Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:109/22.0BCLSB
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:06/09/2022
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
REQUISITOS
FUMUS BONI IURIS
PERICULUM IN MORA
Sumário:
Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Decisão

(artigo 41.º, n.º 7, da Lei do TAD)


I. Relatório

O ………………………, com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em 8.06.2022, contra a FEDERAÇÃO DE PATINAGEM DE PORTUGAL (também, FPP) uma acção de impugnação de acto administrativo com requerimento de providência cautelar de suspensão de eficácia do acto impugnado, pedindo que seja “decretada a medida cautelar de suspensão da eficácia da decisão recorrida na pendência da presente acção e, a final, ser a presente acção julgada procedente, revogando-se a decisão recorrida”, relativamente à decisão proferida em reunião do Conselho Disciplinar da Requerida de 6.06.2022, contra o seu jogador de hóquei em patins, ……………, que lhe aplicou uma medida disciplinar “de três jogos oficiais de suspensão” [e não dois como referido na p.i.], por referência ao artigo 17º, nº 2 e 3, 3.2 conjugado com o artigo 44º, nº1,1.2 e 4º, ambos do Regulamento de Justiça e Disciplina da Federação de Patinagem de Portugal.

O Requerente da providência veio alegar, sumariamente e ao que a estes autos cautelares importa, que a decisão punitiva é manifestamente “excessiva, de impossível reparação, uma vez que o campeonato encontra-se na sua fase final com jogos sucessivos, sendo o 3.° jogo do play-off disputado hoje, o 4.° jogo na próxima 6.a feira, dia 16/06/2022 e o 5.° jogo, se houver necessidade, no Domingo, dia 19/06/2022.”

E, que a “ ausência nestes jogos de um jogador com a qualidade técnica e craveira internacional do P……………., o principal guarda-redes do Clube, limita significativamente a equipa do ………………, limitando, irremediavelmente, também as possibilidades de conquista do campeonato.”

Alega ainda que a condenação proferida pela Requerida e inerente aplicação da sanção de três jogos de suspensão traduz-se numa lesão grave e irreversível a nível desportivo, de “impossível reparação, quer para o B………quer, como (…) para a própria modalidade.”



II. Da intervenção do Presidente do TCA Sul

Por despacho de 8.06.2022 do Presidente do TAD, foram os autos remetidos nesse mesmo dia a este TCA Sul, nos termos do disposto no artigo 41º, n º 7, para apreciação e decisão, com fundamento na circunstância de não ser viável em tempo útil a constituição do colégio arbitral e não se encontrar, assim, o TAD em condições de apreciar o pedido cautelar formulado.

O despacho em questão é do seguinte teor:

“(…).

« Texto no original»

Em primeiro lugar, vejamos se estão reunidos os pressupostos que justificam a intervenção do Presidente do TCA Sul.

No presente caso vem invocada pelo Exmo. Senhor Presidente do TAD a impossibilidade de constituição do colégio arbitral em tempo útil, atentos os prazos legalmente estabelecidos (v. supra).

Reiterando os fundamentos constantes do despacho transcrito e considerando a necessidade de cumprimento das regras adjectivas previstas na Lei do TAD, de que resultaria a preclusão da tutela efectiva do direito invocado, não pode senão concluir-se que está preenchido o requisito de que depende a intervenção do Presidente do TCA Sul.

Chegados os autos a este TCAS, o relator notificou o requerente para efeitos do disposto no artigo 114º, 5 do CPTA.

Em 9.06.2022 (hoje), foi junto o documento em falta.



III. Da audição da Requerida

De acordo com o n.º 5 do art. 41.º da Lei do TAD, “[a] parte requerida é ouvida dispondo, para se pronunciar, de um prazo de cinco dias quando a audição não puser em risco sério o fim ou a eficácia da medida cautelar pretendida”.

E o art. 366.º, n.º 1, do CPC estabelece que: “[o] tribunal ouve o requerido, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.

