Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:48/18.9BEPDL
Secção:CA
Data do Acordão:06/19/2019
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL;
VALOR DA CAUSA;
PROPOSTA;
EXCLUSÃO;
PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE;
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
Sumário:i) O valor da causa é a quantia equivalente à vantagem de natureza material, passível de avaliação pecuniária – o potencial benefício económico nos termos do art. 17º, n.º 4, do CCP -, que a Recorrente pretende obter, a qual se traduz no valor da proposta que apresentou no âmbito do procedimento concursal em causa.

ii) Há lugar à exclusão de propostas que apresentem atributos, termos ou condições em violação de condições inderrogáveis do caderno de encargos (art. 70.º, n.º 2, al.s a) e b) do CCP).

iii) Os esclarecimentos às propostas apenas se poderão consubstanciar em informações e/ou explicações destinadas a tornar claro, congruente ou inequívoco um elemento que na proposta estava apresentado ou formulado de forma pouco clara ou menos apreensível, tendo por escopo a melhor compreensão de um qualquer aspecto ou elemento da proposta, não podendo (i) contrariar os elementos constantes dos documentos que as constituem, (ii) alterar ou completar os respectivos atributos, (iii) nem visar suprir omissões que determinem a sua exclusão.

iv) Não merece censura a sentença que julgou válida a decisão de exclusão da proposta da ora Recorrente que, no âmbito das posições G.2. e G.3. (Lote 1) postas a concurso, propôs uma solução de “tubo de vidro” e não de “tubo de plástico”, como previsto no Anexo II do Caderno de Encargos.

v) A violação do princípio da imparcialidade consagrado no n.° 2 do artigo 266.° da CRP e também no artigo 9.° do CPA e no art. 1.º-A, nº 1, do CCP, se não está dependente da prova de concretas actuações parciais, não dispensa a demonstração de que uma determinada conduta faz perigar as garantias de isenção, de transparência e de imparcialidade.

vi) A mera prova da existência de um litígio judicial pendente entre a sociedade A. e ora Recorrente e o presidente do júri do concurso em causa, não se extraem indícios suficientes que permitam concluir, com razoabilidade, duvidar seriamente da imparcialidade desse membro do júri, tanto mais quando se provou não só que à A. foram efectuadas adjudicações no âmbito de outros concursos deste contemporâneos, dos quais fazia parte integrante o mesmo Presidente do Júri, como que o Relatório final foi elaborado pelo Júri do concurso com a participação de um outro elemento em substituição daquele.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

F............, S.A. (ora Recorrente), intentou no TAF de Ponta Delgada acção administrativa de contencioso pré-contratual contra a S............, S.A., e contra a Secretaria Regional da Saúde da Região Autónoma dos Açores, Unidade de Saúde de Ilha (USI) de Santa Maria, USI São Miguel, USI Terceira, USI São Jorge, USI Pico, USI Graciosa, USI Faial, USI Flores, USI Corvo, Hospital do Divino Espírito Santo, Hospital Santo Espírito da Ilha Terceira, Hospital da Horta, mais indicando como Contra-interessada a sociedade V.............

Deduziu, a final, os seguintes pedidos:

“(…) ser anulado/declarado nulo o ato de adjudicação e a Entidade Demandada condenada a praticar novo ato de adjudicação da proposta da Autora.

Caso assim não se entenda, deverá ser anulado todo o procedimento de adjudicação relativo ao Lote n.º 1 e a Entidade Demandada condenada a repetir o procedimento de adjudicação desse Lote.

Em todo o caso devem ser declarados nulos/anulados os contratos públicos de aprovisionamento que tenham sido – ou venham a ser – celebrados com base no ato de adjudicação impugnado.”.

Por despacho de 13.09.2018do TAF de Ponta Delgada, foi admitida a ampliação da instância ao acto de revogação da decisão de contratar.

Foi proferido saneador-sentença em 30.11.2018 pelo tribunal a quo que julgou:

i) Procedente a invocada excepção de ilegitimidade passiva da Secretaria Regional da Saúde da Região Autónoma dos Açores, Unidade de Saúde de Ilha Santa Maria, Unidade de Saúde de Ilha de São Miguel, Unidade de Saúde de Ilha Terceira, Unidade de Saúde de Ilha São Jorge, Unidade de Saúde de Ilha Pico, Unidade de Saúde de Ilha Graciosa, Unidade de Saúde de Ilha Faial, Unidade de Saúde de Ilha Flores, Unidade de Saúde de Ilha Corvo, Hospital do Divino Espírito Santo Ponta Delgada, Hospital Santo Espírito da Ilha Terceira e Hospital da Horta, absolvendo-os da instância;

ii) A acção improcedente, absolvendo a Demandada e a Contra-interessado dos pedidos.

O tribunal a quo fixou no saneador-sentença o valor da acção em EUR 112.510,69.

A F............ vem agora interpor recurso jurisdicional da decisão que julgou a acção improcedente, bem como da fixação do valor da causa.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

A. O ato de adjudicação impugnado viola, ao contrário do decidido na Sentença recorrida, a alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, uma vez que não houve qualquer violação de parâmetros base do caderno de encargos (através dos atributos propostos pela Recorrente).

B. O Tribunal a quo errou na elementar distinção entre "atributo" e "termo ou condição", uma vez que o material utilizado para os tubos objeto do procedimento de contratação sub iudice - plástico ou vidro - não era objeto de avaliação (cf. artigo 20.º do Programa do Procedimento) e, portanto, não pode ser atributo.

C. Como se sabe, apenas podem ser qualificados como atributos das propostas as prestações ou tarefas concretamente definidas (pela sua espécie, qualidade e quantidades e por quaisquer outros elementos ou características) que, em relação aos aspectos de execução do contrato submetidos à concorrência pelo caderno de encargos (artigo 56.!1/2) e aí valorizados como factores de avaliação das propostas (artigo 75.9/1).

D. Ao decidir que o lapso existente quanto ao material constituinte dos tubos incidia sobre um atributo da proposta, o Tribunal a quo violou o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP.

E. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a indicação do material constituinte dos tubos reflete-se não num fundamento para a exclusão da proposta da Recorrente, mas num manifesto erro de escrita que poderia ter sido corrigido - caso tal oportunidade tivesse sido dada à Recorrente - já que resulta evidente que o que se pretendia (e pretende propor) são tubos de plástico.

F. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo ignorou o valor jurídico da "Declaração de Aceitação do Conteúdo do Caderno de Encargos pelo Concorrente" (cfr. DOC.12 da P.1.) e, bem assim, as mais elementares regras de interpretação da declaração negocial constantes dos artigos 236.º e seguintes do Código Civil, assim como a teoria dos vícios da vontade, que se mostram violadas pela Sentença recorrida.

G. O Tribunal a quo deveria ter concluído que o declaratário [a Recorrida] conhecia a vontade real do declarante [da Recorrente], que era a de propor tubos de plástico e que, portanto, teria de ser de acordo com essa vontade real que vale a declaração emitida.

H. A decisão do Tribunal a quo, além de violar a Lei, ignora reiterada jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, de acordo com a qual

"o princípio da intangibilidade ou estabilidade das propostas, corolário da concorrência que vigora, em especial, no direito de contratação pública, (...) não obsta à correção de lapsos e erros materiais que as propostas apresentem, quando manifestos, sendo até de correcão oficiosa e a todo o tempo, como impõem os artigos 249.º do Código Civil e 148.º do Código de Procedimento Administrativo que consagram um princípio geral de direito" (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22 de março de 2011 (processo n.º 1042/10).

"é de admitir não só a rectificação de erros manifestos nos documentos, mas também quaisquer lapsos ou incorrecções de pormenor (...) [sendo que] pode haver casos em que, não existindo lesão de valores e interesses em jogo, deve[rá] admitir-se excepcionalmente a correcção, emenda ou alteração (em sentido amplo) das propostas " (cf. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 01.06.2011, processo 07643/11).

I. Errou, por isso, o Tribunal a quo ao não considerar que o lapso presente na proposta da Recorrente deveria ter sido oficiosamente corrigido ou, pelo menos, desconsiderado, pelo Júri do júri, uma vez que se está perante um inegável lapsus linguae na expressão da vontade da Recorrente, relativamente a um aspeto que a Recorrente não estava sequer obrigada a incluir na sua proposta (dado tratar-se de uma obrigação a cumprir na execução do contrato).

J. Tal erro reflete-se, também e de acordo com a jurisprudência deste Alto Tribunal, numa violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 7.º do CPA.

K. Por outro lado, o Tribunal a quo decidiu também erradamente quanto ao dever, que impendia sobre o Júri do procedimento (nos termos do disposto no artigo 72.º do CCP), de solicitar esclarecimentos quanto ao material constituinte dos tubos, assunto que não contende com qualquer parâmetro da proposta que fosse avaliável {mas sim com um aspeto de execução do contrato).

L. Pelo contrário e porque não se tratava de um esclarecimento que pudesse incidir sobre um parâmetro da proposta ou qualquer outro aspeto concorrencialmente relevante, o Tribunal a quo violou o artigo 72.º do CCP.

M. Pelas mesmas razões, violou a Sentença recorrida o princípio do inquisitório, atualmente consagrado no artigo 58.º do CPA.

N. O Tribunal a quo, além de errar quanto ao julgamento da ilegalidade da exclusão da proposta da Recorrente - e não realização do pedido de esclarecimento pelo Júri do procedimento - errou também quanto ao dever de excluir a proposta que veio a ser adjudicada.

O. Com efeito, a proposta adjudicada enferma de grave causa de exclusão, uma vez que não apresentava as características, requisitos e especificações dos artigos, conforme exigido pela alínea c),do ponto 11.1do Programa do Procedimento, falha que afetava, essa sim, a possibilidade de à luz do fator "qualidade técnica", avaliar a proposta da Contrainteressada.

P. O Tribunal a quo entendeu, erradamente, que o Código de Dispositivo Médico do produto proposto permitia tal avaliação, obnubilando, assim, que as características, requisitos e especificações dos artigos e o Código de Dispositivo Médico constituíam "elementos documentais" da proposta perfeitamente distinguidos nos termos do Programa do Procedimento -cfr. alínea f) e c),do ponto 11.1do artigo 11.Do Programa do Procedimento - que não permitiriam, de resto, a avaliação técnica necessária, de acordo com o critério de adjudicação.

Q. Pelo que a Sentença recorrida padece de erro de julgamento ao não considerar que a proposta da Contrainteressada V............ deveria ter sido excluída, violando a alínea a), do n.º 2 do artigo 70.º do CCP e a alínea b), do n.º 1do artigo 57.º do CCP.

R. Mesmo que se considerasse que a falha identificada na proposta da V............ não se referia a um atributo da proposta (o que apenas se concede por mera cautela de patrocínio), então estar-se-ia perante uma violação da alínea b), do n.º 2 do artigo 70.º e da alínea c), do n.º 1do artigo 50.º do CCP.

S. É que, ao contrário do que é referido na Sentença recorrida, não se alcança, da proposta adjudicada, onde se podem encontrar os elementos necessários à avaliação da proposta nem o Tribunal a quo o identifica, limitando-se a afirmá-lo, sem mais -quando resulta, claramente, das peças do procedimento o grau de "densificação" do que haveria de constar de tal documento, pelo que os concorrentes teriam obrigatoriamente de integrar na proposta os mencionados elementos, os quais respeitam, necessariamente, às características, requisitos e especificações dos artigos que o concorrente se propõe fornecer.

T. É, por isso, inteiramente aplicável a jurisprudência deste Alto Tribunal que conclui, para situações idênticas, existir um dever legal de exclusão das propostas (cf. Acórdão de 21.10.2010, processo n.º 6658/10, e também Acórdão de 07.03.2013, processo n.2 09093/12).

