Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05251/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/24/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. GRUPO DE EMPRESAS.
REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO DOS GRUPOS DE SOCIEDADES.
ENCARGOS COM EMPRÉSTIMOS.
CUSTOS.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. No regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízo fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das participadas;
2. Assim, até ao momento de apuramento do lucro tributável pela sociedade dominante, cada uma das sociedades participadas mantém a sua personalidade jurídica e capacidade tributária próprias, que não é afectada pela relação de domínio com a sociedade dominante, sendo que o lucro tributável de cada uma das associadas é apurado na sua declaração periódica de acordo com as regras gerais previstas no CIRC;
3. Tendo a sociedade dominante deliberado efectuar prestações acessórias de capital com o regime das prestações suplementares nas suas associadas para, além do mais, reforçar o seu capital social, os encargos relativos aos empréstimos contraídos para o efeito, porque directamente conexionados com o exercício da actividade das associadas, constitui um custo fiscal destas, que não da sociedade dominante.

O Relator
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A...– Engenharia e Construções, S.A., veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1. Salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que a douta decisão recorrida fez uma errada interpretação dos elementos probatórios constantes dos autos, o que por sua vez levou a uma errada interpretação dos factos dados como provados e consequentemente a uma errada aplicação do direito;
2. Resulta dos elementos probatórios juntos aos autos que o Concelho de Administração da “A...Gestão de Participações e Investimentos Imobiliários, SA.”, deliberou a concessão de prestações acessórias a sociedades suas participadas;
3. Que para a concessão de tais prestações acessórias contraiu empréstimos junto de terceiros os quais geraram encargos financeiros que a mesma contabilizou como custos;
4. Que contrariamente ao doutamente decidido a “A...Gestão de Participações e Investimentos Imobiliários, SA.” não efectuou prestações suplementares, mas sim prestações acessórias;
5. Que conforme resulta do teor das actas que servem de suporte à contabilização dos referidos custos, as Reuniões do Conselho de Administração, que se encontram transcritas no relatório de inspecção, apenas tiveram como fim deliberar sobre a “Realização de Prestações Acessórias em sociedades suas dominadas”, tendo o Conselho de Administração deliberado “a realização de prestações acessórias”;
6. Pelo que, toda a argumentação deduzida pela Administração Fiscal para fundamentar o acto impugnado, teve por base o facto de estarmos perante prestações acessórias e não prestações suplementares, razão pela qual a impugnada, ora recorrente não procedeu à análise do contrato de sociedade das participadas, bem como à forma que revestiu a deliberação, a fim de apurar se estavam reunidos os requisitos do artº 210º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
7. Além de que, entendimento da maioria da doutrina que não há lugar a prestações suplementares no caso das sociedades anónimas, por razões históricas, de sistematização do CSC e das especificidades das sociedades anónimas face aos requisitos enumerados no artº 210º do CSC;
8. Face ao exposto, entendemos, salvo o devido respeito que a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação dos factos constantes dos elementos probatórios juntos aos autos e com relevância para a descoberta da verdade material, considerando como provado que os encargos financeiros tiveram por finalidade acorrer à obrigação de prestações suplementares (sublinhado nosso).
9. Resulta do relatório da Acção de Inspecção Tributária efectuada à sociedade “A...Gestão de Participações e Investimentos Imobiliários, SA.” que esta se endividou perante terceiros e suportou os respectivos encargos financeiros, que contabilizou como custos;
10. Que, com empréstimos obtidos com esse endividamento efectuou prestações acessórias às suas participadas, tendo em relação às mesmas deliberado que no que respeita a juros, remunerações e restituições, aplicar-lhe o regime das prestações suplementares;
11. Tais prestações acessórias não venciam juros, não seriam remuneradas por qualquer forma e seriam apenas restituídas quando a situação líquida das sociedades participadas assim o permitissem, sendo que tais condições apenas dependeram da vontade da “A...Gestão de Participações e Investimentos Imobiliários, SA.” e não resultavam de qualquer contrato ou da Lei.
12. Ora, de acordo com o disposto no artº 23º do CIRC, não podem ser aceites como custos os encargos financeiros contraídos pela “A...Gestão de Participações e Investimentos Imobiliários, SA.”, com os empréstimos bancários que obteve e cujos montantes foram cedidos à suas participadas sem qualquer remuneração;
13. Porquanto tais custos não estão relacionados com a actividade da sociedade, não se mostrando por um lado susceptíveis de gerar proveitos na própria e por outro indispensáveis à manutenção da sua fonte produtora.
14. A decisão da Administração Fiscal ao desconsiderar os encargos financeiros suportados pela sociedade “A...Gestão de Participações e Investimentos Imobiliários, SA.” e que tiveram por finalidade efectuar prestações acessórias às suas participadas, como custos fiscais, por violar o disposto no artº23º do CIRC, não merece qualquer censura;
15. Assim, entendemos, salvo o devido respeito, que a douta sentença recorrida, ao julgar procedente a impugnação judicial, violou o disposto no artº 23º do CIRC.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.