Como ensina José Lebre de Freitas, a “[u]tilidade, fim ou eficácia apontam no mesmo sentido: a audiência do requerido não deve ter lugar quando, com ela, haja o risco de se frustrar o efeito prático que concretamente se pretende atingir, isto é, quando o conhecimento da pretensão cautelar pelo requerido ou a demora no deferimento da providência resultante da observância da contraditoriedade aumente o perigo da lesão grave e de difícil reparação que a providência visa evitar” (cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 2, 2001, p. 24).

A dispensa de audição da parte contrária, que integra um poder-dever do juiz, exige, também, a explicitação das razões que sustentam o entendimento de que essa audição colocará “em risco sério o fim ou a eficácia da providência”.

No caso presente, concretizando, a audição da Requerida, por força do prazo injuntivamente fixado no art. 41.º, n.º 5 da Lei do TAD, é de 5 dias (a que acrescerá o prazo de multa processual pela eventual prática tempestiva do acto), sendo que o jogo abrangido pela presente providência, que a ora Requerente identifica, ocorrerá no próximo dia 10 de Junho (sexta-feira), às 17:00h.

Pelo que, sendo susceptível de pôr em risco a eficácia da medida cautelar pretendida, ao abrigo do disposto no art. 366.º, n.º 1, do CPC, dispensa-se, oficiosamente, a audição da Requerida, procedendo-se de imediato à apreciação do mérito da presente providência.



IV. Da instância e instrução do processo

As partes são legitimas e o processo é o próprio.

Não existem excepções ou outras questões prévias, sanada que foi a falta inicial, que devam ser, desde já, conhecidas e que obstem à apreciação do mérito da providência requerida.

Atenta a natureza indeterminável dos interesses em discussão no presente processo, nos termos previstos no art. 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, fixa-se ao presente processo o valor de EUR 30.000,01.

Considerando a natureza do processo, entende-se que nenhuma outra prova carece de ser produzida, estando, portanto, o tribunal em condições suficientes para a apreciação do mérito da causa.



V. Fundamentação

V.i. De facto

Com interesse para a decisão da presente providência cautelar, relevam os seguintes factos, documentalmente comprovados:

a) P…………………………é atleta do ……………. (cfr. documento junto com a p.i. e que se dá por integralmente reproduzido);

b) A Requerida é uma pessoa coletiva de direito privado e de utilidade pública, constituída sob a forma associativa e sem fins lucrativos, englobando clubes ou sociedades desportivas, associações de âmbito territorial, associações de praticantes, técnicos, oficiais de mesa e árbitros, e demais entidades que promovam, pratiquem ou contribuam para o desenvolvimento da Patinagem em todas as suas variantes, e é a mais alta entidade da modalidade a nível nacional. (artigo 1º, nº1 dos Estatutos da FPP);

c) No dia 4 de Junho de 2022 realizou-se o segundo jogo do Play Off — 1/2 Final (meia- final) do Campeonato Nacional da Iª Divisão de Hóquei em Patins da Época 2021/2022, entre as equipas do S…………. e da ………………, jogo que contou com a participação efectiva do requerente;

d) Na sequência desse jogo o requerente foi notificado no dia 6 de Junho de 2022, da decisão condenatória do Conselho Disciplinar da Requerida, do mesmo dia, com o nº de saída CD…./2122, e código de jogo nº…./2022, do seguinte teor:

«Texto no original»

e) No dia 10 de Junho de 2022, pelas 17:00h, irá realizar-se o quarto jogo do Play Off — 1/2 Final (meia-final) do Campeonato Nacional da Iª Divisão de Hóquei em Patins da Época 2021/2022 ( doc. nº2 junto com a p.i.).

f) A presente acção cautelar deu entrada no TAD no dia 6 de Junho de 2022.



V.ii. De direito

Nos termos do disposto no art. 41.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, “[o] TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se mostre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo. E, de acordo com o n.º 9 desse artigo, “[a]o procedimento cautelar previsto no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil”.

Dispõe o artigo 368.º do CPC:

1- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.

2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

3 - A providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.

4 - A substituição por caução não prejudica o direito de recorrer do despacho que haja ordenado a providência substituída, nem a faculdade de contra esta deduzir oposição, nos termos do artigo 370.º.