U. Assim, verifica-se erro de julgamento por parte do Tribunal a quo ao não reconhecer a existência de uma causa de exclusão da proposta da V............, nos termos conjugados do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP e da alínea b), do n.º 2,do artigo 70.º do CCP, disposições violadas pela Sentença recorrida.

V. Errou gravemente o Tribunal a quo quando considerou juridicamente irrelevante o facto de o Presidente do Júri do procedimento ser um antigo funcionário da Recorrente que, à data dos factos aqui em causa, mantinha com a Recorrente um litígio judicial de natureza laboral.

W. É evidente que tal situação resultou numa atuação parcial por parte daquele órgão que utilizou "dois pesos e duas medidas": as clamorosas causas de exclusão na proposta da Contrainteressada foram desconsideradas e o mero lapso que afetava a proposta da Recorrente foi o bastante para conduzir à sua exclusão (e nem sequer suscitar um pedido de esclarecimento).

X. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, existia (e existe),inimizade grave entre o titular do órgão ou agente [Dr. A............] e a pessoa com interesse direto no procedimento, ato ou contrato [F............] - alínea d), do n.º 1,do artigo 73.º do CPA; e, concomitantemente, pendia em juízo ação em que era parte o titular do órgão ou agente [o Dr. A............] e o interessado [a F............] - alínea e),do n.º 1,do artigo 73.º do CPA, existindo circunstâncias perante as quais se podia, com razoabilidade, duvidar seriamente da imparcialidade da sua conduta e decisão.

Y. Tal, aliado às circunstâncias de, nomeadamente, se ter dado tratamento diferente (i) a uma causa de exclusão da proposta da V............ e (ii) a um lapso na proposta da Recorrente - permitiriam (e permitem) concluir que o Dr. A............ deveria ter pedido dispensa de intervir no procedimento, nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1do artigo 73.º do CPA.

Z. O Tribunal a quo permitiu-se questionar se a existência de um litígio entre o Dr. A............ e a Recorrente, seria suficiente para determinar que havia uma situação de grave inimizade, assim desconsiderando que a Recorrente alegou muito mais que isso, conforme previsto nos precedentes pontos X e Y.

AA. Denotando-se, por parte do Tribunal a quo uma errada interpretação, não só do alegado pela Recorrente, mas também da lei- em concreto, das alíneas d) e e) do n.º 1do artigo 73º do CPA.

BB. O Tribunal a quo permitiu-se ainda aduzir outros factos com nula relevância para a questão sub iudice, como seja o facto de esta não ter deduzido um incidente de suspeição, quando a isso não estava obrigada, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º do CPA, que se acha, assim, violado pela Sentença recorrida, sendo que, neste caso, das circunstâncias do caso concreto (v.g., das decisões sobre as propostas da Recorrente e da Contrainteressada, tão díspares e parciais) resulta a razoabilidade de dúvida séria sobre a imparcialidade de atuação, revelada na direção do procedimento e na própria tomada da decisão;

CC. Quanto à violação do princípio de imparcialidade e quanto aos erros de julgamento do Tribunal a quo quanto a esta matéria, há ainda que ter em conta que:

A falta de imparcialidade se começou a evidenciar, no procedimento, mas apenas após a apresentação de Pronúncia por parte da V............, com a alteração da proposta de adjudicação à proposta da Recorrente com base em argumentos infundados, mas não se tendo tido em conta uma grave causa de exclusão patente na proposta da V............ (tendo-se, inclusive, utilizados argumentos para a não exclusão da proposta da V............ quando os mesmos, poderiam e deveriam, ter sido utilizados para afastar a exclusão da proposta da Recorrente);

O facto de o Dr. A............ não ter participado - formalmente - na proposta de decisão de exclusão da proposta da Recorrente (i.e., no primeiro Relatório Final), tal não significa que a sua substituição seja suficiente para se arredar as questões de parcialidade na condução do procedimento (até porque a sua substituição, única e exclusivamente neste momento, parece-nos, por demais, conveniente), acrescendo a tal o facto de já ter participado na decisão prevista no segundo Relatório Final (na qual se decidiu desconsiderar as graves causas de exclusão da proposta da V............ e manter a exclusão da proposta da Recorrente);

Basta a existência de um membro de um Júri que tem o potencial de intervir, de forma negativa, na tomada de uma decisão séria e justa - e tendo em conta que tal parcialidade se revelou no procedimento, como tivemos oportunidade de demonstrar - para tal motivar a dispensa do mesmo do procedimento.

DD. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nas alíneas d) e e), do n .º 1, do artigo 73.º do CPA e, consequentemente, o disposto no artigo 9.º do CPA.

EE. De todo o modo, atendendo à forma exigente com que a doutrina e a jurisprudência tem interpretado o princípio da imparcialidade quando aplicado no âmbito de procedimentos de contratação pública, bastaria que o Dr. A............ fosse parte do Júri do procedimento (sem a conduta e decisão perniciosa do Júri) que tal seria suficiente para se dever julgar violado o princípio da imparcialidade; ao não o ter feito, o Tribunal a quo violou o referido princípio, previsto no artigo 9.º do CPA.

FF. Por fim, errou o Tribunal a quo ao decidir que o valor da causa indicado pela Recorrente e não impugnado pela Recorrida - 30.001,00 €,nos termos do artigo 34.º do CPTA -, não se encontrava corretamente indicado, uma vez que, tratando-se de procedimento que tem em vista a celebração de um Acordo-Quadro, não resulta da adjudicação impugnada um benefício económico mensurável que permita a aplicação do critério do n.º 2 do artigo 33.º do CPTA, dispositivo violado pela Sentença recorrida.

GG. Uma vez que o único direito a que Recorrente podia aceder, em caso de adjudicação, era o de ficar em posição de poder fornecer os Hospitais e Unidades de Saúde que aderissem ao Acordo-Quadro - quando e se estas entidades efetuassem encomendas ao abrigo do acordo-quadro (rectius, Contrato Público de Aprovisionamento), direito cujo conteúdo económico não ascende aos € 112.510,69 fixados pela Sentença recorrida, constituindo esse, quanto muito, o limite máximo que poderia ser atingido no âmbito dos cal-offs efetuados ao abrigo do Acordo-Quadro.

HH. Assim, errou o Tribunal a quo ao fixar o sobredito valor do processo, antes sendo aplicável a regra prevista no n.2 2 do artigo 34.º do CPTA, que se acha, então, violada pela Sentença recorrida.

A Recorrida, S............, apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida. Concluiu como segue:

1. A linha argumentativa da ora recorrente já foi rebatida e é de clara improcedência, e só se explica pela tentativa ostensiva de “arrastar” o presente procedimento de forma a tentar que a Autora mantenha a qualidade de fornecedor – sem concurso – de material de recolha de sangue nas unidades de saúde do Serviço Regional de Saúde a preços muito superiores aos que resultariam do procedimento concursal.

2. No que respeita à impugnação dos motivos que levaram o júri a excluir a proposta da Autora, a questão resume-se ao facto do caderno de encargos exigir uma característica técnica do produto que a Autora não cumpriu.

3. Não há nenhum fundamento legal – ou sequer de bom senso – que determine que é possível ao júri interpretar uma característica técnica de um produto como sendo diversa da que o concorrente expressamente propõe.

4. A teoria que a Recorrente invoca da correção de lapsos de cálculo ou de escrita tem outro âmbito e contexto de aplicação de desconsideração de erros palmares ou notórios onde seja claro o lapso ou gralha da proposta, ou onde a vontade do concorrente é notória e o erro da sua declaração é evidente e resulta dos demais elementos da proposta, não encaixando de forma nenhuma em casos que impliquem a alteração da proposta no que respeita aos elementos comprovativos dos termos e condições ou atributos da mesma – sob pena de violação do princípio da intangibilidade das propostas, bem como os princípios da concorrência, igualdade e transparência do procedimento.

5. Não tem absolutamente fundamento algum defender que o júri do concurso deveria ter considerado «um lapso» o material que está nos documentos da proposta (que contraria o caderno de encargos), e interpretado que, na verdade, o que esta queria dizer era que os seus produtos (relativamente aos quais apresentou catálogos, especificações técnicas, amostras etc…) afinal eram de outro material que já cumpria o caderno de encargos.

6. É absolutamente irrelevante o tratado que a Recorrente pretende fazer acerca da distinção na sentença de atributos ou termos e condições da sua proposta, na medida em que, a violação expressa e ostensiva do caderno de encargos por qualquer deles nos documentos da proposta é motivo de exclusão!

7. A própria Autora entra em contradição nos seus próprios termos argumentativos ao alegar que historicamente sempre forneceu tubos de vidro, mas simultaneamente defende que o júri deveria ter entendido que ao apresentar na sua proposta que os tubos que se propõe fornecer são de vidro isso foi um nítido lapso, ficando por explicar com que fundamentos ou suporte factual, jurídico ou histórico se deveria o júri ter alicerçado para essa conclusão, porque é óbvio que não existe nenhum elemento na proposta ou no histórico do concorrente que permitisse adivinhar que ia fornecer tubos de plástico (e quais os tubos e com que especificações já agora), na medida em que todos os elementos da proposta são claros quanto ao material proposto (catálogos técnicos e as próprias amostras do produto enviados e analisados pelo júri).

8. Os esclarecimentos ao abrigo do artigo 72º do CCP não permitem ao concorrente alterar um termo ou condição da sua proposta, pois o que estaria em causa não era a ora Autora “esclarecer” algum ponto de dúvida sobre a sua proposta, mas sim apresentar um produto diferente do que propôs.

9. Esta questão é de tal forma óbvia que a ora Recorrente nem sequer contrariou os motivos pelos quais o júri excluiu a sua proposta na audiência prévia que produziu em sede de concurso público face a essa proposta de exclusão, limitou-se a pedir a exclusão da Adjudicatária e a não adjudicação do lote, pois só se “lembrou” depois que se tinha “enganado” a escrever as características técnicas dos produtos com os quais concorreu.

10. Também não é de acolher o argumento que a proposta da (então) Adjudicatária deveria ter sido excluída na medida em que alegadamente o produto do lote 1 posição B.2.1 não consta dos catálogos, pelo que não seria possível perceber as suas características.

11. O júri considerou que as características técnicas do produto constam da proposta do adjudicatário, designadamente v.g. dos catálogos e rótulos das amostras enviadas e do próprio CDM registado do produto, tão-somente não fez referência expressa no catálogo enviado a este tubo específico, o que enquadra precisamente o caso das formalidades não essenciais a que o júri faz referência.

12. E, ainda que isso não acontecesse, isso nunca seria motivo de exclusão da proposta, mas tão somente de eventuais esclarecimentos, que não seriam proibidos pois não envolveriam aditar qualquer informação que não constasse já da proposta nem alteração de atributos da proposta (na medida em que o atributo era o preço e o tipo de sistema, aspiração ou vácuo, e isso consta claramente dos elementos da proposta pois é o conceito do próprio sistema de aspiração que é avaliado).

13. Não existe diferenciação de critérios entre concorrentes, na medida em que uma coisa é a apresentação de um parâmetro da proposta ou termo e condição em violação expressa do caderno de encargos (vidro em vez de plástico), passível de exclusão pela alínea b) do n.º 1 do art. 70º e sem possibilidade de correção em esclarecimentos, outra coisa é eventual a não apresentação de um parâmetro ou termo ou condição (que não seja atributo) que não é motivo de exclusão por não estar previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º, devendo apenas e se fosse necessário ser pedido esclarecimento – aqui sim – pelo júri.

