Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:417/13.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:03/09/2017
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:OPOSIÇÃO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO DA COIMA
Sumário:I. A falta de notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, porque determina a inexigibilidade da dívida que tenha origem nesse acto, integra, em abstracto, o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na al. i) do art. 204º, nº 1, do CPPT;
II. A prescrição do procedimento de contra-ordenação, cujo regime jurídico encontra-se no art. 33.º do RGIT, distingue-se da prescrição da coima, regulado no art. 34.º do mesmo diploma;
III. A prescrição do procedimento de contra-ordenação pode ser conhecida oficiosamente no recurso de contra-ordenação interposto nos termos do art. 80.º do RGIT, já a prescrição da coima pode ser conhecida oficiosamente no âmbito do processo de oposição enquanto fundamento previsto na alínea d) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT por se subsumir na hipótese legal de “prescrição da dívida exequenda”;
IV. Não constitui fundamento de oposição à execução enquadrável na alínea d) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT a prescrição do procedimento de contra-ordenação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I.          RELATÓRIO

A..., S.A., com demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.º ....

A Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

1. A oposição à execução era o meio idóneo à discussão da legalidade do procedimento contra-ordenacional, uma vez que só com a citação o oponente tomou conhecimento da decisão de aplicação de coima.

2. O procedimento contra-ordenacional já havia prescrito, nos termos do artigo 33°/1 do RGIT, uma vez que entre o facto que deu origem à obrigação tributária e a citação (momento no qual o oponente tomou conhecimento da coima) se tinham passado quase 13 anos.

3. A prescrição é de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 175°, da LGT, pelo que deveria ter sido decretada pelo Juiz, que em consequência deveria igualmente ter declarado a extinção do processo executivo.

Conclui peticionando a revogação da decisão recorrida.


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A Recorrida, não apresentou contra-alegações.

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao não ter apreciado a prescrição do procedimento de contra-ordenação.

II.         FUNDAMENTAÇÃO

Para conhecimento dos fundamentos do recurso importa ter presente que a decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto:

            “

1. Em 29 de Dezembro de 2012 foi autuado o processo de execução fiscal n.º ..., que tramita pelo Serviço de Finanças de ..., para cobrança de dívida de coima fiscal aplicada em processo de contra-ordenação fiscal por falta de pagamento de Imposto Municipal de Sisa, no montante de Euros 6.131,34;

2. Em 28 de Dezembro de 2012 foi declarado extinto por extracção de certidão de dívida o processo de contra-ordenação fiscal no âmbito do qual foi aplicada a coima que integra a quantia exequenda;

3. Em 6 de Março de 2013 a p.i. de oposição deu entrada no Serviço de Finanças de .... ”


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            Conforme resulta dos autos, o Meritíssimo Juiz do TAF de Sintra julgou “improcedente” a oposição entendendo, em síntese, que o fundamento invocado pela Oponente, prescrição do procedimento de contra-ordenação, não constitui fundamento de oposição, mas antes de recurso de decisão de aplicação de coima, e nessa medida, após equacionar a possibilidade de convolação dos autos, conclui que nem o pedido é adequado, nem a acção seria tempestiva.

            A Recorrente não se conforma com o decidido, entendendo, ao invés, ser este o meio próprio para a discussão da questão, posto que “só com a citação o oponente tomou conhecimento da decisão de aplicação de coima.” (conclusão 1), pelo que o procedimento se encontra prescrito (conclusão 2) e de todo o modo, a prescrição sendo de conhecimento oficioso sempre deveria ter sido conhecida pelo juiz (conclusão 3).

Invoca a Recorrente que a oposição à execução é o meio idóneo à discussão da legalidade do procedimento contra-ordenacional, uma vez que só com a citação tomou conhecimento da decisão de aplicação de coima (conclusão 1).

Vejamos, então, antes de mais, se in casu, estamos, ou não perante um erro na forma de processo como parece ter entendido a sentença recorrida, pois equacionou a possibilidade de convolação dos autos na forma adequada.

 Verifica-se o erro na forma de processo quando o A. faz uso de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão.

A propriedade ou impropriedade do meio processual afere-se pelo pedido final formulado na p.i., ou seja, pela pretensão que o A. pretende fazer valer com a acção. O pedido formulado deve ser adequado à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual, sob pena de ocorrer erro na forma de processo (cfr. neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STA de 28/3/2012, proc n.º 1145/11, e de 29/2/2012, proc. n.º 1161/2011, de 28/05/2014, proc. 01086/13, de 18/06/2014, proc. n.º 01549/13, de 05/11/2014, proc. n.º 01015/14).

Se as concretas causas de pedir invocadas não são adequadas à forma de processo escolhida pelo A. (in casu, a causa de pedir é a prescrição do procedimento de contra-ordenação), então estamos perante questões relacionadas com a viabilidade do pedido, e não da propriedade do meio processual, pelo que não haveria erro na forma do processo, mas improcedência da acção (Nesse sentido, Ac. 18/06/2014, proc. n.º 01549/13, Ac. do STA de 17/04/2013, proc. n.º 0484/13, e Ac. do STA de 20/02/2013, proc. n.º 0114/13, de 18/06/2014, proc. n.º 01549/13).

Saliente-se que o Juiz está vinculado pelo pedido, uma vez este delimita as questões que o tribunal deve apreciar nos termos da alínea e) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, não obstante, pode interpretar o pedido, determinando o real sentido da pretensão do A..