Também a Recorrida veio a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


1ª) A correcção efectuada pela Administração Fiscal aos resultados tributáveis da TDGPII é ilegal;
2ª) A referida TDGPII tem como objecto, além da realização de actividades imobiliárias, a detenção e a gestão de participações financeiras.
3ª) No estrito âmbito da sua actividade de detenção e gestão de participações financeiras, tem a TDGPII efectuado prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares a participadas suas, tendo, para tanto, utilizado crédito bancário e suportado os inerentes encargos financeiros;
4ª) Essas prestações na medida em que não podem vencer juros e só podem ser restituídas aos sócios desde que a situação líquida das sociedades não fique inferior à soma do capital e da reserva legal, são capital próprio, para as entidades que as recebem e são, para a entidade que as efectua, imobilizado financeiro;
5ª) A Administração Fiscal não aceitou como custo fiscal os encargos financeiros suportados pela TDGPII referentes aos empréstimos bancários aplicados na realização de prestações acessórias, sujeitas ao regime das prestações suplementares, a participadas suas;
6ª) Entendeu a Administração Fiscal que esses custos (os encargos financeiros) não estão “adstritos” à obtenção de proveitos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora, pelo que não estavam presentes os requisitos de admissibilidade de custos estabelecidos no artº 23º do CIRC;
7ª) Embora reconhecendo que um activo financeiro, “corporizado numa participação de capital constitui uma fonte produtora de rendimentos”, entendeu a Administração Fiscal que esses rendimentos “poderiam não existir” e “nem se sabe quando podem vir a existir” ou, como é dito no artº 35º da contestação, “não irão existir”;
8ª) Este entendimento é patentemente ilegal, desde logo porque em relação a qualquer investimento nunca se sabe se é ou não gerador de rendimentos e, se o for, quando;
9ª) Este entendimento é patentemente ilegal por interpretar erradamente o artº 23º do CIRC, onde, o que se exige, é que o custo tenha uma tal natureza que ele seja potenciador de gerar rendimentos;
10ª) Ora, como é reconhecido pela Administração Fiscal, o reforço dos investimentos financeiros feito pela TDGPII é potenciador de gerar rendimentos tributáveis;
11ª) Aliás, a Jurisprudência, em situações como as da TDGPII, o que vem exigindo para a aceitação de custos, é que a entidade que efectua prestações suplementares tenha como objecto a gestão de participações financeiras, como é o caso da TDGPII;
12ª) A Administração Fiscal invocou, sem sentido, com o recurso a factos não verdadeiros, o regime fiscal das SGPS para, assim, tentar fundamentar a não aceitação dos encargos financeiros suportados pela TDGPII como custo fiscal;
13ª) Assim, invoca que uma SGPS, participada pela TDGPII, realizou, em 2010, uma mais-valia supostamente não tributada;
14ª) Tal não corresponde à verdade, sendo que, para além disso, a impugnante fez prova de que, em 2006, 2007 e 2008, algumas das SGPS, participadas pela TDGPII, tiveram mais-valias tributadas;
15ª) Sendo que o regime fiscal das SGPS demonstra, ao invés, a plena legalidade e racionalidade na admissibilidade dos encargos financeiros como custos fiscais da TDGPII;
16ª) É que, como decorre do artº 32º do EBF, só não são custo fiscal os encargos financeiros incorridos pelas SGPS conexos com mais-valias que não sejam tributadas;
17ª) Como é evidente, o legislador exclui expressamente esses encargos, estão excluídos porquanto conexos com ganhos não tributados;
18ª) Nas SGPS, sempre que o ganho seja tributado, os inerentes encargos financeiros são custo fiscal; sempre que o ganho não seja tributado, os inerentes encargos financeiros não são custo;
19ª) Ora, precisamente porque a TDGPII é sempre tributada pelos ganhos obtidos com os investimentos financeiros, os inerentes encargos financeiros são, nos termos do artº 23º do CIRC, custo fiscal.
20ª) A Administração Fiscal, na fundamentação da correcção efectuada, nunca invocou, como argumento para a não dedutibilidade dos custos financeiros incorridos pela TDGPII, a circunstância de as prestações realizadas por esta serem prestações acessórias;
21ª) Ao invés, resulta do Relatório da Inspecção, que a Administração Fiscal sempre considerou que as referidas prestações tinham um regime e, portanto, a natureza de verdadeiras prestações suplementares;
22ª) Por isso, e neste ponto, bem, é que a Administração Fiscal, no referido Relatório, faz expressa referência ao “activo financeiro” cujo valor foi reforçado com a realização das prestações, admitindo, até, e mais uma vez bem, que tal activo pode gerar rendimentos para a TDGPII;
23ª) É, pois, anómalo, que em sede do presente recurso, a Fazenda Pública venha defender a não dedutibilidade dos encargos financeiros por a TDGPII ter efectuado prestações acessórias e não prestações suplementares;
24ª) Trata-se, pois, de um fundamento inteiramente novo e, portanto, fora do objecto do litígio;
25ª) Sendo certo que, em qualquer caso, é aceite pela doutrina, a existência de prestações acessórias com as características das suplementares, tudo dependendo da intenção da sociedade e do sócio e do seu registo contabilístico;
26ª) Ora, a deliberação sobre as prestações é inequívoca: tais prestações estão sujeitas à totalidade do regime previsto para as prestações suplementares e o seu registo contabilístico é de elemento do capital próprio da participada e elemento de investimentos financeiros da participante;
27ª) Nesta medida, a sentença recorrida não merece nenhuma censura, nomeadamente quando, em primeiro lugar, chama a atenção para a circunstância de os fundos aplicados pela TDGPII serem capital próprio da participada e serem para a participante investimentos financeiros;
28ª) Igualmente a douta sentença recorrida não merece qualquer censura, ao considerar que, na medida em que esses investimentos financeiros são geradores de rendimentos, sejam por via dos dividendos, seja por via das mais-valias, eles não podem ser desconsiderados no juízo de indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos;
29ª) Sendo certo, ainda, repete-se, que o regime fiscal das SGPS, só reforça esse entendimento: aí, nos termos do artº 32º do EBF, só não são custos os encargos financeiros relacionados com investimentos financeiros cujas mais-valias não sejam tributadas, sendo, ao invés, custos os encargos financeiros relacionados com investimentos financeiros cujas mais-valias sejam tributadas.
30ª) Ora, a TDGPII, no âmbito do seu objecto social, detém investimentos financeiros e esses são sempre tributáveis, seja em sede de mais-valias, seja em sede de dividendos, pelo que os encargos financeiros inerentes a tais investimentos são, nos termos do artº 23º do CIRC, custos fiscais.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso, dizendo subscrever o parecer pré-sentencial proferido pelo MP junto do Tribunal “a quo”, bem como invocando um acórdão do STA que no mesmo sentido terá decidido.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se a verba desconsiderada como custo fiscal da ora recorrida que originou a correcção do lucro tributável e consequente liquidação, relativa a encargos financeiros pagos pela sociedade dominante em empréstimos efectuados para realizar prestações acessórias nas suas participadas, não pode constituir um custo fiscal daquela.


