mensais, estimamos uma percentagem de 80% para este tipo de vendas neste exercício pelo facto de ter havido um aumento significativo destes clientes relativamente ao exercício de 1996, o que aliás se reflecte no aumento do volume de vendas, os restantes 20% para consumidores finais, e 2% para quebras de produção e comercialização;

6) - VENDAS LIQUIDAS EXPURGADAS DO IVA E QUEBRAS DE PRODUÇÃO

Vendas totais líquidas sem iva . 126 787 364$00: 1.05 = 120 749 870$00

Quebras de produção e comercial. 120 749 070$00 x 2% = 2 414 997$00

Vendas liquidas sem IVA…………………………………………………………….118 334 873$00

7) - REPARTIÇÃO DAS VENDAS PARA RETALHISTAS E CONSUMIDORES FINAIS

Vendas para retalhistas 118 334 873$00 x 80% = 94 667 898$00

Vendas para cons. finais 118 334 873$00 x 20% = 23 666 975$00, como regra geral para retalhistas e grandes empresas, é-lhe considerada uma percentagem de desconto de 20%, sobre o preço de venda ao público, as vendas finais para os retalhistas e grandes empresas será de 94 667 898$00 x 80% = 75 734 318$00, totalizando as vendas totais finais na quantia de 99 401 293$00, como seja:

Retalhistas e outras empresas ………75 734 318$00

Consumidores finais …………………..23 666 975$00

Totais……………………………………………….99 401 293$00

IV - CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS.

1) - Face aos cálculos anteriores, e os preços já referidos para os vários tipos de pão, iremos calcular o volume de negócios sujeito a IVA e IRS, para os exercícios de 1996 e 1997, com base nos elementos anteriores, como seja:

Volume de negócios para 1996 ………………………………………..80 421 532$00

Vendas para retalhistas ………………………………………..43 866 290$00

Vendas para consumid. finais ……………………………36 555 242$00

Total …………………………………………………………………80 421 532$00

Volume de negócios para 1997 ………………………………………..99 401 293$00

Vendas para retalhistas ………………………………………..75 734 318$00

Vendas para consumid. finais ……………………………23 666 975$00

Total …………………………………………………………………99 401 293$00

2)- Face aos elementos anteriormente apresentados para os exercícios de 1996 e 1997, concluimos que as vendas declaradas e registadas na contabilidade, não reflectem a exacta situação concreta e real, face aos consumos técnicos de consumo de matérias- primas (farinhas);

3) - Relativamente ao exercício de 1997, vai-se considerar como custo o valor de 686 700$00, referente a compra de matéria-prima, conforme factura n° 5091/L, de 08-09-97, do fornecedor - L..., Lda, por não ter sido objecto de contabilização como custo do exercício, por ter existido omissão da referida factura;

4) - O valor de base tributável em falta no exercício de 1996, é de 5 777 126$00, que será repartido para efeitos de liquidação de Iva em igualdade pelos doze (12) meses do ano, no montante de 481 427$ por mês, e o imposto correspondente de 24 071$00, totalizando o imposto em falta no montante total de 288 852$00;

5) - O valor de base tributável em falta no exercício de 1997, é de 20 865 956$00, que será repartida para efeitos de liquidação de Iva em igualdade pelos doze (12) meses do ano, no montante de 1 738 830$00 por cada mês, e o imposto correspondente de 86 941 $00, totalizando o imposto em falta no montante total de 1 043 292$00;

6) - CORREÇÕES POSITIVAS PARA IRS - CATEGORIA - C - 1996 -

Vendas corrigidas - 80 421 532$00 - vendas registadas de 74 535 337$00 = 5 777 126$00;

7) - CORRECÕES POSITIVAS PARA IRS - CATEGORIA - C - 1997 -

Vendas corrigidas - 99 401 293$00 - vendas registadas de 78 535 337$00 = 20 865 956$00;

