Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:998/21.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/20/2021
Relator:CATARINA VASCONCELOS
Descritores:INDEFERIMENTO LIMINAR
FALTA DE APRESENTAÇÃO DE PETIÇÃO INICIAL POR VIA ELETRÓNICA
PRINCÍPIO DA PROMOÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA
Sumário:I – Não consubstancia justo impedimento para deixar de praticar um ato processual por via eletrónica a circunstância de se ter tentado, sem êxito, obter o auxílio do IGFEJ e da Ordem dos Advogados dezasseis meses antes de se ter apresentado a petição inicial, por fax.

II – A falta de apresentação da petição inicial por via eletrónica consubstancia uma irregularidade, impondo-se que se diligencie pela regularização do processado mediante convite dirigido ao Autor no sentido de a apresentar eletronicamente.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório:

J… intentou a presente intimação para prestação de informações contra o Presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Segurança Social pedindo que fosse este intimado a prestar informações sobre a questão que por si lhe foi suscitada relativa à reclassificação remuneratória da sua carreira.

Por decisão de 06.07.2021 foi indeferido liminarmente o requerimento inicial “nos termos do artigo 24.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, e da Portaria n.º 380/2017, de 19.12, com as alterações introduzidas por diplomas ulteriores (cf. art.º 590.º, n.º 1 do CPC, “ex vi” art.º. 1.º do CPTA)”.

O Autor, inconformado, recorreu de tal sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

1º. Na petição inicial de processo de intimação, o recorrente alegou o justo impedimento, a fim de ser dispensado de apresentar as peças processuais via electrónica de dados, visto não ter acesso ao SIGNIUS e por via disso não poder instalar o SITAF. sendo informado pelo técnico de informática da Ordem dos Advogados que o devia fazer com auxilio da Instituto de Gestão Financeira Equipamento da Justiça (IGFEJ).

2º. Para o qual tentou· ligar telefonicamente, em Fevereiro de 2020, durante aproximadamente 15 minutos sem que alguém atendesse, dado estarmos em tempo de pandemia e os trabalhadores daquele serviço estarem em teletrabalho, sendo por isso impossível enquanto se mantiver esta ter acesso àquela plataforma informática, devendo para o efeito reconhecer-se o justo impedimento a que alude o nº 6 do art.24º do CPTA.

3º. Dos factos alegados não produziu prova por estes serem públicos e notórios e o único que subsistia ausente deste principio prendia-se com o telefonema que, por ser prova sobre o facto negativo, não tinha, para o efeito, como o demonstrar, razão pela qual a Mma. Juiz em 15.06.2021, lhe concedeu prazo de 5 dias, a fim de apresentar prova documental do justo impedimento alegado.

4º. E nessa medida, em 23.06,2021, com urgência, instou ao IGFEJ uma declaração no sentido de afirmar se alguma vez o mesmo teve instalado no seu computador o programa do SIGNIUS de forma a poder instalar a plataforma do SITAF e que essa declaração fosse simultaneamente remetida ao Proc. nº 998/21.SBLSB, com termos na Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo do Circulo de lisboa.

5º. Ao qual se destina como elemento probatório, sendo que até à data indicada pelo Tribunal o serviço não emitiu qualquer declaração e, em 28.06.2021, instou-se o justo impedimento, dado dever-se àquela entidade não ter produzido o documento requerido e, por isso, em 07.07.2021 suscitou-se ao Director Geral do IGFEJ a responsabilidade disciplinar pela omissão da declaração, no prazo de 10 dias, impostos no art.82º do CPA.

6º. Dando conhecimento desse facto ao Tribunal que, só em 14.07.2021, o notificou, informando-o inopinadamente que, "por falta de prova e por falta do requisito atinente à não censurabilidade/imputabilidade do impedimento, mencionado no artº. 140° do CPC, "ex vi" art. 24º, nº6 do CPTA, é de indeferir o alegado justo impedimento, e, em consequência, conclui-se pela inadmissibilidade legal de apresentação do requerimento inicial fora do SITAF sendo desta decisão que vem interposto o presente recurso.

