Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07948/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/01/2014
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:CUSTAS/ RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS/ EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA/INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:I - Não se podendo afirmar que a demanda do autor, no momento em que apresentou a reclamação, não era fundada, temos que concluir que a inutilidade superveniente que veio a ocorrer e que gerou a extinção da instância – traduzida no efectivo reembolso de um excedente – não pode deixar de ser imputável, para efeitos de apurar a responsabilidade pelas custas, à Fazenda Pública – artigo 536º, nº3, 2ª parte, do CPC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1- RELATÓRIO

Carlos …………….. (Recorrente), inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou “extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide” e o condenou em custas, no processo de reclamação apresentada, ao abrigo do disposto no artigo 276.º e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra a demonstração da compensação de depósito de penhora no valor de € 2.466,54, efectuada em 14/02/2014, no âmbito do processo de execução fiscal n.º …………….., dela veio interpor o presente recurso jurisdicional:

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:

I – A Sentença Recorrida não fixou a materialidade necessária, suficiente e relevante para a apreciação da Reclamação deduzida pelo Carlos ……………………., importa aditar à matéria de facto provada os factos seguintes:
- Em “ 2014-02-14 “ a Autoridade Tributária procedeu à aplicação de depósitos de penhora no pagamento de dívidas em execução fiscal, em conformidade com a


“ DEMONSTRAÇÃO DA APLICAÇÃO DO CRÉDITO
NR. DO DOCUMENTO DA COBRANÇA: 2014.............. ...
DATA: 2014-02-14
Origem Período Data Valor Descrição Montante Inicial Montante Aplicado
Aplic.Depósito 2012-07-18 a 2012-07-18 2012-07-18 Total de Depósito de Penhora e Venda +2.466,54 +2.466,54
Soma dos créditos € +2.466,54 +2.466,54
Aplicação Caução - 2014-02-16 Caução – Processo 1503201101308050 -2.466,54 -2.466,54

Soma das dívidas € -2.466,54 -2.466,54
Saldo € +0,00
e à
“ DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS
... NR. COMPENSAÇÃO: 2014 00002782646 ...
DATA COMPENSAÇÃO: 2014-02-14
Inposto Período ... Data Valor Descrição Montante Total D/C
... 2012-07-18 a 2012-07-18 ... 2012-07-18 Dep. Penhora Nr. 1503.2012.000000003261 +2.466,54 +2.466,54
... 2012-07-18 a 2012-07-18 ... 2012-07-18 Aplicação do crédito em dívidas Ex. Fiscal -2.466,54 -2.466,54

SALDO APURADO: € +0.00 “.
- O Reclamante Carlos ………………… foi notificado daquelas aplicações de depósitos por cartas registadas em 2014 Fevereiro 24.
- Por carta registada em 2014 Março 06, o Reclamante Carlos ………………… apresentou Reclamação, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 276.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do (s) acto (s) “ de aplicação de depósitos de penhora no pagamento de dívidas em execução fiscal, em conformidade com a “
“ DEMONSTRAÇÃO DA APLICAÇÃO DO CRÉDITO
NR. DO DOCUMENTO DA COBRANÇA: 2014 ..................
DATA: 2014-02-14
Origem Período Data Valor Descrição Montante Inicial Montante Aplicado
Aplic.Depósito 2012-07-18 a 2012-07-18 2012-07-18 Total de Depósito de Penhora e Venda +2.466,54 +2.466,54
Soma dos créditos € +2.466,54 +2.466,54
Aplicação Caução - 2014-02-16 Caução – Processo 1503201101308050 -2.466,54 -2.466,54

Soma das dívidas € -2.466,54 -2.466,54
Saldo € +0,00
e “ conforme demonstração de compensação “
“ DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS
... NR. COMPENSAÇÃO: 2014 ................... ...
DATA COMPENSAÇÃO: 2014-02-14
Imposto Período ... Data Valor Descrição Montante Total D/C
... 2012-07-18 a 2012-07-18 ... 2012-07-18 Dep. Penhora Nr. 1503.2012.000000003261 +2.466,54 +2.466,54
... 2012-07-18 a 2012-07-18 ... 2012-07-18 Aplicação do crédito em dívidas Ex. Fiscal -2.466,54 -2.466,54

SALDO APURADO: € +0.00 ”.

