Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10452/13
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/23/2014
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores: ACÇÃO POPULAR, LEGITIMIDADE ACTIVA, INTERESSES DIFUSOS.
Sumário:I. Para o efeito da titularidade do direito de acção popular, prescreve o artº 2º da Lei nº 83/95, de 31/08, que são titulares do direito de acção popular “quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda”.

II. Tais interesses, enumerados no artº 52º, nº 3 da Constituição, no artº 1º, nº 2 da Lei nº 83/95 e no artº 9º, nº 2 do CPTA são, de entre outros, a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.

III. O objecto da acção popular é, antes de mais, a defesa de interesses difusos, pois sendo interesses de toda a comunidade, deve reconhecer-se aos cidadãos uti cives e não uti singuli, o direito de promover, individual ou associadamente, a defesa de tais interesses.

IV. Quanto ao enunciado legal dos sujeitos e entidades aos quais é concedida a legitimidade popular, a atribuição desta legitimidade implica um significativo reforço do papel dos tribunais na tutela dos direitos difusos, pois quando essa mesma legitimidade é atribuída a cidadãos e a organizações, o tribunal tem de verificar a adequação da representação reclamada.

V. Não pode o interesse difuso ser confundido com qualquer outro interesse, como seja, o interesse público.

VI. Apesar de alguma coincidência, os interesses públicos são os interesses gerais de uma colectividade e os interesses difusos são aferidos pelas necessidades efectivas que por eles são ou deviam ser satisfeitas aos membros de uma colectividade.

VII. A mera alegação do interesse da defesa da legalidade urbanística, assente na violação das normas do Regulamento do PDM, por edificação de construção sem licenciamento camarário e na manutenção dessa alegada ilegalidade ao longo do tempo, desacompanhada de outra alegação, não permite fundar a existência de um interesse difuso a tutelar através da acção popular.

VIII. Não se mostrando caracterizada a defesa de interesses de toda a comunidade, por nada ser dito sobre o modo como a alegada violação do interesse urbanístico se projecta nos demais cidadãos ou o modo como é a colectividade afectada pela alegada ilegalidade urbanística, não se mostra sustentada a qualidade de que os autores se arrogam, de serem autores populares.

IX. A alegação assente na “violação gravosa de diversas normas do PDM de Pombal e de normas do RGEU que obstaculizam a legalização daquela obra”, mostra-se insuficiente para a titularidade de um interesse difuso por parte dos Autores.

X. Os Autores formulam pretensão que se mostra não inserida no núcleo de interesses previstos no âmbito do disposto no artº 1º da Lei nº 83/95, de 31/08 ou que tutele o referido núcleo de interesses a defender, não demonstrando a ofensa de interesses de toda a comunidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

Manuel …………… e Deolinda …………………, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão, datada de 15/03/2013, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que no âmbito da acção administrativa especial, de condenação à prática de acto devido, instaurada ao abrigo do direito de acção popular, contra o Município de Pombal e o contra-interessado, Carlos ……………., indeferiu liminarmente a petição inicial com fundamento em ser manifestamente improvável a procedência do pedido.

Formulam os aqui Recorrentes nas respectivas alegações (cfr. fls. 93 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1. O Tribunal indeferiu liminarmente a petição inicial, ao abrigo do disposto no artigo 13.º da Lei n.º 83/95, por entender que os ora recorrentes apenas alegaram factos reveladores de interesses individualizados e não de interesses da colectividade que pudessem caber no âmbito do direito de acção popular.

2. O direito de acção popular, como direito fundamental previsto no artigo 52.º da CRP, visa a protecção dos interesses difusos. A defesa destes interesses é concedida aos cidadãos uti cives e não uti singuli, precisamente porque são interesses de toda a comunidade, e, por isso, os cidadãos uti cives têm o direito de promover a defesa de tais interesses, individual ou associativamente. Tal significa que, tenham ou não um interesse individual na demanda, a legitimidade activa em acções visando a tutela dos interesses inseridos no núcleo de protecção é alargada.

3. As disposições conjugadas dos artigos 52.º, n.º 3 da CRP, 9.º, n.º 2, 66.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, d), do CPTA, e 12.º da Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto, alargam assim a legitimidade activa a todos os cidadãos, independentemente do seu interesse individual (que pode ou não existir) ou da sua posição específica com os bens ou interesses em causa, enumerando, de uma forma exemplificativa, alguns interesses difusos susceptíveis de tutela como o urbanismo, a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural.

4. Os ora recorrentes propuseram-se denunciar a realização num terreno de que é titular o contra-interessado de obra de edificação sem o devido licenciamento urbanístico em violação gravosa de diversas normas do PDM de Pombal e de normas do RGEU, em termos que obstaculizam a legalização daquela obra e que são justificadoras do exercício do dever vinculado do órgão Câmara Municipal de ordenar e de proceder à respectiva demolição, como única medida de tutela da legalidade urbanística adequada; não estando assim apenas em causa a edificação de obra sem a licença devida (como entendeu o Tribunal), mas também a insusceptibilidade da sua legalização, à luz do artigo 11.º do Regulamento do PDM de Pombal, confessada extrajudicialmente pela autoridade administrativa ré.