14. O critério utilizado foi igual para todos os concorrentes pois também a ora Recorrente na sua própria proposta padecia de “vício” semelhante pois não apresentou catálogos ou elementos técnicos relativos às racks propostas, e não foi excluída por esse motivo.

15. Além de não assistir razão à recorrente neste ponto, face à já ocorrida caducidade da adjudicação da proposta da Adjudicatária existe igualmente inutilidade superveniente na avaliação deste motivo de exclusão da proposta da então Adjudicatária, uma vez que o presente concurso já não lhe será adjudicado em nenhuma circunstância.

16. A alegada invalidade por falta de imparcialidade do júri não é sustentada, demonstrada ou fundamentada factual ou legalmente.

17. A Autora não levantou qualquer questão no procedimento concursal em nenhum momento (publicação, esclarecimentos, relatório preliminar, relatório final, adjudicação…) relativamente a este assunto, sendo que desde a sua publicação que sabia a composição do júri.

18. Ao não levantar qualquer questão no concurso, nem invocar qualquer suspeição, quando o poderia ou deveria ter efetuado nos termos dos art. 73º e 74º do Código do Procedimento Administrativo, e ao não levantar qualquer suspeição ou a requerer igualmente em vários outros concursos a que concorreu com o mesmo elemento do júri e que culminaram com adjudicações à ora Autora, a Autora precludiu o seu eventual direito, na medida em que esse normativo aplicar-se-ia à falta de decisão ou decisão negativa sobre um pedido de suspeição, o que não ocorreu na medida em que a ora Autora nunca o requereu em nenhum procedimento administrativo junto da Ré.

19. Existiram várias outras adjudicações à Autora onde esteve envolvido o mesmo elemento do júri e onde não foi levantada nenhuma suspeição ou “inimizade”.

20. Não existe no presente caso motivo para que se considere que a atuação do júri tenha sido imparcial, muito menos que «do conjunto das circunstâncias do caso concreto resulte a razoabilidade de dúvida séria sobre a imparcialidade da atuação do órgão, revelada na direção do procedimento, na prática de atos preparatórios relevantes para o sentido da decisão ou na própria tomada da decisão».

21. Inclusivamente o sentido da primeira decisão tomada foi de lhe adjudicar o concurso, o que certamente não ocorreria se fosse “parcial”, e no relatório final em que é proposta a sua exclusão o elemento sobre o qual levanta suspeição nem sequer participou na deliberação.

22. Este órgão é composto por três elementos e cujas decisões foram unânimes, sendo que bastaria a posição dos outros dois membros (relativamente aos quais não é alegada qualquer “inimizade” com a Autora) para existir a mesma deliberação, não sendo assim atacável o sentido das deliberações do júri em questão.

23. A recorrente alicerça a tese da imparcialidade no facto de o júri não ter considerado que ao dizer na proposta que os seus tubos são em vidro, com os respetivos catálogos e com amostras de tubos em vidro, na verdade o que queria dizer é que eram em plástico, quando nem sequer alegou isso em sede de concurso na audiência prévia ao relatório final que propunha a sua exclusão, conformando-se com essa decisão.

24. Face a circunstâncias iguais entre a proposta de ambos os concorrentes (designadamente quanto às informações dos catálogos) teve atitude igual perante os tubos B.2.1 da Adjudicatária e perante as Racks da ora Recorrente, como foi demonstrado e consta no relatório do concurso.

25. Nessa medida os factos falam por si, e remete-se apenas para o que já foi dito, sendo clara e inequivocamente correta a decisão do júri quanto a esse aspeto, que se limitou a cumprir o que determina o CCP no que respeita ao incumprimento de especificações do caderno de encargos, sendo até a roçar a má fé a alegação agora aduzida nos presentes autos.

26. Reproduz-se também o já alegado quanto à caducidade da adjudicação, sendo que a Ré procedeu à decisão sobre a mesma, em aplicação dos n.ºs 2 e 3 do art. 86º do Código dos Contratos Públicos, que culminou com a caducidade da adjudicação à Adjudicatária CONTRAINTERESSADA no dia 15 de maio de 2018 com a consequência de não adjudicação do presente concurso e revogação da decisão de contratar, nos termos dos artigos 79º, n.º 1, alínea b) e 80º do CCP.

27. Por esse facto, e não existindo motivos para imputar qualquer vício à decisão de adjudicação, mas face à já decidida caducidade da adjudicação em fase de habilitação, existe inutilidade superveniente da presente lide, o que implica a extinção da instância.

28. O valor da causa deve corresponder ao potencial benefício económico da Recorrente nos termos do art. 17º n.º 4 do CCP, existindo alguma alteração seria a de considerar a totalidade do prazo contratual – 4 anos.



Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou.


Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em saber:

- Se a decisão recorrida errou no julgamento de direito, ao não concluir pela invalidade da exclusão da proposta da Recorrente, uma vez que não houve qualquer violação de parâmetros base do caderno de encargos (al. b) do nº 2 do art. 70.º do CCP), confundindo-se na sentença recorrida “atributo” e “termo ou condição”;

- Se a decisão recorrida errou ao não considerar o valor jurídico da “Declaração de Aceitação do Conteúdo do Caderno de Encargos pelo Concorrente”, o que levaria a considerar que a Recorrida conhecia a vontade real do declarante (a Recorrente), que era a de propor tubos de plástico;

- Se a decisão recorrida errou ao não concluir pela violação do princípio da proporcionalidade concorrência, bem como o do inquisitório (ausência de pedido de esclarecimento);

- Se a decisão recorrida errou ao não concluir pela existência de causa de exclusão da proposta adjudicada, por omitir um dos atributos da proposta, bem como por não terem sido apresentados os elementos exigidos pela Ent. Adjudicante (art. 70.º, nº 2, al. a) e art. 57.º, nº 1, al. b) do CCP);

- Se a decisão recorrida errou ao não ter concluído pela subsunção da situação em presença no art. 73.º, nº 1, al. d) do CPA (violação do princípio da imparcialidade); e

- Se a decisão recorrida errou ao fixar o valor da causa em EUR 112.510,69, correspondente aos valores unitários propostos e às quantidades que poderiam ser encomendadas, em violação do art. 34.º, nº 2, do CPTA.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, a qual se reproduz ipsis verbis:

A) Através do Anúncio de procedimento n.º 8115/2017, publicado no Diário da República, II série, n.º 187, de 27 de setembro de 2017, foi publicitada a abertura de concurso público, com vista ao “Fornecimento de sistemas de recolha de sangue aos Hospitais E.P.E.R. e às Unidades de Saúde de Ilha da Região Autónoma dos Açores [cfr. fls. 1-3 do processo administrativo]

B) A abertura do concurso referido na alínea anterior, também foi publicitada no Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores, II Série, n.º 184, de 29 de setembro, através do Anúncio de procedimento n.º 242/2017 [cfr. fls. 4-7 do processo administrativo]

C) A abertura do concurso referido na alínea A), também foi publicitada no Suplemento do Jornal Oficial da União Europeia JO/S S187, de 29 de setembro de 2017, através do Anúncio de procedimento n.º 384005-2017 [cfr. fls. 8-10 do processo administrativo]

D) Do Programa do Procedimento do Concurso n.º …/2016 “CONCURSO PÚBLICO PARA A CELEBRAÇÃO DE CONTRATOS PÚBLICOS DE APROVISIONAMENTO RELATIVOS AO FORNECIMENTO DE SISTEMA DE RECOLHA DE SANGUE AOS HOSPITAIS E.P.E.R. E ÀS UNIDADES DE SAÚDE DE ILHA DA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES”, consta, entre o mais, o seguinte:


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E) No Caderno de Encargos refere-se, entre o mais, o seguinte:

“CAPÍTULO I

Disposições gerais

Cláusula 1ª

Caderno de Encargos


O presente Caderno de Encargos estabelece as condições jurídicas, técnicas e económicas dos Contratos Públicos de Aprovisionamento relativamente à celebração de Contratos Públicos de Aprovisionamento para fornecimento de sistemas de recolha de sangue aos Hospitais E.P.E.R. e às Unidades de Saúde de Ilha da Região Autónoma dos Açores.

Cláusula 2ª

Definições


Para efeitos do presente Caderno de Encargos entende-se por:

a) CPA (Contrato Público de Aprovisionamento) – Acordo Quadro celebrado entre a Entidade Adjudicante e o Adjudicatário, com vista a disciplinar as relações contratuais futuras relativas ao fornecimento de testes de deteção rápida de drogas na urina às Entidades Adquirentes;

b) S............ – Central de Compras da S............, S.A., para o sector da saúde na Região Autónoma dos Açores, criada através do Decreto Regulamentar Regional n.º 4/2010/A de 15 de fevereiro;

c) Contratos – Contratos de fornecimento a celebrar entre as entidades adquirentes e a entidade fornecedora nos termos do contrato público de aprovisionamento;

d) Entidade Adquirente – Hospitais E.P.E.R. e Unidades de Saúde de Ilha da Região Autónoma dos Açores.

e) Entidade Adjudicante – Para efeitos de celebração do CPA, objeto do presente caderno de encargos, será a S............;

f) Fornecedor – Concorrente que venha a ser selecionado como fornecedor para as entidades adquirentes dos bens referentes a cada produto previsto no Caderno de Encargos;


Cláusula 3.ª

Objeto


O presente Caderno de Encargos aplica-se:

1.1 Aos contratos públicos de aprovisionamento para a área da saúde, de ora em diante designados CPA, a celebrar entre a S............ e os fornecedores cujas propostas forem selecionadas, nos termos do Código dos Contratos Públicos (Decreto Lei 18/2008 de 29 de janeiro), conjugado com o Decreto Regulamentar Regional n.º 4/2010/A de 15 de fevereiro, relativos aos produtos previstos no Anexo I do presente Caderno de Encargos.

1.2 Às aquisições que venham a ser efetuadas, pelas entidades contratantes aos fornecedores selecionados


Cláusula 4.ª

Objeto dos CPA


1. Os CPA têm por objeto o estabelecimento das condições de fornecimento de sistemas de recolha de sangue aos Hospitais E.P.E.R. e às Unidades de Saúde de Ilha da Região Autónoma dos Açores.

2. Quaisquer outras entidades de direito público do Serviço Regional de Saúde podem a eles aderir, e efetuar as suas aquisições nas condições de aprovisionamento estabelecidas nos CPA, com a concordância prévia da S............ e despacho do membro do Governo Regional responsável pela área da saúde.

(…)


Cláusula 6ª

Efeitos dos CPA


1. Nos termos dos art. 260º e segs. do Código dos Contratos Públicos e do artigo 3º n.º 1 alínea c) do Decreto Regulamentar Regional n.º 4/2010/A de 15 de fevereiro a celebração dos CPA constitui o reconhecimento da qualidade de fornecedor dos bens indicados no Caderno de Encargos às Entidades Adquirentes e define os termos e condições de fornecimento dos bens e serviços diretamente a essas entidades.

2. A celebração dos posteriores contratos de fornecimento deve ser efetuada por ajuste direto nos termos do artigo 258.º do CCP, sem prejuízo da autorização e cabimentação da respetiva despesa, quando sujeitas às regras de contabilidade pública.

(…)


Cláusula 15ª

Conformidade qualitativa e quantitativa dos bens


1. Os bens fornecidos ao abrigo dos CPA devem estar em conformidade com as respetivas características especificadas nas Cláusulas Técnicas Especiais, reservando-se a S............, e os Hospitais E.P.E.R. ou as Unidades de Saúde de Ilha, a todo o tempo, o direito de proceder às verificações convenientes, junto do INFARMED.