Como já se deixou estabelecido anteriormente, são requisitos essenciais destas providências cautelares (cfr., i.a., a decisão de 5.11.2021, proc. n.º 130/21.5BCLSB):

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

Sendo que esta titularidade do direito, deve ser séria; ou seja, no sentido de que ao requerente da providência lhe venha a ser reconhecida razão, ainda que essa análise deva ser feita – como não podia deixar de o ser, face à natureza deste meio processual – sob os ditames próprios de uma summario cognitio. Dito de modo diverso, é pressuposto (cumulativo) do decretamento da providência a probabilidade séria (fumus boni juris), embora colhida a partir de análise sumária (summaria cognitio) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor.

Por sua vez, na demonstração do grau de probabilidade ou verosimilhança em relação à existência do direito invocado pelo requerente da providência, concorre não só o acervo probatório constante do processo e que se revele adequado a formar a convicção do julgador quanto ao grau de probabilidade de existência do direito invocado, como a jurisprudência tirada sobre casos análogos e cuja decisão seja proferida por referência ao mesmo quadro normativo. Não poderá afirmar-se a “probabilidade séria da existência direito” invocado, se esse mesmo direito não é reiteradamente reconhecido nas acções principais que sobre ele versam.

É certo que o fumus boni juris decorre da suficiência da mera justificação dos fundamentos do mesmo. Mas, como se escreveu no ac. de 19.09.2019 do TR de Guimarães, proc. n.º 97/19.0T8VNC.G1: “na aferição de tal requisito, bem como dos demais, deve ter-se sempre presente uma perspectiva de instrumentalidade hipotética, isto é, de que a composição final e definitiva do litígio no processo respectivo possa vir a ser favorável ao requerente”.

Vejamos quanto à verificação do pressuposto atinente à aparência do direito.

O direito invocado pelo Requerente consiste fundamentalmente no facto de ter sido aplicada ao seu jogador uma sanção disciplinar punitiva manifestamente excessiva. Ou seja, vem discutir a proporcionalidade da sanção face à factualidade concretamente apurada; daí afirmar que a pena é desproporcionada.

Da decisão punitiva, notificada ao arguido no dia 6.06.2022, fica-se apenas a saber que os factos que lhe foram imputados no Relatório do Jogo, com o código nº …../2022, foram subsumíveis a uma infracção “leve”, que in casu, foi punida com três jogos de suspensão nos ternos conjugados dos artigos 17º, nº2 e 3, 3.2 e 42º, ambos do Regulamento de Justiça e Disciplina da Federação de Patinagem de Portugal. (cfr. al. e) dos factos).

Nada mais se sabe.

Pelo que, nada constando ao nível da factualidade apurada e que esteve na base da punição é manifesta a falta de fundamentação do acto sancionatório, o que já nesta fase cautelar se permite detectar. E assim sendo, nem sequer se permite ao tribunal efectuar um juízo ponderativo para aferir da proporcionalidade da medida sancionatória concretamente aplicada. O comportamento do Conselho de Disciplina da Requerida tem relevância, no que aqui é determinante, ao nível da determinação e escolha da medida da pena.

Com efeito, a decisão punitiva comunicada à Requerente não passa de um mero quadro contendo, para além do nome do jogador em causa, a medida aplicada e a norma que a prevê, dela não constando qualquer menção aos factos que justificam a imposição da mesma. Isto é, ignora-se o motivo pelo qual o Conselho Disciplinar da Requerida tenha, dentro da moldura sancionatória prevista do artigo 17º do seu RJD, decidido punir disciplinarmente o arguido com três jogos de suspensão.

O artigo 17º do RJD da FPP, sob “Infracções disciplinares leves” e, no aqui releva, dispõe que :

1. As infrações disciplinares leves traduzem-se em ligeiras incorreções de comportamento, violadoras da ética e correção desportivas, reveladoras de desrespeito ou desacordo para com o adversário, público, árbitros, juízes, dirigentes ou outros, que de qualquer forma envolvam desprestígio ou impliquem menos correção na prática do jogo ou prova e, ainda, os comportamentos ou atos que violem, de forma não intencional, normas e regulamentos.

