Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2817/15.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:07/13/2023
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:COIMA
PAGAMENTO POR CONTA
IRC;
Sumário:I – O “pagamento por conta” tem de ser aferido face à situação contabilística da empresa no fim do período fiscal a que se refere o mesmo. Ora, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente ao período de formação do facto tributário (a que se refere o "pagamento por conta") - mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo - aquele “pagamento por conta” não tem fundamento substantivo. Se não houver lucro tributável, não há imposto devido. E, não havendo imposto devido, não se verifica o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição - porquanto não se verifica a lesão do interesse protegido pela norma.
II - Nestas condições, a inexistência de lucro tributável no período fiscal a que se reporta o pagamento por conta em falta, encontra-se excluída a ilicitude da conduta do arguido no tocante à sua omissão enquanto contribuinte.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

P…, Lda.ª, melhor identificada nos autos, deduziu recurso de contra-ordenação contra a decisão de aplicação de coima proferida no processo de contra-ordenação n.º 1562…..1, que correu termos no Serviço de Finanças de Sintra -1, por falta de entrega do pagamento por conta do período de Setembro de 2014, prevista no artigo 104.º, n.º 1, a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) e punida pelos arts. 114.º, nºs. 2 e 5, f) e 26.º, n.º 4 do RGIT.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por decisão de 18 de maio de 2020, julgou o recurso procedente.

Não concordando com a decisão, a Fazenda Pública, interpôs recurso da mesma, tendo, nas suas alegações de recurso, formulado as seguintes conclusões:

«I – Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida nos presentes autos em 18-05-2020, a qual concedeu provimento ao pedido formulado pela Arguida, absolvendo-a da responsabilidade contra-ordenacional e anulando a coima de € 45.000,00 aplicada no âmbito do processo de contra-ordenação fiscal n.º 1562…..931, que correu termos no Serviço de Finanças de Sintra 1 e foi instaurado pela falta de falta entrega de pagamento por conta do imposto, no valor de € 353.448,15, relativo ao exercício de 2014, que constitui contra-ordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do Código do IRC e do n.º 2 e da alínea f) do n.º 5, ambos do artigo 114.º do RGIT e do n.º 4 do artigo 26.º, ambos do RGIT.

II – Compulsada a Sentença recorrida, constatamos que a Meritíssima Juiz do Douto Tribunal a quo julgou os presentes autos totalmente procedentes, em virtude de ter considerado que a Arguida não apresentou lucro tributável no exercício de 2014 e, por isso, o pagamento por conta cuja falta originou a infracção tributária em apreço carece de fundamento substantivo, por não ser devido nenhum imposto a final do exercício.

III – Na sua génese, o presente recurso tem como desígnio demonstrar o desacerto a que, na perspectiva da Fazenda Pública e com o devido respeito, chegou a Sentença recorrida, ao ter obliterado o facto de a Arguida, não obstante ter ostentado prejuízo fiscal no exercício de 2014, ainda assim, não ter deixado de apresentar um volume de imposto a pagar na ordem de € 98.045,67, cfr. documento a fls. 29 a 34 dos autos, pelo que o pagamento por conta em falta, em termos substantivos, não poderia deixar de ter sido efectuado.

IV – Em consonância com o estipulado no artigo 33.º da LGT, e nos termos do disposto na alínea a) do n.º no artigo 104.º do Código do IRC, as entidades que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto (…) em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável.

V – Sendo que a falta ou omissão de tais pagamentos por conta é punível como falta de entrega da prestação tributária, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT.

VI – Na verdade, tal como vem apontado na Sentença recorrida, é embrionária a ligação entre o “pagamento por conta” e o “imposto devido a final”, no sentido em que tal pagamento deve ser aferido por referência à situação contabilística e fiscal da empresa no fim do período a que se reporta o pagamento por conta; ou seja, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser antecipadamente entregue por conta do imposto devido a final, designadamente pela inexistência de lucro tributável, tal pagamento por conta não tem fundamento substantivo.

VII – Contudo, no caso em apreço, não se pode deixar de evidenciar que, tal como resulta provado por documento de fls. 29 a 34 dos autos, mais concretamente a sua página 2, a Arguida, apesar de apresentar prejuízo fiscal, apurou e pagou, durante o exercício de 2014, um montante de IRC relativo a tributações autónomas e outros impostos que incidam sobre os respectivo lucros, que se cifrou em € 98.045,67.

VIII – E tal factualidade merecia a dignidade de constar da matéria factual dada por provada na Sentença recorrida, o que ora se impõe nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 412.º do CPP, ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, por se revelar decisiva para a boa decisão da presente lide.

