Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1165/12.4BESNT
Secção:CA - 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/24/2018
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA EXTINTIVA DE PRESCRIÇÃO
ERRO NA FIXAÇÃO DA DATA DE ENTRADA DA PI POR O DIES A QUO DO PRAZO PARA A CONTAGEM DA PRESCRIÇÃO DEVER SER 22 DE DEZEMBRO DE 2009, O DA ENTRADA EM VIGOR DO DEC.- LEI N° 307/2009 DE 23 DE OUTUBRO E NÃO O DA SUA PUBLICAÇÃO
Sumário:I) - O pomo da discórdia levantado nos autos enraíza nas regras do cômputo do prazo prescricional, apoiando o recorrente a tese de que tem o seu início não na data da publicação do diploma legal- Decreto-Lei n° 307/2009, em 23 de Outubro, mas da data da entrada em vigor desse diploma legal cuja vacatio legis era de 60 dias, pelo que o que está em causa é saber qual a data do termo inicial, para contagem do prazo da prescrição do invocado direito à indemnização, resultante de uma determinada lei, considerada ilícita.

II) - O âmbito de protecção do artº 22° da CRP abrange igualmente a responsabilidade do «Estado legislador» por actos ilícitos, apesar de alguns defenderem a irresponsabilidade do Estado com o argumento de a disciplina da lei ser geral e abstracta; todavia, algumas leis «declaradas» ou «julgadas» inconstitucionais podem ter originado violação de direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para os cidadãos e outras, portadoras de características de lei -medida são leis self executing, podendo ter gerado prejuízos relevantes aos cidadãos.

III) - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, artigo 483.°, n.°1 do Código Civil, que exige a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: o facto, constituído por um comportamento voluntário, que pode revestir a forma de acção ou omissão; a ilicitude, advinda da ofensa de terceiros ou disposições legais emitidas com vista à protecção de interesses alheios; a culpa, nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ao lesante; o prejuízo ou dano; e o nexo de causalidade entre o dano e o facto, apurado de acordo com a teoria da causalidade adequada.

IV) - Segundo o disposto no art. 5° do Cód. Civil a lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial e entre a publicação e a vigência decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou, na falta de fixação, o que for determinado em legislação especial, pelo que com a publicação da lei ela se torna obrigatória podendo, no entanto a sua eficácia ser diferida e, portanto, ocorrer em outro momento que é aquele em que na própria lei se marca a sua entrada em vigor.

V) - Apontando a recorrente que assenta a sua intenção indemnizatória no disposto no art. 15° n°1 da Lei n° 67/2007, de 31 de Dezembro, ou seja, num acto legislativo ilícito (Dec.-Lei n° 307/2009, de 23 de Outubro) que, na sua tese, foi produtor de danos anormais e que resultou da sua aprovação em Conselho de Ministros em 3 de Setembro de 2009, foi promulgado pelo Governo em 16.10.2009, e referendado pelo Presidente da República em 21.10.2009 e foi do conhecimento da A. com a sua publicação como ela reconhece não só no petitório, como nas alegações do presente recurso, é pacífico que a responsabilidade civil extracontratual do Estado, prescreve no prazo de três anos, contados a partir do conhecimento do facto danoso, independentemente de serem conhecidos a extensão dos seus efeitos (cfr. art. 498°, do Cód. Civil, aplicável por força do art. 5° da LRCE, aprovada pela Lei n° 67/2007 de 31 de Dezembro) e só se interrompe com a citação do R. (cfr. art.323° n° 1 do Cód. Civ.).

VI) – Assim, a A. não podia alegar, o desconhecimento do conteúdo do acto a partir da sua publicação que aconteceu em 23.10.2009, e dos efeitos patrimoniais, que o mesmo eventualmente teria na sua esfera jurídica (bens da própria associação e que constituem o seu património) e na esfera jurídica dos seus associados.

VII) – Tratando-se até de matéria que, por versar sobre matéria da competência reservada, mas não exclusiva da A.R., o diploma legal em causa foi elaborado e aprovado pelo Governo, ao abrigo da autorização legislativa conferida pela Assembleia da República, no âmbito da Lei nº 95-A/2009, de 2 de Setembro, em cujos art.2°, n°1, als. b); j) e i), se instituem os deveres legais de proceder a obras, sob pena de expropriação, venda ou arrendamento forçado, posteriormente transbordados para os arts. 55°, 61 ° n°2 e 62° Dec-Lei n° 307/2009, de 23 de Outubro.

VIII) - Neste conspecto e perante a hierarquia dos diplomas legais referidos, mormente pelo conteúdo da Lei autorizativa, publicada em 2 de Setembro de 2009, somos levados a concluir que a A. e ora recorrente tinha forçosamente de ter conhecimento que sofreria os danos que ora invoca, logo que fosse publicada pelo Governo, a legislação que necessariamente verteria, sob pena de inconstitucionalidade orgânica, o conteúdo de tal lei de valor reforçado. Embora seja certo que a lei autorizativa não produz de efeitos externos dada a sua natureza de acto político-legislativo, que só produz efeitos nas relações entre órgãos de soberania e, por isso, a A. não poderia deduzir o pedido de indemnização civil por referência à mesma embora só podendo afirmar-se que desde 2.09.2009 que teve conhecimento que iria ser aprovado um acto legislativo que se apresentava, na linha da sua tese, como um facto político/ legislativo ilícito e danoso.

IX) – Donde se impusesse concluir que, com a publicação do diploma, a A. ficou a conhecer o acto legislativo ilícito e a produção de danos que o mesmo acarretaria na sua esfera e o facto de a referida lei só ter entrado em vigor, 60 dias depois, por ser esse o prazo da vacatio legis nela previsto, isso só influi no conhecimento da extensão dos danos e não contende com o conhecimento da produção dos danos.

X) – E o facto de o diploma poder vir a ser alterado e revogado antes da sua entrada em vigor, e de, assim, não ser produtor de danos, para além de ser meramente hipotético, configuraria uma alteração legislativa, que, hipoteticamente, originaria ou uma alteração da extensão dos danos, ou mesmo a extinção do direito indemnizatório da A.