5. A invocação da violação de uma norma de um plano municipal de ordenamento do território - tal como fizeram os ora recorrentes - assenta inexoravelmente no desrespeito de normas de direito público não individualizadas na esfera jurídica de qualquer particular, razão pela qual, violada uma disposição de um plano e do DL.º n.º 555/99, de 16 de Dezembro, (RJUE), se prevê no seu artigo 69.º a legitimidade do Ministério Público para promover a adequada acção administrativa.

6. Os ora recorrentes não visaram defender interesses exclusivamente pessoais, mas interesses da colectividade e reconhecidos no artigo 11.º do Regulamento do PDM de Pombal que foram desrespeitados pelo Município de Pombal e pelo contra-interessado.

7. A solução ditada pelo Tribunal restringe a legitimidade activa para o exercício da acção popular prevista na CRP e na lei, na medida em dela resulta que, vislumbrando-se algum interesse pessoal na esfera do autor popular para além do interesse da colectividade, deixa aquele de poder actuar ao abrigo das disposições já identificadas e consagradoras do referido direito, quando o artigo 52.º da CRP, o artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 83/95 e o artigo 9.º, n.º2.

8. O facto de poder existir um interesse pessoal e individualizado dos ora recorrentes - matéria pressuposta pelo Tribunal e que não resulta de qualquer alegação nos autos – é irrelevante para o regular exercício do direito de acção popular.

9. A decisão impugnada violou assim as normas contidas nos artigos 52.º, n.º 3 da CRP, 9.º, n.º 2, 66.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, d), do CPTA, 12.º e 13.º da Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto, pelo que deve ser revogada, julgando-se os ora recorrentes parte legítima enquanto autores populares e seguindo a acção os seus ulteriores termos.

10. A presente acção, apesar de se ter apelado ao instituto da acção popular, não configura uma acção especial sujeita a forma de processo diferenciado, mas sempre uma acção administrativa especial tendente à condenação do Município de Pombal à prática de acto devido.

Subsidiariamente,

11. Tal como o Tribunal conformou a sua decisão, os ora recorrentes seriam titulares de interesse pessoal e directo na demanda, pelo que sempre seriam partes legítimas, não ao abrigo do disposto no artigo 68.º, n.º 1, d), do CPTA, mas da alínea a) do mesmo preceito; assim, tendo em conta que, no âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalista, pro actione e in dubio pro favoritatae instantiae impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, ao Tribunal impunha-se notificar os ora recorrentes para liquidarem e pagarem taxa de justiça, como se fossem apenas titulares de interesses pessoais e directos.

12. Violou assim o Tribunal, para além das normas identificadas na conclusão 9.ª, o disposto no artigo 268.º, n.º 4, da CRP, no artigo 7.º do CPTA e no artigo 265.º-A do CPC.”.

Pede a revogação do despacho recorrido, julgando-se os Recorrentes partes legítimas enquanto autores populares e seguindo a acção os seus ulteriores termos.


*

O Recorrido e o Contra-interessado não contra-alegaram.

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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Sustenta que assiste razão aos Recorrentes, nos precisos termos da sua alegação, nada impedindo a defesa do interesse particular, demonstrado que se encontra a defesa do interesse público urbanístico.

O tribunal deveria convidar os Recorrentes a aperfeiçoar a petição, visto não ser inepta, actuando oficiosamente no sentido do suprimento da sua irregularidade.


*

Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artºs. 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do CPC, ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar, se incorre a decisão recorrida em erro de julgamento de Direito em relação à decisão de indeferimento liminar da petição inicial, nos termos do artº 13º da Lei nº 83/95, de 31/08, em violação:

1. dos artºs 52º, nº 3 da Constituição, 9º, nº 2, 66º, nº 1 e 68º, nº 1 d) do CPTA e 12º e 13º da Lei nº 83/95, devendo os Recorrentes ser julgados partes legítimas, enquanto Autores populares e,

Subsidiariamente,

2. dos artºs 268º, nº 4 da Constituição, 7º do CPTA e 265º-A do CPC, devendo os Recorrentes ser julgados partes legítimas ao abrigo do artº 68º, nº 1 a) do CPTA, sendo notificados para liquidarem a taxa de justiça.

III. FUNDAMENTOS

DO DIREITO

Vem interposto recurso jurisdicional da decisão de indeferimento liminar da petição inicial, nos termos do disposto no artº 13º da Lei nº 83/95, de 31/08, com fundamento de que os Autores formulam pretensões que não se mostram inseridas no núcleo de interesses previstos no âmbito do disposto no artº 1º da Lei nº 83/95 ou que tutelem o referido núcleo de interesses a defender ou sequer que demonstrem a ofensa de concretos interesses de toda a comunidade, por alegarem factos reveladores de interesses individualizados e não interesses da colectividade, concluindo-se por ser manifestamente improvável a procedência do pedido.

