Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:242/12.6BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:04/04/2019
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:CARREIRA DIPLOMÁTICA
ENCURTAMENTO DO PERÍODO DE PERMANÊNCIA EM POSTO CONSULAR
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO, DIREITO A AUDIÊNCIA PRÉVIA
RENOVAÇÃO LÍCITA OU SUBSTITUIÇÃO DO ATO ANULADO
Sumário:I – Toda a fundamentação das decisões administrativas deve ser uma declaração (em regra) escrita e, sob pena de anulabilidade (artigo 163º/1 do CPA), com exteriorização clara, coerente e suficiente das razões de facto e das razões de direito da decisão administrativa; ou uma declaração de concordância com os (claros, coerentes e suficientes) fundamentos de facto e de direito de anteriores pareceres, informações ou propostas.
II - Ali, “razões” tanto são os pressupostos legais ou justificação da decisão administrativa, como a motivação (isto é, a exteriorização dos motivos ou pressupostos subjetivos) dessa decisão.
III – Na fundamentação imposta pelo nº 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, há um propósito argumentativo da coerência do discurso explicativo e um propósito garantístico da controlabilidade dessa coerência desse discurso. É, assim, uma formalidade essencial imposta pela lei fundamental. Garante valores essenciais numa democracia que prossiga a tutela jurisdicional efetiva: transparência, rigor, verdade, autocontrolo e heterocontrolo pleno.
IV - Sem um discurso explicativo e racional da decisão administrativa (não tautológico, explicativo dos “quid” que conduziram ao elemento racional e decisório do ato administrativo), portanto sem um discurso minimamente densificado (cf. o Acórdão de UJ do STA-Pleno de 21-01-2014), não há verdadeira fundamentação e a fiscalização de toda e qualquer decisão administrativa fica impedida ou reduzida a uma formalidade vazia.
V - A anulação de um ato administrativo significa que ele produz efeitos – provisórios - até ser anulado. É que, com a anulação, os seus efeitos são destruídos retroativamente.
VI - Apesar da prioridade lógico-normativa do efeito repristinatório, pode, no concreto, acontecer que a chamada renovabilidade - em concreto - do ato anulado torne inútil ou racionalmente impraticável a execução do efeito repristinatório.
VII - A efetiva substituição, renovação ou renovabilidade do ato anulado é, racional e logicamente, um limite potencial à reconstituição da situação atual hipotética ou execução do efeito repristinatório da anulação.
VIII - O essencial, assim, é que o juiz nunca é chamado a impor a substituição do ato anulado, só podendo pronunciar-se no sentido de impor a repristinação sem prejuízo da eventual renovação ou substituição – lícita - do ato anulado. É, na verdade, o que resulta do artigo 173º-1-2 do CPTA (vd. ainda o artigo 173º do CPA).
IX - Isto quer dizer que, no caso em apreço, em que o tribunal não detetou nenhuma ilegalidade substantiva ou de fundo, o TAC não poderia dar provimento ao cit. 2º pedido, uma vez que, como resulta dos factos provados, do início do nº 1 do artigo 173º e do nº 5 do artigo 95º do CPTA, nada indiciava ao TAC, nem indicia a este TCA Sul, que a A.P. não possa simplesmente repetir a mesma decisão administrativa agora “limpa” das ilegalidades não substantivas detetadas pelo tribunal.
X - E, se a A.P. assim proceder, seria e será infundado e inútil condenar a A.P. na adoção dos atos e operações materiais necessários à (i) manutenção do A. no referido Consulado Geral (ii) até perfazer o período mínimo de permanência previsto no artigo 47.º, n.º1, alínea a), do Estatuto da Carreira Diplomática e (iii) até ser aberto novo movimento diplomático a que se possa candidatar. Que são afinal aspetos que contendem com a substância da decisão administrativa e não com a forma dela ou com os tramites do procedimento administrativo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

J……….., melhor identificado na petição inicial, intentou no T.A.C. ação administrativa especial contra o MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS.

A pretensão formulada ao T.A.C. foi a seguinte:

1- que seja declarado nulo ou anulado o despacho do Ministro dos Negócios Estrangeiros, de 11/11/2011, que determinou o encurtamento do período de permanência do autor no Consulado-Geral em Londres e

2- condenação da entidade demandada ao restabelecimento da situação existente antes da prática do ato impugnado, através da adoção dos atos e operações materiais necessários à sua manutenção no referido Consulado Geral, até perfazer o período mínimo de permanência previsto no artigo 47.º, n.º1, alínea a), do Estatuto da Carreira Diplomática e até ser aberto novo movimento diplomático a que se possa candidatar.

Após a discussão da causa, o T.A.C. decidiu anular o ato administrativo impugnado, mas absolver o réu do 2º pedido.

*

Inconformado, o RÉU interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

DA NÃO VIOLAÇÃO DO DIREITO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA

1) Da representação do aqui Recorrido no Conselho Diplomático: Os diplomatas têm um órgão coletivo próprio e paritário, o Conselho Diplomático e de entre as atribuições legais que lhe são cometidas merecem destaque a elaboração de propostas de colocação no estrangeiro e regresso a Lisboa, propostas que são, posteriormente, sujeitas a despacho ministerial;

2) Por essa razão, o legislador entendeu, e bem, que esse órgão colegial devia ter como membros, para além dos dirigentes máximos de cada serviço interno, representantes de cada categoria da carreira diplomática e democraticamente eleitos, de modo a defender eficazmente os direitos e expetativas dos seus representados naquele Conselho e de garantir a participação daqueles nas respetivas deliberações;

3) O ora Recorrido tem a categoria de conselheiro de embaixada e, por isso, os dois representantes eleitos com assento no CD representam-no;

4) Conforme flui das atas das reuniões do CD nas suas sessões 208.º e 210.º (fls. do processo administrativo instrutor) estavam presentes os seguintes representantes do ora Recorrido: F………. e G……….;

5) Na reunião de 10/11/2011 do CD (208.ª Sessão) foi objeto de proposta de decisão o encurtamento da permanência do ora Recorrido como Cônsul-Geral de Portugal em Londres, essa proposta foi analisada e votada, por unanimidade, no Conselho Diplomático, incluindo pelos representantes do Recorrido. Ou seja, o Recorrido teve, por via dos seus representantes, audição prévia quanto ao encurtamento da sua permanência em Londres, pois essa é uma das suas competências;

6) Na reunião de 02/11/2011 do CD (210ª. Sessão) - cerca de um mês depois da 208.ª Sessão - foram apreciadas as candidaturas ao Movimento Extraordinário. O ora Recorrido candidatou-se à REPER (Bruxelas) – aceitando, por essa via, ser movimentado - e a proposta provisória da sua não colocação naquele Posto foi decidida, por unanimidade, incluindo com os votos a favor dos seus representantes naquele Conselho;

7) Acresce ainda que o Recorrido foi também ouvido pessoalmente, pois a situação funcional do mesmo, por via da sua saída de Londres e não colocação em Bruxelas (REPER), ficaria decidida definitivamente com o consequente regresso a Lisboa, (cfr. fls. do PAI e ata n.º 211);

8) Ou seja, por via da saída de Londres e não colocação em Bruxelas (REPER) do Recorrido, em 13/12/2011, na reunião do CD foi tomada a decisão de regresso a Lisboa.

9) Em síntese: o ora Recorrido foi ouvido três vezes, quer direta quer indiretamente:

10) Por via dos seus representantes, conforme ata da 208ª sessão, aquando da proposta de encurtamento da colocação em Londres;

11) Por via dos seus representantes, conforme ata da 210ª sessão, aquando da proposta provisória da não colocação na REPER (Bruxelas), posto ao qual o Recorrido se tinha candidatado; e também

12) Por via direta e pessoal, aquando dessa segunda e última proposta provisória da não colocação na REPER (Bruxelas) e audição esse que o próprio Recorrido confessa que foi realizada e que sobre ela se pronunciou, como entendeu dever fazê-lo.

13) Pelo que não se verificou a violação de formalidade essencial, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, pois a prévia participação do interessado, aqui Recorrido, foi cumprida.

14) E se irregularidade houvesse, foi a mesma sanada por efeito dessa audição pessoal, no âmbito da proposta de decisão de não colocação em Bruxelas (e que se recorda tratar-se do posto ao qual o Recorrido se candidatou).

15) E ainda que assim não se entendesse, o que se admite apenas por dever de ofício, sempre se chegaria à conclusão de que o procedimento adotado pela Entidade Recorrente e atrás descrito logrou alcançar o mesmo resultado, pois os interesses que a norma que estabelece a audiência prévia dos interessados visa alcançar - participação do interessado na decisão, evitando decisões surpresa - foram alcançados direta (pelo Recorrido, que foi consultado) e indiretamente (pelos seus representantes no Conselho) e, por isso, a formalidade sempre se teria degradado em mera irregularidade, e, por isso, sem efeito qualquer invalidante, nos termos do disposto no (atual) artigo 163.º, n.º 5 do CPA (que incorporou jurisprudência pacífica a este respeito) já que o Recorrido teve várias oportunidades de, direta e indiretamente, influenciar a proposta de decisão do Conselho;

16) Em consequência, entende-se que a douta sentença do Tribunal a quo, salvo o devido respeito, que é muito, padece de erro ao ter entendido que foi violado o disposto no (então) artigo 100.º do CPA (audiência prévia dos interessados).