7º. Em virtude de,a nosso ver, a mesma não merecer a tutela jurídica à luz do Estado direito constitucional, dado esta ofender a essência da legalidade democrática que, no dizer dos Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, o seu cumprimento se afere pelas decisões, segundo o disposto, relativamente ao principio da judicialidade do art.266° da CRP.

8º. E in casu, a Mma.Juiz, em obediência ao principio da boa fé processual, sabia que a prova exigida só podia ser emitida pelo IGFEJ e cujo prazo da sua emissão não dependia do recorrente, além de que se carecia de outros elementos probatórios devia, atento ao princípio da cooperação, informá­lo dessa intenção.

9º. E não dizer que: "no seu requerimento de 28/06/2021 (enviado novamente por fax telecópia) o Requerente subsiste afirmando que continua sem ter o SIGNIUS e o SITAF instalado, pelo que, em face das razões supra enunciadas, e continuando o Requerente sem SIGNIUS, em obediência ao princípio da prática de actos inúteis não se justifica um novo convite por parte do tribunal, designadamente para juntar declaração do IGFEJ ou para regularizar a situação via SITAF, além de que não se verifica qualquer situação de "jus impedimento", pois, nesta fase processual o mesmo estava obrigado a fazer prova do justo impedimento e não enviar peças processuais pelo SITAF que, obviamente, não possuía.

10º. Além de que imputou ao recorrente não ter provado nenhum dos requisitos do justo impedimento e que durante 15 meses após o telefonema ao IGFEJ, manteve-se inactivo em ordem à instalação do SIGNIUS, quando é fácil o seu descarregamento através do manual da Ordem dos Advogados. Donde não se justifique que se efectue novo convite seja para regularizar a apresentação via SITAF, seja para juntar a declaração suscitada ao IGFEJ, visto ser completamente inócua e irrelevante saber se o recorrente teve ou não instalado o SIGNIUS.

11º. Sendo este o núcleo das questões elencadas, é bom de ver que não acompanhamos o raciocínio que está associado ao seu teor decisório e muito menos a bondade das conclusões que lhe são atribuídas, porquanto nelas se projecta apenas a subjectividade do intérprete e a realidade da vida que deve incorporar o sentido da decisão, face à qual o decisor não pode deixar de valorar atento à função que lhe incumbe de julgar em ordem ao Estado de direito e à legalidade democrática.

É um facto notório a existência da pandemia e, em consequência dela, que a maioria dos erviços públicos se encontram em teletrabalho, entre os quais o IGFEJ, razão pela qual não atenderam o telefone durante mais de 15 m. de espera para ajudar o recorrente a instalar o SIGNIUS, sem o que não pode ligar o SITAF. Matéria que o Tribunal deu como adquirida nos autos, restando demonstrar se o mesmo teve ou não o SIGNIUS instalado, e este facto só podia ser comprovado pelo IGFEJ.

12º. Não o sendo atempadamente, visto o IGFE.J não ter expedido a declaração com a urgência requerida, nem tão pouco no prazo de 10 dias do art.82º do CPA, vindo a fazê-lo só em 19.07.21, pelo que não está demonstrado que se o recorrente tivesse telefonado mil vezes que alguém o atenderia e colaborasse na ligação do SIGNIUS, pois como viu, a despeito da exigência do prazo e do seu incumprimento o sujeitar a infracção disciplinar, o certo é que esta foi emitida decorridos quase 30 dias.

13º. Nem vale dizer-se que a instalação do SIGNIUS e consequentemente do SITAF, estão disponíveis no manual da Ordem dos Advogados e pode efectuar-se seguindo as instruções sem necessidade da instalação de terceiros, sendo que o recorrente não está habilitado a pronunciar-se sobre questões de informática, dado ter quase 85 anos e há mais de 4 deixou de ser mandatário, subsistindo 2 processos nessa qualidade, mantendo apenas a sua inscrição para advogar quando a administração abusa dos seus poderes e vê-se compelido, como, in casu, ter de contra ela litigar.

14º. Donde, não fazendo da advocacia sua profissão, é razoável que o legislador seja menos exigente com a forma da remessa das suas peças processuais aos tribunais e nesse sentido, quer o Estatuto do MP, aprovado pela Lei n°68/2019/27/08, quer dos magistrados judiciais, com a alteração introduzida pela Lei nº 67/2019/08/27 respectivamente no art.º 114°, bem como no art.21º, preconizam que quando estes advoguem em causa própria, cônjuge ou descendentes “podem praticar os actos processuais por qualquer meio, não estando vinculados à transmissão electrónica de dados".