2. As faltas leves são puníveis com as penas previstas nos artigos 21.º e 22.º do Regulamento de Justiça e Disciplina da FPP, bem como com pena de multa de montante não superior a 20% do Salário Mínimo Nacional, e/ou suspensão de atividade até 4 jogos e/ou suspensão de actividade por período não superior a 1 mês.

(…)”

Da factualidade levada ao probatório resulta à evidência ser, portanto, manifestada a falta de fundamentação do acto, inerente à ausência de factualidade indiciada, deixando sem se saber, e em face da amplitude da moldura sancionatória aplicável às infracções qualificados como leves (citado artigo 17º) porque foi em concreto aplicado ao arguido a punição de três jogos de suspensão e não um jogo ou dois ou mesmo “a suspensão da actividade por um período não superior a um mês”.

E assim sendo, para tanto basta, num juízo de prognose de summaria cognitio - que é o que aqui se impõe -, para se poder concluir pela verificação de uma titularidade séria do direito invocado pelo Requerente.

Ou seja, a providência requerida passa o crivo do requisito do fumus boni juris.

Isto estabelecido, vejamos agora se vem demonstrado o periculum in mora.

Relembre-se que são requisitos essenciais destas providências cautelares:

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

A propósito do periculum in mora, veja-se o que se concluiu no ac. de 11.02.2021 do T. R. de Lisboa, no proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2:

“(…) não é toda uma qualquer ou mera consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva, que se configura com capacidade de justificar o recurso e decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da requerida contraparte;

III - efectivamente, de acordo com a legal enunciação, só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade e viabilidade de permitir ao tribunal, mediante iniciativa do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto e salvaguarda da previsível lesão;

IV – destra forma, a decisão cautelar do tribunal, de forma a evitar a lesão, está condicionada à projecção da lesão como grave, bem como ao facto, em cumulação, de ser dificilmente reparável do direito afirmado;

(…)

VII - revelando-se, inclusive, necessário o preenchimento concludente ou impressivo de tal requisito de periculum in mora, devendo a gravidade e a difícil reparação da lesão ou dano, configurar-se com um plus, acrescento ou excesso de risco, relativamente àquele que normalmente existe e é inerente à pendência de qualquer acção ;

(…).”

O periculum in mora, como afirmado no ac. 14.06.2018 do STA, proc. 435/18, “constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora, na obtenção de decisão no processo principal, cause uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos nesse processo que justifica este tipo de tutela urgente”.

O fundado receio ou periculum in mora, cuja verificação é necessária para a procedência do procedimento cautelar comum, tem de resultar da alegação de factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Como ensina Abrantes Geraldes: “só devem ter-se em conta para a aferição da existência do requisito do “periculum in mora” as lesões graves e dificilmente reparáveis, em que se exigem maiores cuidados, devendo o juiz “convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo de lesões graves e dificilmente reparáveis.// A gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado” (in Temas Da Reforma Do Processo Civil, vol. III, 1998, pp. 83 a 88).

E como a jurisprudência tem entendido, a “previsível gravidade da lesão deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera do interessado, abrangendo tanto os prejuízos materiais, como os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação” (cfr., i.a., o ac. do T.R.Coimbra, proc. n.º 306/15.4T8FND.C1). É que, como bem sintetiza Antunes Varela, as providências cautelares “visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença não se torne numa decisão puramente platónica” (cfr. A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. revista e actualizada, 1985, p. 23).

E sabido é que os danos ou prejuízos imateriais ou morais são por natureza irreparáveis ou de difícil reparação (cfr. o ac. de 8.04.2021 do T.R. de Guimarães, proc. n.º 1053/21.3T8GMR.G1; idem, o ac. de 11.02.2021 do T.R. de Lisboa, proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2). Sendo que a privação ou limitação do exercício daqueles direitos constituem, por regra, em si mesmo, um dano de difícil reparação.

Também no que concerne à gravidade, “apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as lesões graves e de difícil reparação, ficando arredadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida” (idem, o ac. do T.R. de Lisboa citado).