8) - APURAMENTO DE RESULTADOS - 1996 - CATEGORIA - C -
Vendas corrigidas
80 421 532$00
Vendas de farelos registadas
2 202 697$00
Vendas de bolos registadas
588 098$00
Proveitos e ganhos financeiros
12 000$00
Total dos proveitos
83 224 327800
Total dos custos de produção e outros custos
(74 494 744$00)
Resultado Liquido
8 729 583$00
Acrescer quadro 17-Anexo C
3 451 275$00
Lucro Fiscal
12 180 858$00;
9) - APURAMENTO DE RESULTADOS - CATEGORIA C - 1997-
Vendas corrigidas
99 401 293$00
Vendas de farelos registadas
1 600 400$00
Vendas de bolos registadas
524 062$00
Total das vendas
101 525 755$00
Custos de produção e outros
79 962 410$00
Custo considerado item 3 - parte IV -
686 700$00
Total dos custos
80 649 110$00
Resultado Liquido
20 876 645$00
Acrescer quadro 17- Anexo C
1 705 622$00
A deduzir quadro 17-Anexo C
(474 359$00)
Lucro
22 107 908$00
Proveito e ganho extraordinário
410 256$00
Lucro fiscal
22 518 164$00
(...)»

3) Em resultado das conclusões extraídas da acção de inspecção foram efectuadas correcções à matéria tributável, em sede de IRS, no valor de Esc. 5.777.126$00 para o exercício de 1996 e no valor de Esc. 20.865.956$00 para o exercício de 1997.

Cfr. fls. 70 do PA apenso

4) Em 19-10-1999, após parecer concordante, o Director de Finanças da Guarda exarou despacho de concordância com o relatório de inspecção tributária e fixou o conjunto de rendimentos líquidos do impugnante, em sede de IRS, para o ano de 1996 no montante de Esc. 9.608.785$00 e para o ano de 1997 no montante de Esc. 16.794.086$00.

Cfr. fls. 69 do PA apenso

5) Em 18-11-1999, foi o ora impugnante notificado do despacho mencionado na alínea antecedente.

Cfr. fls. 101 e 103 do PA apenso

6) Em 15-12-1999 o impugnante, invocando o disposto no artigo 91° da Lei Geral Tributária [LGT], apresentou reclamação da decisão de fixação da matéria tributável, com os fundamentos constantes de fls. 90 a 94 do PA apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, mais requerendo a nomeação de perito independente.

7) Em 03-05-2000, reuniu a Comissão de Revisão, constituída pelos peritos designados pela Fazenda Pública e pelo impugnante, não tendo logrado chegar a acordo.

Cfr. Acta da Reunião de Peritos constante de fls. 108 e 109 do PA apenso

8) Em 24-05-2000, o Director de Finanças da Guarda por despacho de fls. 110 do PA apenso, cujo teor aqui se dá aqui por integralmente reproduzido, manteve os rendimentos fixados ao impugnante referidos em 4).

9) Em 28-01-2000, foram emitidas, em sede de IRS, as seguintes liquidações:


Período
Natureza
N° da Liquidação
Montante
1996
IRS e juros compensatórios [JC]
5320027342
Esc. 254.178$00 [€1.267,83]
1997
IRS e JC
5320039279
Esc. 809.418$00 [€4.037,36]

Cfr. fls. 44 e 45 dos autos

Ø MAIS SE PROVOU QUE:

10) O impugnante emitiu talões de máquina registadora de apuramento das operações diárias referentes aos exercícios de 1996 e 1997.

Cfr. relatório pericial de fls. 149 a 163 dos autos e 169 a 173, designadamente fls. 160 e 170 [resposta ao quesito n.° 5]”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente, não ficou provada a omissão de documentação dos apuros diários na secção de venda a retalho junto da fabricação.”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos bem como nos constantes do PA apenso, conforme discriminado em cada uma das alíneas do probatório.

O Tribunal não considerou provado a omissão de documentação dos apuros diários na secção de venda a retalho junto da fabricação, porquanto, tal facto resulta infirmado pela factualidade descrita em 10) da matéria assente.

Quanto à prova testemunhal, nada de relevante se extraiu com interesse para a descoberta da verdade material”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade por omissão de pronúncia

Entende a Recorrente que ocorreu omissão de pronúncia do Tribunal a quo, uma vez que, na sua perspetiva, não considerou toda a prova carreada aos autos e não se pronunciou sobre questões que devia apreciar.

Vejamos.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar (cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC).

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, desde já se refira que não se verifica a mencionada nulidade. Com efeito, o Tribunal recorrido pronunciou-se sobre o erro nos pressupostos de que depende a tributação por métodos indiretos, tendo considerado prejudicada a apreciação dos demais vícios alegados, nos termos do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do CPC.