A DECISÃO DE ENCURTAMENTO DO PRAZO FOI DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA.

17) O encurtamento dos prazos de permanência em Posto tem de ser fundamentado, por tal o exigir o CPA como o disposto no artigo 47.º, n.º 2 do ECD;

18) Neste ponto, cumpre referir que consta em ata a seguinte fundamentação:

19) Passou-se imediatamente à discussão do segundo ponto da Ordem do Dia, referente ao Movimento Diplomático Extraordinário 2011. Dentro do conhecido quadro de rigorosa contenção orçamental, da necessidade de imprimir nova orientação aos serviços e da urgência no provimento de Postos prioritários, o SG transmitiu ao Conselho que, após parecer favorável do Departamento Geral de Administração relativamente ao cabimento orçamental, seria possível abrir o Movimento Diplomático Extraordinário 2011.

20) Antecedendo a apresentação da lista de postos e respetivas vagas a integrar no referido Movimento Diplomático, o SG recordou que o Consulado-Geral de Portugal em Londres, a par da importância política inerente à sua localização, tem sido um dos Postos com maior afluência dado o crescimento muito significativo, nos últimos anos, da comunidade portuguesa no Reino Unido. Esta afluência, acompanhada da multiplicidade e diversidade de pedidos e de incumbências que este Consulado-Geral tem sido chamado a cumprir, tem gerado dificuldades na gestão do Posto, as quais aconselham a uma nova abordagem na respetiva condução. Nestes termos, o SG colocou à consideração dos membros presentes e eventual conveniência de o Conselho propor o encurtamento do prazo mínimo de permanência em Posto do atual Cônsul-geral, Conselheiro de Embaixada J………… e, em consequência, nos termos legalmente previstos, a abertura do Posto no âmbito do presente Movimento Diplomático Extraordinário.

21) Todos os membros do Conselho, pronunciando-se individual e sequencialmente, concordaram que era manifesta a vantagem duma nova gestão no Consulado-Geral em Londres, tendo deliberado, por unanimidade, propor a Sua Excelência o Ministro o encurtamento do prazo de permanência em Posto do Conselheiro de Embaixada J…………, nos termos do disposto no artigo 47.º do ECD. Em conformidade com esta deliberação, os membros do Conselho decidiram, por unanimidade, incluir o Consulado-Geral em Londres na lista de vagas a serem abertas no quadro do Movimento Diplomático Extraordinário 2011, condicionado ao despacho de Sua Excelência o Ministro.

22) O ora Recorrido, colocado naquele Posto de 2008 a 2012, bem sabia das dificuldades existentes em Londres, as quais não tinham sido debeladas - apesar do seu empenho, o que nunca a Entidade Recorrente questionou, consequência do aumento exponencial da comunidade portuguesa no Reino Unido e que foram relatados na ata, criando disfunções que impunham a alteração da gerência e molde a imprimir uma nova dinâmica ao Consulado de Londres;

23) Sucede que a fundamentação adotada pelo Conselho é até similar, aliás, àquela que a lei admite e prevê como causa de cessação de comissão de serviço dos cargos dirigentes superiores da Administração Pública (cfr. artigo 25.º do Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Pública (Lei n.º 2/2004);

24) Ora, salvo o devido respeito, que é muito, a douta Decisão exige a fundamentação da própria fundamentação, o que não é exigido à Administração na formulação legal de que a fundamentação deve enunciar de forma sintética os pressupostos de facto e de direito que determinam a decisão – imprimir nova dinâmica num consulado com reconhecidas e públicas dificuldades parece, portanto, corresponder ao imposto pelo CPA;

25) O aqui Recorrido, na qualidade de Cônsul-Geral, detinha um cargo equiparado ao de dirigente superior na Administração Pública (Decreto Regulamentar n.º 5/94, de 24 de fevereiro), dirigia um Consulado-Geral de Portugal, com as dificuldades relatadas em ata, e que o Recorrido certamente não pode invocar que as desconhece, pois lá esteve colocado desde 2008 (primeiro em comissão de serviço e, depois, colocado no movimento, em 2009) a 2012.

26) Por outro lado, o ora Recorrido também sabe que os Consulados de Portugal não são um serviço público clássico, idêntico aos demais sedeados em território nacional, desde logo porque a sua atividade é desenvolvida no estrangeiro, não se detém numa atividade meramente administrativa, mas também política (por via da Convenção de Viena Sobre Relações Consulares) e de melindre, dado que projetam facilmente a imagem do Estado Português perante os outros Estados e perante a Diáspora portuguesa;

27) Foi este o contexto que determinou o encurtamento. O ora Recorrido não ficou convencido, porventura por entender que o encurtamento teria tido motivos diferentes dos relatados em ata (refere abundantemente na PI um alegado conflito com o Secretário-geral do MNE por causa de umas instalações), mas a ata é clara, sintética mas suficiente e coerente para o destinatário do ato, sendo que o Secretário-Geral é apenas um dos membros do órgão colegial que propõe a decisão.

28) Termos em que a decisão do Tribunal a quo, salvo o devido respeito, que é muito, padece de erro nos pressupostos de facto por considerar ter existido vício de forma por falta de fundamentação, o que não se verificou.

DAS CUSTAS

29) Admitindo (apenas por hipótese académica) que o presente recurso não procederá:

30) Determina o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil que é condenado em custas a parte que a elas deu causa, entendendo-se que deu causa a parte vencida na proporção em que o for;

31) Ora, o Autor, aqui Recorrido, não obteve provimento em todos os pedidos que requereu ao Tribunal, tendo decaído parcialmente, pelo que a ação foi julgada apenas parcialmente procedente;

32) Assim sendo, a condenação do Réu, aqui Recorrente, em todas as custas, não é compatível com o preceituado no artigo 527.º do CPC, pelo que se requer a substituição de Sentença por outra, nos termos previstos na mesma norma legal.

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O recorrido contra-alegou e deduziu recurso subordinado, concluindo assim:

1. A Sentença sob recurso deverá ser confirmada com exceção na parte que decidiu julgar improcedente o pedido subsidiário de condenação da entidade recorrida ao restabelecimento da situação existente antes da prática do ato impugnado.

2. O ato anulado padece de vícios formais que o invalidam na totalidade.

3. Por um lado, o Ato anulado não foi precedido do exercício do direito de audiência prévia por parte do administrado, aqui A. nos presentes Autos.

4. Com efeito, os representantes da categoria profissional do A. no Conselho Diplomático não têm qualquer mandato válido, para representar pessoalmente o A. no exercício desse Princípio Procedimental Administrativo fundamental que é o direito de Participação Procedimental.

5. E, por outro lado, o direito de audiência prévia concedido ao A. no procedimento para colocação na REPER, foi concedido depois da decisão de exoneração (encurtamento no posto), pelo que não se pode entender que tal direito de audiência prévia compreende e engloba o direito de audição relativamente ao Ato impugnado.

6. Deverá também ser confirmado a falta devida de fundamentação do ato impugnado, dado que o Autos do Ato não dá a conhecer as razões concretas que o determinaram, antes fornecendo uma fundamentação demasiado genérica e abstrata que não permite ao poder jurisdicional controlar a legalidade deste ato discricionário.

7. O ato sub judice é verdadeiro ato administrativo sujeito ao controlo jurisdicional pelos Tribunais Administrativos - ainda que tal controlo possa ser limitado pela discricionariedade inerente a estes mesmos atos.

8. Além de verificados os requisitos vinculativos previstos na lei, será sempre necessário que o ato seja fundamentado, sendo exposto de forma clara os motivos que conduziram à decisão de encurtamento do período de permanência.

9. A obrigação de fundamentação decorre ainda, expressamente, da CRP.

10. O Artigo 268.º, n.º 3 da CRP dispõe expressamente que: "os atos administrativos (...) carecem de fundamentação legal expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos ".



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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – FACTOS PROVADOS

O tribunal recorrido decidiu estar provada a seguinte factualidade:

A. O autor é funcionário diplomático, tendo ingressado na carreira diplomática em 16/02/1989, como adido de embaixada [acordo e documento de fls. 146 a 151 do processo cautelar apenso].

B. Com início em 07/06/1991, desempenhou as funções inerentes à categoria de secretário de embaixada [acordo e documento de fls. 146 a 151 do processo cautelar apenso].

C. A partir de 12/04/1993, exerceu o cargo de cônsul em Tours [acordo e documento de fls. 146 a 151 do processo cautelar apenso].

D. A partir de 09/12/1997, foi conselheiro de embaixada na Embaixada de Portugal em Luanda [acordo e documento de fls. 146 a 151 do processo cautelar apenso].

E. Foi primeiro secretário de embaixada em 02/03/1998 [acordo e documento de fls. 146 a 151 do processo cautelar apenso].

F. Exerceu funções na secretaria de Estado em 30/10/2000 [acordo e documento de fls. 146 a 151 do processo cautelar apenso].

G. Foi chefe de divisão de planeamento da Direção de Serviços de Administração Consular, em regime de substituição, de 26/02/2003 a 18/09/2003 [acordo e documento de fls. 146 a 151 do processo cautelar apenso].

H. Foi chefe de divisão de Proteção Consular da Direção de Serviços da Administração em 19/09/2003 [acordo e documento de fls. 146 a 151 do processo cautelar apenso].

I. De 30/06/2005 a 27/10/2005, exerceu missão de serviço público em Manchester, com vista à instalação e abertura do primeiro consulado de carreira em Manchester [acordo e documento de fls. 146 a 151 do processo cautelar apenso].