3.Matéria de facto.
Em sede de probatório a Mmª Juíza do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) A impte é uma sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeitas ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades vertido nos artºs 63º e segs, do CIRC, no âmbito do qual a Adm. Fiscal procedeu a uma alteração do lucro tributável de uma das sociedades pertencentes ao grupo, a “A...- Gestão de Participações e Investimentos Imobiliários”. – cfr Relatório da I.T., de fls 40 a 48, dos autos.
B) As correcções referidas supra, no valor de € 18.837.428,88, dizem respeito a encargos financeiros suportados pela “A...-Gestão de Participações e Investimentos Imobiliários”, que a Inspecção Tributária não aceitou como custos fiscalmente relevantes com fundamento de que os encargos financeiros suportados relativos a créditos bancários obtidos para acorrer à obrigação de prestações suplementares, em razão da detenção de participações sociais nas demais sociedades no âmbito da actividade de detenção e gestão de participações financeiras, não representam um gasto indispensável à realização dos proveitos sujeitos a imposto, podendo apenas destinar-se à manutenção da fonte produtora da participada e ser nestas consideradas como custo, o qual não seria de considerar no âmbito do grupo de sociedades porquanto, tratando-se de sociedades gestoras de participações sociais as mesmas beneficiam de uma exclusão de sujeição a IRC quanto às mais-valias ao abrigo do disposto no artº 31º do E.B.F., pelo que não sendo os proveitos sujeitos a imposto tais custos não são fiscalmente dedutíveis. – cfr. Relatório Anexo ao Relatório da I.T. efectuada ao impte, de fls 39 a 84, dos autos.
C) No âmbito do perímetro do grupo de sociedades referido em A), foram apresentados os quadros relativos aos rendimentos tributáveis das SGPS, às mais-valias e à D.P. Modelo 22 apresentadas por uma das sociedades gestoras de participações sociais que beneficiaram das prestações suplementares referidos em B). – cfr. Documentos nº 4, 5 e 6 juntos com a p.i, de fls 91, 92 e 93 a 97, respectivamente.