Os Recorrentes discordam da decisão recorrida defendendo que o direito de acção popular visa a protecção de interesses difusos, podendo os cidadãos promover a sua defesa, quer tenham um interesse individual ou não.

Mais alegam que visam defender interesses da colectividade, reconhecidos no artº 11º do Regulamento do PDM de Pombal, que foram desrespeitados pelo Município de Pombal e pelo Contra-interessado, pelo que, sempre deve ser reconhecida a sua legitimidade.

A questão decidenda consiste, pois, a de saber, se em face de tal alegação, são os Autores titulares de interesses gerais difusos, que o disposto no nº 3 do artº 52º da Constituição e os demais preceitos legais, o artº 1º da Lei nº 83/95, de 31/08 e o nº 2 do artº 9º do CPTA, visam salvaguardar.

Vejamos, tendo antes de mais presente a alegação dos Recorrentes em juízo, nos termos constantes da petição inicial.

Conforme alegado em juízo, os Autores, residentes em Pombal, denunciam a realização num terreno, sito na mesma localidade, de obra de edificação sem o devido licenciamento urbanístico, o que alegam traduzir-se na violação de diversas normas do Regulamento do PDM de Pombal e das normas do RGEU, que obstaculizam a legalização daquela obra, determinando o dever vinculado da Câmara Municipal de ordenar e de proceder à respectiva demolição, como única medida de tutela de legalidade urbanística adequada ao caso.

Alegam que em 1997 o pai do Contra-interessado erigiu, sem licenciamento prévio, junto às extrema sul e nascente do respectivo terreno, muros de vedação com blocos de betão e lintel, um coberto para arrumos e iniciou a construção de um barracão para o exercício da indústria de móveis, com a área de 475,70 m2, conforme participação do Fiscal Municipal, lavrada em 02/09/1997.

As obras foram embargadas, mas a obra continuou a ser edificada para a fábrica de móveis, o que os Autores comunicaram por escrito em 31/10/1997 ao Presidente da Câmara Municipal.

Não obstante o embargo, a obra foi concluída, mantendo-se até hoje sem estar licenciada.

Mais alegam que apesar de ter dado entrada nos serviços camarários requerimento para “legalização de um barracão para estaleiro de madeiras e uns anexos para 2 garagens”, ocupando 526,90 m2, sobre esse requerimento recaiu informação da Divisão de Obras Particulares, da Câmara Municipal de Pombal, que concluiu pela insusceptibilidade de legalização e de licenciamento, propondo a demolição do edificado.

Passados mais de 15 anos, a Câmara Municipal nada mais fez, não repondo a legalidade urbanística.

Por várias vezes, os Autores solicitaram informações ao Presidente de Câmara, tendo sido informados que não havia qualquer deliberação ou despacho a ordenar a demolição da obra e que só depois de concluída a apreciação da viabilidade ou não da pretensão de legalização, se poderia lançar mão da demolição.

Em 12/09/2011 os Autores requereram a demolição da obra, mas aquela mantém-se erigida.

Segundo a sua alegação, tendo o objecto edificado sido utilizado durante alguns anos como carpintaria, presentemente, parece ter sido abandonada.

Mais sustentam os Autores que os muros construídos ao longo das extremas sul e nascente do prédio têm altura não uniforme, mas entre 2 metros e 4,5 metros, na parte mais a sul, onde se encontra edificado o barracão/armazém/carpintaria e que a edificação se encontra localizada à entrada da cidade, em espaço urbano, em relação ao qual se aplica o disposto no artº 11º, nº 3 do Regulamento do PDM de Pombal, que prescreve que é “interdito o licenciamento de obras de urbanização ou edificação que pelo seu volume, configuração e localização provoquem um impacte negativo na paisagem ou limitem o campo visual em local singular e único para a sua contemplação”.

Defendem que tem ainda aplicação o disposto no artº 11º, nº 4 do citado RPDM, que proíbe, para espaços como o dos autos, o licenciamento de estabelecimento industrial que produza incómodo para a área habitacional, designadamente, ruídos, fumos, cheiros ou resíduos que agravem as condições de salubridade; perturbação das condições de trânsito e estacionamento, origem de movimentação de cargas e descargas em regime permanente, prejudicando a via pública; e o agravamento dos riscos de incêndio ou explosão.

Segundo os Autores, a ilegalidade decorre de ter sido edificada obra sem a prévia licença urbanística e de existir violação das normas do RPDM de Pombal, sem que exista a possibilidade de legalização da obra, estando em causa a defesa da legalidade urbanística.