II – A Sentença Recorrida não fixou a materialidade necessária, suficiente e relevante para a apreciação da Reclamação deduzida pelo Carlos ……………………., importa alterar a redacção do “ 4. “ dos factos provados :
“ Na sequência do pagamento efectuado a Autoridade Tributária procedeu à aplicação de depósitos de penhora no pagamento de dívidas em execução fiscal, em conformidade com a “ DEMONSTRAÇÃO DA APLICAÇÃO DO CRÉDITO “ e a “ DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS “ em “ 2014-02-14 “ “, que se encontram no processo e estão a fls. ... e aqui se dão por integralmente reproduzidas.

III – Objectivamente, o facto que determina a inutilidade superveniente da lide é, sem dúvida, imputável à Reclamada Autoridade Tributária, na medida em que procedeu ilegalmente à aplicação de depósitos de penhora no pagamento de dívidas em execução fiscal, em conformidade com a “ DEMONSTRAÇÃO DA APLICAÇÃO DO CRÉDITO “ e a “ DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS “, o que levou à apresentação da Reclamação e só depois procedeu à “ devolução ao Reclamante do montante excedente de € 2466,54 “, satisfazendo a pretensão do Reclamante Carlos ………………………...
E

IV - Sendo assim a Reclamação apresentada ao abrigo do artigo 276.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não dispõe “ mais de objecto “, que tinha como principal desiderato a ilegalidade da aplicação de depósitos de penhora no montante de € 2.446,54 (dois mil e quatrocentos e quarenta e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos) no pagamento de dívidas em execução fiscal.

PELO, QUE E

V - Atento o disposto no artigo 536.º, do Código de Processo Civil, compete à Reclamada Autoridade Tributária pagar as custas que vierem a ser apuradas uma vez decretada “ extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da presente lide “.

VI - A Sentença Recorrida violou assim o disposto no artigo 536.º, do Código de Processo Civil.

TERMOS EM QUE E SEMPRE COM O SÁBIO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE JULGAR-SE PROCEDENTE O RECURSO E CONSEQUENTEMENTE, REVOGAR-SE A SENTENÇA RECORRIDA
- ADITANDO-SE À MATÉRIA DE FACTO PROVADA OS FACTOS CONSTANTES DA CONCLUSÃO “ I “, DESTA PEÇA FORENSE

- ALTERANDO-SE A REDACÇÃO DADA AO “ 4. “ DOS FACTOS PROVADOS PARA A REDACÇÃO CONSTANTE DA CONCLUSÃO “ II “, DESTA PEÇA FORENSE

E REVOGAR-SE A CONDENAÇÃO DO RECLAMANTE CARLOS …………………….. NAS CUSTAS, SUBSTITUINDO-SE POR OUTRA QUE CONDENE A RECLAMADA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA NAS CUSTAS.
DECIDINDO EM CONFORMIDADE FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS SERENA, SÃ E OBJECTIVA
JUSTIÇA.

*

A Fazenda Pública (Recorrida) não contra-alegou.

*

Neste Tribunal Central Administrativo, o EMMP pronunciou-se sobre o recurso interposto, defendendo, em síntese, a manutenção da sentença recorrida (cfr. fls. 140 e 141).

*
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, as questões que constituem objecto do presente recurso, consistem em saber se:

1 – A sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto, devendo ser aditados/alterados factos ao probatório – conclusões I e II.

2 – A sentença errou ao condenar o Reclamante em custas, por não lhe ser imputável a inutilidade superveniente da lide – restantes conclusões.


