Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07807/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/16/2014
Relator:BÁRBARA TAVARES TELES
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA;CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
Sumário:1. Segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia.

2. Tendo o tribunal a quo decidido pela improcedência da impugnação por considerar legal o acto de liquidação de taxa de afixação de publicidade, sem que esta questão tenha sido suscitada na P.I. e não fazendo parte da pretensão formulada nestes autos e, nao se tendo pronunciado sobre o acto de liquidação por mangueira de abastecimento de combustível que, essa sim, constituia a causa de pedir, o tribunal “a quo” excedeu os seus poderes, incorrendo a sentença na nulidade prevista nos artigos 125.º do CPPT e 668°, n.º 1, alínea d), do CPC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. RELATÓRIO

Petróleos de Portugal, SA, com sede na Rua Tomas da Fonseca, Torre C, em Lisboa, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação de taxa no valor de €8.173,80, relativa ao Posto de Abastecimento de Combustíveis localizado junto à EN 2Km 606,400, margem direita, na freguesia e concelho de …………., praticado pelo Director Regional de Beja da EP- Estradas de Portugal, SA, veio dela interpor o presente recurso jurisdicional:

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A) O presente recurso é interposto da douta sentença proferida pelo TAF de Beja em 28/06/2013, cujo recurso foi agora admitido, que veio julgar improcedente a impugnação judicial proposta pela ora Recorrente, contra o acto de liquidação da taxa emitido pela Impugnada no valor de €8.173,80, referente às mangueiras de combustível do posto de abastecimento de combustível sito na EN 2, ao km 606,400, em A..................

B) No entanto, pela análise da douta sentença ora proferida constata-se logo à partida que a mesma padece de uma manifesta nulidade, em virtude de, no mínimo, não se ter pronunciado pela matéria objecto dos presentes autos, pois deu como provados factos que não foram trazidos pelas partes a este processo e com fundamentos diversos daqueles que foram invocados, existindo um claro erro sobre o objecto da acção.

C) Ocorre pois numa omissão de pronúncia e uma condenação em objecto diverso do pedido, dado que o tribunal a quo veio julgar uma outra acção de impugnação improcedente, mas não a que foi proposta pela ora Recorrente, sendo por isso a sentença nula, por ter incorrido numa omissão de pronúncia sobre questões que o Juiz deveria ter conhecido e se pronunciado, conforme o art. 125º/1 do CPPT e art. 615º/1/d) e e) do NCPC.

D) A douta sentença veio apreciar um suposto acto de liquidação de uma taxa no valor de € 8.173,80, mas relativo à afixação de publicidade no mesmo posto, o que manifestamente não corresponde à acção proposta nem ao pedido formulado.

E) E os vícios que são apreciados pelo Juiz são sempre referentes a um acto de liquidação taxa sobre afixação de publicidade, vícios que não foram invocados pela Recorrente na sua PI.

F) Prejudicando inevitavelmente o direito ao recurso da ora Recorrente, pois os factos provados não correspondem aos factos trazidos pelas partes para a causa e os vícios apreciados, para além de não terem sido os invocados, baseiam-se em pressupostos diferentes, pois desde logo respeitam a um acto de liquidação diferente do que é objecto desta acção.

G) Nesta conformidade, a douta sentença recorrida padece de nulidade nos termos dos art. 125º/1 do CPPT e art. 615º/1/d) e e) do NCPC, devendo assim ser declarada nula por omissão de pronuncia e condenação em objecto diverso do pedido nos termos expostos.