J. Foi nomeado para o cargo de Cônsul-Geral em Manchester em 28/10/2005 [acordo e documento de fls. 146 a 151 do processo cautelar apenso].

K. Foi nomeado conselheiro de embaixada em 21/06/2006 [acordo e documento de fls. 146 a 151 do processo cautelar apenso].

L. Entre 18/09/2008 e 27/05/2009, desenvolveu missão de serviço público no Consulado-geral em Londres [acordo e documento de fls. 152 do processo cautelar apenso].

M. Por despacho do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, de 06/05/2009, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n. º103, de 28 de maio, o autor foi nomeado Cônsul-Geral de Portugal em Londres [acordo e documento de fls. 153 do processo cautelar apenso].

N. Na 208.ª Sessão do Conselho Diplomático, realizada em 10/11/2011, foi deliberada, por unanimidade, a abertura do movimento diplomático extraordinário [documento de fls. 1 a 12 do processo administrativo apenso].

O. Na mesma sessão, foi também deliberado, por unanimidade, propor ao Ministro dos Negócios Estrangeiros o encurtamento do prazo de permanência em posto do autor, nos termos do disposto no artigo 47.º do Estatuto da Carreira Diplomática, e incluir o Consulado-Geral em Londres na lista de vagas a serem abertas no quadro do movimento diplomático extraordinário 2011 [documento de fls. 1 a 12 do processo administrativo apenso – pasta azul].

P. Na ata da sessão do Conselho Diplomático, consta, designadamente, o seguinte:”(…) Antecedendo a apresentação da lista de postos e respetivas vagas a integrar no referido Movimento Diplomático, o SG recordou que o Consulado-Geral de Portugal em Londres, a par da importância política inerente à sua localização, tem sido um dos Postos com maior afluência dado o crescimento muito significativo, nos últimos anos, da comunidade portuguesa no Reino Unido. Esta afluência, acompanhada da multiplicidade e diversidade de pedidos e de incumbências que este Consulado-Geral tem sido chamado a cumprir, tem gerado dificuldades na gestão do Posto, as quais aconselham a uma nova abordagem na respetiva condução. Nestes termos, o SG colocou à consideração dos membros presentes e eventual conveniência de o Conselho propor o encurtamento do prazo mínimo de permanência em Posto do atual Cônsul-Geral, Conselheiro de Embaixada J……………….. e, em consequência, nos termos legalmente previstos, a abertura do Posto no âmbito do presente Movimento Diplomático Extraordinário.

Todos os membros do Conselho, pronunciando-se individual e sequencialmente, concordaram que era manifesta a vantagem duma nova gestão no Consulado-Geral em Londres, tendo deliberado, por unanimidade, propor a Sua Excelência o Ministro o encurtamento do prazo de permanência em Posto do Conselheiro de Embaixada J………., nos termos do disposto no artigo 47.º do ECD. Em conformidade com esta deliberação, os membros do Conselho decidiram, por unanimidade, incluir o Consulado-Geral em Londres na lista de vagas a serem abertas no quadro do Movimento Diplomático Extraordinário 2011, condicionado ao despacho de Sua Excelência o Ministro. (…).” [documento de fls. 1 a 12 do processo administrativo apenso– pasta azul].

Q. Em 11/11/2011, o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros proferiu o seguinte despacho:

“Nos termos das disposições conjugadas do n.º1 do artigo 5.º, artigos 43.º, 44.º e 47.º todos do Decreto-Lei n.º40-A/98, de 27 de fevereiro, do n.º1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º71/2009, de 31 de março, e da alínea f) do n.º4 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º204/2006, de 27 de outubro, determino que, por razões de conveniência de serviço indicadas na proposta da 208.ª sessão do Conselho Diplomático, seja encurtado o prazo de permanência em posto, com a consequente exoneração do cargo de Cônsul-Geral de Portugal em Londres, do conselheiro de embaixada – pessoal diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros – J………….., nomeado por Despacho (extrato) n.º12608/2009, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º103, de 28 de Maio.” [documento de fls. 13 do processo administrativo apenso – pasta azul].

R. Na sequência da deliberação referida em n), foi aberto processo de colocação extraordinário para o ano de 2011 para os seguintes postos: Embaixadas – Dakar, Díli, Maputo, Ankara e Telavive; Representações e Missões Permanentes – REPER E MPONU; Consulados Gerais – Luanda e Londres [acordo e documento de fls. 243 a 255 do processo cautelar apenso].

S. De acordo com o aviso de abertura do movimento, na apresentação das candidaturas, os funcionários diplomáticos deveriam indicar três postos de classes diferente, correspondentes à sua categoria, por ordem decrescente de preferência [acordo e documento de fls. 243 a 255 do processo cautelar apenso].

T. As candidaturas deveriam ser apresentadas até ao dia 23/11/2011 [acordo e documento de fls. 243 a 255 do processo cautelar apenso].

U. No dia 23/11/2011, o autor apresentou a sua candidatura, no movimento diplomático extraordinário 2011, ao posto REPER – Bruxelas, sem indicar outros postos [acordo e documento de fls. 256 a 260 do processo cautelar apenso].

V. No dia 05/12/2011, foi expedido telegrama relativo à proposta provisória de colocações no âmbito do movimento diplomático extraordinário 2011 [acordo e documento de fls. 261 a 264 do processo cautelar apenso].

W. De acordo com a proposta referida em v), para ocupação do posto REPER, foi indicada a Conselheira de Embaixada S….. [acordo e documento de fls. 261 a 264 do processo cautelar apenso].

X. Tendo tomado conhecimento do projeto de decisão, o autor pronunciou-se por escrito sobre o mesmo [acordo e documento de fls. 265 a 286 do processo cautelar apenso].

Y. No dia 06/12/2011, a Presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego dirigiu ao Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros um fax, solicitando informação sobre a possibilidade de o Ministério concretizar o direito à conciliação da atividade profissional com a vida familiar do autor [acordo e documento de fls. 287 e 288 do processo cautelar apenso].

Z. Na 211.ª Sessão do Conselho Diplomático, realizada em 13/12/2011, foi deliberado aprovar a proposta de colocações e transferências no quadro do movimento diplomático extraordinário 2011, tendo sido indicada para ocupar o posto REPER – Bruxelas a Conselheira de Embaixada S……….. [documento de fls. 64 a 72 do processo administrativo apenso].

AA. Na ata da 211.ª Sessão do Conselho Diplomático, consta, designadamente, o seguinte:

“(…)




“Texto integral com imagem”

(…).” [documento de fls. 64 a 72 do processo administrativo apenso].

BB. O autor tomou conhecimento do teor da ata da 208.ª sessão do Conselho Diplomático em 23/12/2011 [acordo e documento de fls. 242 do processo cautelar apenso].

CC. No dia 04/01/2012, a Presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego enviou um fax para o Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros a solicitar informação urgente sobre a conciliação da atividade profissional com a vida familiar do autor [acordo e documento de fls. 289 do processo cautelar apenso].

DD. Por despacho do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, de 13/01/2012, foi homologada a lista definitiva do movimento diplomático extraordinário 2011 [acordo e documento de fls. 301 a 304 do processo cautelar apenso].

EE. O mesmo despacho homologou o regresso do autor aos Serviços Internos [acordo e documento de fls. 301 a 304 do processo cautelar apenso].

FF. Por despacho do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, de 13/01/2012, foi determinado que a Conselheira de Embaixada S………. fosse colocada na REPER – Bruxelas [documento de fls. 82 do processo administrativo apenso – pasta azul].

GG. Por despacho do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, de 13/01/2012, o Conselheiro de Embaixada F…….. foi nomeado Cônsul-Geral de Portugal em Londres [documento de fls. 74 do processo administrativo apenso – pasta azul].

HH. No dia 16/01/2012, o despacho homologatório da lista definitiva de colocações no âmbito do movimento diplomático extraordinário 2011 foi enviado para todas as representações externas do Estado Português [acordo e documento de fls. 301 a 304 do processo cautelar apenso].

II. No dia 31/01/2012, foi publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º22, Parte C, o Despacho n.º1381/2012, que tornou público que por despacho do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, de 11/11/2011, tinha sido determinado que, por razões de conveniência de serviço indicadas na proposta da 208.ª sessão do Conselho Diplomático, fosse encurtado o prazo de permanência em posto, com a consequente exoneração do cargo de Cônsul-Geral de Portugal em Londres, do Conselheiro de Embaixada J………. [documento de fls. 306 e 307 do processo cautelar apenso].

JJ. No mesmo dia, foi publicado no Diário da República, 2.ª Série, n. º22, Parte C, o Despacho (extrato) n. º1379/2012, que tornou pública a colocação da Conselheira de Embaixada S….. na REPER – Bruxelas [documento de fls. 306 e 307 do processo cautelar apenso].

KK. No mesmo dia, foi publicado no Diário da República, 2.ª Série, n. º22, Parte C, o Despacho (extrato) n. º1383/2012, que tornou pública a nomeação do Conselheiro de Embaixada F…….…. como Cônsul-Geral de Portugal em Londres [documento de fls. 306 e 307 do processo cautelar apenso].