Por outro lado, o que a Recorrente designa de omissão de pronúncia por falta de consideração de elementos de prova não se consubstancia como tal, configurando, quando muito, erro de julgamento.

Logo, não se verifica qualquer omissão de pronúncia, nos termos invocados pela Recorrente.

III.B. Do erro no julgamento da matéria de facto

Considera a Recorrente que o Tribunal recorrido não conheceu tendo em consideração todos os elementos de prova de que dispunha, o que, em seu entender, faz enfermar a sentença de vício, violando o disposto no n.º 1 do art.º 609.º do CPC.

Desde já se sublinhe que a referência à violação do n.º 1 do art.º 609.º do CPC, constante das conclusões das alegações do recurso, carece de qualquer materialidade. Com efeito, nos termos desta disposição legal, “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”, situação que configura nulidade da sentença, como resulta do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. e), do CPC. Atentas as conclusões das alegações da FP, nada é referido que se enquadre na norma contida na referida disposição legal [cfr. conclusões a) a c)], decorrendo de tais conclusões entender a Recorrente, no fundo, existir erro de julgamento, sendo, pois, nessa perspetiva a análise que se fará infra.

Vejamos.

Antes de mais, refira-se que não é impugnada a decisão da matéria de facto do Tribunal a quo, como resulta não só das conclusões das alegações da FP, mas também as próprias alegações, nas quais as referências à prova produzida são feitas de forma global, sem a circunscrição exigida do ponto de vista processual, para se poder falar em impugnação da matéria de facto.

Com efeito, considerando o disposto nos art.º 640.º do CPC, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (1).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados (cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC);

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC), sendo de atentar nas exigências constantes dos n.ºs 2 e 4 do mesmo art.º 640.º do CPC.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus já mencionados (2).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que não foram cumpridos os referidos ónus.

Com efeito, quanto à prova testemunhal, a referência que a Recorrente faz à mesma não obedece às exigências constantes do art.º 640.º, n.º 2, do CPC, pelo que o invocado a este propósito não pode ser considerado. Mesmo em relação à prova documental, é feita a referência de forma genérica e conclusiva (cfr. conclusão h), primeira parte), ao arrepio das já mencionadas exigências.

Em suma, é de rejeitar o alegado pela Recorrente nas conclusões a) a c) e h), primeira parte.

III.C. Do erro de julgamento em virtude de estarem demonstrados todos os pressupostos de recurso a tributação por métodos indiretos

Entende, por outro lado, a Recorrente que houve erro de julgamento, na medida em que, em seu entender, estão demonstrados os pressupostos de recurso a métodos indiretos.

Apreciando.

O nosso ordenamento prevê que a avaliação da matéria tributável se possa realizar direta ou indiretamente.

O recurso à avaliação indireta funciona como ultima ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta. Daí o caráter subsidiário da avaliação indireta, previsto no art.º 85.º da LGT, avaliação esta que deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º e 89.º do mesmo diploma legal. Com efeito, dispõe o art.º 104.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que “… [o] imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar”, ou seja, prevê o princípio da capacidade contributiva, que determina que a tributação seja efetuada em função dos rendimentos efetivos. Daí a preferência pela avaliação direta, porquanto, em princípio, esta refletirá tais rendimentos efetivos.

A avaliação direta, por outro lado, tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cfr. o art.º 75.º, n.º 1, da LGT. No entanto, como decorre do mesmo art.º 75.º, mas do seu n.º 2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.10.2009 (Processo: 0422/09):

“[S]ão excepcionais e obedecem a tipificação legal (em especial a contida no artigo 87.º da Lei Geral Tributária) os casos em que é lícito à Administração tributária fixar a matéria tributável dos contribuintes por “avaliação indirecta”, afastando-se dos valores declarados, porque inexistentes ou fundamentadamente desmerecedores de confiança, recorrendo a outros elementos (também objecto de previsão legal) que permitem a determinação do valor tributável”.

Para que seja legítimo o recurso à tributação por via dos métodos indiretos, cabe à administração tributária (AT) o ónus da prova de que se reúnem os pressupostos da sua aplicação.