*
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
*
Neste Tribunal Central Administrativo, o Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da procedência do presente recurso por se lhe afigurar “evidente a nulidade da sentença invocada, visto que a decisão do tribunal recorrido não tem qualquer correspondência com a pretensão formulada em juízo”.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusõess extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada e de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
As questões suscitadas pela Recorrente, e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º e 684º, nºs 3 e 4, todos do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT), prendem-se com a nulidade da sentença por omissão de pronúncia e condenação em objecto diverso do pedido.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. Da Matéria de Facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
II- FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Da análise do acervo probatório entende o Tribunal que resultam assentes os seguintes factos com interesse para a decisão:
1. No âmbito da acção de fiscalização ao Posto de Abastecimento de Combustível, localizado junto à EN 2, ao Km 606,400, A................., a “EP – Estradas de Portugal, SA”, Delegação Regional de Beja, constatou “ a afixação de publicidade no posto, e que é visível da estrada, sem que tal afixação tenha sido autorizada por parte da EP, no termos legais, (…)”;
2. A impugnante foi notificada do supra exposto e concluído em acção de fiscalização;
3. Através de decisão datada de 29/12/2010 do Director da Delegação Regional de Beja da Entidade Impugnada foi a Impugnante notificada da decisão de aplicação de taxas no valor de 8.173,80 € correspondente à implantação de tabuletas ou objectos de publicidade concedendo um prazo para pagamento voluntário de 30 dias.
4. Em 07/11/2011 é entregue neste tribunal a petição inicial que deu origem à presente impugnação.
MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Não existem factos relevantes para a decisão que resultem como não provados.
III - MOTIVAÇÃO
A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos aos autos designadamente juntos com a petição inicial e constantes do processo administrativo os quais sendo conhecidos das partes os não vieram impugnar".

Estabilizada a matéria de facto, avancemos para as questões que nos vêm colocadas

*
II.2. Do Direito
Importa agora a tarefa de indagar da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
A Recorrente invoca, em sede de recurso, que a sentença proferida em 1ª instância apreciou um suposto acto de liquidação de uma taxa relativa à afixação de publicidade no mesmo posto de abastecimento aqui em causa, o que manifestamente não corresponde à acção de impugnação proposta, nem ao pedido formulado.
Vejamos:
Segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia.
Assim, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questões, para este efeito (contencioso tributário), são tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
Em suma, esta nulidade colhe o seu fundamento no princípio dispositivo e corresponde à sanção pela inobservância da regra acolhida no nº 2 do artigo 660º do C. Proc. Civil (actual art. 608º).
No caso vertente, verifica-se da leitura atenta da petição inicial que, a Recorrente pretende impugnar o acto de liquidação de taxa no valor de €8.172,80, relativa a uma taxa por mangueira abastecedora do Porto de Abastecimento de Combustíveis localizado junto à EN 2Km 606,400, margem direita, na freguesia e concelho de A.................. A esse acto de liquidação aponta os vícios de incompetência da entidade impugnada, da violação de lei, e da inconstitucionalidade.
O enquadramento quanto ao acto de liquidação em causa na presente impugnação (causa de pedir), está vertido nos artigos 4º a 13º do articulado inicial e que aqui se reproduzem com relevo para os seguintes pontos:
“ 5º (…) a Impugnante tem, independentemente do regime de exploração – directa ou indirecta- e dos contratos que lhe estão na base, várias dezenas de postos de abastecimento de combustíveis e áreas de serviço ao longo de todo o país, identificado e distinguido dos demais pela imagem GALP; 6º É o caso do posto de abastecimento a que respeita a liquidação de taxa impugnada (…); Para melhor esclarecimento deste Digno Tribunal as mangueiras a que se refere a liquidação correspondem aos elementos através dos quais se processa o abastecimento de veículos com cada produto integrados nas chamadas automedidoras (...)”
Ora, a sentença recorrida, em vez de se pronunciar sobre a legalidade do acto de liquidação impugnado, a liquidação de uma taxa por mangueiras de abastecimento de combustíveis, pronuncia-se, em toda a sua fundamentação, sobre uma taxa de afixação de publicidade. Decorre de todos os argumentos invocados na decisão, para conhecimento dos vários vícios constantes da petição de impugnação, que o raciocínio utilizado foi vocacionado para outro tipo de taxa, que não aquela que constituía a causa de pedir aqui em causa.
Quanto ao invocado vício da incompetência conclui a decisão que :
“A EP: “goza de habilitação legal ou competência para cobrar por meio de execução fiscal taxas de licença para implantação de tabuletas ou objectos de publicidade na denominada zina de protecção à estada”.
Mais conclui a decisão a quo quanto à apreciação do vicio de violação de lei que:
“(…) tornar-se-á até desnecessário aferir se a estrutura de identificação constitui verdadeira publicidade ou mera informação ao publico sobre a existência das bombas de gasolina (…) pois esta entidade tem de aferir se o logótipo é susceptível de impedir a visibilidade da estrada por parte dos automobilistas (…)pelo que não se chega sequer ao plano da discussão sobre os elementos publicitários. Improcede, com estes fundamentos a pretensão da impugnante”.
Finalmente no conhecimento da inconstitucionalidade da taxa por mangueira de abastecimento combustível a decisão em apreciação diz, além do mais, que:
A questão reside em saber se há proporcionalidade entre a taxa prevista na lei e o custo do serviço prestado pela entidade autorizadora, a ponto de ser posto em causa o que, verdadeiramente, distingue este tributo de imposto – o caracter bilateral ou sinalagmático da primeira contraposição ao caracter unilateral do segundo. É entendimento deste tribunal que a atribuição de uma taxa em função do metro quadrado ocupado pelo objecto publicitário potencia, desde ogo, alguma proporcionalidade entre taxa e beneficio, visto que, quanto maior for o objecto maior é o impacto potencial da mensagem nele contida e a possibilidade de ser apreendida (…)”
Assim sendo temos que, a sentença recorrida, de forma inopinada e sem qualquer explicação, elegeu a questão de saber da legalidade/ilegalidade do acto de liquidação de taxa como se de uma afixação de publicidade se tratasse, sem sequer aflorar ou considerar o facto de que a recorrente veio impugnar um acto de liquidação diverso.
Tal situação revela uma clara desatenção quanto ao objecto do processo e pretensão deduzida, bem como desconhecimento de regras e princípios estruturantes do processo civil, como é o caso do princípio dispositivo, na sua vertente de ónus de alegar, reflectido nos artigos 264.º e 664.º do CPC, a que está sujeito o contencioso tributário no que tange à alegação das causas de pedir em que se funda o pedido de procedência da presente impugnação.
O objecto da impugnação é definido e delimitado pela impugnante na respectiva petição inicial, no presente caso havia que atender, exclusivamente, ao conjunto de questões acima elencadas e averiguar da sua virtualidade para conduzir à anulação do acto de liquidação, estando vedado o conhecimento de questões que não foram colocadas ao Tribunal recorrido e que, por isso, não fazem parte da motivação da presente impugnação, bem como de todas aquelas que não são de conhecimento oficioso pelo tribunal.
Em conclusão, tendo o tribunal a quo decidido pela improcedência da impugnação por considerar legal o acto de liquidação de taxa de afixação de publicidade, e não se ter pronunciado sobre o acto de liquidação por mangueira de abastecimento de combustível, sem que esta questão tenha sido suscitada pelo próprio e não fazendo parte da pretensão formulada nestes autos, o tribunal “a quo” excedeu os seus poderes, incorrendo a sentença na nulidade prevista nos artigos 125.º do CPPT e 668°, n.º 1, alínea d), do CPC.

