Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:164/18.7BEPDL
Secção:CA
Data do Acordão:03/04/2021
Relator:ANA PAULA MARTINS
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL;
ART.103º DO CPTA
Sumário:I – A circunstância, por si só, de uma especificação técnica bem como do preço base, definidos pela Entidade Adjudicante, coincidirem com proposta apresentada, num anterior concurso público, por um concorrente, não permite concluir pelo afastamento de outras propostas nem em que medida viola a concorrência.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

F... - C..., SA, melhor identificada nos autos, instaurou contra a S... – S... SA, igualmente melhor identificada nos autos, acção administrativa de contencioso pré-contratual, ao abrigo do disposto no art. 103º, nº 1, do CPTA, pedindo a declaração de ilegalidade das peças do procedimento de concurso público nº 14/2018, ou, caso assim não se entenda, a declaração de ilegalidade das peças do procedimento de concurso público nº 14/2018, quanto aos Lotes 1, 2 e 7.
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Por sentença de 17.06.2019, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada do pedido.
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Inconformada com a sentença proferida, a Autora veio recorrer da mesma.
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A Recorrente concluiu as suas alegações da seguinte forma:
A - A Recorrente intentou ação de impugnação das peças do procedimento pré-contratual de concurso público nº 14/2018, para a celebração de contratos públicos de aprovisionamento de Material de Bloco Operatório às Unidades de Saúde do Serviço Regional de Saúde, por entender que determinadas disposições contidas nas peças do procedimento eram ilegais, por violação do disposto no Art. 49º, nº 1 e nº 4 e Art. 75º, nº 1, ambos do CCP - Cfr. Art. 266º, nºs 1 e 2 da CRP e Art. 3º do CPA.
B - Nos termos previstos no Art. 49º, nº 4 do CCP, as especificações técnicas devem permitir a igualdade de acesso dos operadores económicos ao procedimento de contratação e não devem ser obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência.
C - O que não se verifica no procedimento em questão, pois foram estabelecidas especificações técnicas que não definem as características dos bens, mas as que um determinado e concreto interessado detém e pode assegurar.
D - De tal sorte, que os potenciais concorrentes se veem, à partida, impossibilitados de participar no procedimento, pois não conseguem fornecer bens que cumpram “obrigatoriamente, as especificações técnicas mínimas previstas no ANEXO I do Caderno de Encargos.”
E - Estamos no âmbito do contencioso pré-contratual, no qual foram invocadas ilegalidades das peças do procedimento, sem que existam ainda propostas, pelo que, necessariamente, tais ilegalidades têm, necessariamente, de ser apreciadas per se e nesse contexto fáctico.
F - O Tribunal a quo limitou-se a referir que “na fixação das especificações, a Entidade Demandada teve como preocupação estabelecer margens de variação nas medidas apresentadas, contribuindo, assim, para uma maior abrangência de produtos e concorrentes suscetíveis de responder àquelas especificações”.
G - Sendo que, “no caso vertente, a Autora alega que as especificações técnicas definidas no Caderno de encargos “não definem as características exigidas dos bens mas as que um determinado e concreto interessado detém e pode assegurar”, contudo não demonstra a sua alegação.”
H - Salvo o devido respeito, a Recorrente alegou e juntou prova documental do por si alegado.
I - Fê-lo dos artigos 20º a 37º da Petição Inicial.
J - O Tribunal a quo fez tábua rasa da matéria alegada nos artigos 20º a 37º da Petição Inicial, que sustenta, na tese da Recorrente, a invalidade das especificações técnicas do Caderno de Encargos.
K - Não estando em causa, a mera faculdade da entidade adjudicante “definir especificações por referência a parâmetros base e termos ou condições, definindo assim limites mínimos e máximos.” - Cfr. fls. 27 da sentença.
L - Mas, antes, a adoção de especificações técnicas de determinados e concretos bens que um determinado e concreto interessado detém e pode fornecer em condições de vantagem sobre os restantes interessados e que forneceu em procedimento pré-contratual anterior - Concurso Público nº 53/2016 - tal como demonstram os documentos nºs 5, 6 e 7 juntos com a Petição Inicial.
M - Situação bem diversa do “poder de conformação normativa procedimental que assiste à entidade adjudicante” e que, no caso concreto e ao contrário do que sustenta o Tribunal a quo, traduz-se na “violação de normativos legais e princípios a que se encontra sujeita a atuação da entidade adjudicante no âmbito da contratação pública.” - Cfr. fls. 27 da sentença.
N - Para o Tribunal a quo, a possibilidade do cumprimento das medidas exigidas ou dentro da variação permitida pela Entidade Demandada, ainda que em condições desfavoráveis para os interessados que teriam de adaptar ou produzir os bens a fornecer dentro de tais condições, é a “demonstração” que é “possível cumprir as especificações técnicas”.
O - Quanto a esta matéria a Recorrente alegou na Petição Inicial (Artigos 40º a 43º), por um lado, a impossibilidade da apresentação de bens com as medidas exigidas ou dentro da variação, e, por outro lado a onerosidade, com reflexos no preço final dos bens, caso os mesmos fossem produzidos ou adaptados especificamente para este procedimento.
P - Tornando os mesmos mais caros, o que, atento o modelo de avaliação das propostas e o peso relativo (90%) do fator preço por lote, implicaria logo uma desvantagem para os potenciais interessados e uma vantagem para um concreto interessado.
Q - Não se tratando de não querer suportar um maior dispêndio financeiro, tratando-se, isso sim, de não (pré)existir igualdade de participação no procedimento concursal, de não estar assegurada a concorrência.
R - A Recorrente impugnou “os documentos conformadores do procedimento”, não tendo de demonstrar quais as “as especificações técnicas que os seus produtos teriam, e que poderiam levar ao seu afastamento” (Cfr. fls 29 da Sentença).
S - Esta questão deveria ter sido apreciada em abstrato, estando em causa as especificações técnicas contidas no caderno de encargos, que a recorrente entende serem ilegais, por confronto com os normativos legais (imperativos) aplicáveis e não por confronto com o seu “catálogo” - Art. 103º, nº 1 do CPTA.
T - Sendo certo que a Recorrente alegou e demonstrou quais as caraterísticas dos produtos a adquirir e que constam das especificações técnicas do Caderno de Encargos, que, por serem específicos de determinado fornecedor, a impedem a si e a outros interessados de concorrer: Cfr. Arts. 20º a 37º da Petição Inicial.
U - A entidade Recorrida ao aprovar as peças do procedimento, mais concretamente, o modelo de avaliação, o preço máximo a pagar por Lote e especificações técnicas, violou o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação - Cfr. fls. 29 da Sentença.
V - Quanto a esta questão, o Tribunal a quo refere o seguinte:
“O Programa do Procedimento do concurso público nº. 14/2018 definiu como critério de adjudicação o da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos do modelo de avaliação, com a metodologia de avaliação que pondera 2 factores, o preço global por Lote e a qualidade técnica, de acordo com a fórmula definida no ponto 19.1 [cfr. alínea E) do probatório].