15º. Mas se o legislador ordinário se preocupou com a classe de juizes e magistrados susceptíveis de advogar esporadicamente e em causa própria, do cônjuge, descendentes, já o legislador constituinte foi mais longe e no art.73° da CRP, cuidando da situação dos idosos, visou proporcionar-lhes oportunidades de realização pessoal, através de uma participação activa na vida da comunidade.

16º. Ou seja, o legislador constituinte impõe ao legislador ordinário que crie uma norma semelhante às acima referidas para os advogados que, por razões de idade ou de outra natureza, se patrocinem a si mesmos ou cônjuge, e quando esta não existe, nos termos do art.10º do CC impõem que o intérprete aplique por analogia, já que, devido à idade do recorrente, este não conseguiu percepcionar a instalação do SIGNIUS, quer através da Ordem dos Advogados, quer mediante o IGFEJ.

17º. Mas o certo é que a sua avançada idade não pode ser impeditiva de ter acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, nem pode dizer-se que o Tribunal não deve efectuar novo convite para regularizar o SITAF ou apresentar a declaração suscitada pelo Recorrente ao IGFEJ, visto ser inócua e irrelevante saber se o requerente teve ou não instalado a plataforma do SIGNIUS ,a fim de poder descarregar o SITAF, pois esta realidade não configura o justo impedimento.

18º. Em nome da boa fé processual do art.8° do CPTA seja-nos permitido discordar frontalmente deste segmento decisório, pois como vem de ver-se, o douto despacho de 16.06.2021, impunha que o recorrente juntasse prova documental do justo impedimento alegado Pelo que, é com esta posição que o Tribunal está comprometido e não a outra, sob pena de violação ao princípio da confiança do Estado de direito, consagrado no art.2.º da CRP, que postula uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da continuidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um minimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas.

19º. Para além de que, os termos do artº. 80° do CPTA determina o elenco dos fundamentos em razão dos quais a petição inicial pode ser rejeitada e das situações previstas pela lei, nenhuma delas é preenchida pelos pressupostos enumerados na douta decisão que serviu ao tribunal para se negar aceitar o peticionado endereçado pelo ora recorrente.

20º. Ou seja, em parte alguma da lei e do direito português se diz que a petição será rejeitada se o autor não remeter as suas peças processuais por via electrónica de dados e, de harmonia com o disposto no art.203º da Constituição este determina que os "tribunais são independentes e apenas tão sujeitos à lei". Mas a Mma. Juiz ao inventar um novo requisito para rejeitar o peticionado obrigou-se a viciar a lei para afeiçoá-la aos seus desejos, violando frontalmente os termos daquele preceito constitucional.

21º. E desta feita, substituiu-se ao legislador e decidiu fora do quadro normativo que lhe é imposto, designadamente pela Constituição, agindo conforme lhe apeteceu, sem qualquer respaldo legal que a isso a autorizasse, quando era obrigada, nos termos do nº 4 do art. 79º do CPTA aguardar a declaração do IGFEJ que só foi recebida, a 19.07.2021 e que ora se remete sob o documento n.º 5 sendo que sobre a decisão recorrida deve recair um juízo de nulidade, dado o tribunal para além de, ilegalmente lhe negar o principio do contraditório do nº3 do art.3° do CPC antes de decidir e de rejeitar o principio da cooperação do art.7°A,do CPTA

22º. E, por outro lado, os termos do nº l do art.205º da CRP impõem que: "1- As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são sempre fundamentadas na forma prevista na lei”. “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” 2-A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando tratando­se de despacho interlocutório, a contraparte não apresentado oposição ao pedido e caso seja de manifesta simplicidade".

23º. No caso em apreço, a Exma. Dra. Juiz não fundamentou de facto e de direito a decisão impugnada, sendo que, de harmonia com al.b) do nº l art.615º do CPC "É nula a sentença quando: a)Não contenha a assinatura juiz; b)Não especifique os fundamentos de factos e de direito que justificam a decisão”. Daí que, nos termos acima observados, deve decretar-se a nulidade da decisão impugnada por falta de fundamentação legal que a sustente.