LL. O autor é casado com a diplomata S……….. [acordo e documento de fls. 308 do processo cautelar apenso].

MM. No movimento diplomático extraordinário realizado em 2006, a esposa do autor requereu a aproximação familiar ao seu cônjuge, pedido que não foi atendido pelo Conselho Diplomático, que deliberou colocá-la no México [acordo e documentos de fls. 311 a 316 do processo cautelar apenso].

NN. Em 2006, o filho do autor e da sua esposa tinha 13 anos [documento de fls. 317 do processo cautelar apenso].

OO. Durante o período em que o autor exerceu o cargo de Cônsul-Geral em Manchester, a sua esposa esteve colocada na Embaixada de Portugal no México [acordo e documentos de fls. 310 a 316 do processo cautelar apenso].

PP. No movimento diplomático ordinário de 2009, o autor e a sua esposa apresentaram candidatura cuja seleção e ordenação preferencial dos postos indicados teve em atenção o objetivo de aproximação familiar [acordo e documentos de fls. 318 a 328 do processo cautelar apenso].

QQ. Neste movimento, os pedidos do autor e da sua esposa não foram atendidos [acordo].

RR. No mesmo movimento, foram colocados na mesma cidade: P……… – Missão Unesco Paris – casado com A……….. – Embaixada de Portugal em Paris; F……. – Missão ONU/Nova Iorque – casado com S…….., colocada na mesma Missão em 2008 [acordo e documentos de fls. 335 a 340 do processo cautelar apenso].

SS. No movimento diplomático extraordinário de 2009, a esposa do autor foi colocada na Embaixada de Portugal em Oslo, tendo iniciado funções em 15/12/2009 [acordo e documento de fls. 310 do processo cautelar apenso].

TT. Por despacho do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, de 17/04/2012, foi determinado que fosse encurtado o prazo de permanência em posto, com o consequente regresso aos serviços internos, da Conselheira de Embaixada S…….., esposa do autor [despacho publicado no Diário da República, 2.ª Série, n. º90, de 09/05/2012].

UU. Na avaliação de desempenho do autor, relativa ao ano de 2008, efetuada pelo Embaixador de Portugal em Londres, consta, designadamente, o seguinte: “O Dr. J……… exerceu com muita competência e dedicação as funções de Cônsul Geral em Manchester - até 11 de novembro de 2008 – e em Londres, a partir de 18 de Setembro do ano passado.

Apraz-me registar a capacidade evidenciada na resolução dos problemas da nossa Comunidade e no estabelecimento de uma boa rede de contactos com autoridades locais, tanto em Manchester, como em Londres.

De sublinhar, em especial, a forma como dinamizou a atividade do Consulado Geral na capital britânica desde que iniciou o exercício destas suas novas funções. A alteração do horário de trabalho e o diálogo mantido com os funcionários permitiram um muito melhor atendimento do público, que se traduziu numa redução significativa do período necessário à emissão de documentos, como certidões e passaportes, facto que é reconhecido pela Comunidade Portuguesa.” [documento de fls. 342 do processo cautelar apenso].

VV. Na avaliação de desempenho, relativa ao ano de 2011, o Embaixador de Portugal em Londres, avaliador, propôs, em 31/01/2012, que fosse atribuída ao autor a notação quantitativa de 4.559 e a notação qualitativa de desempenho relevante, com a seguinte fundamentação: “O Dr. J……… exerceu com visível dedicação e empenho, não obstante as condições adversas de ordem quantitativa e qualitativa, a que o Consulado Geral em Londres constantemente continua a ter de fazer face, as funções de Cônsul Geral em Londres.” [documento de fls. 191 a 196 dos autos].

WW. Foi atribuída ao autor a pontuação máxima quanto a todas as competências avaliadas: orientação para resultados, liderança e gestão de pessoas; visão estratégica [documento de fls. 191 a 196 dos autos].

XX. Foi considerado que o autor superou os objetivos de “manutenção de um bom relacionamento com os representantes dos vários sectores da comunidade portuguesa” e de “manutenção de um bom relacionamento com as autoridades locais, designadamente nos municípios onde reside e trabalha a comunidade portuguesa” e que atingiu o objetivo de “melhoria das condições de atendimento no Consulado Geral em Londres” [documento de fls. 191 a 196 dos autos].

YY. Na avaliação final, a Comissão de Avaliação atribuiu ao autor a notação quantitativa de 4.559 e a notação qualitativa de desempenho adequado [documento de fls. 191 a 196 dos autos].

ZZ. O autor tem mais antiguidade na carreira diplomática e na categoria de conselheiro de embaixada do que a contra-interessada S…….. [acordo e documento de fls. 352 e 353 do processo cautelar apenso].

AAA. Consta do Anuário Diplomático e Consular Português, do ano de 2007, o seguinte:

“Texto integral com imagem”




“Texto integral com imagem”

[documento de fls. 146 a 151 do processo cautelar apenso].

*

II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso - cf. artigos 144º-2 e 146º-4 do CPTA, artigos 5º, 608º-2, 635º-4-5 e 639º do CPC-2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA -, alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas; sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo - cf. artigos 73º-4, 141º-2-3, 143º e 146º-1-3 do CPTA. Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule - isto no sentido muito amplo utilizado no CPC - deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e as condições legalmente exigidos para o efeito.

Ora, tudo visto, as questões a resolver contra a decisão ora recorrida, com base nos 2 recursos interpostos, são as seguintes:

- O TAC errou quando concluiu que não foi integralmente respeito o direito à audiência prévia dos interessados?

- O TAC errou quando considerou que o ato administrativo não cumpriu devidamente o dever de fundamentação?

- O TAC errou ao concluir que, apesar de o ato ser de anular, não haver lugar à reconstituição da situação atual hipotética, porque o “ato administrativo anulado por vício de forma (em sentido amplo) é renovável?

*

Temos presente tudo o que já expusemos, bem como: (1º) que a ordem jurídica(1) posta através de atos humanos – o jurídico real e social - se refere a um conjunto de regras e princípios jurídicos ordenado em função de um ou mais pontos de vista [sistema], sendo o ordenamento jurídico um sistema social - no sentido do jurista e sociólogo N. Luhmann: um sistema da sociedade moderna, funcionalmente diferenciado, autopoiético, coerente e racional, cuja função é manter estáveis as expectativas socio-normativas independentemente da sua eventual violação - mas sistema aberto e alterável, nomeadamente em consequência de novos objetivos e do acoplamento estrutural entre sistemas sociais; (2º) que o Direito administrativo é Direito constitucional democrático concretizado; (3º) que existe uma correta, objetiva e racional metodologia jurídica para conhecer o direito objetivo e uma correta, objetiva e racional metodologia jurídica para decidir processos jurisdicionais(2) [cf. os essenciais artigos 8º a 11º do CC quanto à interpretação dos enunciados normativos infraconstitucionais: o elemento filológico ou gramatical, o elemento lógico-sistemático, o elemento pragmático-teleológico-objetivo e o elemento genético-histórico; vd. Miguel Nogueira de Brito, Introdução ao Estudo do Direito, 2ª ed., AAFDL Edit., Lisboa, 2018, capítulo I, nº 3, e capítulo III], no âmbito de um Estado democrático e social de Direito Constitucional - cf. os artigos 1º a 3º, 9º, 110º-1, 112º, 202º-1-2, 203º e 204º da CRP e os artigos 1º a 11º, 335º, 342º e 343º do CC; (4º) que, para compreender objetivamente o direito objetivo [por contraposição: a direito subjetivo, a “right” na língua inglesa(3)] aplicado, é mister assumir (i) que o direito objetivo vigente não é a opção político-jurídica ou valorativa que está a montante das fontes, (ii) que metódica da dogmática jurídica, metódica jurisdicional e metódica filosófica são três coisas distintas, (iii) que o direito objetivo tem na sua natureza o princípio estrutural da segurança jurídica [cf. artigos 1º e 2º da CRP], e (iv) que as máximas metódicas ou postulados aplicativos da igualdade e da proporcionalidade administrativas, fora das vinculações jurídicas estritas, implicam um específico dever de fundamentação expressa - cf. artigos 1º e 2º da CRP e 7º do CPA; (v) destaca-se ainda, nesta Jurisdição, o princípio jurídico geral da prossecução do interesse coletivo por parte de todas as atividades de administração pública - cf. artigos 266º(4) e 268º-3-4 da CRP. (5)

Passemos, pois, à análise dos recursos de apelação.

*

1 - O TAC errou quando concluiu que não foi integralmente respeito o direito à audiência prévia dos interessados?

Como lembra o TAC, à data em que foi praticado o ato impugnado nos autos, encontrava-se em vigor o Decreto-lei n.º40-A/98, de 27 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-lei n.º153/2005, de 2 de Setembro, e n.º10/2008, de 17 de Janeiro, e pela Lei n.º55-A/2010, de 31 de Dezembro, que define o estatuto profissional dos funcionários do quadro do serviço diplomático, doravante designado por Estatuto da Carreira Diplomática.

Nos termos do artigo 2.º do Estatuto da Carreira Diplomática, “Os funcionários diplomáticos constituem um corpo único e especial de funcionários do Estado, sujeito a regras específicas de ingresso, progressão e promoção na respetiva carreira, independentemente das funções que sejam chamados a desempenhar”.

Atento o disposto no artigo 4.º, do mesmo Estatuto, “aos funcionários diplomáticos compete a execução da política externa do Estado, a defesa dos seus interesses no plano internacional e a proteção, no estrangeiro, dos direitos dos cidadãos portugueses”.