Ora, no âmbito do concurso público n.º 14/2018 apresentaram propostas três empresas [cfr. alínea K) do probatório], pelo que a alegada limitação à concorrência invocada pela Autora não se verifica.
A circunstância da Autora não ter concorrido, em virtude do preço base ser demasiado baixo no seu entender, deve-se única e exclusivamente a uma opção comercial da Autora.”
X - Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo conclui algo que da mera apreciação dos documentos conformadores do procedimento não poderia concluir, pois a apreciação da legalidade teria de ser efetuada tendo por base única e exclusivamente as concretas especificações técnicas e não o número de propostas que vieram a ser apresentadas.
Z - Ademais, o Tribunal a quo limita-se a fazer um mero juízo de valor, considerando que existiu concorrência porque foram apresentadas propostas por três empresas, ignorando se foram admitidas e, tendo-o sido, qual a respetiva ordenação, ignorando se foram excluídas e, tendo-o sido, com que fundamentos.
AA - O Tribunal a quo não fundamenta porque entende que existe concorrência com a mera apresentação de três propostas, que nem sequer cuidou de saber se foram admitidas ou não.
BB - Se o Tribunal a quo alicerça a sua decisão em factualidade que extravasa a mera apreciação dos documentos conformadores do procedimento (o concreto objeto da ação), abstraindo-se das propostas que foram apresentadas, não se entende porque não verifica a quem foram adjudicados os bens submetidos a concurso.
CC - No que respeita à matéria alegada nos artigos 44º a 63º da Petição Inicial, há total omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo.
DD - A sentença de que ora se recorre é nula, porquanto:
a) Conhece questões de que não podia tomar conhecimento - Art. 615º, nº 1, al. d), 2º parte do CPC, ex vi, Art. 140º, nº 3, do CPTA;
b) Não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar - Art. 615º, nº 1, al. d), 2º parte do CPC, ex vi, Art. 140º, nº 3, CPTA e Art. 149º, nº 2, do CPTA;
EE - Existe erro de julgamento, pois o Tribunal a quo não atendeu a toda factualidade alegada e meios de prova (documental) apresentados pela Recorrente nos artigos 20º a 37º da Petição Inicial e pertinentes para a decisão - Art. 607º, nº 4, do CPC, ex vi, Art. 140º, nº 3, CPTA.
FF - O Tribunal a quo atendeu a factos jurídicos supervenientes - as propostas admitidas a concurso -, quando tal lhe estava vedado, pois não têm influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida: a impugnação dos documentos conformadores do procedimento, apreciados de per se e a priori e não a posteriori, em contexto de “resultado” quanto ao número de propostas apresentadas a concurso - Art. 611º, nº 1 e 2, do CCP, ex vi, Art. 140º, nº 3, CPTA.
GG - O Tribunal a quo emite um mero juízo de valor ao considerar como verificado e assegurado o princípio da concorrência com base na apresentação de três propostas, desconhecendo o respetivo conteúdo e sem cuidar de aferir, sequer, se as mesmas foram admitidas, o que configura erro de julgamento - Art. 607º, nº 4, do CPC, ex vi, Art. 140º, nº 3, CPTA.
HH - Finalmente, ao considerar como legais as especificações técnicas do Caderno de Encargos, violou, finalmente, o Tribunal a quo o disposto no Art. 1º-A, nº 1, 49º, nº 1 e nº 4 e 75º, nº 1, 286º, todos do CCP, Art. 266º, nºs 1 e 2 da CRP e Art. 3º e Art. 4, ambos do CPA. *
A Recorrida contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
1. A Recorrente insiste num pressuposto base errado, que é o mercado que deve ditar o que as entidades adjudicantes devem comprar, e que a mera ideia de concorrência obriga a que estas devam admitir tudo o que o mercado tem para oferecer numa determinada área ou produto confundindo a defesa do princípio da concorrência com a defesa dos interesses particulares dos concorrentes.
2. A composição dos lotes e das respetivas trouxas e campos e respetivas especificações técnicas foram definidas com base em critérios funcionais de acordo com o que é possibilitado pelo CCP, com recurso a especificações e conceitos de conhecimento corrente e estandardizados nesta tipologia de produtos, com base nas necessidades dos serviços, sendo perfeitamente acessível aos interessados adaptarem-se para cumprimento dessas exigências (como a Recorrente confessou).
3. Basta ler as especificações técnicas definidas no concurso para se perceber que são definidas com os critérios do Anexo VIII do CCP (tais como os níveis de qualidade, a avaliação da conformidade, o desempenho, a utilização do produto, a segurança ou as dimensões, incluindo as prescrições aplicáveis ao produto no que se refere ao nome sob o qual é vendido, a terminologia, os símbolos, os ensaios e métodos de ensaio, a embalagem, a marcação e rotulagem, as instruções de utilização, os procedimentos e métodos de produção em qualquer fase do ciclo de vida do produto ou serviço e os procedimentos de avaliação da conformidade.)
4. Nenhuma das especificações técnicas definidas fazem referência a qualquer característica, marca ou processo de fabrico que seja limitador ou exclusivo de qualquer produtor, e todos os lotes impugnados possuem especificações técnicas e requisitos dos produtos de uso corrente nas marcas da especialidade.
5. Todas as designações e especificações definidas se enquadram nesses conceitos, que são obviamente comuns e são utilizados conceitos standardizados aos diversos fornecedores deste tipo de material.
6. É a própria recorrente que reconhece que lhe é possível o cumprimento técnico quando refere que «o que significa que para a maioria dos potenciais concorrentes apresentar (…) bens com as medidas exigidas ou dentro da variação será impossível, ou não o sendo, implica que terão que produzir produtos específicos (…) ou adaptar os que constam dos seus catálogos, o que significa um esforço financeiro que, seguramente terá reflexo nas propostas de preço».
7. Além disso, ainda que se pudesse entender que a especificação é “limitada” em termos de medidas é por uma questão de referência, mas quer o próprio caderno de encargos, quer os esclarecimentos em sede de concurso salvaguardam propostas equivalentes, (permitindo designadamente variação de até 5% ou 10%, ou que, ao invés de 4 camadas laminadas se apresente 2 camadas mais 2 de reforço, ou 1 camada mais 3 de reforço, ou definindo características técnicas com referência ao mínimo de gramagem), salvaguardando outras referências de outras marcas ou concorrentes.
8. É faculdade legal da entidade adjudicante definir especificações por referência a parâmetros base e termos ou condições, definindo limites mínimos e máximos (art. 42º CCP), pelo que não é demonstrado que a forma e conteúdo das especificações técnicas definidas violem as regras do Anexo VIII do CCP nem do art. 42º do mesmo diploma.