Explanada a alegação dos Autores, importa apreciar se incorre a decisão recorrida no erro de julgamento que lhe é assacado, considerando o quadro legal aplicável.

O direito de acção popular tem consagração constitucional no disposto no nº 3 do artº 52º, reconhecendo-se nesse preceito que “todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa” têm o direito de acção popular, para “promover a prevenção, cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural”, assim como para “assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais”.

Em sua concretização foi aprovada a Lei nº 83/95, de 31/08, que estabelece o direito de participação procedimental e de acção popular.

O nº 1 do artº 1º da Lei nº 83/95 prevê quanto ao seu respectivo âmbito, que “a presente lei define os casos e os termos em que são conferidos e podem ser exercidos o direito de participação popular em procedimentos administrativos e o direito de acção popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções previstas no nº 3 do artigo 52º da Constituição”.

No nº 2 do artº 1º da Lei nº 83/95, enumeram-se os interesses protegidos pela lei da acção popular, como sendo, designadamente, a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público.

Para o efeito da titularidade do direito de acção popular, prescreve o artº 2º da citada Lei, que são titulares do direito de acção popular “quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda”.

O artº 12º, nº 1, da Lei nº 83/95 dispõe que “a acção procedimental administrativa compreende a acção para defesa dos interesses referidos no artigo 1º e o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra quaisquer actos administrativos lesivos dos mesmos interesses”.

O artº 13º da Lei nº 83/95 invocado como fundamento na decisão recorrida, estabelece um regime especial de indeferimento da petição inicial, no sentido de que “a petição deve ser indeferida quando o julgador entenda que é manifestamente improvável a procedência do pedido, ouvido o Ministério Público e feitas preliminarmente as averiguações que o julgador tenha por justificadas ou que o autor ou o Ministério Público requeiram”.

No caso foi ouvido o Ministério Público que emitiu parecer fundamentado, no sentido da manifesta improbabilidade da procedência dos pedidos formulados na presente acção.

Consta desse parecer que “(…) resulta do articulado inicial, não é a titularidade dos AA de um interesse difuso mas um interesse pessoal e directo, decorrentes da relação de vizinhança com a construção, a qual, de resto, se mostra abandonada. (…) não apresentam os AA, na nossa óptica, qualquer fundamentação que justifique a existência de legitimidade processual activa ao abrigo dos mencionados preceitos para a mesma acção, pelo que deverá a mesma ser rejeitada.”.

Por sua vez, estabelece o nº 2 do artº 9º do CPTA que “independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos da lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais”.

Em nota ao nº 3 do artº 52º da Constituição, pode ler-se: “A abertura da acção popular, nos termos e com a extensão prevista no n° 3 faz desta norma uma das mais importantes conquistas processuais para a defesa de direitos e interesses fundamentais constitucionalmente consagrados. Embora a Constituição reenvie para a lei a definição dos casos e termos em que os cidadãos e as associações podem recorrer à acção popular (cfr. Lei n° 83/95, de 31-08), o enunciado do n° 3 aponta claramente para uma garantia de acção popular perante qualquer tribunal (tribunais civis, tribunais criminais, tribunais administrativos, etc.), de acordo com as regras de competência e de processo legalmente estabelecidas (cfr. o art. 4°- 1 da Lei n° 13/2002, de 19-02 - Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - que integra no âmbito de jurisdição dos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal (…).

(…)

O objecto da acção popular é, antes de mais, a defesa de interesses difusos. Com efeito, em virtude do feixe de interesses que converge ou pode convergir sobre determinado bem, há que distinguir: (1) o interesse individual, isto é, o direito subjectivo ou interesse específico de um indivíduo; (2) o interesse público ou interesse geral, subjectivado como interesse próprio do Estado e dos demais entes territoriais, regionais e locais; (3) o interesse difuso, isto é a refracção em cada indivíduo de interesses unitários da comunidade, global e complexivamente considerada; (4) o interesse colectivo, isto é, interesse particular comum a certos grupos e categorias.

A acção popular tem, sobretudo, incidência na tutela de interesses difusos, pois sendo interesses de toda a comunidade, deve reconhecer-se aos cidadãos uti cives e não uti singuli, o direito de promover, individual ou associadamente, a defesa de tais interesses... […]. A alínea b do n° 3, acrescentado pela LC n° 1/97, veio alargar expressamente o direito de acção popular à defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais”, Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Anotada”, 4ª edição revista, 1º Volume, pág. 696/699.

Assim, pode dizer-se que a acção popular traduz-se num alargamento da legitimidade processual activa dos cidadãos, independentemente do seu interesse individual ou da sua relação específica com os bens ou interesses em causa, constituindo o seu objecto, antes de mais, a defesa de interesses difusos.