A este respeito, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.03.2010 (Processo: 01211/09):

“Tendo a avaliação indirecta carácter excepcional (cfr. o n.º 1 do artigo 81.º da LGT) e subsidiário em relação à avaliação directa (cfr. o artigo 85.º, n.º 1 da LGT), cabe à Administração tributária a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT)”.

Assim, cabe à AT a demonstração de que os pressupostos que legitimam o recurso a avaliação da matéria tributável por métodos se verificam, consubstanciando-se tal ónus probatório na demonstração da existência de situações fáticas, designadamente irregularidades contabilísticas, que assumam alcance tal que impossibilitam o recurso a métodos diretos de avaliação (3).

Nos termos do art.º 87.º, n.º 1, da LGT (redação vigente à época):

“A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de:

a) Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei;

b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável;

c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, da aplicação dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica referidos na presente lei”.

A situação prevista na alínea b) supratranscrita, única pertinente in casu, remete-nos para o art.º 88.º da LGT, nos termos do qual:

“A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos da aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:

a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;

c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal”.

Em sentido idêntico prescrevia o então art.º 38.º do CIRS (e o art.º 52.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – CIRC, para o qual este remetia), em cujo n.º 1 eram elencados os factos que poderiam motivar a aplicação de métodos indiciários, sem prejuízo do seu caráter residual, a que já se fez referência, como decorre do n.º 2 da mesma disposição legal.

In casu, o Tribunal recorrido considerou não estarem demonstrados os pressupostos de recurso a métodos indiretos, tendo entendido, em síntese, que, de um lado, um dos indícios foi afastado, tendo sido feita prova em contrário (concretamente o respeitante aos apuros diários da secção de venda a retalho), e que, do outro, os demais pressupostos elencados ou encerravam juízos conclusivos ou não permitam extrair a conclusão extraída.

Vejamos.

Cumpre, neste momento, aferir se se encontra devidamente explanado e fundamentado o recurso a métodos indiretos, atendendo às regras do ónus da prova já referidas supra, ou seja, aferir se, no RIT, são identificadas situações de onde resulte a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável.

Sublinhe-se novamente que não basta, na fundamentação do recurso a métodos indiretos, elencar irregularidades detetadas, sendo necessário demonstrar de que forma essas irregularidades foram impeditivas do recurso a métodos diretos.

Desde já se adiante que se entende que esteve bem o Tribunal recorrido, ao decidir pela não demonstração dos pressupostos de recurso à avaliação por métodos indiretos.

Com efeito, considerando, como feito em primeira instância, os pontos 2 a 4 da secção III do RIT, verifica-se que são, de facto, elencadas algumas irregularidades na contabilidade, a saber: irregularidades atinentes às existências (inventários), nos anos de 1995, 1996 e 1997, o facto de ter sido detetada a aquisição, em setembro de 1997, de 12.000 kg de farinha, omitida, e a venda a retalho junto da fabricação não ter apuramentos diários apoiados em qualquer forma de registo.

São estes, como considerado em primeira instância, os fundamentos de que a AT se socorreu para lançar mão dos métodos indiretos.

Com efeito, não obstante, no RIT, serem elencados mais pontos na sua secção III, os mesmos não respeitam se não a critérios de quantificação da matéria tributável por métodos indiretos.

Assim, atentando na referida secção III do RIT, verifica-se que:

a) Num primeiro momento, são elencados pontos, numerados entre 5 a 14, de cuja análise resulta que:

a.1. O ponto 5) é genérico e descritivo, atinente à forma de confeção do pão e níveis de humidade;

a.2. O ponto 6) respeita ao peso relativo que a AT determinou, por tipo de pão, para efeitos de quantificação, redigido de forma meramente conclusiva e enquanto antecipadora da definição dos critérios da repartição da produção com base no movimento mensal;

a.3. O ponto 7) é uma mera descrição dos preços de venda ao consumidor final;