9. A fixação das especificações não teve como objetivo nem consequência eliminar nenhum fornecedor, tanto assim é que foi dada margem de variação nas medidas das mesmas precisamente para abranger uma maior gama de produtos e concorrentes, bastando atender aos diferentes produtos de diferentes concorrentes para se perceber que são produtos estandardizados em termos de materiais e requisitos funcionais como a composição, os materiais, as regras de esterilização e embalagem etc…
10. Não basta uma alegação genérica de que as especificações são semelhantes às de um determinado interessado, logo só permitem um concorrente ou são exclusivas de um único fornecedor, pois essa é uma conclusão da Recorrente que não está suportada na sua causa de pedir, nem em matéria de facto que não pode concluir sem sequer cuidar de alegar afinal (e muito menos provar!!) qual a especificação, designação, material, modo de fabrico ou algo semelhante que limite essa mesma concorrência!
11. Ficam assim os autos sem perceber ao certo o que impedirá a Recorrente (ou outros interessados) de se apresentar ao concurso, pois esta nem sequer concorreu - logo não foi excluída - nem apresentou a especificação do produto que entende ter ficado afastado, o que prejudica desde logo qualquer pretensão que tenha de alegação de desfavorecimento por falta de elementos factuais e probatórios nesse sentido.
12. E, ainda que entendesse que a fixação das especificações técnicas afastava os seus produtos, caso comprovadamente entendesse que estes cumprem de forma equivalente o desígnio da entidade adjudicante poderia sempre socorrer-se da faculdade prevista no art. 49º n.ºs 10, 11 e 12 do CCP demonstrando que os seus produtos cumpririam de forma equivalente o desempenho ou requisitos funcionais exigidos pelo caderno de encargos (v.g. Acórdão do TCA Sul de 23-02-2012, processo 8433/12 in www.dgsi.pt).
13. A Recorrente é uma representante ou agente de diversas marcas, não é fabricante nem está vinculada a determinadas especificações técnicas, sendo da sua liberdade a procura no mercado dos produtos que possa fornecedor para satisfazer as necessidades das entidades adjudicantes.
14. A definição, pela entidade adjudicante, por referência aos conhecimentos e produtos que existem no mercado, de determinadas exigências técnicas está no seu poder de conformação, pois não são os concorrentes ou interessados que definem qual a composição que uma trouxa deve ter, e quais os materiais ou produtos que a mesma deve conter para uma cirurgia.
15. O que a Recorrente verdadeiramente pretende é que seja a Entidade Adjudicante a conformar-se aos seus produtos, obrigando-a a definir especificações técnicas e preços de acordo com a sua conveniência, mas nem é a entidade adjudicante que está obrigada a aumentar o preço para permitir que os interessados concorram, nem são os fornecedores que vão escolher as características dos produtos que os profissionais de saúde vão usar nos doentes.
16. Princípio da concorrência não significa que são os Interessados que escolhem o que a entidade Adjudicante deve adquirir, em que moldes e porque preços, e não é apenas porque o mercado tem determinado produto que as Entidades Adjudicantes estão obrigadas a permitir a possibilidade de o adquirir, muito menos ao preço que o concorrente determina.
17. A verdadeira razão da impugnação da recorrente é o facto de entender que o preço base deveria ser superior, e não pretende baixar preços e alterar a forma de apresentação do seu produto (o que reconhece que é possível) mudando a composição das suas trouxas cirúrgicas (o que não muda sequer a tipologia técnica do produto, mas meramente o “pacote” de produtos que se coloca em cada trouxa).
18. Muita da argumentação da Recorrente assenta na “limitação” que acontece ao princípio da concorrência pelo facto da entidade adjudicante limitar o preço base do procedimento (chegando mesmo a dizer sic «como se concluirá, pelo menos quanto ao lote 7, apenas um concorrente conseguirá, à partida, apresentar os preços dentro do limite máximo que a R. se propõe a pagar por cada item deste lote (…) Sendo o preço global por lote um dos fatores que densificam o critério de adjudicação (…) não haverá concorrência»)..
19. O princípio da prossecução do interesse público implica que a Entidade Adjudicante defina os seus procedimentos na ótica da melhor defesa dos seus interesses, designadamente os seus interesses financeiros, dentro dos produtos que pretende em termos funcionais.
20. Não pode ser entendido como limitador da concorrência a limitação de um preço máximo que a entidade adjudicante está disposta a pagar, na medida em que não são os Interessados que o definem.
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O Ministério Público emitiu parecer, nos termos e ao abrigo dos artigos 146º e 147º do CPTA, no sentido de ser negado provimento ao recurso interposto pela Autora, por não merecer a sentença recorrida a censura que lhe é feita.
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Regularmente notificadas do referido parecer, as partes não se pronunciaram sobre o mesmo.
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Sem vistos, atento o disposto nos arts. 36º nºs 1 e 2 e 147º do CPTA, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência.
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II - OBJECTO DO RECURSO

Atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, que delimitam o seu objecto, nos termos dos arts 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, a questão decidenda passa por aferir:
- da nulidade da sentença, por omissão e excesso de pronuncia
- do erro de julgamento da sentença recorrida ao concluir pela legalidade das peças do concurso público nº 14/2018.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

De Facto
A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade que, por não impugnada, se mantém:
A) A Autora é uma sociedade comercial, que tem por objeto “Armazém para depósito e venda por grosso de especialidades farmacêuticas, substâncias medicamentosas, produtos para venda livre em farmácia e material para equipamento hospitalar” [cfr. documento n.º 1, junto com a petição inicial].
B) Através do Anúncio de procedimento n.º 9760/2018, publicado no Diário da República, II série, n.º 222, de 19 de novembro de 2018, foi publicitada a abertura de concurso público, com vista ao “Fornecimento de Material de Bloco Operatório às Unidades de Saúde do Serviço Regional de Saúde [cfr. documento n.º 3, junto com a petição inicial e fls. 67-68 do processo administrativo].
C) A abertura do concurso referido na alínea anterior, também foi publicitada no Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores, II Série, n.º 224, de 21 de novembro, através do Anúncio de procedimento n.º 298/2018 [cfr. fls. 72-73 do processo administrativo].
D) A abertura do concurso referido na alínea B), também foi publicitada no Suplemento do Jornal Oficial da União Europeia JO/S S225, de 22 de novembro de 2018, através do Anúncio de procedimento n.º 515879-2018 [cfr. fls. 69-71 do processo administrativo].
E) Do Programa do Procedimento do Concurso n.º 14/2018 “CONCURSO PÚBLICO PARA A CELEBRAÇÃO DE CONTRATOS PÚBLICOS DE APROVISIONAMENTO RELATIVOS AO FORNECIMENTO DE MATERIAL DE BLOCO OPERATÓRIO ÀS UNIDADES DE SAÚDE DO SERVIÇO REGIONAL DE SAÚDE”, consta, entre o mais, o seguinte:
“ (…)
2. Entidade Adjudicante
A entidade adjudicante é a S... – S... S. A (doravante, S...), (…)
3. Órgão que tomou a decisão de contratar
A decisão de contratar foi tomada pelo Conselho de Administração da S..., em 3 de setembro de 2018.