Como se decidiu no Acórdão datado de 28/09/2010, do Tribunal de Conflitos, proc. nº 023/09:

(…) o principal contributo da acção popular foi ultrapassar as deficiências de uma tutela jurisdicional dos valores referidos no artº 52º, nº 3 da CRP e alargar a legitimidade para defesa desses valores, servindo-se da noção de interesse difuso.

A novidade que a figura do interesse difuso traz à tutela jurisdicional é proporcionar uma tutela numa perspectiva supra-individual e não apenas baseada na defesa de posições jurídicas subjectivas, daí que, como se fez constar do citado nº 2 do artº 9º do CPTA, tal acção possa ser intentada «independentemente de (o autor) ter interesse pessoal na demanda».”.

Segundo o Acórdão do STA, datado de 29/04/2003, proc. nº 047545:

I – A acção popular traduz-se, por definição, num alargamento da legitimidade processual activa dos cidadãos, independentemente do seu interesse individual ou da sua relação específica com os bens ou interesses em causa.

II – O objecto da acção popular é, antes de mais, a defesa de interesses difusos. A acção popular tem sobretudo incidência na tutela de interesses difusos, pois sendo interesses de toda a comunidade, deve reconhecer-se aos cidadãos uti cives e não uti singuli, o direito de promover, individual ou associadamente, a defesa de tais interesses.

III - Sobre um determinado bem pode incidir um interesse individual, ou seja, um direito subjectivo ou interesse específico de um indivíduo, um interesse público ou interesse geral, subjectivado como interesse do próprio Estado e de outras pessoas colectivas, um interesse difuso, que é a refracção em cada indivíduo de interesses da comunidade e um interesse colectivo, quando se trata de um interesse particular comum a certos grupos e categorias.”.

Segundo a doutrina, entende-se por interesses difusos “(…) os interesses sem titular determinável, meramente referíveis na sua globalidade a categorias indeterminadas de pessoas (...) evidenciados[s] pela sua adstrição a um conjunto de pessoas caracterizado pela sua indivisibilidade e pela indeterminabilidade dos seus componentes (...) A necessidade de admitir a iniciativa processual popular relativamente aos interesses materiais seleccionados no nº 3 do artº 52º da CRP resulta de, em muitas circunstâncias, eles se apresentarem para a grande maioria dos cidadãos como meros interesses difusos, pelo que ninguém poderá invocar um interesse pessoal e directo na prevenção, cessação ou perseguição judicial das infracções contra esses bens cometidas.”, cfr. Sérvulo Correia, inDireito do Contencioso Administrativo”, I, LEX, 2005, págs. 245 e 261.

Porque assim é, quanto ao enunciado legal dos sujeitos e entidades aos quais é concedida a legitimidade popular, a atribuição desta legitimidade implica um significativo reforço do papel dos tribunais na tutela dos direitos difusos.

Quando a função de solicitar a tutela jurisdicional desses interesses é atribuída a um órgão público (como, por exemplo, o Ministério Público ou o Ombudsman), isso implica uma definição pelo poder legislativo das entidades legitimadas para o exercício dessa tutela e não concede ao tribunal da acção qualquer controlo sobre a adequação da representação assumida por estas entidades. Pelo contrário, quando essa mesma legitimidade é atribuída a cidadãos e a organizações, o tribunal tem de verificar a adequação da representação reclamada pelo particular ou pela organização e a inclusão dos interesses em causa nas atribuições e objectivos estatutários da organização demandante.”, cfr. Miguel Teixeira de Sousa, “A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos”, LEX, 2003, pág. 122 (sublinhado nosso).

Pois que não pode o interesse difuso ser confundido com qualquer outro interesse, como seja, o interesse público.

Apesar de alguma coincidência, os interesses públicos são os interesses gerais de uma colectividade e os interesses difusos são aferidos pelas necessidades efectivas que por eles são ou deviam ser satisfeitas aos membros de uma colectividade.

Os “interesses públicos, porque correspondem (em termos ideais, pelo menos) aos interesses gerais de uma colectividade, abstraem dos interesses individuais que são ou podem ser satisfeitos. Os interesses públicos aferem-se pelas necessidades gerais da colectividade, pelo que, ainda que seja apenas o interesse de um único individuo, esta satisfação corresponde a um interesse publico se ela for imposta por aquelas necessidades gerais. Em contrapartida, os interesses difusos só são delimitáveis em função das necessidades concretamente satisfeitas aos membros de uma colectividade: como esses interesses se desdobram numa dimensão individual e numa dimensão supra-individual, não há interesses difusos que não satisfaçam efectivamente uma necessidade de todos e de cada um dos membros da colectividade. Assim, enquanto os interesses públicos são os interesses gerais da colectividade, os interesses difusos são os interesses de todos aqueles que vêem as suas necessidades concretamente satisfeitas como membros de uma colectividade.”, cfr. Miguel Teixeira de Sousa, obra cit., pág. 31-32.