(…)


Cláusula 26ª

Características dos preços


1. Os preços apresentados nos Contratos Públicos de Aprovisionamento são preços isentos de IVA, e incluem, para além do custo unitário do produto propriamente dito, os seguintes custos:

a) Do acondicionamento;

b) Da embalagem;

c) Da carga, do transporte e da descarga no local indicado para os locais de consumo, dos seguros ou quaisquer outras despesas inerentes ao transporte;

d) Da formação;

2. Para efeitos de apresentação das propostas, o preço unitário deve ser expresso com 4 (quatro) casas decimais, sem necessidade da sua indicação por extenso. Se os concorrentes não apresentarem preços unitários com 4 (quatro) casas decimais, será assumido que as restantes em falta, à sua direita, serão de valor igual a zero e consideram-se tantos zeros quantas as casas decimais em falta.

3. Os preços devem sempre referir-se às unidades que, para cada produto, sejam indicadas no Anexo I das Cláusulas Técnicas Especiais e este preço unitário não deve exceder o preço máximo estipulado no n.º 4 da presente cláusula.

4. O preço máximo admitido para cada lote é o fixado no Anexo II do presente Caderno de Encargos.

(…)

ANEXO II

BENS A FORNECER, ESPECIFICAÇÕES E PREÇO BASE CONTRATUAL

1. Os volumes e/ou ml referidos nas descrições dos artigos são indicativos, devendo as propostas ser o mais aproximadas possível do pretendido tendo em consideração o fim a que se destinam.

2. A não adequação do material às boas práticas das Unidades de Saúde e ao Manual de colheita levará à exclusão da proposta do concorrente em questão.




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G) O valor da proposta da Autora para o Lote 1 ascende ao valor global de € 112.510,69 (cento e doze mil, quinhentos e dez euros e sessenta e nove cêntimos) [cfr. fls. 281-282 do suporte físico dos autos].

H) A Contrainteressada apresentou proposta ao Concurso n.º …/2016, contendo entre o mais, o seguinte:







I) Em 11 de janeiro de 2018, pelo Júri do Concurso n.º …/2016, foi elaborado Relatório Preliminar, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

“(…)

A 11 de janeiro de 2018, pelas 10:00 horas, reuniu na sede da S............, S.A. o Júri designado no âmbito do presente concurso com a seguinte constituição:

Dr. A............ (S............, S.A.)

Dr.ª L............ (S............, S.A.)

Dr.ª T............ (S............, S.A.)


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[cfr. documento n.º 5, junto com a petição inicial e fls. 1325 a 1334 do processo administrativo].

J) Em sede de audiência prévia, a Contrainteressada, V............ Portugal, S.A., pronunciou-se no sentido de ser excluída a proposta da Autora, apresentando um conjunto de causas, incluindo o não cumprimento pela Autora do tipo de bens a fornecer, designadamente as especificações de dois tipos de tubos (Lote 1, Grupo G2 e G3).

[cfr. documento n.º 6, junto com a petição inicial e fls. 12 a 21 do processo administrativo].

K) Em 26 de fevereiro de 2018, foi elaborado Relatório Final, do qual consta, entre o mais, o seguinte:


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[cfr. documento n.º 7 junto com a petição inicial e fls. 1296 a 1308 do processo administrativo].

L) A Autora, após ter tomado conhecimento do Relatório Final referido na alínea antecedente, em 06 de março de 2018, dirigiu ao Júri do Concurso n.º …/2016, pronúncia, referindo, entre o mais, que a proposta da Contrainteressada deveria ser excluída, por apresentar propostas variantes (não admitidas pelo item 13 da Secção II – Propostas do Programa do Procedimento), falta de assinatura digital certificada e por falta de entrega de documento obrigatório (catálogos relativos aos artigos propostos fornecer, aptos a demonstrar as características, requisitos e especificações daqueles).

[cfr. documento n.º 8, junto com a petição inicial e fls. 25 a 27 do processo administrativo].

M) Em 20 de março de 2018, pelo Júri do Concurso n.º …/2016, foi elaborado Relatório Final, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

“(…)


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N) Em 21 de março de 2018, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferido acórdão no âmbito do processo n.º 2571/16.0T8PDL.L1, referente aos autos de ação de processo comum n.º 2571/16.0T8PDL, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Ponta Delgada – Juízo do Trabalho, resultando do mesmo, entre o mais, o seguinte:

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O) Em 22 de março de 2018, a Entidade Demandada, através da plataforma “saphetygov”, comunicou que o Relatório Final de análise de propostas, referente ao Procedimento n.º 56/2016, estava disponível [cfr. fls. 1323 do processo administrativo].

P) Em 29 de março de 2018, a Entidade Demandada, através da plataforma “saphetygov”, comunicou a apresentação dos documentos de habilitação pela Contrainteressada V............ Portugal, S.A. [cfr. fls. 46 do processo administrativo].

Q) Em 09 de abril de 2018, a Entidade Demandada, através da plataforma “saphetygov”, comunicou aos concorrentes do procedimento n.º 56/2016, da apresentação dos documentos de habilitação pela Contrainteressada, V............ Prtugal, S.A. [cfr. fls. 47 do processo administrativo].

R) Em 19 de abril de 2018 foi proposta a presente ação de contencioso pré-contratual neste Tribunal [cfr. registo SITAF].

S) Em 07 de maio de 2018, a Entidade Demandada, através da plataforma “saphetygov”, notificou a Contrainteressada, do seguinte:




T) A Contrainteressada pronunciou-se em sede de audiência prévia, sobre a intenção da declaração de caducidade do procedimento concursal n.º …/2016 [cfr. fls. 29 a 36 do processo administrativo].

U) Em 15 de maio de 2018, a Entidade Demandada, pronunciou-se sobre a resposta apresentada pela Contrainteressada e determinou o seguinte:




V) Em 15 de maio de 2018, a Entidade Demandada comunicou aos concorrentes, via plataforma “saphetygov”, a decisão tomada de revogação da decisão de contratar [cfr. fls. 38 do processo administrativo].

W) Por ofício com a referência Saud-Sai/2018/…, datado de 25 de maio de 2018, a Entidade Demandada comunicou à Autora, o seguinte:


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[cfr. documento n.º 1, junto com a resposta à contestação].

X) No âmbito do Concurso Público para a celebração de contratos públicos de aprovisionamento relativos ao fornecimento de material de bloco operatório aos Hospitais E.P.E.R. e às Unidades de Saúde da Região Autónoma dos Açores (Concurso n.º …/2016), foi proposto pelo Júri do concurso, constituído pelo Dr. A............, Dra. L............ e Eng.ª R............, em sede de Relatório Final, a adjudicação à Autora o Lote 1 e o Lote 4 [cfr. documento n.º 3, junto com a contestação].

Y) No âmbito do Concurso Público para a celebração de contratos públicos de aprovisionamento relativos ao fornecimento de consumíveis de cirurgia laparoscópica aos Hospitais E.P.E.R. (Concurso n.º …/2016), foi proposto pelo Júri do concurso, constituído pelo Dr. A............, Eng.ª R............ e Eng.º D............, em sede de Relatório Final, a adjudicação à Autora dos Lotes 2, 3, 6, 7, 9, 10 e 12 [cfr. documento n.º 1, junto com a contestação].

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.

A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos de contencioso pré-contratual, bem como do processo administrativo, referenciados em cada uma das alíneas do probatório e na posição assumida pelas partes nos articulados.



II.2. De direito

II.2.1. Do valor da causa

No tribunal a quo, a este propósito, afirmou-se o seguinte:

De acordo com o n.º 1 do artigo 31.º do CPTA, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de outubro, “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.”

Ora, dispõe o artigo 306.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi do artigo 31.º, n.º 4 do CPTA, que compete ao juiz a fixação do valor da causa em função dos critérios legais, sem prejuízo do dever de indicação que sobre as partes impende.

Na sua petição inicial, a Autora indicou como valor da ação € 30.000,01, sendo que a Entidade Demandada não impugnou tal valor.

No caso em apreço, a Autora peticiona (i) seja anulado ou declarado nulo o ato de adjudicação e, (ii) a Entidade Demandada condenada a praticar novo ato de adjudicação da proposta da Autora; caso assim não se entenda, iii) ser anulado todo o procedimento de adjudicação relativo ao Lote n.º 1 e a Entidade Demandada condenada a repetir o procedimento de adjudicação desse Lote.

Vejamos.

Nos artigos 32.º a 34.º do CPTA são elencados critérios ou fatores aos quais se deve atender na fixação do valor da ação.

Assim, para a fixação do valor da presente causa importa considerar, sucessivamente, os critérios previstos nos artigos 34.º, 33.º e 32.º do CPTA, aplicando ainda subsidiariamente o regime processual consagrado nos artigos 305.º e 306.º do CPC ex vi do n.º 4, do artigo 31.º do CPTA.

Vejamos então, acompanhando de perto a Jurisprudência firmada pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) de 14/02/2007 (Proc. n.º 00608/06.0BEPNF-A), já seguida pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) em Acórdão proferido em 06/11/2014 (Proc. n.º 11522/14), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Começando pela análise dos critérios constantes do artigo 34.º do CPTA, este normativo consagra situações administrativas relativas a “bens imateriais” consideradas de “valor indeterminável” e que dizem respeito àquelas situações em que estejam em causa ou se discutam bens, utilidades, posições jurídicas ou interesses insuscetíveis de avaliação económica ou pecuniária direta ou imediata.

Analisado o caso vertente não se mostra que o mesmo possa ser configurado como respeitando a processo em que estejam em discussão bens, utilidades, posições jurídicas ou interesses insuscetíveis de avaliação económica ou pecuniária direta ou imediata.

Pelo que, não se poderá incluir a pretensão formulada pela Autora na previsão do artigo 34.º do CPTA.

Afastado o regime consagrado no artigo 34.º do CPTA, cumpre agora apreciar da possibilidade de enquadramento da presente causa nos critérios dos artigos 33.º e 32.º do CPTA.

A pretensão formulada nos presentes autos pela Autora é relativa a ato procedimental de contencioso pré-contratual e demais atos praticados em decorrência daquele procedimento, o que se retira, sem margem para quaisquer dúvidas, dos pedidos formulados. Sem necessidade de mais indagações, importa concluir que tal pretensão claramente não se integra em qualquer das alíneas do artigo 33.º do CPTA.

Respeitando, todavia, a ação a ato procedimental pré-contratual e considerando a estrutura dos pedidos formulados, em que, em última análise, o que a Autora visa, é que lhe seja adjudicado o contrato concursado, o valor da causa é a quantia equivalente à vantagem de natureza material, passível de avaliação pecuniária, que a Autora pretende obter, a qual se traduz no valor da proposta que apresentou no âmbito do procedimento concursal em causa, já que é pelo valor da mesma que, em caso de procedência da ação, será feita a adjudicação (cfr. Acórdão do TCAS de 06/11/2014, Proc. n.º 11522/14, cuja doutrina se adere).

Ora, considerando que a proposta apresentada pela Autora, para o Lote 1, foi para diversos artigos, aos quais está associado um valor unitário e quantidade, tal implica previamente a fixação de factos, relega-se para momento posterior a fixação do valor da presente ação.

(…)

Ab initio importa fixar o valor da ação, para depois, em seguida apreciar as questões enunciadas em “Questões a decidir”.

No caso sub judice, tendo em conta o expendido quanto ao valor da causa, e considerando que a Autora apresentou uma proposta no valor de € 112.510,69 (cento e doze mil, quinhentos e dez euros e sessenta e nove cêntimos), no âmbito do procedimento concursal [cfr. alínea G) do probatório], deverá ser este o valor a atribuir à presente causa.