XI) – E também não aceita a tese do dano continuado sustentada pela recorrente ancorada em que o prazo prescricional só começa a correr após o termo da actuação legislativa ilícita, que na sua versão só cessaria com a entrada em vigor com a Lei n° 31/2012, de 14 de Agosto (leis atinentes ao contrato de arrendamento, em especial no segmento em que se firma os limites à actualização das rendas e estabelece a renovação automática dos contratos de arrendamento).

XII) - No artº 2º da Lei nº 67/2007, de 31/12, que aprovou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais entidades Públicas (doravante RRCEE), a mens legis é, inequivocamente, a de uniformizar os princípios e as normas da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos que desenvolvem a função administrativa, sem prejuízo do recurso subsidiário ao instituto transversal da responsabilidade civil, quanto aos seus elementos constitutivos e, bem assim, aos conceitos de danos patrimoniais e não patrimoniais e danos futuros como se expressa no artigo 3° nº 3 do RRCEE, sendo que existem expressas remissões feitas pela Lei para o Código Civil como é o caso dos artigos 5° (quanto à prescrição do direito à indemnização) e 10° nº4 (quanto ao apuramento do grau de culpa).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo (1.ª Secção-2º Juízo) do Tribunal Central Administrativo:

1. A....., m.i. nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Sintra, proferida no âmbito dos autos de acção comum com processo ordinário que interpôs contra o ESTADO PORTUGUÊS que julgou verificada a excepção peremptória da prescrição extintiva do direito da Autora e, em consequência, absolveu o Réu de todos os pedidos indemnizatórios deduzidos pela Autora

Para tanto, alegou, formulando as seguintes conclusões:

“a) No n.º 7 da matéria julgada como provada, apenas na parte em que a douta sentença afirma que "A presente acção deu entrada neste Tribunal em 23/10/2012..." trata-se certamente de um lapso de escrita, na medida em que a acção deu entrada a 22/10/2013;
b) Por motivos que se desconhecem, apesar da acção ter dado entrada a 22/10/2013, o R. ESTADO foi citado apenas no dia 27/11/2012;
c) O direito de indemnização, invocado pela Autora, ora Apelante, como pedido de condenação do Estado Português em responsabilidade civil extracontratual prescreve no prazo de três anos, conforme o art. 498º do Código Civil por remissão do art. 5º da Lei 67/2007 de 31/12.
d) O facto só se torna danoso quando o dano efectivamente se produz, conforme o art. 498º do Código Civil, ou seja, quando o Decreto-Lei 307/209 de 23 de Outubro, entra efectivamente em vigor.
e) Nos termos do art. 498º do Código Civil o dano só se concretiza com a entrada em vigor do Decreto-Lei 307/209 de 23 de Outubro;
f) Apenas, com a publicação do Decreto-Lei 307/2009 de 23 de Outubro, o dano não se verifica, podendo inclusive o Diploma poder vir a ser alterado ou revogado antes da sua entrada em vigor, nunca se sabendo aquando da publicação, se efectivamente o mesmo alguma vez chegará a entrar em vigor.
g) Dispõe o art.º 84.º, do Decreto-Lei 307/209 de 23 de Outubro, que o referido diploma apenas entrou em vigor 60 dias após a data da sua publicação, ou seja, o Decreto-Lei 307/209 de 23 de Outubro, entrou em vigor no dia 22 de Dezembro de 2009;
h) A Douta Sentença de primeira instância, considerou que se verificou a prescrição do direito da Apelante por terem ocorrido mais de três anos desde a data da publicação e não da entrada em vigor do Decreto-Lei 307/2009.
Pelo exposto,
Deverá ser dado provimento ao presente recurso de Apelação e, consequentemente, revogada a Douta Sentença recorrida, considerando-se que o prazo de prescrição de três anos se conta a partir da concretização do dano, ou seja a contar da data de entrada em vigor do Decreto-Lei 307/209 de 23 de Outubro, como é de Justiça.”

A recorrida contra –alegou formulando as conclusões seguintes:

“1°- Que a sentença não padece de nenhum erro material na fixação do facto, respeitante à data da entrada da presente acção.
2°- O termo inicial do prazo a partir do qual se conta prazo prescricional é o da publicação do diploma legal da reabilitação urbana, e não o da sua entrada em vigor.
3°- Os invocados prejuízos decorrentes de actos legislativo dito ilícito é do conhecimento do A. desde a publicação, embora os alegados prejuízos só se venham a repercutir em concreto na sua esfera jurídica em momento posterior à da sua entrada em vigor.
4°- Nos actos ilícitos, nomeadamente nos legislativos, cuja produção de danos é continuada, o termo inicial relevante para a contagem do prazo prescricional é a data da publicação donde advém o conhecimento do dano, e não o do terminus desse mesmo dano.
O presente recurso ser julgado totalmente improcedente, e a decisão do Tribunal a Quo. deve ser mantida nos seus precisos termos e na integra.
Justiça...!”
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2.- DA FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Dos Factos

Na sentença recorrida e com interesse para a decisão da causa, julgaram-se provados os seguintes factos:

1. A Autora é uma Associação destinada à defesa dos proprietários de imóveis, e que detém um Conselho Consultivo, que emite Pareceres e Propostas de Regulamentação aplicáveis ao sector imobiliário e, nessa qualidade, intervém frequentemente em sede de audição prévia na elaboração dos diplomas legais que interferem na esfera jurídica dos seus associados, como é do conhecimento público e consta do art° 43° n° 1 al b) dos seus ESTATUTOS.
2. A Autora é apoiada no exercício das suas funções por colaboradores, nomeadamente, advogados, solicitadores, engenheiros, assessores fiscais, de seguros, de imprensa, e outros - conforme resulta do art° 44° dos seus estatutos.
3. A Autora A..... propôs a presente acção administrativa comum de responsabilidade civil extracontratual, pedindo a condenação do Estado Português no pagamento, a título de danos patrimoniais, de uma indemnização:
a) No valor líquido de €52 169,17, correspondente ao diferencial das rendas por si efectivamente cobradas ao abrigo das diversas disposições legais que fixaram os índices da Actualização das rendas, e o valor que teria cobrado, se o valor de actualização das rendas não tivesse sido fixado por via legal, e fossem fixadas de acordo com o valor de mercado.
b) Acrescido a tal valor ilíquido, de €380,00 por cada mês, devido durante o período que media a citação no âmbito da presente a acção, ocorrida em 27.11.2012, e a entrada em vigor na ordem jurídica portuguesa de legislação que permita à autora actualizar a renda do seu locado para o seu valor de mercado - resulta da p.i.
4. A causa de pedir é consubstanciada, sobretudo, na aprovação e entrada em vigor do Dec-Lei n° 307/2009, de 23 de Outubro - Reabilitação Urbana, que segundo alega, contém dispositivos ilegais, a saber os arts. 55°, 61° n°2 e 62°, todos eles feridos de inconstitucionalidade, por violação do disposto no art° 62° n°1 da CRP e art° 1° do Protocolo I Adicional à "Convenção Europeia dos Direitos do Homem", mas também na legislação anterior do arrendamento urbano, em geral, que a impediu de realizar obras no locado, por força da renovação automática do contrato e do "congelamento" de rendas - resulta da p.i.
5. A A. teve conhecimento do conteúdo do Dec.- Lei n° 307/2009, a partir de 23 de Outubro de 2009, data da sua publicação em Diário da República - facto admitido
6. Tal diploma legal foi elaborado e aprovado pelo Governo, ao abrigo da autorização legislativa dada pela Assembleia da República, no âmbito da Lei n° 95-A/2009, de 2 de Setembro (por se tratar de matéria da competência reservada, mas não exclusiva da A.R.) onde no seu art° 2°, n°1, als. b), j) e i), se estabelecem os referidos deveres legais de proceder a obras, sob pena de expropriação, venda ou arrendamento forçado, posteriormente vertidos nos arts. 55°, 61° n°2 e 62° Dec-Lei n° 307/2009, de 23 de Outubro.
7. A presente acção deu entrada neste Tribunal em 23/10/2012 e não foi pedida citação prévia - resulta dos autos.
8. O R. ESTADO foi citado no dia 27/11/2012 - resulta dos autos.

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Motivação:
A Motivação da Decisão de Facto fundamentou-se nas alegações das partes e nos documentos juntos nos autos.

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2.2. - Do Direito

Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objectivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas) - v.g. artigos 635º e 639 do NCPC, «ex vi» do artigo 1º do CPTA.
Atentas as conclusões de recurso, que delimitam o seu objecto, a questão decidenda passa, por determinar se a sentença incorreu em erro de julgamento ou de interpretação ao considerar procedente a excepção peremptória extintiva de prescrição alegada pela A....., absolvendo o Réu Estado do pedido no que tange à fixação do início do prazo de prescrição na data da publicação do Dec.- Lei n° 307/2009 de 23 de Outubro recorreu, no pressuposto de que a causa de pedir na presente acção é consubstanciada fundamentalmente na aprovação e entrada em vigor do referido diploma o qual contem disposições que padecem de inconstitucionalidade a saber, os arts. 55.°, 61° n° 2 e 62º, por violação do disposto no artº. 62°n°1 da CRP e do art. 1° do Protocolo l Adicional à " Convenção Europeia dos Direitos do Homem", mas também na legislação anterior do arrendamento urbano.
A recorrente sustenta ainda que ocorre erro da fixação da data de entrada da PI por o dies a quo do prazo para a contagem da prescrição deve ser 22 de Dezembro de 2009, o da entrada em vigor do citado Dec-Lei e não o da sua publicação, cometendo-se um erro de julgamento sobre a matéria de facto ao fixar-se o dia 23.10.2012 como sendo o da entrada da PI., quando esta entrada em 22.10.2013.
Adversamente, entende a sentença e o recorrente Estado.
Quid juris?

Do erro de julgamento sobre a matéria de facto

Nas conclusões a) e b) insurge-se a recorrente contra o facto de no n.º 7 da matéria julgada como provada, se ter consignado que "A presente acção deu entrada neste Tribunal em 23/10/2012..." pois se trata de um lapso de escrita, na medida em que a acção deu entrada a 22/10/2013.
Mais aduz que, por motivos que se desconhecem, apesar de a acção ter dado entrada a 22/10/2013, o R. Estado foi citado apenas no dia 27/11/2012.
O certo é que, manuseando atentamente os autos, averiguamos que o comprovativo de entrega da petição inicial foi operado através do n° de registo 174225, com data de 23.10.2012, data que também se apresenta no carimbo de entrada assinada pelo secretário de justiça.
Do que vem dito, resulta que inexiste o apontado lapso de escrita, na fixação de tal data como foi levado ao ponto n°7 da matéria de facto dada como provada, nada havendo a emendar.
Ademais e como demonstra o recorrido nas suas contra-alegações e está objectivado nos autos, o processo tem o n° 1165/12.4BESNT (cfr. fls. 2), o que significa que a P.I. deu entrada no ano de 2012, e não de 2013, sendo certo que o dia do mês em que deu entrada foi 23 e não 22, conforme alega a recorrente.
Quanto aos motivos por que, apesar de a acção ter dado entrada a 22/10/2013, o R. Estado ter sido apenas no dia 27/11/2012 (cfr. fls. 84), dos autos não se antolham as razões, sendo que sobre elas a recorrente não aponta nenhuma pista e, segundo o brocardo latino “quod non est in actiis non est in mundo", pelo que nenhum relevo assume tal alegação para a decisão da causa, mormente para a alteração da factualidade levada ao probatório pelo julgador.
Improcede, pois, o procedente o recurso no que tange ao fundamento sob análise.

