Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00400/97
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/09/1998
Relator:José Gomes Correia
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRC
FURTO COMO CUSTO DE EXERCÍCIO
Sumário:I)- O artº 17° nº l do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos
positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas).
II)- E para definir o grupo dos elementos negativos que o artigo 23° do CIRC enuncia, a título
exemplificativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao
qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que, devidamente comprovados, sejam
indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da
respectiva fonte produtora.
III)- Assim, o furto cabe na previsão do exemplo previsto na ai. j) do mencionado artigo 23° segundo o
qual, quando indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a
manutenção da fonte produtora, se consideram custos ou perdas as indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.
IV)- Casuisticamente, demonstrando-se que o furto era imprevisto, acidental, com consequências para a exploração da empresa, para ela constituindo um verdadeiro "sinistro económico", deve aceitar-se como perda o respectivo valor desde que o evento não seja segurável.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDA-SE, EM CONFERÊNCIA, NA 2ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO:

1.- O Exmo RFP, com os sinais dos autos, recorreu da sentença do Mo Juiz do TT1ª Instância de Coimbra que julgou improcedente a impugnação do acto de liquidação adicional de IRC, relativo ao exercício de 1992 deduzida por Joaquim Teixeira pelos fundamentos constantes da p.i., concluindo do seguinte modo:

1 - Determinando o artigo 23º do CIRC um critério de indispensabilidade quanto à consideração dos custos ou perdas para efeitos fiscais, nele se não inclui um furto de mercadorias, por não se tratar de evento relacionado de qualquer modo com a actividade exercida ou de encargos imputáveis a essa actividade.

2 - Por outro lado, não está demonstrado que o evento não seja segurável, razão pela qual, sendo segurável o mesmo não deva ser considerado como custo para efeitos fiscais, atento o disposto na alínea 1) do nº 1 do artigo 23º citado.

3- A base tributável, em qualquer dos casos, não poderia ser de 900.000$00, mas sim de 609 157$60, conforme informação de fls. 77 dos autos.


Houve contra - alegações em que o recorrido sustenta a manutenção do julgado.


O EMMP emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


Cobrados os vistos legais, cumpre decidir.


2.- Nas conclusões 2ª e 33 a recorrente FAZENDA PÚBLICA controverte a decisão fáctica da sentença, sustentando que: a)- Não está demonstrado que o evento não seja segurável e b)- A base tributável não poderia ser de 900 000$00, mas 609 157$60.


Com referência à primeira questão, a impugnante alegara nos arts. 36º da p.i. que é do conhecimento comum que as companhias se recusam a fazer seguros que acarretem prejuízos e, como não se trata de um seguro obrigatório, e como o tabaco é um produto que corre muitos riscos de ser furtado, na prática, e de um modo geral, as companhias de seguros recusam-se a fazer seguros nesta área, sendo que, no caso particular da impugnante, ela procedeu a várias diligências no sentido de segurar o objecto da sua actividade, mas sem êxito.

E que diligências foram essas?

Para o comprovar, a impugnante indicou duas testemunhas.

A primeira, funcionária da empresa, declarou sobre o tema em causa que, quer antes quer depois do furto a impugnante tentou fazer um seguro específico para estas situações que não se concretizou porque as seguradoras contactadas se recusaram a celebrar.

A testemunha Armando Jorge Esteves da Fonseca, profissional de seguros há 25 anos, que transitou da Aliança Seguradora para a Ocidental Seguros, como se deixou consignado no probatório da sentença expressou, em conhecimento de causa, a não aceitação por parte das "Companhias seguradoras" de determinados riscos é, de uma maneira geral uniformizada, o que justificou em função de quase impossibilidade de recuperação de qualquer fracção de objectos furtados, exemplificando com o caso do tabaco, das bebidas e de objectos de ouro.

Daí o desinteresse das Seguradoras por este tipo de contratos e sua consequente rejeição.

Mais adiantou, que a Aliança Seguradora e a Ocidental as recusam, sistematicamente.

Recordou ter sido contactado por representante da firma impugnante para celebração deste e outros contratos, o que foi rejeitado, mesmo em negociação global de carteira de seguros posição que é, de resto, conforme à posição informativa do Instituto de Seguros de Portugal e da Associação Portuguesa de Seguradoras.

Vista a razão de ciência das testemunhas inquiridas, não sobram dúvidas de que as mesmas merecem a máxima credibilidade, impondo-se-nos concluir que o sr. juiz « a quo» julgou bem a matéria de facto quanto ao ponto em análise, ou seja, que o evento - furto do tabaco - não era segurável.