Por conseguinte, atento tudo quanto ficou exposto, fixo à presente causa o valor de € 112.510,69 (cento e doze mil, quinhentos e dez euros e sessenta e nove cêntimos).

Esta questão foi já resolvida por este TCA no ac. de 6.11.2014, proc. nº 11522/14, em que se concluiu que “o valor da causa é a quantia equivalente à vantagem de natureza material, passível de avaliação pecuniária, que a autora pretende obter, a qual se traduz no valor da proposta que apresentou no âmbito do procedimento concursal em causa, já que é pelo valor da mesma que, em caso de procedência da acção, será feita a adjudicação.

Aderindo à sua fundamentação, que fazemos nossa nos termos permitidos pela lei processual civil e que se mostra aplicável ao caso, limitar-nos-emos a transcrever o respectivo acórdão na sua parte aqui relevante. Assim:

“(…)

Para a apreciação da questão suscitada importa fazer o cotejo dos normativos a atender, concretamente dos arts. 31º a 34º, do CPTA, dos quais constam regras relativas à fixação do valor da causa.

Prescreve o art. 31º, com a epígrafe “Atribuição de valor e suas consequências”, o seguinte:

“1 - A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.

(…)”.

E no artigo seguinte, sob a epígrafe “Critérios gerais para a fixação do valor”, estatui-se que:

“1 - Quando pela acção se pretenda obter o pagamento de quantia certa, é esse o valor da causa.

2 - Quando pela acção se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício.

(…)”.

Por sua vez estatui o art. 33º, com a epígrafe “Critérios especiais”, que:

“Nos processos relativos a actos administrativos, atende-se ao conteúdo económico do acto, designadamente por apelo aos seguintes critérios, para além daqueles que resultam do disposto no artigo anterior:

a) Quando esteja em causa a autorização ou licenciamento de obras e, em geral, a apreciação de decisões respeitantes à realização de empreendimentos públicos ou privados, o valor da causa afere-se pelo custo previsto da obra projectada;

b) Quando esteja em causa a aplicação de sanções de conteúdo pecuniário, o valor da causa é determinado pelo montante da sanção aplicada;

c) Quando esteja em causa a aplicação de sanções sem conteúdo pecuniário, o valor da causa é determinado pelo montante dos danos patrimoniais sofridos;

d) Quando estejam em causa actos ablativos da propriedade ou de outros direitos reais, o valor da causa é determinado pelo valor do direito sacrificado.”.

Por fim, dispõe o art. 34º, sob a epígrafe “Critério supletivo”, que:

1 - Consideram-se de valor indeterminável os processos respeitantes a bens imateriais e a normas emitidas ou omitidas no exercício da função administrativa, incluindo planos urbanísticos e de ordenamento do território.

(…)”.

Como se explicou no Ac. do TCA Norte de 14.2.2007, proc. n.º 608/06.0 BEPNG-A, cujo entendimento é inteiramente aplicável no caso em apreciação:

“Ora o valor da causa, “expresso em moeda legal”, corresponde à “utilidade económica imediata do pedido” (cfr. n.º 1 do art. 31.º), sendo que nos arts. 32.º a 34.º do CPTA constam os critérios ou factores através dos quais se deve atender na e para a fixação daquele valor.

Assim, na tarefa de fixação do valor da causa, valendo o regime processual previsto nos arts. 314.º e 315.º do CPC “ex vi” n.º 4 do art. 31.º do CPTA, importa considerar sucessivamente os critérios previstos nos arts. 34.º, 33.º e 32.º do CPTA, aferindo-se primeiramente sobre se o processo é relativo a bens imateriais ou a normas (emitidas ou omitidas) no exercício da actividade administrativa e se tal não ocorrer passa-se à sua aferição à luz dos critérios/situações enumeradas no art. 33.º para, falhando ou não estando integrado, se entrar na consideração do regime decorrente do art. 32.º.

Na definição do alcance da previsão do art. 34.º do CPTA importa, pois, atender aos dois critérios atrás aludidos sendo que, para a economia da presente decisão, apenas relevará o critério do processo respeitar a “bens imateriais”, porquanto, “in casu”, não está em discussão ou apreciação de processo que diga respeito ou estejam em causa “normas emitidas ou omitidas no exercício da função administrativa, incluindo planos urbanísticos e de ordenamento do território.”

Ora as situações administrativas relativas a “bens imateriais” previstas no art. 34.º do CPTA e pelo mesmo consideradas de “valor indeterminável” dizem respeito àquelas situações em que estejam em causa ou se discutam bens, utilidades, posições jurídicas ou interesses insusceptíveis de avaliação económica ou pecuniária directa ou imediata.

A doutrina que no âmbito da definição ou integração do critério relativo aos processos sobre “bens imateriais” tem sido produzida dá como exemplos a integrar nesta previsão as “pretensões de autorizar ou proibir uma determinada manifestação na via pública ou noutro local”, de “encerramento de determinada via de trânsito”, de “emissão de licenças ou autorizações respeitantes as bens ou interesses sem valor económico (v.g., carta de condução)”, de “inscrição numa associação pública profissional” ou de “admissão num curso universitário ou nos cadernos eleitorais”, de “abstenção da utilização dum slogan plagiado numa campanha de alerta público em matéria de saúde”, os “processos relativos ao estado ou às qualidades administrativas das pessoas”, as “acções destinadas a fazer valer a propriedade industrial, literária ou artística”, as “acções que respeitem ao reconhecimento da dominialidade pública dum bem”, as “acções que se destinem a salvaguardar interesses difusos (saúde pública, direitos dos consumidores, qualidade de vida, preservação do ambiente e do património cultural)”, as “acções que visem acautelar as violações da REN ou da RAN”, os “processos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias – arts. 109.º e segs. do CPTA”, os “processos relativos a actos susceptíveis de produzir prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação” (indicando como exemplo actos que “importem a inibição ou a restrição de comércio, indústria ou cessação de actividades profissionais livres” os quais originariam “normalmente lucros cessantes de montante indeterminável e arrastam outras consequências de difícil quantificação, como a perda de clientela ou a impossibilidade de satisfazer compromissos já assumidos”) (cfr., nesta sede, Prof. M. Aroso de Almeida e Juiz Cons. C. Alberto Fernandes Cadilha in: ob. cit., págs. 160/161; Dr. M Esteves de Oliveira e Dr. R. Esteves de Oliveira in: “Código de Processo nos Tribunais Administrativos … - Anotado”, vol. I, pág. 254).”

Retomando o caso vertente verifica-se que o mesmo não pode ser configurado como respeitando a processo que estejam em discussão bens, utilidades, posições jurídicas ou interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária directa, isto é, como respeitando à efectivação de direito extra-patrimonial, razão pela qual não se inclui a pretensão no mesmo formulada na previsão do art. 34º, do CPTA.

Com efeito, considerando os pedidos formulados (anulação da decisão de não adjudicação dos lotes 1 e 2 e condenação da ré à emissão de novo acto que admita os documentos juntos pela recorrente em sede de audiência prévia, readmitindo a sua proposta nos lotes 1 e 2, e que avalie e classifique fundamentadamente as propostas admitidas e, em consequência, adjudique o fornecimento em causa à recorrente), o que em última instância a autora, ora recorrente, visa obter é que lhe seja feita a adjudicação dos lotes 1 e 2, para os quais apresentou uma proposta no montante total de € 9 207 945,57.

Ou dito por outras palavras, verifica-se uma cumulação aparente de pedidos [neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Cumulação de pedidos e cumulação aparente no contencioso administrativo, CJA n.º 34, págs. 33 a 39, explicitando, na pág. 39, que “(…) é uma cumulação aparente, por exemplo, aquela que se verifica entre o pedido de anulação de um acto administrativo e o pedido de condenação da Administração à prática do acto devido (…) pois que o demandante pretende obter ou salvaguardar, através de cada um dos pedidos, uma única e mesma utilidade pública”], pois a recorrente, através dos vários pedidos que formulou, pretende obter uma única e mesma utilidade económica, concretamente que seja adjudicada a proposta por si apresentada.

Nestes termos, não assiste razão à recorrente quando pretende que seja aplicado o regime decorrente do art. 34º, do CPTA, pois, mesmo que o valor da sua proposta (€ 9 207 945,57) seja uma mera estimativa de facturação, como a recorrente afirma, daí não resulta que o interesse que pretende valer nestes autos de contencioso pré-contratual deixe de ser susceptível de avaliação económica ou se transforme num direito extra-patrimonial.

Efectivamente, e como resulta da citação doutrinal feita no Ac. do TCA Norte supra transcrito, a situação em crise só seria susceptível de integrar a previsão do art. 34º n.º 1, do CPTA, se o acto impugnado nestes autos fosse susceptível de produzir prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação, nomeadamente por estar em causa acto que “importe a inibição ou a restrição de comércio, indústria ou cessação de actividades profissionais livres” gerador de “lucros cessantes de montante indeterminável” ou que arraste “outras consequências de difícil quantificação, como a perda de clientela ou a impossibilidade de satisfazer compromissos já assumidos”, situação que não se verifica.

Afastado o regime decorrente do art. 34º, do CPTA, cumpre aferir dos critérios enunciados nos arts. 33º e 32º, do mesmo Código.

Os pedidos deduzidos pela recorrente na presente acção de contencioso pré-contratual claramente não se integram em qualquer das alíneas do art. 33º.

Assim, para apuramento do conteúdo económico do acto ter-se-á de atender ao critério previsto no art. 32º n.º 2, do CPTA (“Quando pela acção se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício”).

Nestes termos, o valor da causa é a quantia equivalente à vantagem de natureza material, passível de avaliação pecuniária, que a recorrente pretende obter, a qual se traduz no valor da proposta que apresentou no âmbito do procedimento concursal em causa (no montante total de € 9 207 945,57), já que é pelo valor da mesma que, em caso de procedência da acção, será feita a adjudicação – neste sentido, Acs. deste TCA Sul de 7.12.2011, proc. n.º 7958/11 (“2. O “conteúdo económico” da adjudicação (v. arts. 32º-2 e 33º-proémio do CPTA), no caso concreto, só pode traduzir-se no valor da proposta que a A. apresenta no âmbito do procedimento concursal, já que é pelo valor da mesma que a A., ganhando a causa, irá outorgar e celebrar com a Administração o contrato.”), 12.1.2012, proc. n.º 8300/11 (“1 – (…) Assim sendo, porque o que a empresa pretende é a final, ver a sua proposta aprovada, tem de se entender que o valor mais próximo da utilidade económica tem de ser o valor da sua proposta.”), e 11.4.2013, proc. n.º 9667/13, e Ac. do TCA Norte de 14.2.2007, proc. n.º 608/06.0 BEPNG-A. [sublinhado nosso]”

Conclui-se, assim, que a decisão recorrida não enferma de erro de julgamento ao fixar o valor da causa em EUR 112.510,69 (cento e doze mil, quinhentos e dez euros e sessenta e nove cêntimos), considerando que a Autora, ora Recorrente, apresentou uma proposta desse valor no âmbito do procedimento concursal em causa (cfr. alínea G) do probatório).

Pelo que, nesta parte, tem de improceder o presente recurso jurisdicional.

II.2.2. Das causas de exclusão da proposta adjudicada

Posto isto, é tempo de deixar estabelecido que as questões colocadas pela Recorrente acerca de a decisão recorrida ter errado ao não concluir pela exclusão da proposta adjudicada, por omitir um dos atributos da proposta, bem como por não terem sido apresentados os elementos exigidos pela Entidade Adjudicante (art. 70.º, nº 2, al. a) e art. 57.º, nº 1, al. b) do CCP), não serão conhecidas. Com efeito, a intervenção dos tribunais é exigida para resolver uma contenda jurídica num determinado caso concreto, para deixar estabelecida uma determinada relação jurídica; não para emitir pronúncia sobre situações apenas existentes conceptualmente, sem relevância para o processo, nem para as partes.