Factos Não Provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

A que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC), se acrescenta mais um alínea ao probatório fixado na 1.ª Instância, em ordem a dele melhor se perceber o teor da deliberação social ocorrida na ora recorrida e ao abrigo da qual foram contraídos os citados empréstimos e que depois foram aplicados na suas empresas associadas, fundamento da liquidação adicional relativa ao exercício do ano de 2006.
D) Por deliberação de 14-7-2006, o Conselho de Administração da ora recorrida, tendo como único ponto de agenda e ordem de trabalhos, «Realização de Prestações acessórias em sociedades suas dominadas», deliberou a realização de prestações acessórias de capital, sujeita ao regime das prestações suplementares, ou seja, pecuniárias, sem qualquer vencimento de juros ou outras remunerações e apenas restituíveis desde que verificadas as condições previstas no Artigo 213.º do Código das Sociedades Comerciais...- cfr. de fls 75/76 dos autos.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou o Mmº Juiz do Tribunal “ a quo”, em síntese, que por força da deliberação tomada se havia constituído na esfera jurídica da impugnante a obrigação de efectuar prestações suplementares nas sociedades de que detinha participações, com força vinculativa, que nesta representam (a ora recorrida), investimentos financeiros inerentes às aquisições ou quotas de empresas participadas, que no exercício em que venham a ser distribuídos lucros à empresa participante, ou que as participações venham a ser alienadas, são as mesmas consideradas proveitos do exercício, pelo que os encargos suportados decorrentes da titularidade daquelas participações sociais, cuja alienação venha a determinar os correspondentes lucros/perdas, são considerados proveitos do exercício, pelo que sendo susceptíveis de gerarem lucros e/ou mais-valias na alienante, não podem ser desconsideradas no juízo de indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos, sendo prestações realizadas que se relacionam com as prestações de capital, devendo como tal serem aceites como custo fiscal.

Para a Fazenda Pública ora recorrente, é contra esta fundamentação que vem esgrimir argumentos tendentes a reexaminar a sentença recorrida em ordem a sobre ela ser emitido um juízo de censura conducente à sua revogação, pugnando que a deliberação das prestações foi de prestações acessórias que não suplementares, para as quais contraiu empréstimos que geraram encargos financeiros os quais fez inscrever como custos, em face dessa qualificação não foi analisado o contrato de sociedade para aquilatar do cumprimento do disposto no art.º 210.º do CSC, que o endividamento financeiro da ora recorrida perante terceiros que com os quais efectuou prestações acessórias às suas participadas mas a que fez aplicar o regime das prestações suplementares, sendo que aquelas não vencem juros, não são remuneradas e apenas seriam restituídas quando a situação líquida das sociedades participadas assim o permitissem, desta forma não se encontrando tais custos relacionados com a actividade produtiva da impugnante, não sendo susceptíveis de gerar proveitos e nem indispensáveis à fonte produtora na mesma, como tal não podendo ser considerados custos do exercício.

Vejamos então.
Dispunha a norma do art.º 23.º do CIRC, sob a epígrafe, Custos ou perdas:
Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
....
Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que – por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas – as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata”(1).

O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à AT actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a AT duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário, como se decidiu no acórdão do STA de 29.3.2006, recurso n.º 1236/05(2).