*

Quanto a saber se a base tributável não poderia ser de 900 000$00 mas sim de 609 157$60 diga-se que a recorrente FªPª a funda na informação prestada pela Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária a fls. 77 e segs. segundo a qual as quantidades roubadas apuradas por aquele serviço não são iguais às consideradas no cálculo do roubo e, para o apuramento do valor do roubo foi considerado o preço de venda das mercadorias, quando devia ser o preço de custo, como decorre da fotocópia da V.D. 66967 a fls.84.

Nas suas contra - alegações juntas a fls. 118, sustenta que a base tributável é de 900 000$00, valor inquestionável do furto, conforme documentos juntos com a petição de impugnação.

Os documentos juntos com a p.i. e que relevam para a questão que nos ocupa, foram a certidão fotocopiada a fls. 12, emitida pela GNR da Mealhada, de acordo com a qual a impugnante participara o furto de "vários volumes de tabaco, no valor de novecentos mil escudos ( 900 000$00), a declaração modelo 22, para efeitos do CIRC, relativamente ao ano de 1992, em que a impugnante não acresceu ao quadro 17 linha 23 a importância de 900.000$00, por entender que tal valor devia ser imputado em perdas de exercício e o auto noticia levantado à impugnante em 17/05/1994 em que os Serviços de Administração do Imposto Sobre o Rendimento manifestam o entendimento de que o montante furtado não se enquadra no artigo 23º do CIRC, não devendo ser considerado custo do exercício.

Assim, o que os referidos documentos provam é que foi feita a participação por furto de vários volumes de tabaco, que a participante, aqui impugnante, avaliou em 900 000$00 e que esta, na declaração mod. 22 de IRC, considerou tal valor como perdas em existências.

Contudo, mediante análise efectuada pelos serviços da ADMINISTRAÇÃO FISCAL, foi elaborada a informação constante de fls. 77 e segs. da qual resulta:

a)- A confirmação de que foi feita pelo empregado da impugnante uma participação no posto da GNR da Mealhada, não no dia 20/11/92, mas no dia 16/10/92, a qual foi enviada ao Tribunal Judicial da 'Comarca de Anadia, em 17/10/92, tendo a sócia gerente da impugnante, que facultou aos serviços todos os elementos de escrita, alegado face a tal discrepância que foi lapso de data na elaboração da referida impugnação;

b)- Que foi processada a guia de transporte nº 1702, datada de 16/10/92, em nome de João Luís Costa Vaz (viajante da referida empresa), com o local de carga em Cantanhede, com saída pelas 9 horas e o local de descarga - vários, podendo constatar-se tal facto pelo triplicado do documento escrito em decalque que nessa guia são descritas diversas quantidades e tipos de tabaco e outros artigos como fósforos, isqueiros, etc, conforme fotocópia a fls. 83

c)- Visto que se depararam com outros números e valores escritos posteriormente no documento, os serviços da ADMINISTRAÇÃO FISCAL solicitaram à sócia gerente o esclarecimento de tal situação, tendo esta afirmado que, embora não seja obrigatório o documento de transporte para a maioria das mercadorias transportadas (tabaco e fósforos), aquele era utilizado como documento de controlo de saída e entrada de mercadorias, já que o viajante quando sai para contactar os clientes da firma não sabe quais as quantidades que vai vender. Donde que os serviços da ADMINISTRAÇÃO FISCAL concluíram, e em nosso entender bem, que aqueles números escritos posteriormente, dizem respeito ao cálculo do valor da mercadoria roubada naquele dia.

d)- Para testar a veracidade daqueles valores aqueles serviços controlaram todas as vendas a dinheiro processadas por aquele viajante no dia 16/10/92 e conforme anexo 1 a fls. 81, depararam-se as situações discriminadas no quadro de fls. 80, de que se conclui que o montante do furto não foi de 900.000$00, mas de 609.157$60, devendo-se esta diferença de valor ao facto de as quantidades furtadas apuradas pelos serviços não serem iguais às consideradas no cálculo do roubo e de para o apuramento do valor do furto Ter sido considerado o preço de venda das mercadorias, quando devia ser o preço de custo (veja-se fotocópia da V.D. 66967 a fls. 84).

Face a tal informação, não temos dúvidas em considerar que o valor do furto não foi provado pela impugnante já que o que invocou para esse efeito foi a simples participação contra desconhecidos, devendo antes, à luz do principio legal da livre apreciação das provas consagrado no artigo 655º do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL e face à demonstração fundamentada feita pelos serviços e que atrás sumariámos, aceitar-se que o valor do furto foi de 609 157$60.