24º. Ou seja, a obrigação da fundamentação não constitui apenas uma mera exigência formal, mas um princípio basilar do Estado de direito democrático que o Tribunal Constitucional, ao longo da sua história, nos variadíssimos arestos, sem vacilar têm afirmado essa obrigação dos tribunais fundamentarem as suas decisões, sendo paradigmático dessa asserção, o teor do Acórdão nº 27/2007 da lª Secção e sem essa fundamentação a decisão é cominada de nulidade nos termos acima referidos, devendo, p r isso, esta ser decretada para todos efeitos legais, como é de direito.

25º. De resto, sempre sobre a decisão recorrida havia de recair um juízo de constitucionalidade normativa, uma vez que a interpretação do complexo preceitual do 140º do CPC, aplicável ex vi do art.l º do CPTA conferida pela Mma. Juiz ao respectivo inciso resulta numa desconformidade com os parâmetros constitucionais, especificamente sobre o direito a um processo equitativo como corolário do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20° da Constituição da Republica Portuguesa.

26º. Consubstanciando um direito fundamental do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e corresponde, concomitantemente, a uma garantia de protecção dos restantes direitos fundamentais, pela via judiciária, constituindo, por isso, um alicerce estruturante do Estado de Direito democrático, e representa a consagração da possibilidade de defesa jurisdicional de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos, conferindo-lhes assim condições de efectividade prática.

27º. Visto, no caso sub judice, é a vertente da garantia dum processo equitativo que assume crucial importância como alvo de análise, por corresponder, de entre as várias dimensões em que a tutela jurisdicional efectiva irradia, àquela que surge como potencialmente beliscada pela interpretação normativa posta em crise, dado ser o princípio da equitatividade expressamente referido no nº 4 do artigo 20° da Lei Fundamental, que dispõe o seguinte: "Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo."

28º. Sendo que este direito é densificado por vários subprincípios, entre os quais se conta o direito de defesa e direito ao contraditório, traduzido na possibilidade de cada uma das partes apresentar a sua versão e os seus argumentos, de facto e de direito, oferecer provas e pronunciar-se sobre os fundamentos e material probatório carreado pela parte contrária, antes da prolação da decisão sobre o litígio.

29º. E nessa medida, corresponde tal direito a uma garantia de equilibrio e de igualdade de armas entre as partes, que vêem constitucionalmente assegurada a possibilidade de exercerem influência efectiva no desenvolvimento do processo, que se pretende seja conduzido a uma decisão materialmente justa da causa levada a tribunal para ali ser dirimida de harmonia com os princípios fundamentais do direito acima observados, em todas as fases processuais.

30º. Por conseguinte, uma interpretação do complexo normativo do art. 140º, aplicável ex vi do art.lº do CPTA, conforme a Constituição, deve ser efectuada no sentido de que a ausência da remessa das peças processuais por via electrónica do SITAP não pode na rejeição da petição inicial, visto tal situação conflituar com o direito fundamental que a sua causa seja julgada mediante um processo equitativo, assegurado pelo nº4 do art.20° da CRP.

31º. E simultaneamente postergar o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, como um direito fundamental, estabelecido no nº 5 do art.20° e o princípio da confiança estruturante do Estado de Direito democrático, previsto expressamente no art.2° da Constituição, assim como de uma Comunidade de Estados (União Europeia) informada pelo respeito dos direitos do homem, das liberdades fundamentais e do Estado de direito, conforme art. 6.º do Tratado daquela União Europeia).

32º. Tanto mais que o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão da 2ª Secção, em 05 de Março de 2015, a respeito da mesma questão do Citius, decidiu: “Trata-se de uma mera irregularidade susceptivel de ser sanada, nomeadamente, através convite a formular pelo juiz para a parte vir regularizar a sua intervenção adiante a apresentação do acto através de uma das formas legalmente previstas no CPC”.