Como se não encontra em causa, a ora recorrida constitui a sociedade dominante de um grupo de sociedades, todas elas sujeitas ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (doravante RETGS), contido nos art.ºs 63.º e segs do CIRC (redacção do Dec-Lei n.º198/2001, de 3 de Julho), tendo neste exercício de 2006 vindo a optar pela tributação por este regime, o qual veio a substituir, com alterações, o anterior regime de tributação pelo lucro consolidado, previsto no então art.º 59.º do CIRC, em que a matéria colectável de todas essas sociedades é determinado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo – cfr. n.º1 do art.º 64.º - sendo também certo, que a ora recorrida tinha por objecto social a «Gestão de Participações e Investimentos Imobiliários», o que, como em parte bem se pronuncia o M. Juiz do Tribunal “a quo”, por inerência, na sociedade dominante, efectuar investimentos financeiros inerentes às aquisições de acções ou quotas das empresas participadas, pelo que no exercício em que forem atribuídos lucros à sociedade detentora das participações, ou que as participações venham a ser alienadas, os correspondentes montantes obtidos virão a ser considerados proveitos do exercício, pelo que os encargos suportados decorrentes da titularidade daquelas participações sociais, cuja alienação determina os correspondentes ganhos/perdas em imobilizações, ou os lucros a si atribuídos pelas sociedades participadas, são considerados proveitos do exercício, pelo que sendo susceptíveis de gerarem lucros e/ou mais-valias na alienante, no futuro, não poderão ser desconsideradas ab initio, num juízo de indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos, em suma, o enquadramento dos lucros tributáveis de todas as empresas nesse perímetro de consolidação inerente ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades pressupõe a observância do requisito relativo à totalidade dos rendimentos das sociedades pertencentes ao grupo estarem sujeitas ao regime geral de tributação e ser calculado pela sociedade dominante, nos termos do disposto nos n.ºs 3, alínea a) e 8.º, alínea a) do citado art.º 63.º e 64.º, n.º1.

Como nesta parte, igualmente, bem se pronuncia o M. Juiz do Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, a deliberação do conselho de administração da sociedade dominante, em a vincular à realização de prestações acessórias de capital com o regime das prestações suplementares de capital, não foi refutado pela AT no relatório do exame à escrita efectuado e nem foi ao seu abrigo que tais custos foram desconsiderados (podendo sê-lo, por força do disposto no art.º 210.º, n.º1 do CSC, já que as mesmas só são possíveis se o contrato de sociedade o permitir, o que não era o caso(3)), mas sim porque tais montantes, necessários para adquirir tais participações financeiras, são de imputar na esfera jurídica das sociedades dominadas que não na sociedade dominante, como autónomas que são, com objecto autónomo de determinação da matéria colectável, tendo personalidade e capacidade jurídica distintas que a sua relação de domínio não afecta ou anula.

Ora, não obstante a ora recorrida também englobar no seu objecto social a gestão de participações em outras sociedades, não se encontram aqui em causa essas participações em si mesmas, mas sim os seus acessórios, ou sejam, os encargos financeiros relativos aos empréstimos bancários contraídos e que foram aplicados nessas associadas, directamente para o prosseguimento normal das actividades destas, e que é onde, desde logo, directamente, os normais efeitos irão ter lugar (susceptibilidade de gerarem lucros), numa relação causal ou de dependência, pelo que tais encargos eram a estas sociedades que directamente deveriam ser imputados que não à sociedade dominante, sob pena de passarem a ser imputadas a esta os efeitos dos exercícios das actividades na prossecução do objecto social dessas participadas, passando a haver um assunção de passivo de umas por outra, com resultados fiscais diferentes dos que se obteriam caso o financiamento estivesse alocado às sociedades que deles necessitam, para o exercício das suas actividades, já que mesmo no domínio da determinação do lucro tributável deste regime especial de tributação, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, mas através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, nos termos do disposto no art.º 64.º, n.º1 do CIRC.

A não ser assim, desrespeitando estas regras do apuramento do lucro tributável, nos termos gerais, designadamente da imputação dos custos elegíveis para cada uma delas, de forma autónoma e independente, então não faria sentido que a lei mandasse apurar o lucro tributável de cada uma delas na respectiva declaração periódica de rendimentos desse exercício, bastando apurar o relativo à sociedade dominante com tais componentes positivas e negativas de todas essas associadas, de forma unitária e global, despersonalizando todas essas sociedades associadas, designadamente ao nível da sua autonomia comercial e fiscal, o que a lei, designadamente nas citadas normas, não veio a estabelecer.