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Do erro de julgamento sobre a contagem do prazo prescricional

No ponto, afirma a recorrente [vide conclusões b) a h)] que o direito de indemnização, invocado pela Autora, ora Apelante, como pedido de condenação do Estado Português em responsabilidade civil extracontratual prescreve no prazo de três anos, nos termos do art. 498º do Código Civil por remissão do art. 5º da Lei 67/2007 de 31/12, uma vez que o facto só se torna danoso quando o dano efectivamente se produz, conforme o art. 498º do Código Civil, ou seja, quando o Decreto-Lei 307/209 de 23 de Outubro, entra efectivamente em vigor, nos termos ainda do art. 498º do Código Civil o dano só se concretiza com a entrada em vigor do Decreto-Lei 307/209 de 23 de Outubro. Assim, apenas, com a publicação do Decreto-Lei 307/2009 de 23 de Outubro, o dano não se verifica, podendo inclusive o Diploma poder vir a ser alterado ou revogado antes da sua entrada em vigor, nunca se sabendo aquando da publicação, se efectivamente o mesmo alguma vez chegará a entrar em vigor, acrescendo que do art.º 84.º, do Decreto-Lei 307/209 de 23 de Outubro decorre que este diploma apenas entrou em vigor 60 dias após a data da sua publicação, ou seja, o Decreto-Lei 307/209 de 23 de Outubro, entrou em vigor no dia 22 de Dezembro de 2009.
Daí que a sentença enferme de erro de julgamento sobre a matéria de direito cometido na interpretação e aplicação de tais normas, o que inquinou a solução jurídica segundo a qual se verificou a prescrição do direito da Apelante por terem ocorrido mais de três anos desde a data da publicação e não da entrada em vigor do Decreto-Lei 307/2009.
Em suma: segundo esgrime a recorrente, o cômputo do prazo prescricional tem o seu início não na data da publicação do diploma legal- Dec-Lei n° 307/2009, em 23 de Outubro, mas da data da entrada em vigor desse diploma legal cuja vacatio legis era de 60 dias pelo que o que está em causa é saber qual a data do termo inicial, para contagem do prazo da prescrição do invocado direito à indemnização, resultante de uma determinada lei, considerada ilícita.
Na sentença recorrida foi decretada a prescrição dos direitos indemnizatórios que a Autora pretendia fazer valer nesta acção com base no seguinte discurso jurídico.

“Na presente acção a Autora formula o pedido de condenação do Estado Português a pagar-lhe uma indemnização por alegados prejuízos patrimoniais, passados e futuros, decorrentes -segundo alega - de legislação de arrendamento urbano (cf. n° 3 e 4 do probatório).
O direito de indemnização, invocado em responsabilidade civil extracontratual prescreve no prazo de três anos previsto no n°1 do art° 498° do Código Civil, aplicável por força da remissão do art° 5° da Lei n° 67/2007, 31/12.
E nos termos do art° 323° n°1 do Código Civil, “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprime, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o seu direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente".
Esse prazo de três anos conta-se a partir da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito de indemnização, isto é, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu, (…) Por outro lado, é indiferente, para o efeito que o lesado desconheça ainda a identidade do lesante ou a extensão integral do dano.
In casu, á causa de pedir dos pedidos indemnizatórios apontada pela Autora consubstancia-se no DL n° 307/2009, publicado em 23/10 (cf. n° 4 do probatório), sendo que, a Autora é uma Associação assessorada de profissionais especializados e conhecedora dos direitos que lhe assistiam e que deveriam atempadamente, ter sido exercidos (cf. n° 2 do probatório).
Além disso, a Autora imputa ao Estado a ilicitude das leis que fixaram os limites de actualização das rendas, que impuseram a renovação automática dos contratos de arrendamento e que, segundo alega, não lhe possibilitou auferir rendimentos suficientes que lhe permitisse custear obras no locado (desde a Lei n° 46/85, 20/09 e subsequentes Portarias até à Lei n° 321-B/O, 15/10, conforme alega nos artigos 7° e 45° da p.i.).
A prescrição é o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não exercitados durante certo tempo fixado na lei (cf. Manuel de Andrade, " Teoria Geral da Relação Jurídica", vol II, pg 445 da 3a reimpressão).
In casu, verifica-se a prescrição do direito da Autora, por ter ocorrido mais de três anos desde a data do conhecimento dos factos até à citação do Réu (cf. n°5 e 8 do probatório).
A prescrição extintiva do direito do Autor é excepção peremptória que determina a improcedência total do pedido e importa a absolvição da Entidade Demandada (artigos 487° n° 2 e 493° n° 2 CPC, aplicáveis por força do disposto no art° 1° CPTA).”

Adiante-se, desde já, que nenhuma censura nos merece o assim fundamentado e decidido.