Pelo exposto dão-se como provados os seguintes factos que entendemos serem os relevantes para a questão a decidir:


1.-No dia 16/10/92, o empregado da impugnante, João Luís da Costa Vaz, que procede, semanalmente, à distribuição de tabaco, foi objecto de um assalto, durante o período de almoço, na carrinha que utilizava no transporte de tal mercadoria;


2.- Ao tempo em que se verificou este furto, a impugnante já dispunha de um sistema informatizado;


3.- A impugnante, atempadamente, ao elaborar a competente declaração mod. 22, para efeitos de CIRC, relativamente ao ano de 1992, não acresceu ao quadro 17, linha 23, a importância de 900 000$00;


4.- Por, no seu entendimento, tal valor dever ser imputado em perdas de exercício;


5.- A pretexto do furto supra referido, foi apresentada pela impugnante, queixa na GNR da Mealhada, onde foi lavrado Auto;


6.- Quer antes, quer depois do furto, tentou a impugnante fazer um seguro específico para estas situações;




7.- O que não se concretizou, porque as seguradoras contactadas se recusaram a celebrá-lo;


8.- A não aceitação por parte das "Companhias Seguradoras" de determinados riscos como o caso do tabaco, das bebidas e de objectos de ouro é, de uma maneira geral. uniformizada em função de quase impossibilidade de recuperação de qualquer fracção de objectos furtados;


9.- Daí o desinteresse das Seguradoras por este tipo de contratos e sua consequente rejeição.


10.- A Aliança Seguradora e a Ocidental as recusam, sistematicamente;


11. - A impugnante, através de um seu representante, contactou a testemunha Armando Jorge Esteves da Fonseca, profissional de seguros há 25 anos, para celebração de contrato cobrindo a situação descrita nos autos e outros contratos, o que foi rejeitado, mesmo em negociação global de carteira de seguros;


12.-Tal posição era conforme à posição informativa do Instituto de Seguros de Portugal e da Associação Portuguesa de Seguradoras.


13.- O valor da mercadoria furtada nas circunstâncias relatadas em 1.-foi de 609 157$60.



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3.- Perante esta factualidade, cumpre decidir de direito a questão posta e que se enuncia:- Saber se, face à matéria dada como provada, o furto dos autos pode ser aceite como custo fiscal.

Nos termos do artigo 10º do CIRC (cuja epígrafe é Custos ou perdas) «Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: ...»

Como se vê do artigo 17º nº1 do CIRC uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas).

Assim, é porque é mister definir cada um destes grupos de elementos que o presente artigo enuncia, a título exemplificativo, os custos ou perdas, os elementos que, para efeitos de IRC, são considerados como componentes negativas do resultado liquido do exercício.

Decorre do estipulado que é consagrado um critério definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora. Após a fixação desse critério, enuncia o preceito, a título exemplificativo, volta-se a dizê-lo, os custos ou perdas de maior projecção.

A situação controvertida cabe na previsão do exemplo previsto na alínea j) do mencionado artigo 23º segundo o qual, quando indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, se consideram custos ou perdas as indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

Face ao circunstancialismo individualizado do presente caso, concordamos com a asserção da recorrente quando afirma que demonstrou que o furto em causa imprevisto, acidental, com consequências para a exploração da empresa, para ela constitui um verdadeiro "sinistro económico", devendo aceitar-se como perda o respectivo valor.

Nesse sentido aponta, de resto com racionalidade, o parecer da DGCI constante de fls. 68 e segs. no que tange a furto ou desvio cometidos por pessoas estranhas às empresas, ao doutrinar que, muito embora não se possa inserir de um modo geral no quadro normal da actividade exercida por uma empresa, pode aquele ser aceite desde que tenha sido apresentada participação policial e sejam apresentadas justificações suficientes à ADMINISTRAÇÃO FISCAL.

E é manifesto que o entendimento constante de tal parecer informa a posição da FAZENDA PÚBLICA manifestada nestes autos, seja na informação prestada a fls. 87 segs. ao abrigo do artigo 130º do CPT, seja da resposta produzida a fls. 94 e segs., seja, finalmente, nas alegações de recurso, rechaçando a sua aplicabilidade simplesmente porque considera que não está demonstrado que o evento não seja segurável.

Ora e como salienta a recorrida nas suas contra-alegações, resultou clara e incontornavelmente demonstrado que o evento «in casu» não era segurável, pelo que cai pela base a argumentação da recorrente FAZENDA PÚBLICA que, assim, só logra vencimento na questão do valor do furto que se fixou em 609 157$60, nenhuma outra censura nos merecendo a sentença recorrida que deve no mais ser confirmada.


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4.-Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao recurso revogando-se a sentença recorrida na parte em que considerou que o valor do furto excede 609 157$60 e julgando-se a impugnação procedente apenas quanto a este valor.

Custas pela impugnante, na proporção de vencido fixando-se a taxa de justiça em 2U.C.s.



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Lisboa, 1998.12.09

) J. Correia

) J. L. Martins

) E. Sequeira

Fui presente: T. Naia