Além disso, segundo Mário Aroso de Almeida, “A recepção desta peculiar forma de legitimidade na parte geral do CPTA, torna claro que a acção popular administrativa se aplica a todas as espécies processuais que integram o contencioso administrativo e pode ser utilizada para a obtenção de quaisquer das providências judiciárias legalmente admissíveis.”, inO Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 2ª edição, pág. 30-32 e inComentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2ª edição pág. 68-73.

Perante este enquadramento de Direito e os citados contributos doutrinários e jurisprudenciais, importa reverter ao caso configurado em juízo.

Conforme supra exposto, a decisão sob recurso indeferiu liminarmente a petição inicial, nos termos do disposto no artº 13º da Lei nº 83/95, de 31/08, por concluir que é manifestamente improvável a procedência do pedido, com base na falta de alegação da tutela de interesses difusos, enquanto interesses concretos de toda a comunidade.

Da alegação dos Autores extrai-se a invocação da defesa da tutela da legalidade urbanística, assente na violação das normas do Regulamento do PDM de Pombal, decorrentes da edificação de construção sem licenciamento camarário e na perpetuação dessa situação de ilegalidade ao longo do tempo, por falta de actuação da Câmara Municipal de Pombal que, conhecendo a situação de ilegalidade urbanística, nada tem feito de forma a repor a legalidade.

Para além da alegada defesa da tutela objectiva da legalidade urbanística, nada mais invocam os Autores que permita caracterizar o interesse difuso que visam defender.

Os Autores em momento algum alegam vir em defesa de interesses de toda a comunidade, limitando-se à caracterização geral do direito de acção popular, como direito fundamental, que visa a protecção de interesses difusos, mas sem concretizar de facto tais interesses.

Embora procedam correctamente à caracterização da acção popular, mediante enunciação dos preceitos legais que consagram o direito de acção popular, não procedem à alegação que permita sustentar a qualidade de que se arrogam, de serem Autores populares.

Analisando toda a alegação constante da petição inicial, resulta que por nenhum momento os Autores alegam que a construção levada a efeito ou que a falta de licenciamento camarário ou sequer que a manutenção desse status quo ao longo do tempo, lese os “interesses da comunidade”, nem procedem à enunciação explícita de qual o direito difuso que visam proteger.

Embora se compreenda que está em causa a defesa do urbanismo, não logram invocar ou caracterizar no que a violação desse direito se projecta nos demais cidadãos, não decorrendo da sua alegação de que modo os cidadãos de Pombal são afectados pela alegada ilegalidade urbanística.

Do mesmo modo, os Autores nada alegam sobre o que possa afectar, directa ou indirectamente, o direito à qualidade de vida dos cidadãos ou sequer, do ordenamento do território, de modo que a tutela reclamada em juízo se redunde na salvaguarda de direitos que se reflectem em toda a comunidade.

Assim, não resulta da alegação dos Autores que em consequência de tal ameaça ou violação do interesse difuso urbanístico, seja afectada a qualidade de vida dos residentes em Pombal ou que estes sejam afectados pelo ruído, resíduos ou que sejam afectados nas condições de salubridade, que ocorra perturbação das condições de trânsito e estacionamento, decorrente de movimentação de cargas e descargas em regime permanente ou que se encontre prejudicada a via pública ou sequer que exista o agravamento dos riscos de incêndio ou de explosão, por os Autores se limitarem a enunciar os preceitos legais que consideram infringidos.

Porém, embora os Autores enunciem os preceitos do Regulamento do PDM de Pombal que consideram estar postergados, em nenhum momento caracterizam de facto a situação, de modo a fazer corresponder a realidade existente ao âmbito da previsão da norma regulamentar alegadamente violada.

Nada decorre da alegação dos Autores que permita caracterizar de facto a situação em causa, de forma a poder extrair a lesão aos direitos e interesses invocados nos preceitos do RPDM de Pombal, pelo que não se mostra invocada a defesa de qualquer desses direitos, que os mesmos tenham sido violados ou sequer que se mostrem ameaçados.

Por isso, nada é alegado em relação às questões de salubridade e segurança, de ruído, de risco de incêndio, que exista perturbação das condições de trânsito ou de estacionamento, que exista movimentação de cargas e descargas, que ocorra a deposição de resíduos ou quaisquer outras, que não se mostram invocadas.

Da alegação dos Autores resulta até que admitem que a carpintaria terá sido abandonada e que a construção edificada para esse fim, não estará mais a ser utilizada.

Decorre que toda a acção e sua respectiva causa de pedir se encontra fundamentada e estruturada com base em pretensas violações de normas do Regulamento do Plano Director Municipal de Pombal e das demais normas urbanísticas que disciplinam o licenciamento urbanístico de obras particulares, sem uma alegação que permita projectar o alegado interesse difuso na colectividade.