Quanto às consequências da nulidade, e por referência ao art. 715º nº 1 do C. Proc. Civil (actual art. 665º), caberia a este Tribunal conhecer do mérito da presente impugnação, em substituição, se os autos fornecessem os necessários elementos para o efeito.
Porém, como se decidiu no Acórdão do S.T.A. de 17-10-2001, Proc. nº 26.193, tal conhecimento em substituição, apenas pode ter lugar quando o tribunal recorrido tenha conhecido e fixado o competente quadro probatório atinente à matéria do fundo da causa, já que o Tribunal superior pode alterar a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida mas não se pode substituir por completo, àquele, no julgamento de tal matéria - cfr. nº 1 do art. 712º do C. Proc. Civil (actual art. 662º) - pelo que no caso, não tendo a M. Juiz do tribunal “a quo” fixado na sentença recorrida, no fundo, a matéria relativa às questões suscitadas quanto ao mérito da presente impugnação, apenas se tendo preocupado com a realidade que envolvia a questão elegida como essencial nos autos, tendo, além do mais, afastado o depoimento das testemunhas arroladas pela Recorrente, que não foram ouvidas.
Ora, assim sendo, tal conhecimento em substituição logra inviabilizado, pelo que os autos terão de baixar à 1.ª Instância para o cabal julgamento da matéria de facto e ser proferida nova decisão em conformidade.

III. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e, nesta medida, declarar nula a decisão recorrida nos termos dos arts. artigos 125.º do CPPT e 668º nº 1 alínea d), do CPC (actual 615º nº 1 al. d) por omissão de pronúncia, e ordenar a devolução dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser fixada a matéria de facto pertinente e, após, ser proferida nova sentença.

Sem custas.
Lisboa, 16 de Outubro de 2014.

__________________________
(Barbara Tavares Teles)
_________________________
(Jorge Cortês)
_________________________
(Pedro Marchão Marques)