Sobre esta questão começaremos por tecer algumas considerações teórico -doutrinárias sobre a responsabilidade da administração em geral e sobre a responsabilidade do Estado legislador, em especial.
Assim, existe «responsabilidade do Estado» constitucionalmente consagrada para os casos em que os particulares são lesados nos seus direitos, nomeadamente nos seus direitos, liberdades e garantias, por acções ou omissões de titulares de órgãos, funcionários ou agentes do Estado e demais entidades públicas, praticados no exercício das suas funções e por causa desse exercício, podem demandar o Estado exigindo uma reparação dos danos emergentes desses actos (CRP, artigos 22°, 27).
Mas o âmbito de protecção do artº 22° da CRP abrange igualmente a responsabilidade do «Estado legislador» por actos ilícitos, apesar de alguns defenderem a irresponsabilidade do Estado com o argumento de a disciplina da lei ser geral e abstracta.
Porém e no que ao caso releva, algumas leis «declaradas» ou «julgadas» inconstitucionais podem ter originado violação de direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para os cidadãos e outras, portadoras de características de lei -medida são leis self executing, podendo ter gerado prejuízos relevantes aos cidadãos.
Em tais situações, como refere Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª ed., pág. 661, “Quer se trate de responsabilidade por actos legislativos ilícitos enquadrável no âmbito normativo do art. 22°, quer de responsabilidade por actos legislativos lícitos, de que se pode ver refracção no art. 62°/2, além de não estar afastada no art. 22° (indemnização por expropriação), a responsabilidade por facto das leis não é um «luxo» (R. CHAPUS), mas uma exigência do Estado constitucional democrático. A possível exigência de um regime especial da responsabilidade por facto das leis significa não que o legislador se possa tornar imune ao regime de responsabilidade do Estado consagrado no artigo 22° da CRP, mas que deve concretizar/conformar esse regime através da lei.”
Para o caso dos autos importam as normas portadoras de características de lei -medida ou leis self executing, podendo ter gerado prejuízos relevantes aos cidadãos
Nos termos do artº 4º, nº1, al. g) do ETAF que fixa o âmbito da jurisdição, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto questões relativas a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa.
E este exercício tanto pode ser encarado, de acordo com o que dimana do transcrito art. 22º da CRP e da própria natureza das coisas, sob o ponto de vista activo, como do seu ângulo omissivo. Ou seja: no “exercício” daquela função, tanto se compreende a actuação legiferante, como a omissão de tal actuação, uma vez que uma das formas de levar a cabo o “exercício” da função legislativa consiste em não emitir comandos legislativos, quando estes se aconselham ou impõem.
A Lei n.°67/2007, de 31 de Dezembro, que contém o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, entrou em vigor em 30 de Janeiro de 2008.
Os factos, alegados pelo autor como constituintes do seu direito, remontam ao ano de 2009.
Nos termos do artigo 1.°, n.°1 da Lei n.°67/2007, sob a epígrafe "Âmbito de Aplicação", é esta lei que rege a responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função administrativa.
O Município de Lisboa é uma pessoa colectiva de direito público de base territorial, conforme prevêem os artigos 235.° e 236° da CRP, pelo que lhe é aplicável o regime estabelecido na Lei n.° 67/2007, sendo assim com base neste quadro legal que se conhecerá da verificação dos pressupostos da respectiva responsabilidade civil extracontratual.
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir, pacificamente, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, artigo 483.°, n.°1 do Código Civil, que exige a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: o facto, constituído por um comportamento voluntário, que pode revestir a forma de acção ou omissão; a ilicitude, advinda da ofensa de terceiros ou disposições legais emitidas com vista à protecção de interesses alheios; a culpa, nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ao lesante; o prejuízo ou dano; e o nexo de causalidade entre o dano e o facto, apurado de acordo com a teoria da causalidade adequada.
Assim, em face do alegado e da matéria de facto provada, caberia apreciar se estão preenchidos de forma cumulativa no caso sub iudice os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por acto ilícito, enquanto fonte da obrigação de indemnizar.
O primeiro pressuposto para que exista obrigação de indemnizar é a verificação de um facto ilícito, por acção ou omissão.
A secção I, integrada no Capítulo II da Lei n° 67/2007 sobre a Responsabilidade Civil por Danos Decorrentes do Exercício da Função Administrativa, dispõe sobre Responsabilidade por Facto Ilícito, definindo no artigo 9° o conceito de ilicitude, para efeito de aplicação daquela lei.
Dispõe o artigo 9.°, sob a epígrafe "Ilicitude", no seu n.°1: "Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios, constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos. "
O conceito de ilicitude, vertido no artigo 9°, divide-se assim numa dimensão material, e numa dimensão formal.
A actuação ilícita, em sentido material, é aquela que tenha como consequência a lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiro. Em sentido formal o conceito integra a violação de normas.
Por outro lado, a ilicitude tanto pode resultar de uma acção, como de uma omissão, conforme se retira da primeira parte do n.°1 do artigo supra transcrito, mas para que haja ilicitude por omissão é necessário que o órgão, funcionário ou agente da pessoa colectiva de direito público tenha o dever de agir.
Nos presentes autos vem alegado pelo Autor a verificação de uma actuação ilícita e a verificação de uma omissão ilícita, como pressupostos da existência de responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Porém, para que se julgassem verificados os pressupostos do art.º 483.º do CC e fosse estabelecido o respectivo nexo de causalidade entre o facto culposo e o dano, conduzindo ao direito a indemnização, sempre esbarraríamos no artº 498º do CC, oportunamente invocado pelo recorrido, que dispõe que: o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, sendo esse o cerne da questão decidenda na vertente das regras de contagem do prazo prescricional.
Nesse sentido, há que evocar o disposto no art. 5° do Cód. Civil que prescreve que:
1. A lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial.
2. Entre a publicação e a vigência decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou, na falta de fixação, o que for determinado em legislação especial.
Do inciso legal transcrito e como bem denota o Ministério Público nas suas contra-alegações que, com a devida vénia, vamos acompanhar por encerrarem a solução jurídica que melhor quadra ao caso concreto, há a reter que com a publicação da lei ela se torna obrigatória podendo, no entanto a sua eficácia ser diferida e, portanto, ocorrer em outro momento que é aquele em que na própria lei se marca a sua entrada em vigor.