O artigo 5.º do mesmo Estatuto, sob a epígrafe “Mobilidade”, estabelece o seguinte: “1. Os funcionários diplomáticos desempenham indistintamente as suas funções em Portugal e no estrangeiro, de harmonia com as disposições do presente estatuto. 2. Os funcionários referidos no número anterior podem ser colocados em qualquer serviço do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sem necessidade de atribuição de lugares de chefia”.

Relativamente aos critérios de colocação e transferência dos funcionários diplomáticos, o artigo 45.º do Estatuto da Carreira Diplomática estabelece o seguinte: “1. Sem prejuízo do disposto na presente secção, o conselho diplomático, tendo sempre em consideração o interesse público e os objetivos da política externa portuguesa, observará, sucessiva e cumulativamente, os seguintes critérios na elaboração das propostas de colocações e transferências: a) As qualidades profissionais e a adequação do perfil pessoal dos funcionários ao posto considerado; A classe dos postos em que os funcionários diplomáticos estiveram anteriormente colocados; c) As preferências expressas pelos funcionários; d) A sua antiguidade na categoria. 2. Na elaboração das propostas de colocações e transferências, o conselho diplomático ponderará, na medida do possível e sem prejuízo da prevalência do interesse serviço, aspetos da vida pessoal dos funcionários, designadamente a reunificação ou aproximação familiares, que possam justificar um atendimento especial das preferências manifestadas no âmbito da alínea c) do número anterior”.

Atento o disposto nas normas citadas, conclui-se que os funcionários diplomáticos estão sujeitos a uma regra específica de mobilidade, a qual não carece, nem depende de manifestação de vontade por parte do funcionário, ou seja, os funcionários diplomáticos podem ser transferidos de posto sem o seu acordo, bem como podem ser colocados num posto ainda que não tenham apresentado qualquer candidatura no âmbito do respetivo processo de colocações e transferências.

Quanto à permanência em posto, o artigo 47.º do referido Estatuto estabelece que: “1. Os funcionários diplomáticos deverão ser transferidos no decurso do ano em que perfaçam: a) Um mínimo de três ou um máximo de quatro anos de permanência no posto, quando colocados em postos de classe A ou B; b) Um mínimo de dois ou um máximo de três anos de permanência no posto, quando colocados em postos de classe C. 2. Por despacho do Ministro dos Negócios Estrangeiros, sob proposta devidamente fundamentada do conselho diplomático, os prazos previstos no número anterior poderão ser prorrogados por um ano, a pedido do interessado ou por razões de reconhecido interesse público. 3. Por despacho do Ministro dos Negócios Estrangeiros, sob proposta devidamente fundamentada do conselho diplomático, os prazos previstos no n. º1 poderão ser encurtados. 4. Nenhum funcionário diplomático pode permanecer nos serviços externos por um período ininterrupto superior a nove anos. 5. O disposto nos números anteriores não se aplica aos chefes de missão”.

Não obstante a mobilidade a que estão sujeitos os funcionários diplomáticos, a norma citada estabelece um período de tempo mínimo e máximo que os funcionários podem ocupar determinado posto, os quais, no entanto, podem ser, respetivamente, encurtado e prorrogado, sendo que quanto ao encurtamento do período de permanência em posto, a mesma norma não enuncia em que situações o mesmo pode ter lugar.

É, assim, conferida uma margem de discricionariedade ao Ministério dos Negócios Estrangeiros relativamente ao encurtamento do período de permanência em posto. No entanto, o encurtamento do período de permanência em posto não pode deixar de encontrar o seu fundamento em razões de interesse público, designadamente nos objetivos da política externa portuguesa, atento o princípio da prossecução do interesse público, a que está subordinada toda a atividade administrativa, e tendo presente as funções desempenhadas pelos funcionários diplomáticos.

Em suma, gozando a Administração de uma margem de discricionariedade quanto ao encurtamento do período de permanência em posto dos funcionários diplomáticos, a mesma encontra-se balizada pela prossecução do interesse público, em geral, e pelos objetivos da política externa portuguesa, em especial.

O princípio da participação encontra-se consagrado no artigo 8.º do CPA, aprovado pelo Decreto-lei n.º442/91, de 15 de Novembro, alterado pelo Decreto-lei n.º6/96, de 31 de Janeiro, em vigor à data em que foi praticado o ato impugnado nos autos, que concretiza o disposto no artigo 267.º, n.º1 da Constituição, nos seguintes termos: “Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objeto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respetiva audiência nos termos deste Código”.

A audiência dos interessados encontra-se prevista no artigo 100.º do CPA, aprovado pelo Decreto-lei n.º442/91, de 15 de Novembro, alterado pelo Decreto-lei n.º6/96, de 31 de Janeiro, no capítulo relativo à marcha do procedimento, estabelecendo o n.º1 da referida norma o seguinte: “Concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente sobre o sentido provável desta”.

A audiência dos interessados desempenha funções subjetivas, tais como evitar decisões surpresa e facultar aos particulares uma oportunidade para darem a conhecer à Administração as suas posições e argumentos, e funções objetivas, na medida em que o conhecimento da posição do particular perm ite à Administração decidir melhor e de forma consensual, tendo em consideração as diferentes perspetivas sobre uma mesma questão.

Ora, atendendo a que o princípio da participação dos interessados é configurado como um princípio geral do procedimento administrativo, consideramos que o facto do Estatuto da Carreira Diplomática não prever a realização da audiência dos interessados não afasta a obrigatoriedade, em geral, da sua realização antes de ser proferida a decisão de encurtamento do período de permanência em posto, por força do disposto nos artigos 2.º, n.ºs 1 e 5, 8.º e 100.º do CPA.

Assim sendo, concluímos que antes de ser proferida a decisão de encurtamento do período de permanência em posto, deveria ter sido dada oportunidade ao autor de se pronunciar em sede de audiência dos interessados, sendo certo que tal decisão foi proferida autonomamente relativamente ao movimento diplomático extraordinário 2011, constituindo, aliás, uma decisão prévia a este, pelo que a audiência realizada antes de ser proferida a decisão final no referido movimento não era suficiente para assegurar o princípio da participação dos interessados .

Diferente seria se a decisão de encurtamento do período de permanência não tivesse sido tomada antes de ter início o movimento diplomático extraordinário 2011 e apenas fosse proferida no quadro deste movimento, o que não aconteceu.

Tendo presente o alegado pela entidade demandada, cumpre referir que o autor apenas teve oportunidade de se pronunciar sobre a proposta provisória de colocações no âmbito do movimento diplomático extraordinário 2011, e já não sobre o despacho que determinou o encurtamento do período de permanência em posto proferido em 11/11/2011, ou seja, antes de ter sido iniciado o referido movimento e de terem sido apresentadas as candidaturas.

Quando o autor se pronunciou no âmbito do movimento diplomático extraordinário de 2011, a decisão sobre o encurtamento do período de permanência em posto já tinha sido tomada, pelo que ainda que o autor pudesse, eventualmente, se pronunciar sobre esta última decisão, tal pronúncia seria insuscetível de produzir qualquer efeito útil.

Em suma, não pode proceder a alegação da entidade demandada no sentido de que a pretensa irregularidade formal foi tempestivamente sanada através da possibilidade concedida ao autor para, no momento em que o Conselho Diplomático se pronunciou sobre o preenchimento do posto REPER, se pronunciar sobre ambas as deliberações antes de tomada definitivamente a decisão final pelo Ministro, uma vez que esta decisão final apenas dizia respeito às colocações no quadro do movimento diplomático extraordinário 2011, e já não ao encurtamento do período de permanência em posto, decisão que, reitere-se, já tinha sido tomada.

Pelo exposto, considerando que não foi dada oportunidade ao autor de se pronunciar antes de ser proferido o despacho que determinou o encurtamento do período de permanência em posto, concluímos que foi preterida a formalidade essencial de audiência dos interessados, pelo que o despacho impugnado padece de vício de forma.

Portanto, como o autor foi ouvido após a decisão de encurtamento cit. estar tomada, é evidente que o direito à audiência prévia do autor foi violado.

O TAC decidiu bem, portanto.

2 - O TAC errou quando considerou que o ato administrativo não cumpriu devidamente o dever de fundamentação?

2.1.

A fundamentação expressa dos atos administrativos, através da justificação e ou apresentação de motivos, é um imperativo constitucional e um direito dos cidadãos (cf. artigo 268º/3 da Constituição; cf. Gomes Canotilho/V.M., Constituição da República Portuguesa Anotada, II, 4ª ed., no comentário ao artigo 268º; Paulo Otero, D. do Procedimento Adm., I, 2016, pág. 579).

Decorre do CPA que toda a fundamentação deve ser uma declaração (em regra) escrita e, sob pena de anulabilidade (artigo 163º/1 do CPA), com exteriorização clara, coerente e suficiente (6) das razões de facto e das razões de direito da decisão administrativa; ou uma declaração de concordância com os (claros, coerentes e suficientes) fundamentos de facto e de direito de anteriores pareceres, informações ou propostas. Ali, como veremos, “razões” tanto são (1) os pressupostos e justificação da decisão administrativa, como (2) os motivos dessa decisão.

Como é da natureza humana, da razão humana, a fundamentação de toda e qualquer decisão, fundamentação maior ou menor conforme o caso concreto, simples ou complexa consoante o caso concreto, implica sempre, naturalmente, um discurso assente em raciocínios explicativos.