Os pontos referidos entre a.1. e a.3. são transversais aos exercícios de 1996 e 1997. Os pontos 8) a 14), que se abordarão infra, são apenas relativos a 1996. Assim:

a.4. O ponto 8) elenca os consumos de farinha, atentas as existências iniciais e finais e as compras;

a.5. O ponto 9) relaciona o mencionado no ponto 6) com o mencionado no ponto 8), ou seja, distribui os quilogramas de farinha pelo tipo de pão;

a.6. No ponto 10) é feita mais uma operação atinente à quantificação, desta feita calculando o valor estimado de produção de pão;

a.7. O ponto 11) relaciona os cálculos obtidos no ponto 10) com os preços de venda elencados no ponto 7);

a.8. No ponto 12) é definida uma proporção entre as vendas a retalhistas e as vendas a consumidores finais;

a.9. O ponto 13) evidencia a operação de cálculo das vendas estimadas, considerando quebras de produção e comercialização, que a AT fixou em 2%;

a.10. O ponto 14), considerando os valores de vendas estimadas obtidos em 13), é feito o último cálculo nesta parte, relativo a 1996, estimando o valor de vendas para retalhistas e o de vendas para consumidores finais;

b) Num segundo momento, ainda na secção III., é apenas abordado o exercício de 1997, retomando-se a numeração de 1) a 7), que correspondem a abordagem idêntica à efetuada para 1996 mencionada nos pontos 8) a 14), analisados supra (a.4. a a.10).

Da análise destes pontos da secção III do RIT, resulta que os mesmos se centram na definição de critérios de quantificação da matéria tributável por recurso a métodos indiretos, com vista ao cálculo do pão indiciariamente vendido (desde os relativos à humidade aos atinentes à matéria prima constante das existências).

Como tal, não assiste razão à Recorrente quando refere que o Tribunal a quo não teve em conta todos os pressupostos de que se valeu a AT, porquanto, não obstante a AT os tenha configurado como tal, pelas razões já referidas os mesmos não consubstanciam pressupostos de recurso a métodos indiretos, mas tão-só pressupostos atinentes à quantificação da matéria coletável por recurso a esses mesmos métodos indiretos.

Assim, centrando-nos nos já mencionados pontos 2) a 4) da secção III do RIT, resulta que, desde logo, o ponto 4) foi objeto de prova em contrário, como decorre do facto 10) da decisão sob apreciação.

O ponto 2), como se refere na sentença recorrida, encerra um juízo conclusivo, limitando-se a AT a concluir pela não adesão à realidade efetiva do arrolamento existente, sem que consubstancie tal conclusão. Aliás, não pode deixar de se sublinhar que, no ponto 8) da secção III do RIT, são calculadas, para o exercício de 1996, as matérias-primas consumidas, como base nas existências iniciais e finais e nas compras de matérias-primas, ponto que reflete que a própria AT conseguiu calcular tais matérias-primas, não obstante as irregularidades que terá detetado na contabilização de existências.

Finalmente o ponto 3), relativo à omissão de uma fatura de compra de farinha, também se revela um indício com escasso impacto, tanto mais que a própria AT, nos cálculos que fez, considerou esse valor omitido, dado que o mesmo estava perfeitamente identificado como respeitante a 12.000 kg de farinha tipo 65 (cfr. o segundo ponto 1) da secção III do RIT).

Ou seja, as irregularidades contabilísticas detetadas são, desde logo, circunscritas e de alcance limitado.

Ademais, como já referido supra, a evidenciação dos pressupostos de recurso a métodos indiretos não se basta com a existência de meros elencos de irregularidades da contabilidade, sendo imprescindível que se espelhe de que forma essas irregularidades são impeditivas, no todo ou em parte, do recurso ao método direto de avaliação da matéria tributável. Ora, compulsado o RIT, e ao contrário do que a Recorrente menciona na sua conclusão g), em momento algum é feita esta explanação. Ou seja, também por esta via a AT não demonstrou, ao contrário do que era seu ónus, a inviabilidade do recurso a métodos diretos de avaliação da matéria tributável.

Face ao exposto, não assiste razão à Recorrente, não padecendo a sentença recorrida dos vícios que lhe são assacados.

Vencida a recorrente seria a mesma responsável pelas custas do recurso. No entanto, há que ter em conta que, nos processos instaurados até 01.01.2004 (como é o caso), a FP se encontrava isenta do pagamento de custas, atento o disposto no art.º 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de fevereiro (cfr. os art.ºs 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o art.º 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida;

b) Sem custas;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 14 de março de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)


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(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.

(2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.

(3) Neste sentido, v., exemplificativamente, os Acórdãos deste TCAS de 25.05.2017 (Processo: 06473/13), de 17.03.2016 (Processo: 06556/13) e de 13.03.2014 (Processo: 07216/13).