(…)
Secção II – Propostas
10. Documentos que integram a Proposta
10.1 A proposta deve incluir os elementos documentais enunciados em seguida, de apresentação obrigatória:
a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, (…) elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao presente Programa, do qual faz parte integrante, que deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar;
b) Proposta de preço total, o qual inclui todos os custos, encargos e despesas cuja responsabilidade não esteja expressamente atribuída à Entidade Adjudicante no Caderno de Encargos, incluindo todos os pagamentos em que se incorre, com respeito pelo preço base, de acordo com o modelo Anexo II, expresso em euros, não incluindo o Imposto sobre o Valor Acrescentado;
c) (…);
d) (…);
e) (…);
f) (…);
g) (…);
h) (…).
(…)
19. Critério de adjudicação
19.1. O critério no qual se baseará a apreciação das propostas e consequente adjudicação dos Lotes 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 é o da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos do modelo de avaliação, com a metodologia de avaliação que pondera 2 fatores, o preço global do Lote (CP) e a qualidade técnica (QT), respeitando a seguinte fórmula para a classificação final (CF):
𝐶𝐹=0,9×𝐶𝑃+0,1×𝑄𝑇
tendo em conta a seguinte expressão: 𝐶𝑃=𝑃𝑏𝑎𝑠𝑒𝑃𝑝𝑟𝑜𝑝𝑜𝑠𝑡𝑎𝑃𝑏𝑎𝑠𝑒×100
em que a qualidade técnica (QT), para cada um dos lotes assinalados, tem em conta o que é apresentado na tabela seguinte:
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(…)” [cfr. documento n.º 4, junto com a petição inicial e fls. 30 a 47 do processo administrativo].
F) No Caderno de Encargos refere-se, entre o mais, o seguinte:
“A) CLÁUSULAS JURÍDICAS
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Cláusula 1ª
Caderno de Encargos
O presente Caderno de Encargos estabelece as condições jurídicas, técnicas e económicas dos Contratos Públicos de Aprovisionamento (doravante, CPA) relativos ao fornecimento de Material de Bloco Operatório constante do ANEXO I do presente Caderno de Encargos, às Unidades de Saúde do Serviço Regional de Saúde, bem como a outras entidades que estejam abrangidas pelos mesmos.
Cláusula 2ª
Definições
Para efeitos do presente Caderno de Encargos entende-se por:
a) CPA (Contrato Público de Aprovisionamento) – Acordo Quadro celebrado entre a Entidade Adjudicante e o Adjudicatário, com vista a disciplinar as relações contratuais futuras relativas ao fornecimento de Material de Bloco Operatório às Entidades Adquirentes;
b) S... – Central de Compras da S... – S..., S.A., para o sector da saúde na Região Autónoma dos Açores, criada através do Decreto Regulamentar Regional n.º 4/2010/A de 15 de fevereiro;
c) Contratos – Contratos de fornecimento a celebrar entre as entidades adquirentes e a entidade fornecedora nos termos do contrato público de aprovisionamento;
d) Entidade Adquirente – As Unidades de Saúde do Serviço Regional de Saúde (Hospitais E.P.E.R. e Unidades de Saúde de Ilha), bem como eventuais entidades compradoras voluntárias que aderirem aos CPA, nos termos previstos no Decreto Regulamentar Regional n.º 4/2010/A, de 15 de fevereiro.
e) Entidade Adjudicante – Para efeitos de celebração do CPA, objeto do presente caderno de encargos, será a S...;
f) Fornecedor – Concorrente que venha a ser selecionado como fornecedor para as entidades adquirentes dos bens referentes a cada produto previsto no Caderno de Encargos;
Cláusula 3.ª
Objeto
O presente Caderno de Encargos aplica-se:
1.1 Aos contratos públicos de aprovisionamento para a área da saúde, de ora em diante designados CPA, a celebrar entre a S... e os fornecedores cujas propostas forem selecionadas, nos termos do Código dos Contratos Públicos (Decreto Lei 18/2008 de 29 de janeiro), conjugado com o Decreto Regulamentar Regional n.º 4/2010/A de 15 de fevereiro, relativos aos produtos previstos no Anexo I do presente Caderno de Encargos.
1.2 Às aquisições que venham a ser efetuadas, pelas entidades contratantes aos fornecedores selecionados
(…)
Cláusula 27ª
Características dos preços
1. Os preços apresentados nos CPA são preços isentos de IVA, e incluem, para além do custo unitário do produto propriamente dito, os seguintes custos:
a) Do acondicionamento;
b) Da embalagem;
c) Da carga, do transporte e da descarga no local indicado para os locais de consumo, dos seguros ou quaisquer outras despesas inerentes ao transporte;
d) Da formação;
e) Da garantia e assistência técnica.
2. Para efeitos de apresentação das propostas, o preço unitário deve ser expresso com 4 (quatro) casas decimais, sem necessidade da sua indicação por extenso. Se os concorrentes não apresentarem preços unitários com 4 (quatro) casas decimais, será assumido que as restantes em falta, à sua direita, serão de valor igual a zero e consideram-se tantos zeros quantas as casas decimais em falta.
3. Os preços devem sempre referir-se às unidades que, para cada produto, sejam indicadas no Anexo I das Cláusulas Técnicas Especiais e este preço unitário não deve exceder o preço máximo estipulado no n.º 4 da presente cláusula.
4. O preço máximo admitido para cada lote é o fixado no Anexo I do presente Caderno de Encargos.
(…)
B) CLÁUSULAS TÉCNICAS ESPECIAIS
Cláusula 1ª
Bens a fornecer
Os bens a fornecer ao abrigo dos Contratos Públicos de Aprovisionamento são os constantes do ANEXO I do presente Caderno de Encargos.
(…)
Cláusula 3ª
Especificações
1. Os bens a fornecer devem ainda cumprir, obrigatoriamente, as especificações técnicas mínimas previstas no ANEXO I do Caderno de Encargos.
(…)
ANEXO I
Bens a fornecer, especificações e preço base contratual
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(…)
ANEXO II
LOCAIS DE FORNECIMENTO
(…)”.
[cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial e fls. 8 a 29 do processo administrativo].
G) A Autora efetuou pedido de esclarecimentos sobre as peças do procedimento [cfr. fls. 105-109 do processo administrativo].
H) A empresa “D... & Filhos, Lda.” efetuou pedido de esclarecimentos sobre as peças do procedimento [cfr. fls. 110-111 do processo administrativo].
I) A empresa “B..., S.A.” efetuou pedido de esclarecimentos sobre as peças do procedimento [cfr. fls. 112-116 do processo administrativo].
J) Em 07/12/2018, o Júri designado para o Concurso Publico n.º 14/2018, apresentou resposta aos pedidos de esclarecimentos formulados, constando o seguinte:
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[cfr. fls. 120-124 do processo administrativo].
K) No âmbito do Concurso n.º 14/2018, apresentaram propostas as empresas: D... & Filhos, Lda., M... Portugal, Unipessoal, Lda. e B..., S.A. [cfr. fls. 141 a 176; fls. 177 a 255; fls. 256 a 328, todas do processo administrativo].
L) A Autora não apresentou proposta no âmbito do concurso público n.º 14/2018 [cfr. resulta do processo administrativo].