E, por isso, tais raciocínios explicativos, que existem em toda a atividade humana intelectiva, devem ser exteriorizados em todos os tipos de atos administrativos potencialmente lesivos. Muito à semelhança do que conduziu, para a função jurisdicional, à seguinte disposição legal do CPC: “Na fundamentação (…) declara quais os factos (…), analisando criticamente as provas (…)” (cf. artigo 607º/4).

Há, na fundamentação imposta pelo nº 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, (i) um propósito argumentativo da coerência do discurso explicativo e (ii) um propósito garantístico da controlabilidade dessa coerência desse discurso (cf. Luis Ortega, La ponderacíon en el marco del pluralismo, in Ponderación y Derecho Administrativo, coord. de Luis Orega e Susana de la Sierra, Marcial Pons, Madrid, 2009, p. 17, e Luis Arroyo Jiménez, Ponderación, proporcionalidad y Derecho administrativo, p. 71, in Ponderación y Derecho Administrativo cit.).

Por isso, não são admissíveis explicações obscuras ou tautológicas por parte do decisor administrativo. Por isso, exige-se lógica, verdade e transparência na fundamentação-justificação e na fundamentação-motivos, numa exigência de obediência à verdade material.

Trata-se, portanto, de uma garantia constitucional fundamental, de tipo procedimental, consagrada expressamente no cit. nº 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, e não de uma mera formalidade sem substância. É, assim, uma formalidade essencial imposta pela lei fundamental. Garante valores essenciais numa democracia que prossiga a tutela jurisdicional efetiva:

-Transparência,

-Rigor,

-Verdade,

-Autocontrolo e

-Heterocontrolo pleno (cf. assim o Ponto B do Acórdão do TJCE de 20-03-1959, Nold c. Alta Autoridade, Processo nº 18/57, in RJC, págs. 114-115).

Ora, a fundamentação da decisão administrativa, por referência ao princípio da obediência à lei e ao Direito, de acordo com o princípio da coerência racional da atividade administrativa,(7) deve conter sempre, pelo menos, a indicação dos seus pressupostos de facto e de direito (justificação; “vontade administrativa dirigida pela lei” – cf. Paulo Otero, D. do Procedimento Administrativo, I, p. 467). Mas deve ser também, quanto aos aspetos não estritamente vinculados do ato administrativo, uma declaração sobre os motivos da decisão, isto é, sobre os pressupostos subjetivos da decisão; é a motivação das opções, escolhas e valorações administrativas (a causa subjetiva), a “vontade administrativa não dirigida por lei estrita”.

Com efeito, é precisamente a ponderação (sobre os elementos, fatores, parâmetros ou critérios) o que está em causa na chamada discricionariedade administrativa, pois aí, inevitavelmente, a motivação ou apresentação dos motivos tem de respeitar regras lógicas de racionalidade, verdade material e coerência, bem como as normas jurídicas decorrentes dos artigos 266º e 268º/3 da CRP e 3º ss do CPA. Fala-se em motivos e não apenas em justificação.

E só será possível ao tribunal fiscalizar essa ponderação se os raciocínios em que ela consistiu forem exteriorizados. Sem isso não há verdadeira fundamentação do ato administrativo não estritamente vinculado à lei; quando muito, haverá um simulacro daquilo que é exigido pela CRP e pelo CPA em sede de fundamentação. E este simulacro, (i) encoberto pela óbvia “relatividade” do dever de fundamentação “in concreto” ou (ii) misturado com uma errada aplicação do princípio da separação e interdependência dos poderes, serve, não raras vezes, para defraudar o exigido ao juiz pelo princípio fundamental da tutela jurisdicional plena e efetiva.

Como escreve Hartmut Maurer, in Allgemeines Verwaltungsrecht, 9ª ed., Munique, 1994, pág. 224, a fundamentação é uma “janela” de acesso dos tribunais à racionalidade e coerência do trajeto procedimental da decisão administrativa (cit. por Paulo Otero, in D. do Procedimento Administrativo, I, 2016, pág. 577).

E, assim, não basta a uma tutela jurisdicional que se quer efetiva que, por exemplo, os júris que classificam ou avaliam candidatos ou concorrentes em procedimentos concorrenciais para nomeação ou contratação de pessoas, enunciem apenas os “elementos, fatores, parâmetros ou critérios na base dos quais o júri procedeu à ponderação determinante do resultado concreto a que chegou” (Ac. do STA de 31.10.91, Processo nº 026846), sem referir qual foi a ponderação – racional - concretamente feita.

A CRP exige à fundamentação-justificação e à fundamentação-motivação da decisão administrativa que torne acessível, ao detentor do direito ou do interesse legalmente protegido afetado, os raciocínios inerentes à valoração por que se chegou a determinada conclusão (o iter mental com os motivos)-(cf. Acórdão do STA-Pleno de 26-10-2017, p. nº 038/14). Sem motivos expressos, sem prévia ou simultânea explicação racional ou coerente, não haveria decisão administrativa efetivamente fiscalizável, o que seria incompatível com o Estado democrático de Direito.

Assim, a motivação (isto é, a exteriorização dos motivos ou pressupostos subjetivos) de uma decisão de administração pública, não estritamente vinculada à lei, não pode assentar apenas:

(i) em números ou pontuações (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26-10-2004, Processo nº 043240),

(ii) em meras conclusões (cf. o Acórdão do STA de 16-12-2009, Processo nº 0882/09), adjetivantes ou não, ou

(iii) em meras opiniões (cf., i.a., o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16-06-2016, Processo nº 12565/15(8)). Independentemente de a motivação constar de um texto expositivo ou narrativo, de uma grelha ou de outro esquema gráfico previamente tipificado pelo decisor.

Se a apresentação dos motivos fundamentadores pudesse assentar apenas em meras pontuações, adjetivações, conclusões ou opiniões, não estaríamos perante verdadeiros motivos, porque as pontuações ou adjetivações resultam sempre de raciocínios. E seria impossível fiscalizar o cumprimento dos respetivos limites legais (cf. artigos 266º/2 e 268º/3 da CRP e artigos 3º ss do CPA) e das respetivas autovinculações lícitas. Ou seja, nunca seria possível tutelar os administrados contra motivos falsos, errados, irrelevantes, contraditórios, deficientes, desviados, incongruentes ou ilegítimos, assim se violando ou defraudando a CRP e o CPA.

Portanto, sem um discurso explicativo e racional da decisão administrativa (não tautológico, explicativo dos “quid” que conduziram ao elemento racional e decisório do ato administrativo), portanto um discurso minimamente densificado (cf. o Acórdão de UJ do STA-Pleno de 21-01-2014), (i) não há verdadeira fundamentação e (ii) a fiscalização de toda e qualquer decisão administrativa fica impedida ou reduzida a uma formalidade vazia. E assim se poderia defraudar o Estado democrático de Direito e os seus princípios jurídico-administrativos fundamentais, maxime, o da tutela jurisdicional efetiva e o da juridicidade administrativa.

Isto quer dizer que um ato administrativo, predominantemente vinculado (onde se deve falar em “fundamentação-justificação”(9) ou predominantemente discricionário(10) (onde se deve falar em “fundamentação-motivação”(11)), só respeita o direito do administrado à fundamentação dos atos administrativos desfavoráveis quando o (1) respetivo texto expositivo ou narrativo, (2) a respetiva grelha ou (3) outro esquema gráfico previamente tipificado pelo decisor permitam, por conterem densificação suficiente (cf. o Acórdão de UJ do STA-Pleno de 21-01-2014), que o destinatário fique ciente

(i) do sentido da decisão administrativa,

(ii) dos pressupostos e

(iii) dos motivos que a sustentam. O que, naturalmente, só é possível através da exteriorização do itinerário de conhecimento e ou de apreciação-valoração seguido pela entidade administrativa até à decisão final (cf. o Acórdão do STA de 26-04-2018, Processo nº 0287/17; o Acórdão do STA de 23-10-2008, Processo nº 0827/07).

Depois, porque os tribunais terão assim condições reais para aplicar o Direito, o destinatário da decisão administrativa poderá optar, conscientemente, entre concordar com o ato decisório ou promover a tutela jurisdicional efetiva (um direito fundamental), isto é, acionar os meios legais de heterocontrolo, para efeitos de fiscalização da juridicidade em sede de: (i) exigências legais relativas ao sujeito administrativo, (ii) exigências legais relativas ao quid do ato, (iii) exigências legais relativas ao procedimento administrativo, (iv) pressupostos de facto da decisão, (v) pressupostos de direito da decisão e ou (vi) motivos da concreta atuação administrativa.

2.2.

Nos termos do artigo 268.º, n. º3, da Constituição, “Os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

A norma constitucional citada encontra-se concretizada nos artigos 124.º e 125.º do CPA, aprovado pelo Decreto-lei n.º442/91, de 15 de Novembro, em vigor à data em que foi praticado o ato impugnado, sendo que a primeira norma referida, na alínea a) do n.º1, estabelece o seguinte: “Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente; a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções”.

O despacho impugnado determinou o encurtamento do período de permanência em posto do autor, sendo que, nos termos do artigo 47.º, n. º3, do Estatuto da Carreira Diplomática, já citado, o encurtamento é determinado por despacho do Ministro dos Negócios Estrangeiros, sob proposta devidamente fundamentada do Conselho Diplomático.