A mera alegação dos Autores como cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e defensores da tutela da legalidade urbanística, assente na “violação gravosa de diversas normas do PDM de Pombal e de normas do RGEU que obstaculizam a legalização daquela obra”, mostra-se, pois, insuficiente para a titularidade de um interesse difuso por parte dos Autores, pois que não invocam nenhuma razão que permita a intervenção da acção popular, que tem, como se disse, incidência na tutela de interesses difusos.

Não se vislumbra naquelas alegações qualquer interesse de toda a comunidade que legitime, sequer, a intervenção uti cives do Autor, pois que a intervenção uti singuli está afastada por via da acção popular.

Em conformidade com o exposto entende-se que atenta a particular conformação e natureza da acção popular, a que subjaz a defesa de interesses públicos, ainda que exercida por um particular, tem de considerar-se que não caracterizado um interesse difuso que legitime o direito que a acção popular postula.

Acresce ainda, que os Autores não logram sequer alegar e muito menos demonstrar, quem são os cidadãos prejudicados, pois nada referem a esse respeito, pelo que, não se mostra alegado em que medida é que o respectivo interesse difuso sai prejudicado, pois como se disse, não se vislumbra, sem mais, a existência de um prejuízo para a comunidade pelo facto de ter sido edificada uma determinada construção, que actualmente estará abandonada.

Ademais, não se vislumbra norma que, inserida no núcleo de interesses a defender, se mostre violada, designadamente interesses protegidos pela respectiva lei, pois mesmo a eventual violação, como alegado, de disposições legais e regulamentares de planeamento urbanístico aplicáveis, designadamente do Regulamento do PDM de Pombal, não se mostra poderem relevar, no caso concreto e face à causa de pedir, como fundamento da acção popular, no âmbito do disposto no artº 1º da Lei nº 83/95, se não são alega também quais os interesses difusos violados, em que medida ocorre a dita violação, designadamente quanto aos interesses protegidos pela lei, como a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural ou o domínio público.

Mesmo admitindo, por mero exercício de raciocínio, que os Autores alegam de forma convincente e verosímil violação de direitos ou interesses difusos, de toda a comunidade, ainda assim não se vislumbra pelo alegado na causa de pedir que pela construção edificada, com observância ou não da tramitação legal e procedimental atinente, que estivessem violados outros direitos ou interesses, os quais se desconhecem, por não serem alegados.

Pelo que, os Autores formularam pretensão que se mostra não inserida no núcleo de interesses previstos no âmbito do disposto no artº 1º da Lei nº 83/95, de 31/08 ou que tutele o referido núcleo de interesses a defender, ou sequer, que demonstre a ofensa de interesses de toda a comunidade.

Assim é relativamente ao pedido de ser o Município, através do Presidente da Câmara Municipal condenado a praticar o acto administrativo traduzido na ordem dirigida ao Contra-interessado, de demolição da obra em causa e de, no caso de falta de cumprimento voluntário, tomar a posse administrativa do prédio e realizar coercivamente a referida demolição.

A pretensão dos Autores, enquanto particulares, visando a defesa do que caracterizam como sendo uma violação das regras de legalidade urbanística, perpetuada pelo Contra-interessado e mantida pelo Município, sem mais, isto é, desacompanhada de outra alegação de facto, não permite que se qualifique o interesse em presença como difuso, para efeitos de legitimidade popular.

Para efeitos da Lei de Acção Popular e do CPTA, qualquer cidadão, independente de ter ou não interesse directo na demanda, é titular do direito de acção popular para defesa de alguns dos direitos aí previstos, onde se inclui o urbanismo, mas não basta a invocação da defesa desse direito, para que se encontrem preenchidos os pressupostos legais de exercício do direito de acção popular.

Doutro modo, toda e qualquer acção de defesa da legalidade urbanística equivaleria ao exercício do direito de acção popular, o que não corresponde ao regime legal delineado.

No caso, não se mostra caracterizada a defesa de interesses que respeitam a toda a comunidade, pelo que, não visando a presente acção a defesa do direito difuso do urbanismo, não é de reconhecer legitimidade aos demandantes para agirem em juízo como Autores populares, nos termos das disposições conjugadas do artº 1º do ETAF e do artº 9º, nº 2 do CPTA, conjugado com os artºs. 1º, nºs 1 e 2, 2º, nº 1 e 12º, nº 1, da Lei 82/95, de 31/08.

Em caso idêntico aos dos autos em que era reclamada a defesa da legalidade urbanística, sendo alegada a violação de normas do Regulamento do PDM e pedida a demolição de uma construção edificada sem licença municipal, como forma de repor a legalidade anterior, cfr. o douto Acórdão deste Tribunal, datado de 08/02/2007, proc. nº 02168/06, segundo o qual:

1. O conceito de interesses difusos reconduz-se a interesses sem titular determinável, meramente referíveis, na sua globalidade, a categorias indeterminadas de pessoas.