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Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo, importa apreciar e decidir, já que a tal nada obsta.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO


2.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:


1 - A Administração Fiscal instaurou contra o ora Reclamante o processo de execução fiscal n.º .................., que tramita pelo Serviço de Finanças de Cascais – 1;
2 - Em 18 de Julho de 2012, com referência aos presentes autos de execução fiscal, foi penhorado o montante de € 2466,54, que ficou depositado como caução, nos termos do artigo 199.º do CPPT;
3 - Em 20 de Dezembro de 2013 ao abrigo do regime instituído pelo DL n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro, o Reclamante procedeu ao pagamento integral da dívida exequenda, beneficiando do perdão de juros de mora e de custas;
4 - Na sequência do pagamento efectuado foi processada a devolução ao Reclamante do montante excedente de € 2466,54, devolução essa que foi aprovada em 5 de Março de 2014;
5 - Em 6 de Março de 2014 foi emitido, centralmente, o cheque a favor do Reclamante, correspondente ao montante referido em 4.;
6 - A presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças de Cascais – 1 em 7 de Março de 2014;
7 - O cheque referido em 5. foi enviado ao Reclamante em carta registada em 20 de Março de 2014, a qual, foi recebida no dia seguinte;
8 - O processo de execução fiscal encontra-se extinto.

*

Ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1, do CPC, entendemos que são de aditar os seguintes factos ao probatório que foi fixado na 1ª instância, os quais resultam provados por documentos junto aos autos.

9 – Com data de 14/02/14, a AT emitiu o seguinte documento (cfr. fls. 13 dos autos):
“ DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS
... NR. COMPENSAÇÃO: 2014 ................. ...
DATA COMPENSAÇÃO: 2014-02-14
Inposto Período ... Data Valor Descrição Montante Total D/C
... 2012-07-18 a 2012-07-18 ... 2012-07-18 Dep. Penhora Nr. 1503.2012.000000003261 +2.466,54 +2.466,54
... 2012-07-18 a 2012-07-18 ... 2012-07-18 Aplicação do crédito em dívidas Ex. Fiscal -2.466,54 -2.466,54

SALDO APURADO: € +0.00 “.
Fica V. Exa. notificado que, conforme demonstração de compensação junta, não há lugar ao pagamento ou reembolso do saldo apurado, por ser inferior ao limite mínimo previsto nos arts. 111º do CIRC, 95º do CIRS, 33º do CIS e 94º do CIVA”.

10 – Com data de 14/02/14, a AT emitiu o seguinte documento (cfr. fls. 15 dos autos):
“ DEMONSTRAÇÃO DA APLICAÇÃO DO CRÉDITO
NR. DO DOCUMENTO DA COBRANÇA: 2014.................. ...
DATA: 2014-02-14
Origem Período Data Valor Descrição Montante Inicial Montante Aplicado
Aplic.Depósito 2012-07-18 a 2012-07-18 2012-07-18 Total de Depósito de Penhora e Venda +2.466,54 +2.466,54
Soma dos créditos € +2.466,54 +2.466,54
Aplicação Caução - 2014-02-16 Caução – Processo 1503201101308050 -2.466,54 -2.466,54

Soma das dívidas € -2.466,54 -2.466,54
Saldo € +0,00
Fica por este meio notificado de que, cumprindo o disposto nos artigos 261º e 262º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), se procedeu à aplicação de depósitos de penhora no pagamento de dívidas em execução fiscal, em conformidade com a presente demonstração.
No caso de existir remanescente da importância penhorada, será restituído ao executado, excepto quando subsistam quaisquer dívidas tributárias de que o executado seja devedor à fazenda Nacional, circunstância em que se procederá de acordo com o disposto no artigo 81º do CPPT ou à penhora dessa importância, verificados os pressupostos legais.
Deste acto de aplicação poderá, querendo, apresentar reclamação no órgão de execução fiscal, dirigida ao tribunal tributário de 1ª instância e no prazo de 10 dias a contar da assinatura do aviso de recepção, de conformidade com o previsto nos artigos 276º e 277º do CPPT”.