De igual modo, afirmou o STJ, no acórdão de 7.12.2017, proc. n.º 697/16.0T8VVD.G1, que “[n]o essencial, pretendem-se prevenir os prejuízos que decorrem da natural demora do processo - o periculum in mora. // Decidiu o S.T.J., no Ac. de 18/03/2010, que a providência deve ser decretada, “sempre que se esteja ante uma lesão grave, atenta a importância patrimonial ou extrapatrimonial do direito ou do bem que aquele incide (objecto mediato) e que está em risco de ser sacrificado, e não seja razoável exigir que tal risco seja suportado pelo titular do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano seja avultada ou mesmo impossível (ut Procº. 1004/07.8TYLSB.L1.S1, Cons.º Álvaro Rodrigues in www.dgsi.pt).

Ora, de acordo com o probatório em conjugação com as regras da experiência, é incontornável que a aplicação da sanção comporta uma lesão grave e dificilmente reparável.

Como afirmado pela Requerente, esta ausência do jogador P………… “limita significativamente a equipa (…), limitando, irremediavelmente, também as possibilidades de conquista do campeonato”. O que se aceita, dado este jogador ficar indisponível como opção desportiva, ficando impossibilitado de dar o seu contributo para o jogo.

Trata-se enfim, para utilizar uma terminologia própria do contencioso administrativo, de uma situação de facto consumado. Dito de outro modo, caso o Requerente venha a obter ganho de causa na acção principal, sempre os efeitos danosos se teriam produzido e consumado integralmente (o requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que quando venha a ser proferida uma decisão no processo principal a mesma já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal à situação jurídica e pretensão objecto de litígio – v. ac. do STA de 17.12.2019, proc. n.º 620/18.7BEBJA).

Deste modo, tudo ponderado, temos, igualmente, por verificado o requisito do periculum in mora.

Verificados estes requisitos, cumpre ainda ao tribunal verificar se o decretamento da providência é susceptível de causar à Requerida um prejuízo que excede consideravelmente o dano que se pretende evitar (art. art. 368.º, n.º 2, do CPC). Isto é, importa verificar da proporcionalidade do decretamento da providência, perante os valores contrapostos. O decretamento de uma qualquer providência cautelar implica necessariamente a formulação de um juízo de proporcionalidade acerca dos respectivos efeitos, “o que reclama na actuação do julgador, no momento da decisão, a conjugação e a interferência dos factores de ponderação, de bom senso e equilíbrio na busca da justa medida que permita estabelecer a melhor composição dos interesses conflituantes” (cfr., i.a., o ac. de 23.11.2004 do T.R.de Coimbra, proc. n.º 3064/04; idem o ac. de 4.07.2019 do STJ, proc. n.º 32/19.5YFLSB).

Ora, não se alcança que o decretamento da providência cause qualquer prejuízo relevante à Requerida, para além do (mero) retardamento da acção punitiva; o que é consequência “natural”, aliás, do provimento da medida cautelar (cfr. a nossa decisão de 7.02.2022, proc. n.º 34/22.4BCLSB).

Com efeito, não se poderá concluir que a não execução imediata da sanção seja susceptível de afectar, e muito menos de modo grave, a esfera jurídica da Requerida e dos valores que a mesma defende no processo. Para além de que só uma considerável desproporção relativamente às consequências para o requerido será capaz de justificar a recusa da providência (cfr., sobre esta matéria, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 4.ª ed., 2010, pp. 245-251); o que sempre não seria o caso, dado que, a ser confirmada na acção principal a sanção aplicada, nada obstará à efectiva aplicação desta.

Pelo que, tudo visto, entende-se nada obstar ao decretamento da providência requerida, o que se determinará no local próprio (infra).



VI. Decisão

Nestes termos e pelo exposto decide-se:

- Julgar procedente a providência cautelar requerida e suspender a execução da sanção aplicada ao jogador da Requerente, P …………….., em 6.06.2022, pelo Conselho de Disciplina da Federação de Patinagem de Portugal, com o n.º de saída CD…../2122.

Custas da responsabilidade da Requerente, que do processo tirou proveito (art. 539.º, n.º 1, do CPC), a atender, a final, na acção principal (art. 539.º, n.º 2, do CPC).

Notifique pelo meio mais expedito; também o TAD.

Lisboa, 9 de Junho de 2022

Pedro Marchão Marques
(Juiz presidente)