Certo, porém, que a publicação da lei é, em si mesma, uma das condições da sua eficácia pelo que, em sintonia com o recorrido e a decisão controvertida, o conhecimento de hipotéticos danos ocorre imediatamente à sua publicação, sem embargo de os danos virem a repercutir-se na realidade na esfera jurídica dos cidadãos, com a sua entrada em vigor.
A Recorrente apontam como fundamento dessa responsabilidade, em substância, que assenta a sua intenção indemnizatória no disposto no art. 15° n°1 da Lei n° 67/2007, de 31 de Dezembro, ou seja e como já vimos, num acto legislativo ilícito (Dec.-Lei n° 307/2009, de 23 de Outubro) que, na sua tese, foi produtor de danos anormais a saber.
Esse acto legislativo, resultou da sua aprovação em Conselho de Ministros em 3 de Setembro de 2009, foi promulgado pelo Governo em 16.10.2009, e referendado pelo Presidente da República em 21.10.2009 e foi do conhecimento da A. com a sua publicação como ela reconhece não só no petitório, como nas alegações do presente recurso.
Como atrás se mencionou, a responsabilidade civil extracontratual do Estado, prescreve no prazo de três anos, contados a partir do conhecimento do facto danoso, independentemente de serem conhecidos a extensão dos seus efeitos (cfr. art. 498°, do Cód. Civil, aplicável por força do art. 5° da LRCE, aprovada pela Lei n° 67/2007 de 31 de Dezembro) e só se interrompe com a citação do R. (cfr. art.323° n° 1 do Cód. Civ.).
Por assim ser, é inquestionável que a A. não podia alegar, o desconhecimento do conteúdo do acto a partir da sua publicação que aconteceu em 23.10.2009, e dos efeitos patrimoniais, que o mesmo eventualmente teria na sua esfera jurídica (bens da própria associação e que constituem o seu património) e na esfera jurídica dos seus associados.
Sucede até, tal como enfatiza o recorrido, que por versar sobre matéria da competência reservada, mas não exclusiva da A.R., o diploma legal em causa foi elaborado e aprovado pelo Governo, ao abrigo da autorização legislativa conferida pela Assembleia da República, no âmbito da Lei nº 95-A/2009, de 2 de Setembro, em cujos art.2°, n°1, als. b); j) e i), se instituem os deveres legais de proceder a obras, sob pena de expropriação, venda ou arrendamento forçado, posteriormente transbordados para os arts. 55°, 61 ° n°2 e 62° Dec-Lei n° 307/2009, de 23 de Outubro.
Neste conspecto e perante a hierarquia dos diplomas legais referidos, mormente pelo conteúdo da Lei autorizativa, publicada em 2 de Setembro de 2009, somos levados a concluir que a A. e ora recorrente tinha forçosamente de ter conhecimento que sofreria os danos que ora invoca, logo que fosse publicada pelo Governo, a legislação que necessariamente verteria, sob pena de inconstitucionalidade orgânica, o conteúdo de tal lei de valor reforçado.
Em concordância com o ponto de vista do recorrido, bem sabemos que a lei autorizativa não produz de efeitos externos dada a sua natureza de acto político-legislativo, que só produz efeitos nas relações entre órgãos de soberania e, por isso, a A. não poderia deduzir o pedido de indemnização civil por referência à mesma embora só podendo afirmar-se que desde 2.09.2009 que teve conhecimento que iria ser aprovado um acto legislativo que se apresentava, na linha da sua tese, como um facto político/ legislativo ilícito e danoso.
Por assim ser, dúvidas não devem suscitar-se de que com a publicação do diploma, a A. ficou a conhecer o acto legislativo ilícito e a produção de danos que o mesmo acarretaria na sua esfera.
Completada a prescrição, o cumprimento e reconhecimento da pretensa obrigação indemnizatória não é judicialmente exigível (art.º 304º, n.º1 do CC), evocando-se nesse sentido o Ac.do STJ do qual dimana a doutrina de que “…como a própria lei consagra, o lesado não precisa de conhecer Integralmente os danos para intentar ação indemnizatória, mas é necessário que tenha conhecimento do dano e, apesar disso, não tenha agido judicialmente, reclamando o reconhecimento e efetivação da indemnização. Se e enquanto não tiver conhecimento do dano o prazo de prescrição é o ordinário, só se iniciando o prazo trienal a partir do momento desse conhecimento - Ac. STJ de 20.03.2014; Alves Velho (relator); www.dgsi.pt.)
O início do prazo na prescrição das obrigações começa a correr quando o direito puder ser exercido, de acordo com os n.ºs do art.s 306.º e 307.º C.C.
Na prescrição dos demais direitos, em que não tenha lugar o conceito de exigibilidade, o prazo começa a correr com o conhecimento do facto de que dependa a exigibilidade, ou seja, também a partir do momento em que o direito pode ser exercido. Há, porém, casos em que o momento a partir do qual se faz a contagem é indicado casuisticamente, v.g. artº 498.º - C.C., na prescrição. (Anibal de Castro; A Caducidade, 2.1 edição atualizada; pág. 171/172).
Ora, facto da ajuizada lei só ter entrado em vigor, 60 dias depois, por ser esse o prazo da vacatio legis nela previsto, só influi no conhecimento da extensão dos danos e não contende com o conhecimento da produção dos danos.
A recorrente ainda argumenta que o diploma pode ser alterado e revogado antes da sua entrada em vigor, e, a ser assim, não produziria danos, mas isso, para além de meramente hipotético, configuraria uma alteração legislativa, que, hipoteticamente, originaria ou uma alteração da extensão dos danos, ou mesmo a extinção do direito indemnizatório da A.
Também não aceita a tese do dano continuado sustentada pela recorrente ancorada em que o prazo prescricional só começa a correr após o termo da actuação legislativa ilícita, que na sua versão só cessaria com a entrada em vigor com a Lei n° 31/2012, de 14 de Agosto (leis atinentes ao contrato de arrendamento, em especial no segmento em que se firma os limites à actualização das rendas e estabelece a renovação automática dos contratos de arrendamento).
Também nesta vertente se adere à posição demarcada nas contra-alegações do recorrido Estado e por apelo à letra da lei e à mens legislatoris.
É assim que, da letra dos preceitos legais, já analisados, que regem sobre o prazo prescricional do direito à indemnização com fundamento em responsabilidade aquiliana, decorre com inquestionáveis clareza e certeza que o prazo aplicável se conta a partir do conhecimento do direito por parte do A. a ser indemnizado, prazo que se inicia independentemente de se conhecer toda a extensão dos danos e de se desconhecer a pessoa responsável pela prática do acto ilícito.
Por isso, é insofismável que o conhecimento do direito a ser indemnizado por disposições legais da RAU, tem como último diploma a que é imputada a ilicitude (por impor limites à actualização das rendas e a renovação automática dos contratos, conforme resulta da PI.) a Lei n° 6/2006, de 27.02.
Por esse prisma, igualmente se tem por prescrita a responsabilidade aquiliana, pelo decurso do triénio do prazo prescricional.
Compulsando agora a mens legislatoris, temos por esclarecido e esclarecedor o que expende o recorrido no corpo alegatório e que, data venia, se excerta:
“A este propósito Vide A. Varela in " Das Obrigações em Geral" a pág. 435/436, em anotação ao art. 71° da LPTA, Contencioso Administrativo - José Manuel dos Santos Botelho- 3a Edição- Almedina.