Por outro lado, como bem se pronuncia a inspecção tributária, no respectivo relatório, a norma do art.º 31.º do EBF (na republicação do Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, alterada pelo art.º 45.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro – Lei do Orçamento do Estado para 2002, aqui aplicável), determinava que às SGPS e às SCR era aplicável o disposto nos n.ºs 1 e 5 do art.º 46.º do CIRC, bem como o disposto nos n.ºs 1 e 4 do seu art. 45.º, ou seja, que os lucros distribuídos pelas sociedades participadas às sociedades participantes, eram deduzidos na base tributável do apuramento do lucro tributável destas, bem como beneficiavam da diferença entre as menos e mais-valias realizadas desde que fossem objecto de reinvestimento, o que no caso implicava que tais encargos dos empréstimos suportados pela ora recorrida deixariam (ou poderiam deixar, no caso das mais valias) de ter reflexos ao nível dos proveitos que a título de lucro lhe pudessem vir a ser distribuídos, ao contrário do que parece defender o M. Juiz do Tribunal “a quo” na sentença recorrida, onde não vimos que com a aplicação de tal regime imanente daquele art.º 31.º do EBF determinasse a caducidade do regime geral de tributação em IRC, sendo certo que as invocadas normas dos n.ºs 3 e 8 do art.º 63.º do CIRC, o não impõem, todas elas inseridas no Capítulo III do mesmo Código sob a epígrafe, Determinação da matéria colectável, em cujas secções I a VI, determinam a concreta forma de apuramento da matéria colectável de acordo com as diversas situações que, em cada uma delas, são subsumidas, desta forma, não podendo deixar de existir, na esfera da ora recorrida, a falta do balanceamento ou matching entre os custos suportados com esses encargos e os respectivos proveitos (ou podendo não haver, no tocante às mais valias), o que impediria que tal custo pudesse ser considerado um custo fiscal na mesma sociedade.

Ainda que tais prestações a favor das associadas seja de qualificar como imobilizado financeiro, como invoca a recorrida – cfr. sua conclusão 4ª - não são em si tais prestações que aqui estão directamente em causa, mas sim os encargos financeiros incorridos na sua obtenção, o que, de qualquer modo, possa afastar a qualificação desses montantes da disciplina geral dos custos contida no art.º 23.º do CIRC, nem se percebendo a referência à exclusão da tributação das mais valias cujos encargos conexos não constituiriam custos fiscais, ao arrimo do art.º 32º do EBF – cfr. sua conclusão 16.ª - quando tal norma se reporta aos Clubes de investidores, que não às SGPS, que antes encontra regulamentação na anterior norma do seu art.º 31.º, com o seu campo de aplicação acima analisado.

É certo que, no anterior regime da tributação pelo lucro consolidado previsto no então art.º 59.º do CIRC, esta constituía uma excepção à regra da tributação em IRC segundo a individualidade própria da cada uma, sendo a tributação efectuada dentro do grupo de que faziam parte, conferindo assim ao grupo de sociedades personalidade tributária autónoma englobalizante da das sociedades integrantes(4) ...IRC calculado em conjunto para todas as sociedades do grupo ... cfr. n.º1 do mesmo art.º 59.º - regime então condicionado à autorização do Ministro das Finanças e algo diverso do actualmente vigente neste RETGS, pois que, ainda que o lucro tributável seja calculado pela sociedade dominante, é o resultante da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo – n.º1 do art.º 64.º - todas estas sujeitas ao regime geral de tributação em IRC – art.º 63.º, n.º3, alínea a) – a que depois haverá lugar à correcção em relação aos lucros distribuídos, que constitui a colecta única a pagar, não havendo lugar a tal pedido de autorização mas tão só de comunicação dessa opção à DGCI, nos termos do n.º7 do mesmo art.º 63.º do mesmo CIRC.