O Requerido contra-alegou, tendo formulado as as seguintes conclusões.
1. O Autor e advogado em causa própria, J…, interpôs uma ação administrativa de carácter urgente contra o ISS, IP., na pessoa do seu Exmo. Presidente, requerendo a final, que fosse dispensado da tramitação eletrónica do processo por não ter instalado no seu computador as plataformas SITAF/SIGNIUS.
2. Por decisão do Tribunal a quo, considerando que não se verificava a existência de justa causa para a não interposição da ação por via eletrónica, foi a petição inicial liminarmente rejeitada.
3. Inconformado, o Autor e mandatário em causa própria, veio apresentar extensas alegações de recurso peticionando o direito a litigar num regime de exceção no que à tramitação eletrónica dos processos diz respeito.
4. Sendo que toda a argumentação esgrimida para o efeito, se encontra desprovida de qualquer valor legal, mais não sendo que uma série de acusações injuriosas e comparações forçadas.
5. O Estatuto dos Magistrados Judiciais e o Estatuto dos Magistrados do Ministério Público não se aplicam ao Autor que, aposentado ou não, se rege por um estatuto próprio – o Estatuto da Ordem dos Advogados.
6. Se o legislador intencionasse estabelecer um regime de exceção para os mandatários que advogam em causa própria, certamente que o teria feito, no referido Estatuto da Ordem dos Advogados.
7. O art.º 72º da CRP, não engloba o direito dos idosos a participar ativamente na vida da comunidade a qualquer custo, nomeadamente a litigar em Tribunal sem os meios adequados para o efeito.
8. A petição inicial não foi rejeitada pela secretaria ao abrigo do art.º 80º do CPTA, mas sim, pela MM. Juíza titular do processo, nos termos do art.º 24º n.ºs 1 e 2 do CPTA e da Portaria n.º 380/2017, de 19.12.
9. O artigo 24.º do CPTA é claro na sua redação e não contempla exceções, prevendo que o processo nos tribunais administrativos é um processo eletrónico e que os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados em juízo por via eletrónica.
10. A decisão da rejeição da petição inicial não poderia ter sido mais fundamentada do que efetivamente foi.
11. Acresce que o Autor não só não tramitou o processo eletronicamente, como nem sequer invocou justa causa para não o fazer, pois a declaração que pretendia do IGFEJ (e que veio mais tarde a obter), pelo seu conteúdo, não é passível de consubstanciar justa causa.
12. O Autor, mandatário em causa própria, deveria ter diligenciado pela instalação das aplicações informáticas obrigatórias e essenciais para a tramitação das peças processuais, antes da propositura da ação.
13. Se o Autor não consegue munir-se dos meios adequados para poder advogar (seja em causa própria, seja para terceiros), deverá constituir mandatário para o efeito.

O Ministério Público não se pronunciou.

Da admissão de documentos:

Com as alegações de recurso, o Recorrente procede à junção dos seguintes documentos:

- requerimento dirigido ao Diretor Geral do IGFEJ no dia 07.07.2021 (doc. n.º 1);

- comprovativo da data de notificação da decisão recorrida (doc. n.º 2);

- informação do IGFEJ de 19.07.2021 (doc. n.º 3);

- declaração da Segurança Social relativa à data a partir do qual o A. se encontra aposentado (doc. n.º 4);

- fotocópia do bilhete de identidade (doc. n.º 5);

A junção de documentos na fase de recurso apenas se pode admitir a título excecional e depende da alegação pelo interessado nessa junção da impossibilidade da sua apresentação em momento anterior ou de ter o julgamento em primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, como resulta dos art.ºs 651º, n.º 1 e 425º e 423º do CPC (cfr. v.g. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26-09.2012. processo 174/08, do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.02.2018, processo 176/14, do Tribunal da relação do Porto de 08.03.2018, processo 4208/16 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.11.2014, processo 628/13, todos publicados em www.dgsi.pt).

O requerimento dirigido ao Diretor Geral do IGFEJ no dia 07.07.2021 (documento n.º 1) e a informação do IGFEJ de 19.07.2021 (documento n.º 3) são documentos objetivamente supervenientes pelo que nos termos dos art.ºs 651º, n.º 1 e 425º do CPC, admite-se a sua junção.

A notificação da decisão recorrida resulta da consulta do processo no SITAF, pelo que não se admite a junção do documento n.º 2.