11 – Embora não se apure uma data exacta, a extinção a que se refere o ponto 8 supra ocorreu entre 20/12/13 e 30/12/13 (conforme resulta da análise do PEF apenso).
*

Tal como deixámos autonomizada, a primeira questão que nos vem colocada em sede de recurso prende-se com o julgamento da matéria de facto. O Recorrente pretende ver aditados factos ao probatório e, bem assim, alterada a redacção do ponto 4 dos factos provados, tudo conforme resulta das conclusões I e II.

Em face do aditamento à factualidade a que procedemos supra, pode dizer-se que a pretensão do Recorrente encontrou já parcial acolhimento, em concreto quanto à conclusão I. Por conseguinte, e quanto a este aspecto, nada mais há a referir.

No entanto, na conclusão II o Recorrente pretende, ainda, ver alterada a redacção do ponto 4 da matéria de facto, tal como foi fixada na sentença recorrida.

Com efeito, segundo o Recorrente, onde na sentença se escreveu:

4 - Na sequência do pagamento efectuado foi processada a devolução ao Reclamante do montante excedente de € 2466,54, devolução essa que foi aprovada em 5 de Março de 2014”;

Deve passar a constar que:

“Na sequência do pagamento efectuado a Autoridade Tributária procedeu à aplicação de depósitos de penhora no pagamento de dívidas em execução fiscal, em conformidade com a " DEMONSTRAÇÃO DA APLICAÇÃO DO CRÉDITO" e a "DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS " em " 2014-02-14 ", que se encontram no processo e estão a fls.... e aqui se dão por integralmente reproduzidas” .

Esta pretensão não pode ser acolhida.

Desde logo porque o que consta do ponto 4 da matéria de facto traduz a realidade daquilo que se verificou no processo, nele documentado, e que a Reclamante não questiona: houve um pagamento na execução fiscal e, posteriormente a esse pagamento, foi efectuada a devolução de uma quantia excedente (resultante de penhora) de € 2.466,54.

Por outro lado, porque a formulação pretendida pelo Reclamante para o ponto 4 nada adianta em relação ao circunstancialismo fáctico que resulta dos factos provados (atendendo até ao que por nós foi aditado), sendo, pois, inútil. Com efeito, da globalidade da matéria de facto retira-se, sem margem para dúvidas, que, repete-se, foi efectuado o pagamento da execução fiscal, estando já evidenciados os actos que posteriormente foram praticados pela AT, concretamente a Demonstração da aplicação do crédito e a Demonstração de acerto de contas.

Se com esta formulação, tal como proposta pelo Recorrente, este pretende evidenciar coisa diversa, mormente a imputabilidade da inutilidade superveniente da lide à AT (o que, de facto, nos parece, em face da leitura conjugada das alegações e conclusões de recurso), essa é conclusão a retirar em sede de apreciação do erro de julgamento de direito, o que se fará na análise da segunda questão que nos vem colocada.

Portanto, e sem necessidade de mais esclarecimentos, não se acolhe a pretensão – de alteração da redacção do ponto 4 dos factos provados – a que corresponde a conclusão II.


*

2.2. De direito

Estabilizada a matéria de facto, nos termos expostos, avancemos para as conclusões III a VI, respeitantes ao erro de julgamento de direito.

Para melhor percebermos a discordância do Recorrente face ao decidido, importa deixar devida nota do teor da decisão recorrida.

Assim:

“(…)

Como bem refere a EMMP, no processo de execução fiscal aqui em causa existiu um excesso de penhora decorrente do pagamento integral e voluntário da dívida exequenda por parte do Reclamante.

Na sequência do pagamento o PEF foi extinto, tendo sido processada a devolução ao Reclamante do montante que se encontrava penhorado no processo, cujo montante corresponde ao que está em causa na presente reclamação.

Tendo sido devolvido tal montante, e extinta a execução fiscal, os presentes autos não dispõem mais de objecto, devendo ser julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, sendo que, no entanto, as custas do processo deverão ser suportadas pelo Reclamante, a quem é imputável a devolução do montante penhorado, pois este decorre do pagamento da dívida exequenda”.