IX – Pois que, o facto de existir imposto apurado e pago pela Arguida no final do exercício de 2014, impõe a obrigatoriedade de a Arguida efectuar entregas pecuniárias antecipadas (pagamentos por conta) por conta de tal imposto, onde se inclui, naturalmente, o pagamento por conta cuja falta originou a coima ora em discussão.

X – Convém não olvidar, em harmonia com a tipificação da infracção tributária prevista na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, que a falta de pagamento de prestação tributária constitui, como sabemos, uma “infracção de resultado” e não simplesmente uma “infracção de perigo”. Assim sendo, o que verdadeiramente importa “na economia da norma de punição em foco, não é o perigo de lesão do interesse protegido. O que verdadeiramente importa, para a norma de punição, é o resultado, ou seja, a efectiva lesão do interesse protegido. Isto é: a presença de imposto devido que não tenha sido entregue”, cfr. Acórdão do STA de 07-03-2007, proc. n.º 0877/06.

XI – Desta forma, havendo imposto calculado e pago pela Arguida, ainda que não exista lucro tributável no período, verifica-se o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição, porque sucede a lesão do interesse protegido pela alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, tendo a sua conduta preenchido todos os elementos constitutivos de tal infracção.

XII – A Sentença recorrida, ao decidir tendo em conta apenas o lucro tributável sem fazer essa apreciação dos factos, único raciocínio que permitiria saber se o montante do pagamento por conta era ou não devido, decidiu com errada interpretação das normas legais e deficiente base instrutória, não podendo manter-se na ordem jurídica

XIII – Pelo que, atenta a factualidade dada como provada, a Sentença recorrida, ao decidir nos termos em que o fez, estribou-se numa errónea apreciação da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.

TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA ORA RECORRIDA, COM AS DEMAIS E DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»


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Não foi apresentada resposta.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A. No dia 22.03.2015, foi levantado em nome da Recorrente auto de notícia por falta entrega de pagamento por conta do imposto, no valor de € 353.448,15, cujo prazo de pagamento ocorreu a 31.09.2014 (provado por documento, a fls. 2 dos autos);

B. Na mesma data, com base no auto de notícia referido na alínea antecedente, foi autuado no Serviço de Finanças de Sintra – 1 o processo de contra-ordenação n.º 1562….931 (provado por documento, a fls. 2 dos autos);

C. Através de ofício de 23.03.2015, foi a Recorrente notificada para apresentação de defesa ou pagamento antecipado da coima (provado por documento, a fls. 3 dos autos);

D. Por despacho de 17.04.2015 do Chefe do Serviço de Finanças de Sintra – 1 foi, no âmbito do processo referido na alínea B. supra, aplicada uma coima no montante de € 45.000,00, acrescida de custas processuais, no valor de € 76,50, por violação do art. 104.º, n.º 1, a) do CIRC, punida pelos arts. 114.º, n.º 2 e 5, f) e 26.º, n.º 4 do RGIT, com base nos seguintes elementos que contribuíram para a fixação da coima:

Valor da prestação tributária em falta: 353.448,15
Período a que respeita a infração: 2014/09
Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2014-09-30 (provado por documento, a fls. 4 dos autos);
E. A declaração anual de rendimentos (Modelo 22) de IRC, referente ao exercício de 2014, que foi entregue pela Recorrente, em 29 de Maio de 2015, demonstra que a mesma apresenta um resultado líquido do período no valor de - € 14.418.059,41 e prejuízos fiscais, no valor de € 4.952.797,65 (provado por documento, a fls. 29 a 34 dos autos).»


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Factos não provados

«Não se provaram outros factos, com relevância para a decisão da causa.»

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Motivação da decisão de facto

«A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.»


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao considerar procedente o recurso de contra-ordenação e absolver a Recorrida da coima que lhe tinha sido fixada pela AT.

Afirma a Recorrente que, havendo imposto calculado e pago pela Arguida (a título de tributações autónomas), ainda que não exista lucro tributável no período, verifica-se o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição, uma vez que ocorre a lesão do interesse protegido pela alínea f) do nº5 do artigo 114º do RGIT, tendo a sua conduta preenchido todos os elementos constitutivos de tal infracção.

A sentença recorrida, depois de enquadrar o regime legal relativo aos pagamentos por conta, concluiu o seguinte:

“(…) não podendo o pagamento por conta estar desligado do princípio constitucional da tributação do lucro real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição, não tendo a Recorrente, no ano de 2014, apurado lucro tributável, impõe-se concluir que a sua conduta não preencheu todos os elementos constituintes da infracção tipificada na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, motivo pelo qual deverá ser absolvida da responsabilidade contra-ordenacional, determinando-se a anulação da coima aplicada.(…)”

Sobre esta matéria, em processo no qual estavam em causa as mesmas questões e as mesmas partes, foi proferido Acórdão por este TCAS, em 6 de Dezembro de 2018, no âmbito do processo nº 2503/15, do qual se extrai o seguinte segmento:


“(…)Na redacção que para aqui importa, considera-se o disposto no artigo 104.º, n.º 1, al. a), 4 e 5 do CIRC, como seguidamente de transcreve:

“1 — As entidades que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto nos termos seguintes:

a) Em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos nºs 2 e 3 do artigo 8.º, no 7.º mês, no 9.º mês e no dia 15 do 12.º mês do respectivo período de tributação;

(…)

4 - Os sujeitos passivos são dispensados de efectuar pagamentos por conta quando o imposto do período de tributação de referência para o respectivo cálculo for inferior a € 200.