2. Só por si, a colocação de dois sinais de trânsito proibido num determinado arruamento urbano sem residentes e a construção não licenciada de uma cerca e alpendre, não configuram a violação de interesses difusos da concreta comunidade urbana.” (sublinhado nosso).

Em consequência, tal como entendeu a decisão recorrida, verifica-se a existência de motivo que determine o indeferimento liminar da petição inicial, à luz do disposto no artº 13º da Lei nº 83/95, não podendo proceder a censura que é dirigida à decisão sob recurso.

No demais, em relação ao erro de julgamento em que incorreu a decisão recorrida ao indeferir liminarmente a petição inicial sem considerar que os Autores são partes legítimas ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artº 68º do CPTA e sem os notificar a liquidar a taxa de justiça, também não têm os Autores razão, o que tem na sua base a forma como os Autores estruturam a sua acção e deduziram a sua pretensão.

Os Autores apenas em sede de recurso jurisdicional admitem, embora subsidiariamente, que possam apenas ter legitimidade nos termos gerais do regime processual aplicável aos Tribunais Administrativos, segundo o disposto na alínea a) do nº 1 do artº 68º do CPTA, pois na petição inicial por momento algum equacionam essa situação, não estruturando a acção desse modo.

Além disso, pretendendo-se intentar uma administrativa especial de condenação à prática de acto devido, nos termos gerais previstos no CPTA, é necessário a verificação de certos pressupostos processuais, conforme estabelecido no artº 67º do CPTA, o que os Autores não configuram em juízo.

Acresce que não decorre das normas legais invocadas pelos Recorrentes um dever legal de convolação da forma da acção, tudo dependendo do caso concreto, nos termos em que a respectiva acção foi efectivamente instaurada.

Assim, não se recusando que os Autores possam ter legitimidade activa para a instauração de uma acção administrativa, nos termos em que a respectiva lei processual disciplina os meios processuais, para restauração da legalidade objectiva violada, não reúne a petição inicial apresentada em juízo os necessários pressupostos para tanto.

De modo que, será de recusar, por não provada, a censura que é dirigida à decisão recorrida.


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Em suma, pelo exposto, será de negar provimento ao recurso que vem interposto, por não provados os respectivos fundamentos invocados.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Para o efeito da titularidade do direito de acção popular, prescreve o artº 2º da Lei nº 83/95, de 31/08, que são titulares do direito de acção popular “quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda”.

II. Tais interesses, enumerados no artº 52º, nº 3 da Constituição, no artº 1º, nº 2 da Lei nº 83/95 e no artº 9º, nº 2 do CPTA são, de entre outros, a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.

III. O objecto da acção popular é, antes de mais, a defesa de interesses difusos, pois sendo interesses de toda a comunidade, deve reconhecer-se aos cidadãos uti cives e não uti singuli, o direito de promover, individual ou associadamente, a defesa de tais interesses.

IV. Quanto ao enunciado legal dos sujeitos e entidades aos quais é concedida a legitimidade popular, a atribuição desta legitimidade implica um significativo reforço do papel dos tribunais na tutela dos direitos difusos, pois quando essa mesma legitimidade é atribuída a cidadãos e a organizações, o tribunal tem de verificar a adequação da representação reclamada.

V. Não pode o interesse difuso ser confundido com qualquer outro interesse, como seja, o interesse público.

VI. Apesar de alguma coincidência, os interesses públicos são os interesses gerais de uma colectividade e os interesses difusos são aferidos pelas necessidades efectivas que por eles são ou deviam ser satisfeitas aos membros de uma colectividade.

VII. A mera alegação do interesse da defesa da legalidade urbanística, assente na violação das normas do Regulamento do PDM, por edificação de construção sem licenciamento camarário e na manutenção dessa alegada ilegalidade ao longo do tempo, desacompanhada de outra alegação, não permite fundar a existência de um interesse difuso a tutelar através da acção popular.

VIII. Não se mostrando caracterizada a defesa de interesses de toda a comunidade, por nada ser dito sobre o modo como a alegada violação do interesse urbanístico se projecta nos demais cidadãos ou o modo como é a colectividade afectada pela alegada ilegalidade urbanística, não se mostra sustentada a qualidade de que os autores se arrogam, de serem autores populares.

IX. A alegação assente na “violação gravosa de diversas normas do PDM de Pombal e de normas do RGEU que obstaculizam a legalização daquela obra”, mostra-se insuficiente para a titularidade de um interesse difuso por parte dos Autores.

X. Os Autores formulam pretensão que se mostra não inserida no núcleo de interesses previstos no âmbito do disposto no artº 1º da Lei nº 83/95, de 31/08 ou que tutele o referido núcleo de interesses a defender, não demonstrando a ofensa de interesses de toda a comunidade.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em manter a decisão recorrida na ordem jurídica, por não provados os respectivos fundamentos.

Sem custas, atenta a isenção subjectiva do recorrente.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Maria Cristina Gallego Santos)

(António Paulo Vasconcelos)