Discorda o Reclamante, no essencial, porque, contrariamente ao decidido pelo TAF de Sintra, “o facto que determina a inutilidade superveniente da lide é, sem dúvida, imputável à Reclamada Autoridade Tributária na medida em que procedeu ilegalmente à aplicação de depósitos de penhora no pagamento de dívidas em execução fiscal, em conformidade com a “DEMONSTRAÇÃO DA APLICAÇÃO DO CRÉDITOe a “DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS”, o que levou à apresentação da Reclamação e só depois procedeu à “ devolução ao Reclamante do montante excedente de € 2466,54", satisfazendo a pretensão do Reclamante Carlos................”. Assim, prossegue, atento o disposto no artigo 536º do CPC, compete à Reclamada Autoridade Tributária pagar as custas que vierem a ser apuradas uma vez decretada “extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide”.

Vejamos o que se nos oferece dizer sobre isto.

Para o Mmo. Juiz a quo, paga a dívida exequenda, extinto o processo e devolvido o excedente resultante de anterior penhora, os autos não dispõem mais de objecto, o que acarreta a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. Para efeitos de custas, tal inutilidade (ou a circunstância superveniente que lhe deu causa) é imputável ao Reclamante porquanto a devolução do montante de € 2.466,55 resulta, afinal, de este ter pago a dívida exequenda.

É a condenação em custas do Reclamante, e a imputabilidade que lhe está pressuposta, que motiva a discordância do mesmo, aqui Recorrente.

Tenhamos, desde já, presente o que determina o artigo 536º do CPC (Repartição das custas):

“1 - Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais.

2 - Considera-se que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando:

a) A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada;

b) Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido;

c) Quando ocorra, no decurso do processo, prescrição ou amnistia;

d) Quando, em processo de execução, o património que serviria de garantia aos credores se tiver dissipado por facto não imputável ao executado;

e) Quando se trate de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da ação, não fosse previsível para o autor a referida insolvência.

3 - Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.

4 - Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas”.

Na decisão recorrida, embora sem que tal tenha sido expressamente invocado, o Mmo. Juiz a quo fez uso do disposto no artigo 536º, nº3, 1ª parte, entendendo, repete-se, que a inutilidade superveniente da lide era imputável ao autor, ora Recorrente, porquanto a devolução do montante penhorado decorreu do pagamento (por si efectuado) da dívida exequenda.

Antecipando, diremos que não sufragamos o entendimento vertido na decisão recorrida, sendo que o caso concreto, pelos seus contornos, reclama um enquadramento, de facto e de direito, não coincidente com aquele que foi considerado pela sentença objecto de recurso.

É que, como está bem de ver, a solução a que a decisão posta em crise chegou tem pressuposto - apenas - que por ter sido efectuado o pagamento integral e voluntário da dívida exequenda daí decorreu, sem mais, a devolução do montante de € 2.466,55, correspondente ao excedente de quantia que havia sido penhorada.

Sucede, porém, que se é verdade que ocorreu o pagamento da dívida exequenda (com a extinção da execução) e que, nessa medida, o montante penhorado nos autos se tornou excessivo e foi reembolsado, não é menos verdade que entre uma coisa e outra, ou seja, entre o pagamento da dívida (e extinção da execução) – ocorrido em 20/12/13 – e o reembolso do excedente – ocorrido em 05/03/14 – foram emitidos – em 14/02/14 – os actos que deixámos devidamente identificados nos pontos 9 e 10 da matéria de facto – Demonstração de acerto de contas e Demonstração da aplicação do crédito.

Ora, foram estes actos, concretamente a aplicação do crédito (compensação de depósito de penhora efectuada no processo executivo), tal como notificada ao executado, que motivaram a apresentação da reclamação, ao abrigo dos artigos 276º e 277º do CPPT. Dito de outra forma, e como resulta da p.i, invocando o pagamento das dívidas em execução, o Reclamante reputou de ilegal o acto reclamado, pedindo a sua anulação.