M) Em 19 de dezembro de 2018 foi proposta a presente ação de contencioso pré-contratual neste Tribunal [cfr. registo SITAF].
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De Direito
Da nulidade:
Afirma a Recorrente que a sentença recorrida é nula porquanto:
a) conhece questões de que não podia tomar conhecimento. Sustenta que o objecto da acção prende-se com a ilegalidade das especificações técnicas incertas no caderno de encargos, não cabendo ao Tribunal a quo aferir da mesma, socorrendo-se de um juízo formulado com base em factualidade não alegada e que surge a posteriori: o número de propostas apresentadas no concurso. Mas a ser assim, deveria ter aferido do concreto destino de tais propostas, concretamente, em termos da respectiva e admissão e ordenação; e
b) Não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar: a matéria alegada nos artigos 44º a 63º da Petição Inicial.
O Juiz a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade nos seguintes termos:
“Consideramos que a sentença recorrida contém a respetiva decisão da matéria de facto tida como pertinente, indica a motivação inerente a cada um dos factos considerados provados, assim como encerra, igualmente, a respetiva fundamentação da matéria de direito julgada aplicável, permitindo às partes a sua integral compreensão quanto aos factos e ao direito, inexistindo qualquer omissão e/ou excesso de pronúncia.
Sustenta-se a sentença recorrida nos seus exatos termos.”
Vejamos
Estabelece o art. 615º, nº 1, al. d) do CPC que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no art. 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável - cfr. ac. STJ de 16.10.2018, proc. n.º 2033/16.6T8CTB.C1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, sítio a que se reportarão as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa menção em contrário).
A nulidades por omissão ou excesso de pronúncia está directamente relacionada com o disposto no nº 2 do art. 608º do CPC, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Mas importa precisar o que deve entender-se por «questões» cujo conhecimento ou não conhecimento integra nulidade por excesso ou falta de pronúncia.
É jurisprudência pacífica que a expressão «questões» se prende com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia, aos quais o tribunal não tem a obrigação de dar resposta especificada ou individualizada – neste sentido, entre outros, ac. STJ de 27.03.2014, proc. n.º 555/2002.E2.S1, e acs. do STA de 14.01.2021, proc. nº 0312/08.5BEALM e de 14.09.2017, proc. nº 0343/15, disponíveis para consulta em www.dgsi).
É jurisprudência pacífica que a nulidade consistente na omissão de pronúncia só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada.
Como afirma Lebre de Freitas, em anotação ao art. 668º do velho CPC, que corresponde ao actual art. 615º do CPC, “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 660-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de argumentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)” – “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2, Coimbra Editora, 2001, pág. 670 (anotação ao art. 668º do velho CPC.
E acrescenta que não podendo “o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções na exclusiva disponibilidade das partes (…) é nula a sentença em que o faça.”
No que tange à omissão de pronuncia, afirma a Recorrente que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a matéria alegada nos artigos 44º a 63º da Petição Inicial.
Nos referidos artigos, a ora Recorrente sustenta a ilegalidade das peças de procedimento concursal na circunstância de o ora Recorrido ao definir especificações estabelecer como preço máximo a pagar pelas prestações que submete à concorrência o preço de um determinado operador económico, mais concretamente, afirma que os diversos artigos do Lote 7 têm os exactos preços que a M... Portugal, Unipessoal, Lda apresentou num outro concurso, o Concurso Público nº 53/2016.
Compulsada a sentença recorrida, constata-se que a questão invocada nos artigos 44º a 63º da Petição Inicial, encontra-se enunciada na mesma como questão a conhecer e foi efectivamente conhecida, tendo o Tribunal a quo entendido que o preço máximo fixado a pagar por Lote não violou o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação e que a circunstância da Autora não ter concorrido, em virtude do preço base ser demasiado baixo no seu entender, deve-se única e exclusivamente a uma opção comercial da Autora.
Nestes termos, não padece a sentença recorrida de nulidade por omissão de pronuncia.
Adiante-se que igualmente não padece de excesso de pronuncia.
Pretende a Recorrente que o Tribunal a quo, colocado perante a questão de aferir da ilegalidade das especificações técnicas incertas no caderno de encargos, não poderia formular um juízo com base em factualidade não alegada e que surge a posteriori: o número de propostas apresentadas no concurso. Mas a ser assim, deveria ter aferido do concreto destino de tais propostas, concretamente, em termos da respectiva e admissão e ordenação.
Dito de outra forma, defende a Recorrente que o Tribunal apenas podia conhecer da ilegalidade da especificação técnica per se antes e independentemente de qualquer acto do procedimento (como a apresentação de propostas).
Ora, a factualidade de que o Tribunal a quo conheceu – sendo de assinalar que a Recorrente não impugna a matéria de facto apurada – foi alegada pela Entidade Demandada na sua contestação e consta do processo administrativo junto aos autos (cfr. facto K). O mais, isto é, o “concreto destino de tais propostas, concretamente, em termos da respectiva e admissão e ordenação”, não foi alegado por nenhuma das partes e, mesmo nesta sede, a Recorrente nada diz.
Em suma, independentemente do seu acerto, conclui-se que o Juiz a quo resolveu todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, não se ocupando senão destas.
Termos em que não padece a sentença recorrida da nulidade que lhe é apontada.
*
Não sendo nula a sentença recorrida, cumpre agora apreciar e decidir se a mesmo errou ao concluir pela legalidade das peças do procedimento concursal em causa. *
Do erro de julgamento:
Nos presentes autos, a Autora, ao abrigo do disposto no art. 103º do CPTA, formulou um pedido de declaração de ilegalidade das peças do procedimento do concurso publico nº 14/2018, que tem por objecto a celebração de Contratos Públicos de Aprovisionamento relativos ao fornecimento de Material de Bloco Operatório às Unidades de Saúde do Serviço Regional de Saúde, constituído por 8 Lotes.
Para tanto e em síntese, sustentou que as peças do procedimento violam o disposto nos artigos 49.º, n.ºs 1 e 4 e 75.º, n.º 1 do CCP, artigo 266.º, n.ºs 1 e 2 da CRP e artigo 3.º do CPA, assim como colocam em causa a prossecução do interesse público (artigo 4.º do CPA e artigo 286.º do CCP) e o princípio da imparcialidade e o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação.
Mais refere que os vícios imputados às peças do procedimento condicionaram a sua participação no procedimento, ao qual não apresenta proposta.
A sentença recorrida julgou improcedente a pretensão da Autora, concluindo que as peças do procedimento do concurso público n.º 14/2018 não merecem censura, com a seguinte fundamentação:
“O artigo 49.º do CCP, sob a epígrafe “Especificações técnicas”, estabelece no seu n.º 1, o seguinte: “As especificações técnicas, tal como definidas no anexo vii ao presente Código, do qual faz parte integrante, devem constar no caderno de encargos e devem definir as características exigidas para as obras, bens móveis e serviços.”.