Ora, considerando que vem provado que foi declarada a caducidade da adjudicação em fase de habilitação, com a consequente revogação da decisão de contratar ao abrigo dos artigos 79.º, n.º 1, alínea b), 80.º e 86.º, nºs 2 e 3, do CCP, motivada pela não apresentação dos documentos de habilitação por parte da Contra-interessada, mais concretamente dos certificados de registo criminal de todos os gerentes em exercício de funções, e não vindo por aquela essa decisão impugnada, o recurso nesta parte interposto pela ora Recorrente carece de objecto.

Pelo que não se conhecerá do objecto do recurso quanto às questões relativas ao imputado erro de julgamento acerca da existência de causa(s) de exclusão da proposta da Contra-interessada V............ (conclusões O. a U.).

II.2.3. Da validade da proposta da Recorrente

Vejamos agora do decidido quanto à questão de fundo, tendo presente que foi admitida – e não impugnada – a ampliação da instância ao acto de revogação da decisão de contratar (do que advirá utilidade para a pretensão da Recorrente relativamente à validade da sua proposta).

Alega a Recorrente que a decisão recorrida errou na apreciação efectuada sobre a validade da decisão da Entidade Adjudicante, uma vez que não houve qualquer violação de parâmetros base do caderno de encargos (al. b) do nº 2 do art. 70.º do CCP). Sustenta que na sentença recorrida se confundiu “atributo” com “termo ou condição”.

Considerando que, no caso concreto, a sua proposta foi excluída porque no âmbito das posições G.2. e G.3. (Lote 1) a mesma propôs uma solução de “tubo de vidro” e não de “tubo de plástico”, como previsto no Anexo II do Caderno de Encargos, a ora Recorrente alega que o Júri do concurso deveria ter considerado a existência de um lapso de escrita, passível de correcção oficiosa, ou, caso assim não procedesse, deveria ter-lhe pedido esclarecimentos ao abrigo do artigo 72.º do CCP.

E ao sufragar o entendimento da Demandada, ora Recorrida, a sentença recorrida errou ao não concluir pela violação dos princípios da proporcionalidade, da concorrência e do inquisitório.

Em síntese, sustenta a Recorrente neste ponto que o acto impugnado não adjudicou a proposta que, nos termos da lei, deveria ter sido adjudicada, procedendo a uma errada exclusão da sua proposta, em violação do disposto na al. b) do nº 2 do art. 70.º do CCP, bem como do art. 72.º do mesmo Código. E, nessa sequência, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao assim não ter entendido.

Mas não lhe assiste razão.

No tribunal a quo afirmou-se, neste capítulo, o seguinte:

No caso sub judice a proposta da Autora foi excluída, porque no âmbito das posições G.2. e G.3. (Lote 1) a mesma propôs uma solução de “tubo de vidro” e não de “tubo de plástico”, como previsto no Anexo II do Caderno de Encargos.

Considera a Autora que o Júri do concurso deveria ter considerado um lapso de escrita, passível de correção oficiosa, ou, caso assim não procedesse, deveria ter pedido esclarecimentos à Autora, ao abrigo do artigo 72.º do CCP.

Desde já importa dizer que não assiste razão à Autora quanto aos argumentos expendidos. Pois, ao contrário do que alega a Autora, o Júri do concurso não poderia ter desconsiderado (ou corrigido oficiosamente), e interpretado a proposta da Autora de maneira diversa no que concerne ao tipo de material proposto para as posições G.2. e G.3.

Na verdade, resulta da proposta da Autora que as soluções apresentadas pela mesma para as referidas posições eram tubos de vidro (cfr. alínea F) do probatório), e não tubos de plástico, conforme era exigido no Caderno de Encargos (cfr. alínea E) do probatório).

E, como referem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, Almedina, 2014, pp. 201-202: “O princípio da intangibilidade das propostas (da imutabilidade ou da indisponibilidade das propostas) – (…) é também uma refracção do princípio da concorrência, mais do que da igualdade ou da transparência – é um princípio fundamental da contratação pública e significa que, com a entrega da proposta (e com o termo do prazo para a sua apresentação), o concorrente já não pode alterá-la, ficando vinculado àquilo a que aí se comprometeu e, em caso de adjudicação, a celebrar o contrato concorrido em conformidade com ela.

Não é permitido “mexer” ou alterar propostas integrando, modificando, reduzindo ou aumentando os atributos nela inicialmente apresentados, seja para a tornar conforme aos parâmetros vinculativos constantes das peças do procedimento, seja para a tornar mais competitiva, seja para colmatar omissões suas, sendo irrelevante que a alteração resulte da iniciativa dos interessados ou da iniciativa da entidade adjudicante (ou do respectivo júri).

É esse, do congelamento ou petrificação das propostas, o sentido estrito do princípio da intangibilidade, de elas serem documental e materialmente imodificáveis ou imutáveis e de deverem ser procedimentalmente consideradas e avaliadas nos exactos termos em que foram formuladas e apresentadas”.

Resulta do supra transcrito que, após a apresentação da proposta está vedada a possibilidade de modificar documental e materialmente a sobredita proposta, designadamente dotá-la dos elementos que a mesma não continha.

Acresce que, os esclarecimentos previstos no artigo 72.º do CCP não contemplam a possibilidade do concorrente alterar um parâmetro da sua proposta. Com relevância sobre esta matéria, veja-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 24/11/2016, proferido no Processo n.º 13432/16, disponível em www.dgsi.pt, do qual se transcreve parte do sumário: “(…) IV - Os esclarecimentos às propostas haverão de consistir apenas em informações, explicações destinadas a tornar claro, congruente ou inequívoco um elemento que na proposta estava apresentado ou formulado de forma pouco clara ou menos apreensível, tendo por escopo a melhor compreensão de um qualquer aspeto ou elemento da proposta, não podendo (i) contrariar os elementos constantes dos documentos que as constituem, (ii) alterar ou completar os respetivos atributos, (iii) nem visar suprir omissões que determinem a sua exclusão.”.

Ora, no caso em análise e considerando que a proposta da Autora não continha os atributos exigidos, não cabia ao Júri do concurso pedir quaisquer esclarecimentos.

Pelo exposto, improcedem nesta parte os argumentos da Autora.

Com efeito, ao contrário do que pretendido pela ora Recorrente, o Júri do concurso não poderia ter desconsiderado ou sequer corrigido oficiosamente, a proposta por si apresentada, interpretando-a de modo diverso no que concerne ao tipo de material proposto para as posições G.2. e G.3. É inequívoco que resulta da proposta da Autora e ora Recorrente que as soluções por si apresentadas para as referidas posições eram tubos de vidro (cfr. alínea F) do probatório), e não tubos de plástico, conforme era exigido no Caderno de Encargos (cfr. alínea E) do probatório). O caderno de encargos exigia, pois, uma característica técnica do produto que a ora Recorrente não cumpriu.

Diremos que aqui tem plena aplicação a máxima latina: sibi imputet, si, quod saepius cogitare poterat et evitare, non fecit.

Vejamos porquê.

Não tem fundamento defender que o Júri do concurso deveria ter considerado como “lapso” o material que a Recorrente apresenta na sua proposta - e que que contraria o caderno de encargos - e interpretado que, na verdade, o que esta queria dizer era que os seus produtos (relativamente aos quais apresentou catálogos, especificações técnicas, amostras etc…) afinal eram de outro material de modo a dar cumprimento ao caderno de encargos.

E também não há fundamento para dizer que esses elementos são inócuos e que poderiam nem ser apresentados, bastando, portanto, a declaração de aceitação do caderno de encargos, pois foi o programa de procedimento que os exigiu expressamente. Neste foram solicitados documentos, catálogos e amostras para aferir da compatibilidade dos bens a fornecer com o caderno de encargos.

Ou seja, não era possível ao júri interpretar uma característica técnica de um produto como sendo completamente diversa da que o concorrente propõe. Tal como vem decidido.

Sendo que a invocada correcção de lapsos de cálculo ou de escrita tem outro âmbito e contexto de aplicação. Trata-se da desconsideração de erros palmares ou notórios, onde seja claro o lapso ou gralha da proposta ou onde a vontade do concorrente é notória e o erro da sua declaração é evidente e resulta dos demais elementos da proposta; o que não sucede no caso em presença. É que este suprimento não se mostra aplicável em casos que impliquem a alteração dos pressupostos da proposta no que respeita aos elementos comprovativos dos termos e condições ou atributos da proposta. E nem se está sequer perante uma situação de falta de clareza relativa a um dado aspecto da proposta, foi que o material indicado na proposta vem expressa e devidamente identificando, não oferecendo qualquer dúvida quanto às suas características e composição: tubos de vidro, com determinadas especificações técnicas (cfr. al. F) do probatório).

Com efeito, a actividade administrativa pretendida pela Recorrente levaria, isso sim, à violação do princípio da intangibilidade das propostas, bem como os princípios da concorrência, igualdade e transparência do procedimento.

Como já se decidiu recentemente neste TCA no ac. de 21.02.2019, proc. nº 26/18.8BEBJA, atacando agora a especifica arguição de que o júri não usou da faculdade de pedir esclarecimentos sobre a proposta, concretamente sobre o material efectivamente proposto e a usar na execução do contrato (vidro ou plástico), “[o]s esclarecimentos às propostas haverão de consistir apenas em informações, explicações destinadas a tornar claro, congruente ou inequívoco um elemento que na proposta estava apresentado ou formulado de forma pouco clara ou menos apreensível, tendo por escopo a melhor compreensão de um qualquer aspeto ou elemento da proposta, não podendo (i) contrariar os elementos constantes dos documentos que as constituem, (ii) alterar ou completar os respectivos atributos, (iii) nem visar suprir omissões que determinem a sua exclusão.

O artigo 72º, nº 1, do CCP prevê um desvio, rigoroso, ao princípio da intangibilidade, permitindo que o júri do procedimento possa “pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas”. Mas não permite usar dessa faculdade para sustentar uma alteração da proposta, como se extraí com meridiana clareza do seu nº 2, pois estes esclarecimentos apenas passam a fazer parte integrante das mesmas, “desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respectivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º”.

E quanto aos efeitos a tirar acerca da distinção na sentença de “atributos” ou “termos e condições” da proposta, tal afigura-se, como avançado pela Recorrida, como irrelevante, na medida em que a violação expressa de qualquer deles pela proposta é motivo de exclusão.

A alínea b) do nº 2 do artigo 70.º do CCP determina a exclusão das propostas cuja análise revele que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspectos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência (cfr. Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, 2.ª ed., vol. I, 2018, p. 829). Quer a alínea a) do nº 2 do art. 70.º, quer a al. b) do mesmo nº 2 sancionam com a exclusão das propostas. Ou seja, “estabelece-se a exclusão das propostas cuja análise revele que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos” e “são excluídas as propostas que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspectos de execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência”, sendo que “embora a lei não o diga, o resultado da exclusão deve valer igualmente quando os termos ou condições da proposta violarem aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência” (idem, pp. 829-830). Como ensina o Autor que vimos de citar: “há lugar à exclusão de propostas que apresentem atributos, termos ou condições em violação de condições inderrogáveis do caderno de encargos” (idem, p. 830).