Os documentos n.ºs 4 e 5 destinam-se à prova de factos que, para além de não serem supervenientes, não foram alegados enquanto fundamento do justo impedimento (a idade e o estatuto de aposentado do A.) consubstanciando assim questão nova de que não se conhecerá, carecendo, portanto, de sentido a sua admissão.

Termos em que se admitirá a junção dos documentos n.ºs 1 e 3 indeferindo-se a junção dos restantes.

II – Objeto do recurso:

Em face das conclusões formuladas (art.º 635º, n.º 3 do CPC) são as seguintes as questões a decidir:
a) Nulidade da decisão decorrente de falta de fundamentação;
b) Erro de julgamento quanto à verificação de justo impedimento;
c) Erro de julgamento quanto às consequências processuais da falta de apresentação da petição inicial eletronicamente.

III – Fundamentação De Facto:

Resulta, da tramitação dos autos, a seguinte factualidade:

1. O Autor, advogado em causa própria, apresentou o requerimento inicial por fax no dia 14 de junho de 2021.

2. No final do requerimento inicial o Autor alegou o seguinte:

1- Quando, em Fevereiro de 2020, apos a introdução de um requerimento no Citius, tentava nele apos a respetiva assinatura, constatou que o sistema foi alterado e esta deve efetuar-se através de uma plataforma designada de SIGNIUS que é extensiva ao programa do SITAF.

2- Sucede que esta se encontra na área de trabalho do Word e carece de uma instalação, mediante instruções do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça que, para o efeito, não foi possível contactar uma vez que durante 15 m de espera ninguém atendeu o telefone e o mesmo aconteceu com a Ordem dos Advogados, dado no momento de pandemia, os serviços públicos se encontrarem em teletrabalho, o que equivale e estarem semi-paralisados.

3- Pelo que torna-se impossível proceder á respetiva instalação daquele sistema, em ordem a poder efectuar a tramitação de dados por via eletrónica donde, vem nos termos do n.º 5 e 6 do art.º 24º do CPPTA requerer a V. Exa. Se digne relevar a questão suscitada para efeitos de justo impedimento a que alude este último inciso.

4- E desta forma, dispensar o requerente de apresentar as peças processuais mediante transmissão eletrónica de dados, enquanto se mantiver a actual situação de pandemia e seguidamente quando for possível com aqueles serviços, proceder à respectiva instalação e funcionamento do Citius, devendo até lá ser notificado por carta registada ou para o e-mail infra indicado.

3. Em 16.06.2021 foi proferido despacho determinando a notificação do o Autor/Ilustre Advogado em causa própria para, em 5 dia dias, dar cumprimento ao disposto no artº. 140.º, n.º 2 do CPC, primeira parte, “ex vi” artº. 24.º, n.º 6 do CPTA, devendo vir aos autos juntar prova documental do justo impedimento alegado, sob pena de rejeição liminar do requerimento inicial, nos termos do artigo 24.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, e da Portaria n.º 380/2017, de 19.12 (pág. 17 e 18).

4. O Autor respondeu nos termos vertidos a págs. 22 e segs.



IV – Fundamentação De Direito:

a) Da nulidade por falta de fundamentação:

Entende, o Recorrente, que a decisão recorrida padece de nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1, al. b) do CPC “por falta de fundamentação que a sustente”.

Não tem razão.

Só o caso de falta absoluta de fundamentação pode gerar a nulidade da decisão (cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de janeiro de 2012, processo 0339/09, publicado em www.dgsi.pt e demais jurisprudência aí citada)
“O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140).
“Sempre que a motivação seja deficiente não havendo lugar a anulação, essa deficiência será suscetível de impugnação através de recurso interposto contra a sentença arbitral, se houver lugar ao mesmo.” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de julho de 2008, processo n.º 339/09, publicado em www.dgsi.pt).
Ora, a decisão recorrida encontra-se fundamentado. Após se terem explicitado as razões pelas quais o alegado pelo Autor não consubstanciaria justo impedimento, julgou-se que se impunha a apresentação da petição inicial por via eletrónica, não se justificando a formulação de qualquer convite nesse sentido concluindo pela “inadmissibilidade legal da apresentação do requerimento inicial fora do SITAF”.
Não padece, portanto, a decisão recorrida de nulidade decorrente de falta de fundamentação.