No Anexo VII, n.º 1, b), entende-se por “Especificação técnica”, no caso de contratos de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços, uma especificação constante de um documento que define as características exigidas a um produto ou a um serviço, tais como os níveis de qualidade, os níveis de desempenho ambiental e climático, a conceção que preveja todas as utilizações (incluindo a acessibilidade por parte das pessoas com deficiência) e a avaliação da conformidade, o desempenho, a utilização do produto, a segurança ou as dimensões, incluindo as prescrições aplicáveis ao produto no que se refere ao nome sob o qual é vendido, a terminologia, os símbolos, os ensaios e métodos de ensaio, a embalagem, a marcação e rotulagem, as instruções de utilização, os procedimentos e métodos de produção em qualquer fase do ciclo de vida do produto ou serviço e os procedimentos de avaliação da conformidade.
Por sua vez, o n.º 4 do mesmo artigo 49.º refere que: “As especificações técnicas devem permitir a igualdade de acesso dos operadores económicos ao procedimento de contratação e não devem criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência.”
O artigo 75.º, n.º 1 do CCP, dispõe o seguinte:
“Os fatores e os eventuais subfatores que densificam o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa devem estar ligados ao objeto do contrato a celebrar, abrangendo todos, e apenas, os aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos.”
Dispõe o artigo 286.º do CCP, sob a epígrafe “Princípios fundamentais”, que: “O contrato constitui, para o contraente público e para o cocontratante, situações subjetivas ativas e passivas que devem ser exercidas e cumpridas de boa-fé e em conformidade com os ditames do interesse público, nos termos da lei.”.
O artigo 266.º da CRP, sob a epígrafe “Princípios fundamentais”, preceitua o seguinte:
“1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”.
O artigo 3.º do CPA, referente ao princípio da legalidade, define o seguinte:
“1 - Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins.
2 - Os atos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas no presente Código, são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo, mas os lesados têm o direito de ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da Administração.”
Por sua vez, o artigo 4.º do CPA, subordinado ao princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, dispõe que: “Compete aos órgãos da Administração Pública prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.”.
O artigo 9.º do CPA, sob a epígrafe “Princípio da imparcialidade”, refere o seguinte: “A Administração Pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação, designadamente, considerando com objetividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção.”.
O Caderno de Encargos do concurso público n.º 14/2018, para fornecimento de material de bloco operatório às unidades de saúde do Serviço Regional de Saúde, estabelece no Anexo I as especificações técnicas mínimas, permitindo variações de 5% ou 10%, conforme resulta do probatório [cfr. alínea F)].
Ora, de acordo com o artigo 42.º do CCP, a entidade adjudicante tem a faculdade de definir especificações por referência a parâmetros base e termos ou condições, definindo, assim, limites mínimos e máximos.
Tal possibilidade insere-se no âmbito do poder de conformação normativa procedimental que assiste à entidade adjudicante, o que não se traduz numa qualquer violação dos normativos legais e princípios a que se encontra sujeita a atuação da entidade adjudicante no âmbito da contratação pública.
Pois, como é referido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 10/05/2018, proferido no Processo n.º 1025/17.2BESNT, disponível em www.dgsi.pt: “É à Administração, porque melhor preparada e apetrechada do que o tribunal, que compete avaliar se determinado elemento ou requisito técnico, não jurídico, proposto por um concorrente, dá resposta satisfatória às exigências do caderno de encargos e do programa do procedimento.”.
Veja-se que na fixação das especificações, a Entidade Demandada teve como preocupação estabelecer margens de variação nas medidas apresentadas, contribuindo, assim, para uma maior abrangência de produtos e concorrentes suscetíveis de responder àquelas especificações.
Deste modo, e como já se escreveu no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 09/09/2016, proferido no âmbito do Processo n.º 00034/15.0BEAVR, também disponível em www.dgsi.pt: “I) – Não restringe a concorrência, nos modos em que esta é acautelada no art.º 49º, nº 12, do CCP, a especificação técnica que é definida de modo aberto, sem “referência a um fabricante ou uma proveniência determinados, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção (art.º 49º, nº 12, do CCP).
II) – À entidade adjudicante pertence, para prossecução das suas atribuições, a definição do que melhor se possa adequar à satisfação das suas necessidades - posto que aí presida racionalidade, e não arbitrariedade -, não ficando inibida na contratação por no mercado, e no momento, um único operador económico poder cumprir com a especificação técnica definida.
III) – Nada nos diz que, no caso e em concreto, essa racionalidade falhe (nem “desvio” do interesse público, caracterizador de autónomo e típico vício invalidante, foi sequer alegado).”.
No caso vertente, a Autora alega que as especificações técnicas definidas no Caderno de Encargos “não definem as características exigidas dos bens mas as que um determinado e concreto interessado detém e pode assegurar “, contudo não demonstra a sua alegação.
Ademais, resulta da argumentação aduzida pela Autora que as medidas exigidas, ou dentro da variação permitida pela Entidade Demandada, implicam ter de produzir produtos específicos ou adaptá-los, o que significa um esforço financeiro que, seguramente terá reflexo nas propostas de preço.
Da afirmação da Autora, extrai-se que a mesma assume ser possível cumprir as especificações técnicas, o que contraria o argumento inicialmente por si apresentado, apenas conduz a um maior dispêndio financeiro, que não quis suportar, ao contrário de outras empresas, incluindo-se aqui algumas das que apresentaram pedidos de esclarecimentos [cfr. alíneas H), I), J) e K) do probatório].
Ressalva-se que, no caso sub judice a Autora não apresentou proposta no âmbito do concurso público colocado em crise [cfr. alínea L) do probatório], pelo que desconhece-se as especificações técnicas que os seus produtos teriam, e que poderiam levar ao seu afastamento.
A Autora, ao não alegar ou demonstrar quais as características dos produtos com que pretendia concorrer, e quais as especificações técnicas que a impediram, ou impedem os concorrentes de concorrer, determina a improcedência da sua pretensão, pois cabe à Autora o ónus da prova.
Veja-se neste sentido o acórdão do TCAS, de 23/02/2012, proferido no Processo n.º 08433/12, disponível em www.dgsi.pt.
Do supra exposto, impõe-se concluir pela improcedência da alegação da Autora, inexistindo vício de violação de lei em que incorram os documentos conformadores do procedimento.
Alega ainda a Autora que a Entidade Demandada ao aprovar as peças do procedimento, mais concretamente, o modelo de avaliação, o preço máximo a pagar por Lote e especificações técnicas, violou o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação.
O Programa do Procedimento do concurso público n.º 14/2018 definiu como critério de adjudicação o da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos do modelo de avaliação, com a metodologia de avaliação que pondera 2 factores, o preço global do Lote e a qualidade técnica, de acordo com a fórmula definida no ponto 19.1 [cfr. alínea E) do probatório].
Ora, no âmbito do concurso público n.º 14/2018 apresentaram propostas três empresas [cfr. alínea K) do probatório], pelo que a alegada limitação à concorrência invocada pela Autora não se verifica.
A circunstância da Autora não ter concorrido, em virtude do preço base ser demasiado baixo no seu entender, deve-se única e exclusivamente a uma opção comercial da Autora.