" O n°2 remete para o n°1 do art 498° do Cód. Civil.
Estamos perante uma prescrição de curto prazo que se inicia com o conhecimento do direito e já não com o facto danoso, como ocorre na prescrição ordinária.
Importa, contudo, realçar que não coincide o conhecimento do direito com o seu reconhecimento judicial ou com o hipotético reconhecimento judicial de algum dos seus pressupostos da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos."
Daqui resulta que o reconhecimento do direito a ser indemnizado, é independente da cessação da ilicitude do acto que eventualmente se prolongue no tempo.( Cfr. Ac. STA no proc. N° 083/11, de 26-10-2011, in www.dgsi.pt).
Tal ideia, em que a recorrente assenta a sua alegação, é importada do direito penal, em que a prescrição nos crimes continuados só começa a correr com o último acto de execução, mas neste caso, estamos perante previsão expressa da lei, e os bens que se pretendem proteger não são apenas interesses particulares, mas bens de interesse público com consagração constitucional no âmbito dos direitos, liberdades e garantias.
E, tem outra razão de ser, a saber - a da vítima sujeita à pratica de um crime continuado, não ter liberdade intelectual para apresentar a queixa, sem que antes tenha cessado a execução dos actos criminosos.
Ora, tais razões não são importáveis para o direito civil.
Com efeito, a lei civil não faz depender o termo inicial da contagem daquele prazo da diferenciação entre ilícitos de produção instantânea e ilícitos de produção continuada, visto o citado art. 498.° do Código Civil ter estabelecido, sem qualquer distinção, que o que relevava para termo inicial do prazo de prescrição era o momento em que o lesado tinha conhecimento do seu direito e não o momento em que cessava a sua eventual violação. Ora se fosse vontade do legislador fazer qualquer diferenciação entre tais ilícitos e a sua repercussão na forma como os prazos deveriam ser contados certamente que o diria de forma expressa.
E não se pense que esta prescrição legal é prejudicial para o lesado, pois que eventualmente o obrigará a intentar acção quando os danos não estão ainda devidamente calculados, porquanto, como ensina o Prof. A. Varela, essa circunstância - o desconhecimento da extensão integral do dano - não o impedirá de pedir essa "fixação para momento posterior... " Código Civil Anotado, em nota ao art. 498.°.
Ou seja, ainda que o lesado desconheça, no momento da propositura da acção, a integralidade dos danos sofridos tal não diminui a possibilidade de vir a ser ressarcido por todos eles, já que a lei lhe permite fazer a actualização do seu pedido posteriormente a essa propositura.”
No artº 2º da Lei nº 67/2007, de 31/12, que aprovou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais entidades Públicas (doravante RRCEE), a mens legis é, inequivocamente, a de uniformizar os princípios e as normas da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos que desenvolvem a função administrativa, sem prejuízo do recurso subsidiário ao instituto transversal da responsabilidade civil, quanto aos seus elementos constitutivos e, bem assim, aos conceitos de danos patrimoniais e não patrimoniais e danos futuros como se expressa no artigo 3° nº 3 do RRCEE, sendo que existem expressas remissões feitas pela Lei para o Código Civil como é o caso dos artigos 5° (quanto à prescrição do direito à indemnização) e 10° nº4 (quanto ao apuramento do grau de culpa).
Segundo o RRCEE, embora o lesado continue onerado com a utilização atempada da via processual adequada, cabe, porém, “…ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída” (cfr. artº 4°), sendo certo que, face ao novo contencioso administrativo e ao seu paradigma nuclear que é a “condenação do acto legalmente devido” (cfr. artº 66º e ss do CPTA), será mais correcto reconduzir a questão não à "via processual adequada" à "eliminação do acto lesivo", mas antes à “cessação de efeitos da conduta lesiva” abrangendo, pois, quer as acções quer as omissões.
Não obstante, sobre o termo a quo do prazo prescricional nas acções de responsabilidade civil extra-contratual, como já dito e redito, estabelece o art. 498°, n° 1 do Código Civil (CC) o prazo de prescrição de três anos do direito de indemnização fundado em responsabilidade civil extracontratual do Estado, começa a correr a partir da data em que o lesado teve conhecimento da verificação dos pressupostos que definem essa responsabilidade.
Sobre o que seja o “conhecimento” é pacífico que equivale à mera consciência da possibilidade legal de ressarcimento dos danos, bastando que o lesado saiba que tem direito a indemnização pelos danos que sofreu.
A prescrição, que apenas não abrange os direitos indisponíveis e aqueles que por lei forem declarados imprescritíveis (cfr. art. 298°, n° 1, do CC), assenta numa ideia de pacificação das relações sociais através da criação de situações de certeza e segurança jurídicas, impedindo o exercício de um direito pelo decurso de um prazo e punindo a passividade jurídica do titular que por não ter actuado em tempo útil criou, com a sua inércia, uma expectativa até certo ponto legítima, de que não exerceria o seu direito -cfr. Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, I Vol., Lisboa, 1975, pp. 640 e 641. Assim, o instituto da prescrição visa incentivar o titular do direito a agir e impedir que esteja exclusivamente dependente da sua vontade a concretização de uma pretensão associada a esse direito e dirigida contra outrem.
A responsabilidade civil extracontratual, no que tange ao prazo de exercício do direito, encontra-se fixada no n°1 do artigo 498° do Código Civil, para o qual remete, para a Lei n° 67/2007, de 31.12, e que dispõe que "o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o prazo a contar do facto danoso".
Para que comece a correr o referido prazo de prescrição é de exigir o conhecimento pelo lesado de que é juridicamente fundado o direito à indemnização, dado que quem não tem esse conhecimento não sabe se pode exigir a indemnização, não se achando, portanto, nas condições que constituem a razão de ser da prescrição de curto prazo (três anos).
Analisando este preceito, sustentam os Professores Pires de Lima e Antunes Varela que, para que o prazo de prescrição se inicie é necessário que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete - cfr. Código Civil Anotado, l, pág. 503.
No mesmo sentido, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.11.1973, escreveu o Prof. Vaz Serra que «O prazo trienal da prescrição conta-se [...] da data em o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, o que, segundo Antunes Varela, significa "a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu» - cfr. RLJ, Ano 107, págs. 296 e segs.
Extrai-se do exposto que se consagrou uma orientação objectiva para a fixação do início do prazo, não dependente da extensão integral do dano - visto que o lesado pode pedir a sua ampliação ou fixação em momento posterior (cfr. art. 569° do CC), ou mesmo formular um pedido genérico para o caso de sobrevirem danos futuros previsíveis, nos termos dos artigos 471°, n°1, al. b), do CPC e artigos 564°, n° 2, 565° e 569°, todos do CC - nem da pessoa do responsável, cuja indicação poderia servir para prolongar o prazo da prescrição, que ficaria à mercê da eventual incúria do lesado em averiguar quem o lesou e quem são os responsáveis.