5 - Se o pagamento a que se refere a alínea a) do n.º 1 não for efectuado nos prazos aí mencionados, começam a correr imediatamente juros compensatórios, que são contados até ao termo do prazo para envio da declaração ou até à data do pagamento da autoliquidação, se anterior, ou, em caso de mero atraso, até à data da entrega por conta, devendo, neste caso, ser pagos simultaneamente.

(…)”

Por seu turno, dispõe o artigo 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea f) do RGIT que:

“1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.

2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.

3 - Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja.

4 - As coimas previstas nos números anteriores são também aplicáveis em qualquer caso de não entrega, dolosa ou negligente, da prestação tributária que, embora não tenha sido deduzida, o devesse ser nos termos da lei.

5 - Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária: (…)

f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta. (…)”.

A questão aqui em apreciação é precisamente a mesma que foi tratada neste TCA Sul, em acórdão em que a ora Relatora interveio como 1ª Adjunta, concretamente em 19/11/15, no processo nº 8920/15. É, pois, o aí decidido que passaremos a seguir, sem reservas, até porque nenhum argumento inovador foi trazido à discussão que nos leve a considerar diversa perspectiva de solução do caso que aqui nos ocupa.

Ora, como em tal aresto ficou dito, “Por prestação tributária entende-se qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal ou à Administração da S. Social (cfr.artº.11, al.a), do R.G.I.T.).

No caso de não existir dolo, a falta de entrega da prestação deduzida nos termos da lei é susceptível de constituir a infracção por negligência, prevista no nº.2 deste artigo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa - cfr.artº.24, nº.1, do R.G.I.T.) de contra-ordenação imputada ao arguido neste processo.

No nº.5 do preceito sob exegese, prevêem-se várias situações em que não há falta de entrega de prestação tributária recebida e que deva ser entregue à A. Fiscal, mas sim omissões que têm como consequência a falta de cobrança de imposto devido, nomeadamente, por falta de pagamentos por conta que o sujeito passivo deva efectuar, por conta do imposto devido a final, assim se remetendo para a violação das regras do pagamento por conta previstas nos artºs.96, 97 e 99, do C.I.R.C. (cfr.Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.812 e seg.).

No âmbito do Código do I.R.C., enquanto regime de pagamento antecipado do imposto (diferente é o pagamento especial por conta previsto no artº.98, do C.I.R.C.), o pagamento por conta é devido pelos sujeitos passivos que exerçam a título principal atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como pelas entidades não residentes com estabelecimento estável em território nacional (cfr.artº.96, nº.1, do C.I.R.C.; artº.33, da L.G.T.).

Os pagamentos por conta (com vencimento nos meses de Julho, Setembro e Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável) devem ser calculados com base no imposto liquidado relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido das retenções na fonte. Por outro lado, a lei prevê que o contribuinte fique dispensado de tal obrigação quando tenha tido, no exercício anterior, um lucro inferior a determinado montante. Por último, se o valor do lucro tributável do exercício em curso for inferior ao do anterior, os pagamentos por conta a que o sujeito passivo está obrigado resultam excessivos, assim correspondendo ao adiantamento de um imposto não devido. Para obviar a essas situações a lei permite que o sujeito passivo suspenda os pagamentos por conta (cfr.artºs.96, nº.4, e 99, nº.1, do C.I.R.C.; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.218 e seg.).

Ora, tendo presente o quadro normativo de referência acabado de transcrever e a factualidade considerada assente nos presentes autos, julgamos, com o Tribunal "a quo", que a conduta da sociedade recorrida não preenche os pressupostos do ilícito contra-ordenacional tipificado no citado artº.114, nºs.1, 2 e 5, al.f), do R.G.I.T.

É que o "pagamento por conta" é, nos próprios termos da lei, uma entrega pecuniária antecipada, feita, por conta do imposto devido afinal, no período de formação do facto tributário. O que significa, ainda, que o "pagamento por conta" tem de ser aferido face à situação contabilística da empresa no fim do período fiscal a que se refere o mesmo. Ora, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente ao período de formação do facto tributário (a que se refere o "pagamento por conta") - mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo - aquele "pagamento por conta" não tem fundamento substantivo.