Ressalva-se que, o princípio da prossecução do interesse público implica que a Entidade Demandada na sua atuação e nos seus procedimentos tenha em consideração os seus interesses financeiros, sem prejuízo da definição de quais os produtos que pretende adquirir, em termos funcionais.
“IV - Sobressaem, aqui, questões como o interesse público financeiro e o princípio hoje consagrado no artigo 5º/1 do CPA (economicidade e eficiência na atividade de administração pública)” (cfr. ponto IV do sumário do acórdão do TCAS, de 14/06/2018, proferido no Processo n.º 2324/17.9BELSB).
No caso em apreciação, não merecem censura as peças do procedimento do concurso público n.º 14/2018, designadamente o modelo de avaliação, o preço máximo a pagar por Lote e especificações técnicas.”
Adiante-se que o assim decidido é para manter.
Vejamos.
O procedimento em causa, que tem por objecto a celebração de Contratos Públicos de Aprovisionamento relativos ao fornecimento de Material de Bloco Operatório às Unidades de Saúde
do Serviço Regional de Saúde, é constituído por 8 Lotes, sendo o critério de adjudicação o da proposta economicamente mais vantajosa, com a ponderação de dois factores: o preço global, por lote e a qualidade técnica, de acordo com o modelo de avaliação definido.
Para a avaliação do critério “qualidade técnica” foram definidos, para os Lotes, subfactores e as respectivas pontuações. Nos termos do Ponto 20.1, do Programa de procedimento “as propostas são analisadas em todos os seus atributos que densificam o critério de adjudicação e termos ou condições”.
No caso em apreço, a Autora não apresentou proposta no concurso. O que veio alegado pela Autora é que estava interessada em apresentar proposta e apenas não o fez devido às ilegalidades que aponta às peças de procedimento.
No essencial, a crítica que o Recorrente aponta à sentença recorrida é que a mesma deveria ter apreciado as ilegalidades das peças do procedimento per se, isto é, independentemente da eventual proposta a apresentar pela Autora e independentemente das propostas que vieram a ser apresentadas.
Sucede que as ilegalidades que o Recorrente aponta às peças do procedimento não o são em si mesmas mas apenas na medida em que consubstanciam a “adopção de especificações técnicas de determinados e concretos bens que um determinado e concreto interessado detém e pode fornecer em condições de vantagem sobre os restantes interessados” e, concretamente, que “forneceu em procedimento pré-contratual anterior - Concurso Público nº 53/2016”.
Em concreto, afirma a Autora que, para cada um dos vários tipos de trouxas que integram o Lote 7, foi definida uma “composição” que é retirada do catálogo da empresa M... Portugal, Unipessoal, Lda.; que tal facilmente se atesta pelo mero confronto com a proposta que esta empresa apresentou e respectivas Fichas Técnicas ao procedimento Concurso Público nº 53/2016, para a celebração de contratos públicos de aprovisionamento relativos ao fornecimento de material de bloco operatório aos hospitais EPER e unidades de saúde da Região Autónoma dos Açores, aberto pela aqui Ré; donde, as especificações para o Lote 7 (nos seus diversos itens) são as que constam da proposta apresentada pela M... Portugal, Unipessoal, Lda e respetivas Fichas Técnicas no Concurso Público nº 53/2016.
Mais refere que a situação supra descrita verifica-se, também quanto ao Lote 1 e ao Lote 2.
Acrescenta ainda que, no presente procedimento, pelo menos para o Lote 7, é possível alcançar como foram estipulados os preços para cada um dos seus artigos, os quais têm os exactos preços que a M... Portugal, Unipessoal, Lda apresentou no Concurso Público nº 53/2016.
Ora, o que se mostra alegado pela Autora, ora Recorrente, não é bastante para que se possa concluir que a mesma se viu impedida de apresentar proposta no concurso nº 14/2018, questão essencial porquanto actua enquanto interessado pessoal no resultado do procedimento, enquanto lesado, e não enquanto garante da legalidade.
Como afirmam Arosa de Almeida e Carlos Cadilha“(…) a possibilidade da impugnação direta dos documentos conformadores do procedimento representa um acréscimo de tutela, introduzido por imposição das diretivas comunitárias, dirigido a permitir que o interessado possa aruar por antecipação, reagindo, desde logo, contra as ilegalidades que, à partida, possam constar dos documentos conformadores do procedimento, sem ter de aguardar pela prática de atos concretos de aplicação(…). Na lógica do sistema, não parece ter, por isso, cabimento permitir a impugnação de disposições contidas nos documentos conformadores do procedimento se estas não forem passíveis de se repercutir diretamente na esfera jurídica do interessado. Dito de outro modo, não parece fazer sentido permitir a antecipação da tutela judiciária através de reação contra tais disposições quando o interessado não participe nem pretenda participar no procedimento e não possa ser prejudicado por qualquer das decisões concretas que, com base nessas disposições, venham a ser adotadas no decurso do mesmo.” - Comentário ao CPTA, Almedina, 2017, 4ª. Ed., pág. 829.
A sentença recorrida assentou a sua motivação, entre outros, no acórdão do TCAN, de 09.09.2016 (proc. nº 34/15), disponível para consulta em www.dgsi.pt, - e a cuja entendimento aderimos - no âmbito do qual, estando em causa procedimento para a aquisição de gases medicinais e especificação técnica que apenas podia ser cumprida por uma concorrente - por se tratar produto/bem que apenas podia ser comercializada por aquela, no sentido de que só aquela estava, no momento, no mercado, apta a poder satisfazer a exigência -, entendeu-se não haver violação do princípio da concorrência, nos termos assim explicitados:
“Como se sabe, as regras comunitárias em matéria de adjudicação dos contratos públicos foram adoptadas no âmbito da realização do mercado interno, no qual a livre circulação está assegurada e as restrições da concorrência são eliminadas (v., neste sentido, acórdão de 21 de Fevereiro de 2008, Comissão/Itália, C-412/04, Colect., p. I-619, n.° 2).
A maior abertura possível à concorrência é, também, do próprio interesse da entidade adjudicante envolvida já que a mesma disporá, assim, de uma escolha mais alargada quanto à proposta mais vantajosa (a par da melhor protecção dos interesses financeiros públicos).
Todavia, não deixa de pertencer-lhe, para prossecução das suas atribuições, a definição do que melhor se possa adequar à satisfação das suas necessidades.
Mister é “que ninguém possa ser impedido de deduzir ou apresentar a sua candidatura em procedimento concursal pelo facto deste se mostrar disciplinado ou assente em exigências arbitrárias” (Ac. deste TCAN, de 31-05-2013, proc. nº 01370/12.3BEBRG).
E não se vê uma tal arbitrariedade.
Os gases medicinais são considerados medicamentos (DL n.º 176/2006, de 30/08 - artigo 149.º e Regulamento dos Gases Medicinais, aprovado pela Deliberação 056/CD/2008 do INFARMED).