Porém, até ao momento do apuramento do lucro tributável, pela sociedade dominante, nesse grupo de empresas localizadas nesse perímetro de consolidação, nas suas relações com terceiros, quer no cumprimento do objecto social de cada uma delas, tudo se passa como constituindo cada uma dessas sociedades uma pessoa jurídica distinta e diversa de cada uma das outras desse grupo, não sendo nesta vertente, afectadas pela relação de domínio existente em relação à sociedade dominante, todas elas sujeitas ao regime geral de tributação em IRC, e como tal, sujeitas às regras gerais do apuramento da matéria colectável dos art.ºs 15.º e segs do CIRC, designadamente no que à qualificação dos custos tange, prevista no seu art.º 23.º, e a relação de causalidade entre certo custo e a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, ainda que tal causalidade não tenha de ser do tipo conditio sine qua non ou de resultados concretos obtidos com esse custo, mas antes uma relação que tenha em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica à finalidade da obtenção maximizada de resultados(5) pretendidos obter.

Como bem se pronuncia a este respeito, o relatório do exame à escrita “... é possível estabelecer um nexo de causalidade entre os juros suportados com o financiamento das prestações acessórias às suas participadas (na sua grande maioria SGPS) e os ganhos obtidos na venda dos activos financeiros que incluem o valor de tais prestações (mais valias subsequentes)”, e como tal, obtida a sua correlação directa que leva a que, sejam para estas e não para a ora recorrida, que os mesmos sejam de qualificar como de custos fiscais, à luz do disposto no art.º 23.º, n.º1 do CIRC.

Logo, por aqui, tal custo com os referidos encargos, directa e imediatamente, constitui um custo fiscal, não da ora recorrida mas sim dessas sociedades participadas, que depois irão balancear com os respectivos proveitos, numa relação causal de certo meio para atingir certo fim (resultados ou proventos), donde se surpreende a dita indispensabilidade nas sociedades participadas, desta forma, não o podendo ser, também, para a ora recorrida, como a invocada jurisprudência tem feito salientar, designadamente nos acórdãos supra citados, ainda que, como também se já salientou, tal custo, para a sociedade dominante, não deixe de ser conveniente, pelo menos, para a manutenção da fonte produtora das suas associadas, que no caso, como se salienta no relatório do exame à escrita, por justificação de então da ora recorrida, “...que as mesmas foram efectuadas, com o objectivo das suas participadas adquirirem participações financeiras noutras sociedades, e ainda para reforço dos capitais próprios de outras participadas que se encontravam em risco de perda de metade do capital social ...”, cópia a fls 59 dos autos, tendo em vista prosseguir o objectivo económico inerente à estratégia empresarial desse grupo de sociedades.

É também irrelevante qualificar juridicamente tais prestações a favor das suas associadas de prestações acessórias ou de prestações suplementares – cfr. art.ºs 209.º e 210.º do CSC – no âmbito tributário em que nos encontramos e do seu realismo, onde sobressai a vertente económica – cfr. art.º 11.º, n.º3 da LGT – já que as características essenciais de tais prestações não se encontram controvertidas – foram prestações em dinheiro e sem vencerem juros – o que nestes dois aspectos ambos se podem aproximar que, como explica Raul Ventura(6), as prestações suplementares distinguem-se das obrigações acessórias, em abstracto, pelo seu objecto possível, mais extenso nas segundas, onde pode deixar de ser dinheiro, e pelo seu regime, sendo que no caso não foi pela diferente qualificação num ou noutro regime que tal desconsideração de custos teve lugar, a que deu lugar à liquidação do IRC, ora impugnada.


Procede assim, nestes termos, a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe conceder provimento e de revogar a sentença recorrida que em sentido contrário decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida, mantendo-se a liquidação impugnada.


Custas pela recorrida em ambas as instâncias.


Lisboa, 24/04/2012

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEDRO VERGUEIRO


1- Cfr. neste sentido António Moura Portugal, A dedutibilidade dos custos, pág. 116, citando Tomás Tavares.
2- A que se poderia juntar, a título exemplificativo, também o acórdão do mesmo STA de 13.2.2008, recurso n.º 798/07, com semelhante interpretação sobre a questão dos custos fiscais.
3- Cfr. n este sentido, Raúl Ventura, in Comentário ao Código das Sociedades Comerciais – Sociedades por Quotas, Vol. I, 3.ª Reimpressão, da 2.ª Edição de 1989, Almedina, pág. 236.
4- Cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 5-4-2000 e de 10-7-2002, recursos n.ºs 24732 e 246/02, respectivamente.
5- Cfr. neste sentido o acórdão deste TCAS de 24-1-2006, recurso n.º 1217/03.
6- In. Ob. cit., pág. 238.