Como escreveu Vaz Serra, in BMJ 106-23 "A prescrição começa em regra logo que nasce a pretensão accionável".
E como ensinava Manuel Andrade face ao C. Civil de 1867, é aplicável "a quaisquer direitos subjectivos" (Teoria Geral, Vol. II-446). E justifica-se, entre outros fundamentos alegáveis (Manuel de Andrade, ob 1. cit) "na negligência do titular do direito em exercitá-lo no período indicado na lei" ou (segundo Vaz Serra, BMJ 107-193) na "inacção e negligência do credor".
Se bem que a doutrina (ver Vaz Serra, RLJ 112-288 e segs.) e a jurisprudência (acórdão ampliado de 26-3-98, BMJ de 26-3-98, BMJ 475-21 e Ac. STJ de 12-3-98, CJ(S) VI 1-127) consignem em termos amplos os actos susceptíveis de interromper a prescrição, há-de sempre entender-se que esses actos se referem ao direito que vem exercido na acção.
E o prazo de prescrição a que se refere o nº 1 do artigo 498º do Código Civil conta-se a partir do conhecimento, pelo titular do respectivo direito, dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento.
Donde que, quando determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito quer o preceito em causa significar que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento (Cfr. Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", vol. I, 6ª edição, Coimbra, 1989, pág. 596, bem como a jurisprudência aí citada (sobretudo os Acs. STJ de 27/11/73, in RLJ Ano 110º, pág. 296 - relator Arala Chaves - e de 06/10/83, in BMJ nº 330, pág. 495 - relator Moreira da Silva). Cfr. ainda, no mesmo sentido, o Ac. STJ de 12/03/96, in BMJ nº 455, pág. 441 - relator Martins da Costa).
Assim, o lesado tem conhecimento do direito que invoca - para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição - quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil (vide Ac. STA de 05/11/85, in MBJ nº 355, pág. 190 (relator Tinoco de Faria), ou melhor, "o início da contagem do prazo especial de três anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o acto foi praticado ou omitido por alguém - saiba ou não do seu carácter ilícito - e dessa prática ou omissão resultaram para si danos" (Abílio Neto, in "Código Civil Anotado", 13ª edição, Lisboa, 2001, pág. 544).
São pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, e demais Entidades Públicas, o facto, a ilicitude, a culpa, a existência de danos e o nexo de imputação objectiva entre a conduta e o dano, apurado segundo a teoria da causalidade adequada.
Para aferir do termo a quo da contagem do prazo prescricional de três anos, importa verificar em que momento a Autora teve conhecimento do seu direito à indemnização, momento esse que há-de ser coincidente com o da verificação do conjunto dos pressupostos de que depende a responsabilização do lesante - neste sentido cfr. o Acórdão do TCA Norte de 17.06.2011, proferido no processo n° 01119/09.8BEBRG, disponível em vww.dgsi.pt.
No que tange aos factos nos quais a Autora sustenta o seu pedido indemnizatório, considerando que vem peticionado, o ressarcimento pelos danos alegadamente decorrentes dos mesmos, dir-se-á ainda que o conhecimento do direito que compete ao lesado tem sido interpretado, quer na doutrina, quer na jurisprudência, como o conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade (vide, neste sentido, Antunes Varela, 8ª Edição, pág. 639).
E, registe-se, este conhecimento não implica um conhecimento jurídico, bastando que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, ou seja, que foi praticado um acto que lhe causou danos, ou melhor ainda, que o lesado “esteja em condições de formular um juízo subjectivo, pelo qual possa qualificar aquele acto como gerador da responsabilidade civil e seja perceptível que sofreu danos em consequência dele (vide parecer do M.P. no Processo do Tribunal Constitucional n.°86/93).
Com efeito, toda a indemnização tem como pressuposto a prática de um acto (ou omissão) gerador(es) de responsabilidade e a verificação de um dano do lesado.
Ora, o facto só se torna danoso quando o dano efectivamente se produz. Donde decorre que, em relação aos danos não verificados à data em que ocorreu o facto ilícito o prazo de prescrição de três anos só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efectiva desses novos danos (cfr. Ac. STJ de 03/12/98, in BMJ nº 482, pág. 211, relator Ferreira Ramos).
É que, sem qualquer dúvida, as obrigações futuras só prescrevem no prazo de três anos contados do momento em que cada uma seja exigível (ou conhecida) pelo lesado (cfr. Ac. STJ de 13/12/2001, no Proc. 1983/01, da 1ª secção, relator Reis Figueira).
E cabe ao lesado o ónus da prova do deferimento para momento posterior do conhecimento dos pressupostos condicionadores da responsabilidade, estando sempre o direito à indemnização sujeito ao prazo ordinário da prescrição (cfr. Ac. do STJ de 9-3-1976, B.M.J. 231º-204).
Conhecimento do direito equivale à consciência da possibilidade legal de ressarcimento dos danos. O lesado não necessita saber o quantum da indemnização a que tem direito; o essencial é que saiba que tem direito a indemnização pelos danos que sofreu.
Assim, a prescrição de 3 anos depende de dois factores: (i) de o lesado ter conhecimento do dano e (ii) de não ter pedido judicialmente o reconhecimento e efectivação da indemnização. Se o lesado não tiver conhecimento do dano, aplica-se a prescrição ordinária de 20 anos; se no decurso desse prazo sobrevier o conhecimento inicia-se, a partir desse momento, a prescrição trienal (vide Menezes Cordeiro, Obrigações, 1980, 2º-431).
Com a prescrição, o que a lei pretende ou se propõe é, além de proteger a segurança jurídica, sancionar a negligência do titular do direito, sendo por isso que o prazo prescricional se pode interromper ou suspender nos termos próprios da prescrição, sendo certo que o princípio do abuso do direito contido no artº 334º do Cód. Civil opõe-se a que possa invocar a prescrição aquele que com a sua conduta tenha obstado ao exercício tempestivo do direito da outra parte (cfr. Ac. Rel. Évora de 1-7-1997, BMJ, 469º-677), o que não aconteceu no caso concreto.
De tudo quanto vem dito e em inteira concordância com o MP em representação do Réu Estado resulta, sem a mínima margem de dúvida, que se mostra prescrito o direito de indemnização invocado pela Autora pelo decurso do referido prazo de três anos.
Sendo assim, como é, não merece censura a decisão recorrida dado que fixou correctamente os factos que relevavam para efeitos da apreciação e decisão da questão da prescrição do direito indemnizatório, e julgou bem de direito ao julgar operante a referida excepcionalidade.
Improcedem, pois e in totum, as conclusões recursórias.

3. -DECISÃO

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes do 2º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso interposto e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.


*

Lisboa, 24 de Maio de 2018


[José Gomes Correia]
[António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos]
[Sofia David]