O dever de fundamentação do despacho impugnado resulta, assim, não só das normas supra citadas do CPA, mas também da norma do artigo 47.º, n.º3, do Estatuto da Carreira Diplomática, o que demonstra a preocupação do legislador ordinário com a fundamentação da decisão de encurtamento do período de permanência em posto, que encontra o seu fundamento na ampla margem de discricionariedade de que o Ministério dos Negócios Estrangeiros goza nesta matéria.

O despacho impugnado remete para a proposta do Conselho Diplomático, onde consta o seguinte: “Antecedendo a apresentação da lista de postos e respetivas vagas a integrar no referido Movimento Diplomático, o SG recordou que o Consulado-Geral de Portugal em Londres, a par da importância política inerente à sua localização, tem sido um dos Postos com maior afluência dado o crescimento muito significativo, nos últimos anos, da comunidade portuguesa no Reino Unido. Esta afluência, acompanhada da multiplicidade e diversidade de pedidos e de incumbências que este Consulado-Geral tem sido chamado a cumprir, tem gerado dificuldades na gestão do Posto, as quais aconselham uma nova abordagem na respetiva condução. Nestes termos, o SG colocou à consideração dos membros presentes e eventual conveniência de o Conselho propor o encurtamento do prazo mínimo de permanência em Posto do atual Cônsul-Geral, Conselheiro de Embaixada J……… e, em consequência, nos termos legalmente previstos, a abertura do Posto no âmbito do presente Movimento Diplomático Extraordinário. Todos os membros do Conselho, pronunciando-se individual e sequencialmente, concordaram que era manifesta a vantagem duma nova gestão no Consulado-Geral em Londres, tendo deliberado, por unanimidade, propor a Sua Excelência o Ministro o encurtamento do prazo de permanência em Posto do Conselheiro de Embaixada J………….., nos termos do disposto no artigo 47.º do ECD.” [alínea p) dos factos provados].

Atento o exposto, e em suma, conclui-se que o encurtamento do período de permanência em posto do autor encontrou o seu fundamento na afluência ao Consulado-Geral em Londres, acompanhada da multiplicidade e diversidade de pedidos de incumbências que este Consulado-Geral tem sido chamado a cumprir, gerar dificuldades na gestão do Posto, que aconselham uma nova abordagem na respetiva condução.

Ora, não só não são concretizadas as dificuldades na gestão do posto, como não se esclarece a razão pela qual as mesmas aconselham uma nova abordagem na respetiva condução, bem como não se refere quais os problemas detetados na condução do posto pelo autor que demandam a sua substituição.

De facto, a conclusão pela necessidade de uma nova abordagem na condução do Consulado-Geral em Londres tem implícito um juízo sobre a condução do posto levada a cabo pelo autor que não é exteriorizado, quando só através de tal exteriorização era possível compreender por que razão se mostrava necessária a referida nova abordagem, cujos contornos, assim, e em rigor, se desconhece.

O autor não ficou, assim, em condições de compreender as razões concretas que determinaram o encurtamento do seu período de permanência em posto, sendo certo que embora tal encurtamento não tenha que ser motivado por razões extraordinárias, não deixa de constituir uma exceção, uma vez que a regra é que os funcionários diplomáticos permaneçam nos respetivos postos o período de tempo previsto no artigo 47.º, n.º1, do Estatuto da Carreira Diplomática.

Acresce que a margem de discricionariedade de que a Administração goza no quadro do encurtamento do período de permanência em posto dos funcionários diplomáticos implica e, em certo sentido, tem como contrapartida um dever acrescido de fundamentação da decisão, na medida em que o controlo judicial das decisões discricionárias da Administração, sendo limitado, passa pela verificação da adequação do ato ao fim, isto, é ao interesse público a prosseguir, a qual apenas é possível quando o ato discricionário se encontra devidamente fundamentado.

Pelo exposto, concluímos que o despacho que determinou o encurtamento do período de permanência em posto do autor não se encontra devidamente fundamentado, pelo que padece do vício de falta de fundamentação.

Em síntese: “maior afluência”, “muitos pedidos e incumbências “ao posto, “manifesta vantagem de uma nova gestão”, “dificuldades na gestão que aconselham uma nova abordagem”, são motivos vazios.

Portanto, o ato administrativo não está motivado. Está justificado vagamente, mas não tem verdadeira motivação.

O TAC decidiu corretamente.

3 - O TAC errou ao concluir que, apesar de o ato ser de anular, não há lugar à reconstituição da situação atual hipotética, porque o ato administrativo anulado por vício de forma (em sentido amplo) é renovável?

3.1.

O 2º pedido formulado na p.i., em consequência do 1º, que procede, é a condenação da entidade demandada ao restabelecimento da situação existente antes da prática do ato impugnado, através da adoção dos atos e operações materiais necessários à (i) sua manutenção no referido Consulado Geral (ii) até perfazer o período mínimo de permanência previsto no artigo 47.º, n.º1, alínea a), do Estatuto da Carreira Diplomática e (iii) até ser aberto novo movimento diplomático a que se possa candidatar.

A anulação de um ato administrativo significa que ele produz efeitos – provisórios - até ser anulado. É que, com a anulação, os seus efeitos são destruídos retroativamente (cf. artigo 163º-1-2 do CPA; Paulo Otero, D. do Proced. Adm., I, pp. 629 ss; Mário Aroso, T.G.D.A., 5ª ed., pp. 303-304).

No caso de anulação contenciosa, a anulação tem, pois, carater constitutivo, tudo se passando como se o ato não tivesse existido, dando, por isso, lugar à chamada reconstituição da situação atual hipotética.

Não há, pois, dúvidas de que novo ato terá de ser emitido se a A.P. quiser produzir algum efeito jurídico externo. Só não será assim nos casos excecionais tradicionais e hoje previstos no artigo 163º-5 do CPA, em que, na verdade, o juiz não anula o ato anulável.

3.2.

Ora, no caso presente, o tribunal a quo anulou mesmo o ato, mas não retirou disso os efeitos pedidos na p.i., porque o ato administrativo, ou melhor, o seu conteúdo decisório, seria “renovável”, quer dizer, repetível e substituível por outro ato administrativo com idêntico sentido (matéria de substância do ato), mas naturalmente sem as ilegalidades cometidas e detetadas pelo tribunal. O que quer dizer, em rigor, que poderia ser emitido depois, neste caso, igual decisão administrativa.

O tribunal a quo justificou-se com o facto de as causas da anulação serem uma um vício de tramite – a falta de audiência prévia – e outra um vício formal em sentido estrito – a falta de fundamentação suficiente do ato.

Será correto? Afinal, são princípios garantístico importantes face à A.P. que foram violados (cf. Paulo Otero, Manual…I, pp. 389 ss; e D. do Proced. Adm., I, pp. 75 ss, 104 ss, 462 ss, 515 ss, 571 ss e 577 ss). Não é pelo simples facto de a causa de anulação não ser um vício de violação de lei, um vício de substância, que o efeito constitutivo e retroativo destruidor próprio da anulação se não produz? Pode haver um vício de forma em sentido amplo, onde se tem incluído o vício de tramite, mas o juiz estar sempre impedido de afirmar a renovabilidade-repetição do conteúdo decisório do ato ilegal e anulado (cf. assim, Mário Aroso, T.G.D.A., 5ª ed., p. 312)?

Não é sempre assim, em abstrato. E o artigo 173º do CPTA confirma-o. Caso contrário, ilegalidade procedimental ou formal seria sempre irrelevante. O que não teria sentido, como é evidente.

E está claro que, apesar da prioridade lógico-normativa do efeito repristinatório cit., pode, no concreto, acontecer que a chamada renovabilidade - em concreto - do ato anulado torne inútil ou racionalmente impraticável a execução do efeito repristinatório. Mas a efetiva substituição, renovação ou renovabilidade do ato anulado é, racional e logicamente, um limite potencial à reconstituição da situação atual hipotética ou execução do efeito repristinatório da anulação.

O essencial, assim, é que o juiz nunca é chamado a impor a substituição do ato anulado, só podendo pronunciar-se no sentido de impor a repristinação sem prejuízo da eventual renovação – lícita - do ato anulado. É, na verdade, o que resulta do artigo 173º-1-2 do CPTA.

Ora, tendo presente o CPTA (vd. hoje os artigos 4º-2-a), 95º-5 e 173º), toda a anulação de um ato administrativo tem como consequência-regra (1º) a reconstituição da situação atual hipotética ou execução do efeito repristinatório da anulação e (2º) a obrigação de dar cumprimento – tardio – aos deveres antes incumpridos, mas sem prejuízo (3º) da concreta possibilidade de substituição do ato ilegal por outro com idêntico sentido sem as ilegalidades antes cometidas.

Ali, substituição tem mesmo o significado jurídico presente no artigo 173º do atual CPA:

-São aplicáveis à substituição dos atos administrativos as normas reguladoras da revogação;

-A substituição de um ato administrativo anulável por um ato válido com o mesmo conteúdo sana os efeitos por ele produzidos, assim como os respetivos atos consequentes;

-Se o ato substituído tiver tido por objeto a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, a renovação não prejudica a possibilidade da anulação dos efeitos lesivos produzidos durante o período de tempo que precedeu a substituição do ato.

Assim, no caso presente, muito comum, embora o juiz anule o ato, a verdade é, em termos de efeitos materiais ou práticos, tudo poderá vir a ocorrer como se a situação tivesse cabido mesmo no nº 5 do artigo 163º do CPA.