Tal como ensinam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira: “nas situações descritas na alínea b) do artigo 70.º/2 do CCP – como aliás em qualquer outra causa de exclusão onde isso pudesse servir de argumentação -, é irrelevante o facto de o concorrente ter subscrito a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos do anexo I ao CCP ou o facto de, nos termos do artigo 96.º/5, o caderno de encargos prevalecer sobre a proposta quando haja divergência entre eles: se um atributo violar os parâmetros base ou se um termo ou condição violar um limite máximo ou mínimo, a proposta deve ser excluída, não servindo aquela declaração ou prevalência para a legitimar” (cfr. Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, 2011, p. 934). No mesmo sentido decidiu-se já neste TCA, i.a., no acórdão de o ac. 16.03.2017, proc. nº 590/16.6BESNT.

É que aqui, como já se afirmou, vale igualmente o princípio da intangibilidade das propostas. Como se escreveu no ac. do STA de 7.01.2016, proc. nº 1021/15:

XXIX. Este princípio [também denominado de princípio da indisponibilidade ou da imutabilidade da proposta] constitui um dos princípios gerais que importa considerar em matéria da contratação pública, sendo uma refração ou corolário dos princípios da concorrência e da igualdade, e que significa que uma vez apresentada a proposta já não pode a mesma ser posteriormente alterada ou corrigida durante a pendência do procedimento [cfr., nomeadamente, Acs. deste STA de 03.04.2002 - Proc. n.º 277/02, de 19.02.2003 - Proc. n.º 01892/02, de 19.05.2004 - Proc. n.º 0416/04, de 13.01.2011 - Proc. n.º 0839/10, bem como, ainda, os supra citados Acs. deste mesmo Tribunal de 22.03.2011 - Proc. n.º 01042/10, e de 30.01.2013 - Proc. n.º 0878/12 todos consultáveis no mesmo sítio].

XXX. Tal princípio, como é afirmado por Rodrigo Esteves de Oliveira, implica “… que, com a entrega da proposta (e com o termo do prazo para a sua apresentação) o concorrente fica vinculado a ela e, consequentemente, já não a pode retirar nem alterar até que seja proferido o ato de adjudicação ou até que decorra o respetivo prazo de validade” e que “[a]s propostas apresentadas ao procedimento adjudicatório não devem, pois, após o decurso do prazo para a sua apresentação, considerar-se na disponibilidade dos concorrentes, de ninguém, aliás, tornando-se intangíveis, documental ou materialmente”, já que “[a]pós o termo do prazo para a sua apresentação, a proposta, além de não poder ser retirada (efeito de indisponibilidade) - há portanto uma obrigação de manutenção das propostas (art. 65.º do CPP), que só termina com o decurso do prazo de 66 dias, salvo se outro maior estiver estabelecido no programa ou no convite -, não pode ser alterada, tornando-se intangível (efeito de congelamento ou petrificação) …”, pelo que “não é admitido ao concorrente «mexer» ou alterar a proposta, durante a pendência do procedimento, integrando, modificando, reduzindo ou aumentando a pretensão ou a oferta inicialmente apresentada, seja para a tornar conforme aos parâmetros vinculativos constantes das peças do procedimento, seja para a tornar mais competitiva, sendo irrelevante que a alteração resulte da iniciativa dos interessados ou da iniciativa da entidade adjudicante …“ [em “Os princípios gerais da contratação pública” in: “Estudos da Contratação Pública”, tomo I, págs. 76/77/78; cfr., igualmente, sobre esta problemática, Mário Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira in: “Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2011, págs. 201 e segs.].

O princípio da intangibilidade das propostas impõe que com a entrega da proposta o respectivo concorrente fique vinculado à mesma, não a podendo retirar ou alterar até que seja proferido o acto de adjudicação, ou até decorrer o respectivo prazo de validade. Sendo que este princípio apresenta-se como um princípio fundamental dos procedimentos concorrenciais e vale em todos os procedimentos concorrenciais.

Assim, a decisão de exclusão da proposta era aquela que injuntivamente se impunha nos termos da lei, não ofendendo os princípios da concorrência ou do inquisitório, nem, muito menos, o da da proporcionalidade que aqui não tem espaço aplicativo face à violação de norma vinculante do concurso (cfr. neste exacto sentido o ac. deste TCAS de 10.08.2017, proc. nº 1514/16.6BESNT). O contrário levaria à violação do princípio da intangibilidade das propostas.

Decidiu, assim, acertadamente o tribunal a quo quando concluiu pela validade da decisão de exclusão da proposta da ora Recorrente, que no âmbito das posições G.2. e G.3. (Lote 1) propôs uma solução de “tubo de vidro” e não de “tubo de plástico”, como previsto no Anexo II do Caderno de Encargos.

Termos em que, também nesta parte, improcede o recurso.

II.2.4. Da violação do princípio da imparcialidade

Por fim, vejamos se a decisão recorrida errou ao não ter concluído pela subsunção da situação em presença na previsão do art. 73.º, nº 1, al. d) do CPA (violação do princípio da imparcialidade).

Alega a Recorrente que: “V. Errou gravemente o Tribunal a quo quando considerou juridicamente irrelevante o facto de o Presidente do Júri do procedimento ser um antigo funcionário da Recorrente que, à data dos factos aqui em causa, mantinha com a Recorrente um litígio judicial de natureza laboral. // W. É evidente que tal situação resultou numa atuação parcial por parte daquele órgão que utilizou "dois pesos e duas medidas": as clamorosas causas de exclusão na proposta da Contrainteressada foram desconsideradas e o mero lapso que afetava a proposta da Recorrente foi o bastante para conduzir à sua exclusão (e nem sequer suscitar um pedido de esclarecimento).// X. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, existia (e existe),inimizade grave entre o titular do órgão ou agente [Dr. A............] e a pessoa com interesse direto no procedimento, ato ou contrato [F............] - alínea d), do n.º 1,do artigo 73.º do CPA; e, concomitantemente, pendia em juízo ação em que era parte o titular do órgão ou agente [o Dr. A............] e o interessado [a F............] - alínea e), do n.º 1,do artigo 73.º do CPA, existindo circunstâncias perante as quais se podia, com razoabilidade, duvidar seriamente da imparcialidade da sua conduta e decisão.

O tribunal a quo afastou a violação do princípio da imparcialidade, avançando a seguinte fundamentação:

“(…)

Resulta do probatório que, em 21 de março de 2018, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferido acórdão no âmbito do processo n.º 2571/16.0T8PDL.L1, referente aos autos de ação de processo comum n.º 2571/16.0T8PDL, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Ponta Delgada – Juízo do Trabalho, no qual apresentava-se como autor, A............, e como ré, a sociedade “F............, S.A.”, onde se apreciou o fim da relação laboral do autor com aquela sociedade (por rescisão unilateral, em 21 de setembro de 2016, do autor) [cfr. alínea N)].

Assim, atento o número do processo judicial que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Ponta Delgada – Juízo do Trabalho, 2571/16.0T8PDL, é possível concluir que, à data, em que estava em curso o procedimento do concurso n.º …/2016, pendia em juízo uma ação movida pelo Presidente do Júri, A............, contra a sociedade “F............, S.A.”, ora Autora, e então Concorrente n.º 3.

Será que este facto permite por si só concluir que a decisão tomada pelo Júri do concurso é ilegal por violação do princípio da imparcialidade?

Desde já, cumpre referir que, o facto de existir um processo judicial pendente não é suficiente para determinar que há uma situação de inimizade grave. Pois, como é referido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 31/01/2018, proferido no Processo n.º 274/17.8BELSB, disponível em www.dgsi.pt, “II – A verificação da causa de suspeição prevista na alínea d) do nº 1 do art. 73.º do CPTA exige a demonstração da possibilidade séria da afectação da imparcialidade do decisor, por no caso existir uma inimizade grave ou uma situação de grande intimidade.

III – Da prova da existência de meras relações profissionais, ainda que de longa data, não se extraem indícios suficientes que permitam concluir com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade dos membros do júri.”.

Ressalva-se que dimana do probatório que à Autora foram efetuadas adjudicações no âmbito de outros concursos, dos quais fazia parte integrante como Presidente do Júri, o Dr. A............, o que afasta desde logo a imputada “inimizade grave” [cfr. alíneas X) e Y)].

Ademais, importa salientar que a Autora durante a fase administrativa não deduziu suspeição quanto ao Júri do concurso, mais especificamente quanto ao seu Presidente, Dr. A.............

Resulta do probatório que, em sede de Relatório Preliminar, integrava o Júri do concurso, o Dr. A............, a Dra. L............ e a Dra. T............, os quais propuseram a adjudicação do Lote 1 à Autora [cfr. alínea I)].

Mais resulta do probatório que, após o exercício do direito de audiência prévia pela Contrainteressada, foi elaborado Relatório Final, pelo Júri do concurso, constituído pela Dra. L............ (em substituição do Presidente, Dr. A............), Dra. T............ e Eng.ª R............, tendo sido proposta a exclusão da proposta da Autora, e a adjudicação do Lote 1 à Contrainteressada [cfr. alínea K)].

Na verdade, sendo o Júri um órgão colegial, constituído por três elementos, as decisões tomadas por unanimidade, e considerando que na reunião do Júri que propôs a exclusão da proposta da Autora não participou o elemento sobre o qual a Autora levanta suspeição, não se vislumbra qualquer atuação parcial do Júri do concurso, merecedora de ser considerada violadora do princípio da imparcialidade, previsto no artigo 9.º do CPA, nem do disposto nas alíneas d) e e), do n.º 1, do artigo 73.º do CPA.

Pelo exposto, improcedem também, nesta parte, os argumentos expendidos pela Autora.

Apreciando, temos que o artigo 9.º do CPA, sob a epígrafe “[p]rincípio da imparcialidade”, estabelece que:

A Administração Pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação, designadamente, considerando com objetividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção.

E acerca das garantias de imparcialidade dispõe o art. 69.º do Código do Procedimento Administrativo, sob a epígrafe “[c]asos de impedimento”:

1 - Salvo o disposto no n.º 2, os titulares de órgãos da Administração Pública e os respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos, não podem intervir em procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública, nos seguintes casos:

a) Quando nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa;

b) Quando, por si ou como representantes ou gestores de negócios de outra pessoa, nele tenham interesse o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, algum parente ou afim em linha reta ou até ao segundo grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem vivam em economia comum ou com a qual tenham uma relação de adoção, tutela ou apadrinhamento civil;

c) Quando, por si ou como representantes ou gestores de negócios de outra pessoa, tenham interesse em questão semelhante à que deva ser decidida, ou quando tal situação se verifique em relação a pessoa abrangida pela alínea anterior;

d) Quanto tenham intervindo no procedimento como perito ou mandatário ou hajam dado parecer sobre questão a resolver;

e) Quando tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatário o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, parente ou afim em linha reta ou até ao segundo grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem vivam em economia comum ou com a qual tenham uma relação de adoção, tutela ou apadrinhamento civil;

f) Quando se trate de recurso de decisão proferida por si, ou com a sua intervenção, ou proferida por qualquer das pessoas referidas na alínea b) ou com intervenção destas.

2 - Excluem-se do disposto no número anterior:

a) As intervenções que se traduzam em atos de mero expediente, designadamente atos certificativos;

b) A emissão de parecer, na qualidade de membro do órgão colegial competente para a decisão final, quando tal formalidade seja requerida pelas normas aplicáveis;

c) A pronúncia do autor do ato recorrido, nos termos do n.º 2 do artigo 195.º

3 - Sob pena das sanções cominadas pelos n.os 1 e 3 do artigo 76.º, não pode haver lugar, no âmbito do procedimento administrativo, à prestação de serviços de consultoria, ou outros, a favor do responsável pela respetiva direção ou de quaisquer sujeitos públicos da relação jurídica procedimental, por parte de entidades relativamente às quais se verifique qualquer das situações previstas no n.º 1, ou que hajam prestado serviços, há menos de três anos, a qualquer dos sujeitos privados participantes na relação jurídica procedimental.