*
b) Da verificação de justo impedimento:

“O processo nos tribunais administrativos é um processo eletrónico, constituído por informação estruturada constante do respetivo sistema de informação e por documentos eletrónicos, sendo os atos processuais escritos praticados por via eletrónica nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área justiça”, como resulta do n.º 1 do art.º 24º do CPTA e da Portaria n.º 380/2017 de 19 de dezembro (com as alterações que lhe foram introduzidas pelas Portarias n.ºs 267/2018, de 20.09, 4/2010 de 13.01 e 100/2020 de 22.04).

Existindo justo impedimento a prática dos atos processuais pode ser efetuada por qualquer uma das formas previstas nas alíneas a) a d) do n.º 5 do mesmo preceito legal.

Com efeito, “o disposto no número anterior é igualmente aplicável nos casos em que, por justo impedimento, não seja possível aos representantes das partes praticar algum ato por via eletrónica nos termos do n.º 2” (n.º 6).

O Autor, ora Recorrente, considera que a prática de atos processuais por via eletrónica não lhe deve ser exigida porque em fevereiro de 2020, com vista à obtenção de instruções sobre a instalação do SIGNIUS e do SITAF telefonou para o IGFEJ e após 15 minutos de espera não foi atendido. O mesmo terá sucedido relativamente a uma tentativa de contacto, na mesma altura, com a Ordem dos Advogados.

Como bem decidiu o Tribunal a quo este circunstancialismo não pode consubstanciar uma situação de justo impedimento.

Dois telefonemas efetuados no 16º mês que antecedeu a propositura da ação no sentido de diligenciar pela instalação do SITAF traduzem uma atuação pouco diligente que apenas ao Autor pode ser imputável.

Admitindo-se a realidade que o Autor invocava, é sabido que as restrições ao funcionamento de quaisquer serviços administrativos há muito abrandaram, não se alcançando, nem o A. tendo explicitado oportunamente, a razão pela qual desde aquela data (fevereiro de 2020) não mais procurou diligenciar pela instalação do SITAF junto do IGFEJ e da Ordem dos Advogados.

Na verdade, julgamos que o convite para apresentação de prova do justo impedimento, nem sequer se revelava necessário porque a realidade que tal prova visaria demonstrar jamais consubstanciaria qualquer justo impedimento.

E não há, ao contrário do que parece defender o Recorrente, fundamento algum, para que se admita, sem mais, a prática de atos processuais que não por via eletrónica, fora das situações descritas nos n.ºs 5 e 6 do art.º 24º do CPTA, sendo que de tal afirmação não resulta uma afetação do direito de acesso aos tribunais, como decidiu o Tribunal Constitucional (embora a propósito do sistema informático CITIUS) no acórdão n.º 355/2009 (processo n.º 218/09, DR, II, 17.08.2009, págs. 33455 e segs.).

Note-se que o facto do Tribunal a quo ter notificado o A. para que juntasse prova documental do justo impedimento, ao contrário do que também parece entender o Recorrente, embora possa indiciar um entendimento no sentido de que factualidade alegada, devidamente comprovada, pudesse consubstanciar justo impedimento , não impede o Tribunal de, em ulterior ponderação, vir a julgar em sentido contrário, sem que se possa considerar violado o princípio da confiança do Estado de Direito ou o princípio da boa fé.

Refira-se ainda que a alusão ao regime plasmado no Estatuto dos Magistrados Judiciais (art.º 21º, n.º 2) e no Estatuto do Ministério Público (art.º 114º, n.º 2) não tem cabimento porquanto a faculdade aí prevista (no sentido de praticar os atos processuais por qualquer meio, quando advogam em causa própria, do seu cônjuge ou descendente) não tem a sua justificação no fator “idade” do apresentante (argumento, aliás, que o Recorrente apenas em sede de recurso vem alegar e que, por isso sempre estaríamos impedidos de conhecer) radicando antes no caráter isolado e esporádico da prática desses atos (à semelhança do que sucede com a parte que não esteja patrocinada, nas causas que não importam a constituição de mandatário, como resulta do n.º 5 do art.º 24º do CPTA).