E, assim, se não houver lucro tributável, não há imposto devido. E, não havendo imposto devido, não se verifica o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição - porquanto não se verifica a lesão do interesse protegido pela norma. A falta de entrega da prestação por conta pode existir, mas, se não ocorrer a efectiva lesão do interesse protegido pela norma incriminadora, a infracção não se verifica, e, não se verificando infracção, não pode haver punição. Se não houver imposto devido (por não haver lucro tributável), a punição, para além de não respeitar a norma tipificadora da infracção, desrespeitaria também a valoração jurídica decorrente da harmonia do sistema fiscal, onde se contêm normas a requerer a tributação de acordo com o lucro tributável do período e segundo a capacidade contributiva do devedor - conforme, aliás, a uma visão do Direito como ordem jurídica sistémica e unitária, onde, a propósito, ganham proeminência os princípios constitucionais da tributação do lucro real, da justiça e da proporcionalidade. Em conclusão, nestas condições, a inexistência de lucro tributável no período fiscal a que se reporta o pagamento por conta em falta, encontra-se excluída a ilicitude da sua conduta no tocante à omissão do contribuinte (cfr.artº.31, do C.Penal; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/2/2007, rec.1221/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/3/2007, rec.877/06).

De regresso ao caso dos autos, verifica-se que a sociedade arguida não procedeu ao pagamento por conta referente à 1ª prestação do ano de 2008, no valor de € 42.346,68, cujo prazo para pagamento terminou em 31 de Julho desse ano, actuação que motivou a decisão de aplicação de coima, no montante de € 8.469,34, cominada nos artºs.114, nºs. 2 e 5, al.f), e 26, nº.4, todos do R.G.I.T. Sucede que, em relação ao ano de 2008, a cujo exercício corresponde o pagamento por conta em causa não efectuado, não se provou que à A. Fiscal assista o direito de cobrança de algum imposto a título de I.R.C., por a sociedade recorrida não ter apurado qualquer lucro tributável pelo qual seja devido imposto ao Estado (cfr.nº.7 do probatório).

Nestes termos, deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que a sociedade recorrida não cometeu a infracção por que foi acoimada, porquanto a sua conduta não preencheu todos os elementos constituintes da infracção tipificada na alínea f), do nº.5, do artº.114, do R.G.I.T., dado verificar-se uma causa de exclusão da ilicitude no tocante à sua conduta omissiva, motivo pelo qual deverá ser absolvida”.

É esta a situação dos autos.

A Recorrida não procedeu ao 2.º pagamento por conta relativo ao mês de Setembro, no montante de €20.488,96, sendo certo que, como o probatório demonstra, no ano de 2014, a cujo exercício corresponde o pagamento por conta em causa, a Goldenpar não apurou lucro tributável pelo qual seja devido imposto; apurou, sim, um prejuízo fiscal no montante de €4.188.849,44.

Ora, insistindo, para que a falta de pagamento por conta constitua infracção tributária punível de forma equiparável a falta de entrega de prestação tributária, torna-se necessária a existência de lucro tributável no final do período do respectivo pagamento por conta (cfr. acórdão do STA, de 07/03/07, processo nº 877/06), o que aqui não ocorre.

Em conclusão, há que negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.”
Voltando ao caso dos autos, temos que à Arguida, ora Recorrida foi imputada a prática da contra-ordenação prevista e punida nos termos da alínea f) do nº5 e nº2 do artigo 114º, conjugada com o nº4 do artigo 26º, ambos do RGIT, por infracção à alínea ) do nº1 do artigo 104º do CIRC.

Da decisão de aplicação de coima decorre que a Recorrida não efectuou o pagamento por conta exigível, no valor de € 353.448,15, pelo que lhe foi aplicada coima no montante de € 45.000,00.

Ora, como ressalta do probatório – alínea e) – no exercício em causa a Recorrida apresentou um resultado líquido negativo, tendo prejuízos fiscais de € 4.952.797,65.

O que significa, como entendeu a sentença, não havendo lucro tributável revelado pela contabilidade, o pagamento por conta não tem fundamento substantivo.

Esta asserção não é abalada pela circunstância de, como afirma a Recorrente, a Recorrida ter efectuado pagamentos a título de tributações autónomas, uma vez que essa circunstância não altera o facto de inexistir lucro tributável, o que constituiu o fundamento principal da decisão recorrida.

Assim, entendemos que a sentença recorrida não merece reparo, pelo que será de negar provimento ao recurso.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Sem custas.

Registe e Notifique.

Lisboa, 13 de Julho de 2023

(Isabel Fernandes)

(Catarina Almeida e Sousa)

(Maria Cardoso)