Isto quer dizer que, no caso em apreço, em que o tribunal não detetou nenhuma ilegalidade substantiva ou de fundo, o TAC não poderia dar provimento ao cit. 2º pedido, uma vez que, como resulta dos factos provados, do início do nº 1 do artigo 173º e do nº 5 do artigo 95º do CPTA, nada indiciava ao TAC, nem indicia a este TCA Sul, que a A.P. não possa simplesmente repetir a mesma decisão administrativa agora “limpa” das ilegalidades não substantivas detetadas pelo tribunal.

E, se a A.P. assim proceder, seria e será infundado e inútil condenar a A.P. na adoção dos atos e operações materiais necessários à (i) manutenção do A. no referido Consulado Geral (ii) até perfazer o período mínimo de permanência previsto no artigo 47.º, n.º1, alínea a), do Estatuto da Carreira Diplomática e (iii) até ser aberto novo movimento diplomático a que se possa candidatar. Que são afinal aspetos que contendem com a substância da decisão administrativa e não com a forma dela ou com os tramites do procedimento administrativo.

Cf., além da jurisprudência aí indicada e outra deste TCA Sul, D. Freitas do Amaral, A reconstituição…, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, IV, 2012, pp. 295 ss; Mário Aroso, Manual…, 2ª ed., pp. 491 ss; Mário Aroso/C.Cadilha, Comentário ao CPTA, 4ª ed., notas aos artigos 4º, 95º e 173º.

Portanto, também aqui o TAC decidiu bem.

*

III - DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, os juizes do Tribunal Central Administrativo Sul acordam:

-em conceder provimento parcial ao recurso do réu, alterando a decisão recorrida quanto a custas no TAC, que se fixam em 80% para o réu e 20% para o autor;

-em negar provimento ao recurso do autor.

Custas do recurso do réu a cargo do mesmo (não tendo o autor discordado da questão relativa às custas).

Custas do recurso do autor a cargo deste.

Lisboa, 04-04-2019


Paulo H. Pereira Gouveia (Relator)

Catarina Jarmela

Alda Nunes


(1) Sistema geralmente coativo de normas - referido à conduta externa humana - cuja unidade é constituída pelo facto de todas elas terem um mesmo e autónomo ou específico fundamento lógico-jurídico de validade-existência-vinculatividade, o qual é pressuposto ou pensado necessariamente por todas as pessoas e é diferente das outras ordens sociais e das outras ordens normativas. Esse pressuposto lógico-normativo apenas diz, segundo o pensamento humano não anárquico e a prática social, que se deve obedecer a certa norma ou comando emitido por uma determinada autoridade – legislador formal ou comunidade - produtora de normas jurídicas. Tal sistema é essencialmente ou naturalmente de supra-infra-ordenação entre normas.
(2) Porém, não olvidemos que as “metodologias teoréticas jurídico-construtivistas” chocam frequentemente com o “princípio democrático fundamental da fidelidade à lei ou ao costume”; e o mesmo choque só não acontecerá com uma “metodologia jurídica teleológica” se - e apenas se - esta for objetiva ou objetivante. Por outro lado, o pensamento jurídico-teorético “da consideração dos interesses” e o pensamento jurisdicional “da consideração dos interesses” são diferentes do - mais racional - pensamento jurídico-teorético “da apresentação das razões para” e do pensamento jurisdicional “da apresentação das razões para”. Também há outra distinção, entre “conhecer ou descrever o direito objetivo através de metodologia própria” e “aplicar o direito objetivo através de metodologia própria” [cf., claramente quanto às interpretações em Direito, H. KELSEN, no último capítulo da sua 2ª edição de 1960 da “Teoria Pura do Direito”]. É que “direito objetivo” é uma coisa e “jurisciência ou opinio iuris” é outra [v. a ambiguidade deste termo em TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR., A Ciência do Direito, 3ª ed., Atlas ed., S. Paulo, 2014, e na Teoria Pura do Direito de Kelsen]; como a Moral é uma coisa [conjunto de normas morais] e a Ética é outra [conhecimento dessas normas ou o saber acerca dessas normas morais]. Mas com isto não se está a negar que o direito objetivo [conjunto de normas jurídicas vigentes] ou ordenamento jurídico, de origem humana tal como os seus valores, é avaliável –a montante e a jusante - como justo ou injusto conforme o sistema moral-social que dê o critério de valoração ao avaliador; apenas se constata que a vinculatividade ou existência [vulgo, “validade”] do Direito [direito objetivo] não depende necessariamente da sua concordância com as normas morais vigentes [cf. assim o artigo 8º do nosso CC]. O “Direito da dogmática jurídica ou opinio iuris” [ou Jurisprudência romano-clássica, nada científica ou sistemática, transformada em “jurisciência” nos séculos XIX e XX germânicos, pela doutrina ou dogmática jurídicas] não é “Direito judicial, ou melhor, não é direito objetivo decorrente da jurisprudência dos tribunais”. Por outro lado, não compete à jurisprudência dos tribunais, nem à chamada jurisciência e sua dogmática [“jurisprudência teorética”, suposta herdeira da jurisprudência romana], justificar ou moralizar o Direito existente [cf. assim o artigo 8º do CC]; isto cabe à Ética e à Política do Direito: a valoração ou avaliação moral do direito objetivo é uma necessidade humana, mas não compete à atividade jurídica em sentido próprio de um Estado Constitucional pluralista e de direito democrático [cf., assim, de certo modo, o artigo 8º-2 do CC português: “o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo”].
(3) Cf. H. KELSEN, Teoria Pura do Direito, trad., 2019, pp. 145 ss.
(4) Devendo destacar-se (1º) que as Administrações Públicas se encontram impedidas de agir sem lei habilitante e (2º) que todo o agir administrativo se deve guiar pela satisfação do interesse coletivo, através do respeito (i) pelo princípio fundamental da juridicidade administrativa - ou seja, obediência ao direito objetivo vigente, à igualdade de tratamento perante a lei, à imparcialidade administrativa objetiva ou positiva, à não desproporcionalidade administrativa como postulado aplicativo, à boa fé objetiva e, talvez residualmente como padrões mínimos de conformidade com a razão justa, à ideia de justiça-razoabilidade – artigos 3º e 6º ss do CPA, e ainda (ii) pelo princípio jurídico da eficiência – artigo 5º do CPA. É que os interesse coletivos a prosseguir, constantes ou emanados da lei habilitante, são sempre o fundamento, o limite e o critério do agir de administração pública - Cf. PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, I, p. 70.
(5) Isto, porém, num indesejável contexto (i) de uma pluralidade não harmonizada de preceitos normativos sobre a mesma matéria, cada vez mais frequente, e (ii) de uma CRP doutrinária e politicamente desfigurada para uma constituição “light” ou flexível, em detrimento da segurança jurídica de todos e da liberdade confiável para todos.
(6) Até porque uma insuficiência relativamente aos “factos que possam condicionar a atividade administrativa” origina a violação do princípio da imparcialidade na sua vertente positiva (dever de atender, expressa e racionalmente, a todos e a cada um dos pressupostos de facto pertinentes e apenas a estes). Afinal, está sempre em causa uma decisão justa.
(7) Cf. PAULO OTERO, D. do Procedimento Administrativo, I, pp. 505 ss.
(8) II - A garantia constitucional da fundamentação do ato administrativo, como concretizada no Código do Procedimento Administrativo, exige que a decisão administrativa exteriorize sempre, tanto (i) na justificação (ii) como na motivação, (iii) os respetivos discursos justificativos, ou seja, os raciocínios fundamentadores (iv) da conclusão ou de cada uma das conclusões em que assenta (iv) a decisão administrativa. III - A evidência de a fundamentação variar em qualidade e quantidade, consoante os casos concretos, não exclui o dever constitucional de exteriorização do processo decisório (necessariamente racional), isto é, dos raciocínios fundamentadores de cada uma das conclusões em que assenta a decisão contida no ato administrativo. V - Violam o “dever constitucional e legal de fundamentar os atos administrativos de um modo expresso, racional, coerente, suficiente e claro” todas as decisões administrativas que se limitem a exteriorizar como seus fundamentos (i) adjetivos qualificativos, (ii) avaliações numéricas e ou (iii) opiniões, já que se tratam de meras conclusões e não de discursos justificativos, isto é, de raciocínios fundamentadores de conclusões. VI – Só se pode contrapor a rara e inexigível figura da “fundamentação da fundamentação” quando a fundamentação apresentada pela decisão administrativa em causa não se limitar a exteriorizar apenas (i) conclusões, (ii) adjetivos qualificativos ou (iii) atribuição de valores numéricos.
(9) Justificar, aqui, é demonstrar que se atuou como manda a lei vinculante.
(10) Ou, o que é o mesmo, com margem de livre decisão administrativa.
Deve relembrar-se que a discricionariedade administrativa é um poder-dever jurídico que a lei confere por causa da melhor prossecução do interesse coletivo.
Na discricionariedade inclui-se ainda a chamada discricionariedade técnica, a antes chamada liberdade probatória e a antes chamada justiça burocrática. E ainda os casos de concretização-valoração objetiva de conceitos indeterminados.
Os motivos principalmente determinantes da discricionariedade administrativa podem ser simplesmente administrativos, mas também podem ser técnicos, económicos, financeiros ou ambientais.
(11) Motivar é expor os motivos concretos.