É certo, e o Tribunal não desconsidera, que a Fazenda Pública fez notar que o montante penhorado não foi aplicado no PEF, que ficou depositado como caução, que o acto reclamado materializa um reembolso (reembolso esse que, entretanto, foi pago) e que, portanto, é um acto de conteúdo favorável ao Reclamante.

Sem prejuízo deste Tribunal vislumbrar o alcance da argumentação da Fazenda Pública, a verdade é que nada daquilo que é dito é apreensível - minimamente apreensível, aliás - através da leitura dos actos que foram notificados ao executado. Nem foi para o Reclamante, nem seria para qualquer cidadão médio que se visse confrontado com tais actuações da AT, nem é, diga-se, para este Tribunal.

Com efeito, se após ter sido pago e extinto um processo de execução fiscal, um contribuinte é notificado de uma demonstração de acerto de contas na qual se refere que o saldo apurado é de € 0,00, ou que não há lugar a pagamento ou reembolso, ou que menciona a aplicação do crédito em dívidas em Ex. Fiscal, não é expectável que esse contribuinte, um cidadão com um padrão médio de compreensão, alcance que esse acto materializa um reembolso de € 2.466,55.

Mas mais. A notificação da Demonstração da aplicação do crédito faz menção expressa aos artigos 261º e 262º do CPPT, ou seja, aos preceitos que regulam a “Extinção da execução pelo pagamento coercivo” e, bem assim, a “Insuficiência da importância arrecadada. Pagamentos parciais”, mais referindo que se procedeu à aplicação de depósitos de penhora no pagamento de dívidas em execução fiscal, em conformidade com a presente demonstração e, ainda, que deste acto de aplicação poderá, querendo, apresentar reclamação no órgão de execução fiscal, (…) de conformidade com o previsto nos artigos 276º e 277º do CPPT”. Ora, repete-se, um comum cidadão não conclui, face a este conteúdo, que está perante um reembolso, ou seja, perante um acto cujo conteúdo lhe é favorável. Dir-se-ia que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, não apreenderia, daquela actuação, o sentido e alcance que a AT pretende fazer valer - cfr. artigo 236º do C.C (diga-se, aliás, que esta actuação, como outras, quiçá por tão massificadas e informatizadas, acabam, não raras vezes, por introduzir entorses à clareza e transparência que deve nortear a comunicação entre a Administração e os Administrados, com os inconvenientes que daí advêm).

Daí, portanto, se afigurar absolutamente compreensível a iniciativa processual do executado, ora Recorrente, quando perante a indicação da aplicação de depósitos de penhora no pagamento de dívidas em execução fiscal ou de não há lugar a pagamento ou reembolso, se apresente a reclamar de tal decisão, por dela discordar, com vista a obter a sua anulação.

Por conseguinte, é nosso entendimento que, não se podendo afirmar que a demanda do autor, no momento em que apresentou a reclamação, não era fundada, temos que concluir que a inutilidade superveniente que veio a ocorrer e que gerou a extinção da instância – traduzida no efectivo reembolso de um excedente – não pode deixar de ser imputável, para efeitos de apurar a responsabilidade pelas custas, à Fazenda Pública – artigo 536º, nº3, 2ª parte, do CPC.

E, assim sendo, há que reconhecer razão ao Recorrente, procedendo as conclusões III a VI da alegação de recurso.

Consequentemente, dando provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida na parte em que a mesma condenou em custas o Reclamante, condenando-se em custas a Fazenda Pública.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso interposto, determinando-se, em consequência, a revogação da sentença recorrida na parte em que condenou em custas o Reclamante, ora Recorrente, julgando-se a Fazenda Pública responsável pelas custas no processo de reclamação.

Sem custas nesta instância.

Lisboa, 1 de Outubro de 2014


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Barbara Tavares Teles)

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(Jorge Cortês)