Nada se censura, portanto, ao juízo formulado no sentido de que o circunstancialismo invocado não consubstancia uma situação de justo impedimento, improcedendo este fundamento de recurso.

c) Da falta de fundamento do indeferimento liminar:

Entende o Recorrente que inexiste fundamento legal para a rejeição liminar da petição inicial por falta de apresentação da mesma por via eletrónica, sendo que sempre se imporia o convite à sanação da falta de apresentação da mesma por aquela via.

O Tribunal a quo não qualificou juridicamente a falta de apresentação da petição inicial por via eletrónica tendo apenas decidido que “não se mostra legalmente admissível a apresentação dos requerimentos fora do SITAF”, o que constitui fundamento de “indeferimento liminar nos termos do artigo 24.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, e da Portaria n.º 380/2017, de 19.12, com as alterações introduzidas por diplomas ulteriores (cf. art. 590.º, n.º 1 do CPC, “ex vi” art. 1.º do CPTA)”.

No que tange a esta questão, julgamos que o Recorrente tem razão.

A falta de apresentação da petição inicial por via eletrónica consubstancia uma irregularidade pois “o ato é praticado por um meio não autorizado poi lei”. Como sustentam A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2019- Reimpressão, pág. 170), será difícil sustentar que ocorre uma nulidade, para os efeitos do art.º 195º, n.º 1, já que, em regra, o vício não é suscetível de influir no exame ou discussão da causa”. (No mesmo sentido, P. Ramos de Faria e Ana L. Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2014-2.ª ed., pág. 155).

Tal entendimento foi já seguido, designadamente pelo Supremo Tribunal de Justiça (acórdão de 05.03.2015, processo 891/08.7TBILH.C1.S1) e por este Tribunal Central Administrativo Sul em acórdão de 26.11.2020 (no âmbito do processo 2222/19.1BELSB), ambos publicado em www.dgsi.pt.

Assim sendo, o que se impunha ao Tribunal a quo, era que diligenciasse pela regularização do processado mediante convite dirigido ao Autor no sentido de apresentar a petição inicial eletronicamente. Convite que era imposto pelo princípio da promoção do acesso à justiça plasmado no art.º 7º do CPTA e que deveria ter sido formulado ao abrigo do dever de gestão processual que resulta do e 7º- A, n.º 2 do CPTA.

Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, jugamos que do facto do Autor não ter ainda acesso ao SITAF não se retira a invocada inutilidade do convite no sentido de suprir a irregularidade em questão.

Em primeiro lugar porque, confrontado com o indeferimento do seu pedido de reconhecimento de uma situação de justo impedimento caberá ao Autor assumir se pretende agora diligenciar pelo suprimento da irregularidade ou sujeitar-se às consequências processuais que dessa falta resultem.

Em segundo lugar porque, ainda que não acate tal convite, a consequência que de tal atuação se deve extrair não é a rejeição ao articulado mas a digitalização do mesmo e a consequente condenação em custas do incidente (não se excluindo a possibilidade de condenação em multa como litigante de má fé em caso de violação grave do dever de cooperação decorrente de eventual reiteração da atuação processual em causa) como defendem A. Abrantes Geraldes e Outros, op. cit., pág. 171.

Em suma, a decisão recorrida, violando os art.ºs 7º e 7ºA, n.º 2 do CPTA, errou quer ao julgar que a falta de apresentação da petição inicial pelo SITAF consubstanciava mais do que uma irregularidade quer ao julgar que era inútil o convite à regularização do processado.

O recurso merece, portanto, provimento.

As custas deverão ser suportadas pelo Recorrido, nos termos do art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

V – Decisão:

Nestes termos, acordam, em conferência, as juízas da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, em:

a) admitir a junção dos documentos n.ºs 1 e 3 juntos com o requerimento recursivo e indeferir a junção dos demais;

b) conceder provimento ao presente recurso e consequentemente:

- revogar a decisão recorrida;

- determinar a baixa dos autos ao Tribunal a quo a fim de aí se diligenciar, nos termos expostos, pelo convite ao suprimento da irregularidade em questão, mediante convite dirigido ao Autor para apresentar a petição inicial eletronicamente.

Custas pelo Recorrido.


Lisboa, 20 de outubro de 2021

Catarina Vasconcelos

Catarina Jarmela

Paula de Ferreirinha Loureiro