Regressando ao caso dos autos, e atendendo ao direito supra exposto, há então que analisar o pedido formulado na petição inicial pela Recorrente, para se poder aferir do erro na forma de processo, e não a causa de pedir.

In casu, o pedido é o de “declara-se extinta a dívida exequenda”. Ora, o efeito jurídico pretendido pela Oponente com este pedido, e que vem reforçado com o que invoca no presente recurso é de que pretende a extinção da execução fiscal, mas com o fundamento na prescrição do procedimento de contra-ordenação. Com efeito, o Recorrente insiste no presente recurso que a causa de pedir que apresenta é adequada à forma processual oposição, insiste que pretende a extinção do processo de execução fiscal com este fundamento (conclusão 1 das alegações de recurso), pelo que não se verifica o erro na forma do processo, como parece ter entendido a sentença recorrida.

Assente que não se verifica o erro na forma do processo, vejamos, então, o enquadramento jurídico que deve ser dado à causa de pedir invocada na p.i., e da possibilidade do seu conhecimento em sede de oposição.

Com efeito, a Recorrente alega que só com a citação tomou conhecimento da coima (conclusão 1), e por essa razão deve ser conhecido este fundamento em sede de oposição.

Porém, a prescrição que constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea d) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT não é a do procedimento de contra-ordenação, mas antes da dívida exequenda [coima aplicada] (cfr. nesse sentido o acórdão do STA de 01/10/2008, proc. n.º 0408/08), conforme jurisprudência seguida na 1.ª instância.

Ora, ao contrário do que parece entender a Recorrente, é irrelevante o facto ter sido, ou não, notificada da decisão de aplicação de coima para efeitos do enquadramento da causa de pedir nos fundamentos de oposição previsto no art. 204.º do n.º 1 do CPPT.

Repare-se que a dívida exequenda (coima) tem origem num acto administrativo prévio que é a decisão de aplicação de coima, e deste modo, a sua legalidade, incluindo todos os vícios do procedimento de aplicação de coima e a sua prescrição, deverá sempre ser sindicada através do recurso da decisão de aplicação de coima previsto no art. 80.º do RGIT.

Não obstante, “a falta de notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, porque determina a inexigibilidade da dívida que tenha origem nesse acto, integra, em abstracto, o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na al. i) do art. 204º, nº 1, do CPPT.” – Acórdão do STA de 06/05/2015, proc. n.º 0191/14.

            Sucede que, a falta de notificação enquanto fundamento de oposição nunca foi invocada pela Recorrente, a questão apenas surge no presente recurso (não foi invocada na p.i.) para demonstrar que se deveria ter conhecido da prescrição do procedimento, ou seja, de todo o modo, verifica-se que nunca foi configurada como uma verdadeira causa de pedir. Assim sendo, e como não constitui questão de conhecimento oficioso, tal fundamento de oposição não poderá ser apreciado, e também por essa razão é irrelevante apurar da perfeição da notificação da decisão de aplicação de coima.

            Invoca ainda a Recorrente que a prescrição sendo de conhecimento oficioso sempre deveria ter sido conhecida pelo juiz (conclusão 3).

Ora, é verdade que a prescrição é de conhecimento oficioso, e deve ser conhecida pelo juiz, mas isso não significa que possa ser conhecida em todo e qualquer meio processual, pode e deve ser conhecida no meio processual próprio, adequado.

Importa ter presente que a prescrição do procedimento de contra-ordenação não se confunde com a prescrição da coima. Enquanto o regime jurídico da prescrição do procedimento de contra-ordenação se encontra vertido no art. 33.º do RGIT, já o regime da prescrição da coima se encontra no art. 34.º do mesmo diploma.

Deste modo, a prescrição do procedimento de contra-ordenação apenas é conhecida oficiosamente no recurso de contra-ordenação interposto nos termos do art. 80.º do RGIT, já a prescrição da coima poderá ser conhecida oficiosamente no âmbito do processo de oposição enquanto fundamento previsto na alínea d) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT por se subsumir na hipótese legal de “prescrição da dívida exequenda”.

            Aqui chegados, importa concluir que a prescrição do procedimento de contra-ordenação não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, enquadrável na alínea d) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT e nessa medida, o recurso não merece provimento.

            Sumário do acórdão

I. A falta de notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, porque determina a inexigibilidade da dívida que tenha origem nesse acto, integra, em abstracto, o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na al. i) do art. 204º, nº 1, do CPPT;

II. A prescrição do procedimento de contra-ordenação, cujo regime jurídico encontra-se no art. 33.º do RGIT, distingue-se da prescrição da coima, regulado no art. 34.º do mesmo diploma;

III. A prescrição do procedimento de contra-ordenação pode ser conhecida oficiosamente no recurso de contra-ordenação interposto nos termos do art. 80.º do RGIT, já a prescrição da coima pode ser conhecida oficiosamente no âmbito do processo de oposição enquanto fundamento previsto na alínea d) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT por se subsumir na hipótese legal de “prescrição da dívida exequenda”;

IV. Não constitui fundamento de oposição à execução enquadrável na alínea d) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT a prescrição do procedimento de contra-ordenação.

III.        DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.


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Custas pela Recorrente.

D.n.

Lisboa, 9 de Março de 2017.


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Cristina Flora

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Ana Pinhol

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Joaquim Condesso