4 - As entidades prestadoras de serviços no âmbito de um procedimento devem juntar uma declaração de que se não encontram abrangidas pela previsão do número anterior.

5 - Sempre que a situação de incompatibilidade prevista no n.º 3 ocorrer já após o início do procedimento, deve a entidade prestadora de serviços comunicar desde logo o facto ao responsável pela direção do procedimento e cessar toda a sua atividade relacionada com o mesmo.

E o art. 73.º, a propósito dos fundamentos da escusa e suspeição, dispõe:

1 - Os titulares de órgãos da Administração Pública e respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos devem pedir dispensa de intervir no procedimento ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública quando ocorra circunstância pela qual se possa com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade da sua conduta ou decisão e, designadamente:

a) Quando, por si ou como representante ou gestor de negócios de outra pessoa, nele tenha interesse parente ou afim em linha reta ou até ao terceiro grau da linha colateral, ou tutelado ou curatelado dele, do seu cônjuge ou de pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges;

b) Quando o titular do órgão ou agente, o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, ou algum parente ou afim na linha reta, for credor ou devedor de pessoa singular ou coletiva com interesse direto no procedimento, ato ou contrato;

c) Quando tenha havido lugar ao recebimento de dádivas, antes ou depois de instaurado o procedimento, pelo titular do órgão ou agente, seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, parente ou afim na linha reta;

d) Se houver inimizade grave ou grande intimidade entre o titular do órgão ou agente, ou o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, e a pessoa com interesse direto no procedimento, ato ou contrato;

e) Quando penda em juízo ação em que sejam parte o titular do órgão ou agente, o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, parente em linha reta ou pessoa com quem viva em economia comum, de um lado, e, do outro, o interessado, o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, parente em linha reta ou pessoa com quem viva em economia comum.

2 - Com fundamento semelhante, pode qualquer interessado na relação jurídica procedimental deduzir suspeição quanto a titulares de órgãos da Administração Pública, respetivos agentes ou outras entidades no exercício de poderes públicos que intervenham no procedimento, ato ou contrato.

Em causa estará o fundamento de suspeição previsto neste nº 1, alínea d); ou seja a inimizade grave.

Sendo que, nos termos do disposto no art. 76.º, n.º 4, do CPA:

4 - A falta ou decisão negativa sobre a dedução da suspeição não prejudica a invocação da anulabilidade dos atos praticados ou dos contratos celebrados, quando do conjunto das circunstâncias do caso concreto resulte a razoabilidade de dúvida séria sobre a imparcialidade da atuação do órgão, revelada na direção do procedimento, na prática de atos preparatórios relevantes para o sentido da decisão ou na própria tomada da decisão.

Por sua vez o actual CCP consagra este princípio no seu art. 1.º-A:

1 - Na formação e na execução dos contratos públicos devem ser respeitados os princípios gerais decorrentes da Constituição, dos Tratados da União Europeia e do Código do Procedimento Administrativo, em especial os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da imparcialidade, da proporcionalidade, da boa-fé, da tutela da confiança, da sustentabilidade e da responsabilidade, bem como os princípios da concorrência, da publicidade e da transparência, da igualdade de tratamento e da não-discriminação.

2 - As entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional.

3 - Sem prejuízo da aplicação das garantias de imparcialidade previstas no Código do Procedimento Administrativo, as entidades adjudicantes devem adotar as medidas adequadas para impedir, identificar e resolver eficazmente os conflitos de interesses que surjam na condução dos procedimentos de formação de contratos públicos, de modo a evitar qualquer distorção da concorrência e garantir a igualdade de tratamento dos operadores económicos.

4 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se conflito de interesses qualquer situação em que o dirigente ou o trabalhador de uma entidade adjudicante ou de um prestador de serviços que age em nome da entidade adjudicante, que participe na preparação e na condução do procedimento de formação de contrato público ou que possa influenciar os resultados do mesmo, tem direta ou indiretamente um interesse financeiro, económico ou outro interesse pessoal suscetível de comprometer a sua imparcialidade e independência no contexto do referido procedimento.

Vejamos então, sendo que não vem alegada a existência de conflito de interesses (apenas o fundamento de suspeição previsto neste nº 1, alínea d) e consequências daí advenientes);

O princípio da imparcialidade administrativa impõe que a Administração Pública actue de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses que estejam em confronto prosseguindo apenas o interesse público e abstendo-se de ter em conta outros interesses, seja de quem for e de que natureza forem.

E esta dimensão da imparcialidade “está ligada a uma postura da Administração, com uma natureza instrumental e de garantia da objectividade final” (cfr. Mário Esteves de Oliveira e Outros, Código de Procedimento Administrativo Anotado, 1997, p. 107).

Como se esclarece no acórdão do STJ de 22.01.2019, proc. nº 77/18.2YFLSB:

I - Os motivos de suspeição pressupõem seriedade e gravidade adequadas a gerar dúvidas sobre a imparcialidade da intervenção no acto do órgão ou do seu agente, pelo que só poderão ser aceites quando assumam tal natureza, devendo ser encarados na dupla perspectiva da imparcialidade subjectiva e da imparcialidade objectiva. Na garantia da imparcialidade objectiva, sobreleva a compreensão externa sobre a aparência de correcção da actuação da Administração, não pela impressão subjectiva do destinatário da actuação quanto ao risco de algum prejuízo ou preconceito existente contra si, mas, antes, por motivos relevantes e que, pelo lado também de um homem médio, objectivamente, possam ser encarados com desconfiança, por poderem ser vistos, externamente, como susceptíveis de afectar, na aparência, a garantia da boa actuação da Administração.

II - Assim, em abstracto, é susceptível de gerar a aparência de uma incorrecta actuação da administração a expressão pública pelo agente do respectivo órgão de uma qualquer convicção pré-adquirida sobre a conduta do particular visado pelo acto administrativo, formada à margem ou independentemente dos dados fornecidos pelo próprio procedimento destinado à formação da concernente decisão.

III - No caso, não vem alegado facto algum tendente a demonstrar que a participação do membro do CSM na deliberação ora impugnada foi enfermada por qualquer eventual convicção pré-adquirida sobre a sua conduta nas circunstâncias em que o mesmo terá exprimido de forma pública, «em diversos meios de comunicação social», «o seu entendimento sobre a matéria dos autos» e, mesmo que se admitisse, em tese, que essa participação, objectivamente valorada, pudesse estar inquinada por uma convicção pré-adquirida, ainda assim, o autor não teria fornecido o mais leve indício de que a eventual contaminação desse contributo tivesse tido qualquer efeito de relevante contágio para a formação de uma deliberação que foi tomada unanimemente pelo amplo colégio que forma o CSM.

Importa ainda reter que em relação a estes pressupostos da escusa e suspeição a avaliação do seu preenchimento terá que efectuar-se também por recurso à cláusula geral do corpo do artigo, no sentido de daí se poder extrair uma dúvida “séria” acerca da “imparcialidade da sua conduta ou decisão”. Por outro lado, terá igualmente que considerar-se que o legislador não se bastou com a existência de meros indícios de inimizade ou de intimidade, uma vez que o tatbestand da norma exige que a inimizade seja “grave” (e que a intimidade seja “grande”).

Ou seja, a verificação da causa de suspeição prevista na alínea d) do nº 1 do art. 73.º do CPTA exige a demonstração da possibilidade séria da afectação da imparcialidade do decisor, por no caso existir uma inimizade grave ou uma situação de grande intimidade.

E a violação do princípio da imparcialidade consagrado no n.° 2, do artigo 266.° da CRP e também no artigo 9.° do CPA (anteriormente no art. 6.º), se não está dependente da prova de concretas actuações parciais, não dispensa a demonstração de que uma determinada conduta faz perigar as garantias de isenção, de transparência e de imparcialidade (cfr., neste sentido, o ac. deste TCA de 31.01.2018, proc. nº 274/17.8BELSB, por nós relatado).

Ora, no caso em presença, considerando o probatório fixado, não se extraem indícios suficientes que permitam concluir com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade desse membro do júri. Ónus esse que recaia sobre a A. e ora Recorrente de acordo com as regras gerais de repartição do ónus da prova.

Note-se, o que não é sequer colocado em causa pela ora Recorrente, que resulta do probatório que à A. foram efectuadas outras adjudicações no âmbito de outros concursos deste contemporâneos e dos quais fazia parte integrante o mesmo Presidente do Júri. Isto para além de que o Relatório final foi elaborado pelo Júri do concurso com a participação de um outro elemento – Dra. L............ - em substituição daquele. Ou seja, o comportamento do júri evidenciado nos autos não permite minimamente indiciar que a A. e ora Recorrente tenha sido alvo de um tratamento parcial.

Termos em que, claudicando igualmente aqui as conclusões de recurso, improcede o mesmo na totalidade.



III. Conclusões

Sumariando:

i) O valor da causa é a quantia equivalente à vantagem de natureza material, passível de avaliação pecuniária – o potencial benefício económico nos termos do art. 17º, n.º 4, do CCP -, que a Recorrente pretende obter, a qual se traduz no valor da proposta que apresentou no âmbito do procedimento concursal em causa.

ii) Há lugar à exclusão de propostas que apresentem atributos, termos ou condições em violação de condições inderrogáveis do caderno de encargos (art. 70.º, n.º 2, al.s a) e b) do CCP).

iii) Os esclarecimentos às propostas apenas se poderão consubstanciar em informações e/ou explicações destinadas a tornar claro, congruente ou inequívoco um elemento que na proposta estava apresentado ou formulado de forma pouco clara ou menos apreensível, tendo por escopo a melhor compreensão de um qualquer aspecto ou elemento da proposta, não podendo (i) contrariar os elementos constantes dos documentos que as constituem, (ii) alterar ou completar os respectivos atributos, (iii) nem visar suprir omissões que determinem a sua exclusão.

iv) Não merece censura a sentença que julgou válida a decisão de exclusão da proposta da ora Recorrente que, no âmbito das posições G.2. e G.3. (Lote 1) postas a concurso, propôs uma solução de “tubo de vidro” e não de “tubo de plástico”, como previsto no Anexo II do Caderno de Encargos.

v) A violação do princípio da imparcialidade consagrado no n.° 2 do artigo 266.° da CRP e também no artigo 9.° do CPA e no art. 1.º-A, nº 1, do CCP, se não está dependente da prova de concretas actuações parciais, não dispensa a demonstração de que uma determinada conduta faz perigar as garantias de isenção, de transparência e de imparcialidade.

vi) A mera prova da existência de um litígio judicial pendente entre a sociedade A. e ora Recorrente e o presidente do júri do concurso em causa, não se extraem indícios suficientes que permitam concluir, com razoabilidade, duvidar seriamente da imparcialidade desse membro do júri, tanto mais quando se provou não só que à A. foram efectuadas adjudicações no âmbito de outros concursos deste contemporâneos, dos quais fazia parte integrante o mesmo Presidente do Júri, como que o Relatório final foi elaborado pelo Júri do concurso com a participação de um outro elemento em substituição daquele.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Não conhecer do objecto do recurso quanto às questões relativas à existência de causas de exclusão da proposta da Contra-interessada V............ (conclusões O. a U.); e, quanto ao mais,

- Negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 19 de Junho de 2019



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Pedro Marchão Marques


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Alda Nunes


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José Gomes Correia