Parece-nos correcta asserção que da especificação técnica aqui em causa advém um claro ganho de gestão/controle de administração e de disponibilidade; tanto mais compreensível e justificada em reservatórios de menor porte, em que a apreensão quanto à disponibilidade é mais constante (os grandes reservatórios encontram-se normalmente adstritos a grandes unidades, com substituição assegurada e rápido acoplamento) e a percepção empírica de escassez se precipita de um momento para o outro; e, face à insegurança, cautela que tenda a contrariar comporta o desperdício.
Abstractamente a especificação técnica em causa tem racionalidade, e, vimos já, é definida de forma aberta, fixada por forma a permitir a participação dos concorrentes em condições de igualdade e a promoção da concorrência (art.º 49º, nº 1, do CCP), sem “referência a um fabricante ou uma proveniência determinados, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção”.
Nada nos diz que, no caso e em concreto, essa racionalidade falhe (nem “desvio” do interesse público, caracterizador de autónomo e típico vício invalidante, foi sequer alegado).
Daqui não frutifica uma intenção ou efeitos de restrição da concorrência em contrário à igualdade entre operadores económicos.
Estes estão, ou não, aptos à satisfação das necessidades da entidade adjudicante; o mercado oferecerá melhor ou pior resposta.
O que não se pode pedir é que aquela prescinda da prerrogativa de escolha do que entenda que melhor se possa adequar à satisfação das suas necessidades, por só um único operador actuar no mercado em condições de as satisfazer; e que este apresente proposta para satisfação dessa necessidade.
Possa a recorrente deter uma patente de invenção para um dispositivo que seja conforme à especificação técnica aqui em causa, esse exclusivo de protecção só abrange a forma de dispositivo assim patenteada, não outras soluções, que a exigência de concurso não rejeita e o mercado não impede.
Objecta a recorrida com a exiguidade de tempo para adequadamente obter poder apetrechar-se sem constrangimentos e em modos de poder apresentar proposta; mas essa é uma vicissitude das suas disponibilidades no momento, não uma ilegalidade da exigência.”
Ora, no caso em apreço, não se vislumbra – nem vem alegada – qualquer exigência arbitrária por parte da Entidade Recorrida. Ao invés, atendendo à listagem das especificações técnicas definidas e que a Recorrente descrimina na sua alegação, as especificações em causa mostram-se racionais e definidas de forma aberta, sem qualquer “referência a um fabricante ou uma proveniência determinados, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção”.
A circunstância de a Autora não apresentar proposta no âmbito do concurso público e bem assim, na presente acção, não alegar quais as características dos produtos com que pretendia concorrer e quais as especificações técnicas que a impediram ou impedem os concorrentes de concorrer, compromete a sua pretensão.
A Recorrente limita-se a alegar que as especificações são semelhantes às de uma proposta apresentada por um concorrente noutro procedimento concursal e, a partir daí, conclui, de forma automática e necessária, que tais especificações só permitem um concorrente, sem nunca indicar qual a especificação, designação, material ou modo de fabrico limitativos da concorrência.
Não vem sequer alegado que as especificações técnicas definidas o tenham sido com base em critérios não funcionais ou com recurso a especificações e conceitos desconhecidos ou não estandardizados nesta tipologia de produtos.
Acresce que, na fixação das especificações, a Entidade Demandada estabeleceu margens de variação nas medidas apresentadas, contribuindo, dessa forma, para uma maior abrangência de produtos e concorrentes susceptíveis de responder a tais especificações.
Como resulta da factualidade apurada, o próprio caderno de encargos estabelece no Anexo I as especificações técnicas mínimas, permitindo variações de 5% ou 10%.
No sentido de uma maior abrangência de produtos e concorrentes susceptíveis de responder a tais especificações, salvaguardando propostas equivalentes, vão ainda os esclarecimentos prestados em sede de concurso. Note-se que às questões suscitadas pela Autora/Recorrente, o Júri do Concurso respondeu sempre de forma afirmativa. A questão da legalidade das especificações técnicas foi colocada pela empresa B..., SA, que veio a apresentar proposta.
Sublinhe-se que a situação dos autos se distingue claramente de outras em que se concluiu pela ilegalidade das especificações técnicas. É o caso da situação tratada pelo Acórdão deste TCA, de 12.04.2012 (proc. nº 8646/12), disponível para consulta em www.dgsi.pt, no qual estava em causa “a determinação das dimensões de contentores por referência a medidas concretas, escolhidas pela entidade adjudicante, sem referência a nenhuma regra de normalização conhecida, nem por desempenho ou exigências funcionais.” E da tratada no acórdão também deste TCA, de 06.06.2019 (proc. nº 1401/18), igualmente disponível para consulta em www.dgsi.pt, no qual foi feita prova de que apenas um concorrente comercializava determinado produto com as dimensões exactas descritas em anexo ao Caderno de Encargos e a inexistência de justificação médica para que aí se preveja a necessidade de serem cumpridas tais medidas.
Em suma, a circunstância, por si só, de uma especificação técnica definida pela Entidade Demandada coincidir com proposta apresentada num anterior concurso público por um concorrente não permite concluir que a mesma afaste propostas de outros produtos ou marcas, nem em que medida viola a concorrência.
O que vem dito serve também para que claudique a argumentação da Recorrente relativa ao preço base do procedimento.
Neste tocante, a Recorrente argui que os diversos artigos do Lote 7 têm os exactos preços que um concorrente (a M... Portugal, Unipessoal, Lda.) apresentou num outro procedimento (o Concurso Público nº 53/2016). E daí conclui que “pelo menos quanto ao Lote 7, só um concorrente conseguirá, à partida, apresentar os preços dentro do limite máximo que a R. se propõe pagar por cada item deste Lote.”
A referência que a sentença recorrida faz à circunstância de, no procedimento em causa, terem sido apresentadas três propostas – sendo uma da M... Portugal, Unipessoal, Lda. e as outras duas de empresas que, tal como a aqui Autora, formularam pedidos de esclarecimento -, não merece qualquer censura porquanto, por um lado, como referido supra, tal factualidade mostra-se alegada pela Entidade Demandada e consta no procedimento administrativo junto aos autos e, por outro, mais não é do que um reforço do entendimento já explanado de que o alegado pela Autora não era, por si só, limitativo ou impeditivo de que os potenciais candidatos apresentassem as respectivas propostas.
Acrescente-se que, como afirma a Entidade Recorrida, “… mal seria se as Entidades Adjudicantes não tivessem em consideração os preços apresentados em concursos anteriores (sobretudo concursos muito recentes) na fixação do preço máximo que pretende pagar.”
Como é natural, a Entidade Demandada, ao decidir contratar, visa obter o produto pretendido ao melhor preço.
Termos em que improcede o presente recurso.
*
IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
*
Custas a cargo da Recorrente.
*
Registe e notifique.
***
Lisboa, 04 de Março de 2021

(Nos termos e para os efeitos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020 de 13.03, a Relatora consigna e atesta que os Juízes Adjuntos – Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Carlos Araújo e Sofia David – têm voto de conformidade com o presente acórdão).
Ana Paula Martins