Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:180/23.7 BECBR
Secção:CA
Data do Acordão:01/11/2024
Relator:LINA COSTA
Descritores:IDLG
AUTORIZAÇÃO RESIDÊNCIA
SUBSIDIARIEDADE
Sumário:I- O artigo 109º do CPTA prevê o requisito da subsidiariedade do meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ao estipular a impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa;
II- O A./recorrente invoca a demora no exercício do seu direito à emissão da autorização de residência, na sequência da manifestação de interesse que dirigiu ao Recorrido, ao abrigo do artigo 88º nº 2 da Lei nº 23/2007, em 16.10.2021, para o que podia e devia ter instaurado acção administrativa de condenação à prática do acto devido e providência adequada a assegurar a utilidade da decisão de procedência a obter naquela, significando que a acção de intimação para protecção de direitos liberdades e garantias instaurada configura meio processual inidóneo para o efeito.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em sessão da Subsecção de Administrativo Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

T……., devidamente identificado como requerente nos autos da acção intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada contra o Ministério da Administração Interna, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 6.7.2023, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou inobservado o requisito da subsidiariedade que necessariamente inere à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, circunstância que consubstancia uma excepção dilatória inominada, nos termos conjugados dos artigos 109.º, n.º 1, e 110.º, n.º 1, ambos do CPTA, e, em consequência, absolveu o MAI da presente instância.
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«A) O Tribunal a quo faz um[sic] interpretação errada da Lei e ignora a Jurisprudência assente no STA e TCA SUL e TCA NORTE sobre a idoneidade do presente instrumento legal.
B) A Intimação para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias é o Único instrumento legal adequado para a defesa dos interesses do Requerente os quais estão
C) É o instrumento legal mais adequado na defesa dos valores constitucionais em jogo.
D) O uso da providência cautelar pela sua precariedade é incerto no seu desfecho, é perigoso, de enorme risco e na prática está a colocar, de novo, os Requerentes na Ilegalidade.
E) Depende de uma Ação principal que poderá demorar anos e anos, a qual poderá cancelar o TR já emitido e revogar a providência cautelar na sua decisão.
F) Somado a isso o Réu SEF recorre atualmente das providências cautelares.
G) O que aumenta ainda mais a incerteza do Requerente.
H) O[sic] Existe jurisprudência dominante no TCA-SUL assente sobre a idoneidade do presente instrumento legal e ainda no STA muito recentes.
I) Existe desde 2019 uma reversão Jurisprudencial.
J) Estão em causa a violação de valores constitucionais previstos na Parte I do importantíssimo texto legal que é a nossa CRP.
K) O Requerente vê ameaçada a sua identidade em território nacional, vê ameaçado o seu emprego, está a pagar impostos e não vê reconhecidos os seus direitos.
L) Não tem direito à sua família, vive com receio atual de ser expulso de território nacional.
M) Especial enfâse para os processos n° 2906/22.7 BELSB de 23/02/23 TCA SUL, processo n° 3682/22.9 BELSB de 31.03.23 do TCA SUL, processo n° 3238/22.6 BELSB do TCA SUL datado de 11.05.2023, processo n° 396/23.6 BELSB, do TCA Sul datado de 11.05.23, processo n° 3187/22.8 BELSB, do TCA SUL datado de 25.05.23.
N) O tribunal a quo não está a acatar a posição do TCA SUL, TCA NORTE e STA.
O) Algumas providências cautelares que subiram até ao TCA SUL foram indeferidas, como era previsível, processo n° 3052/22.9 BELSB, colocando o Requerente de novo na ilegalidade e com risco de expulsão.
P) O que reforça no sentido de ser a Intimação para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias, o único meio legal idóneo nesta matéria.
Q) Não existe tempo a perder devendo o R. SEF ser devidamente Intimado a decidir e a emitir o respectivo título de residência ao Autor.
R) Os valores constitucionais “falam mais alto” e só através de uma Intimação para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias e de uma Justiça em tempo útil é que a Constituição da República Portuguesa poderá ser devidamente acautelada.
S) O Tribunal a quo entra em contradição insanável.
T) A posição do Tribunal a quo beneficia o infractor SEF que se recusa a decidir vai para dois anos.
T) Violaram-se os artigos 1º, 2º, 12°, 13°, 15°, 26°, 27°, 36°, 67°, 68 da Constituição da República Portuguesa e ainda o artigo 109° CPTA e ainda o art.° 88° n° 2 das Leis 59/17 e Lei 102/17 e ainda artes[sic] 5º, 8º, 10°, 13° todos do CPA e ainda art.° 637° e 639° do CPC.».
Requerendo,
«TERMOS EM QUE SE CONCLUI E REQUER COM O MUI DOUTO PROVIMENTO DE V. EXAS :
A) SER CONSIDERADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO.
B) DEVE SER REVOGADA A SENTENÇA A QUO.
C) DEVE SER RECONHECIDA EM DEFINITIVO A INTIMAÇÃO PARA DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS COMO O ÚNICO INSTRUMENTO LEGAL PARA MELHOR SALVAGUARDA DOS INTERESSES DO REQUERENTE E NA DEFESA DA LEI E DA CONSTUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.
D) DEVE SER AINDA O RÉU SEF INTIMADO OU CONDENADO A DECIDIR DE IMEDIATO.
E) DEVE AINDA SER O RÉU SEF CONDENADO A EMITIR A RESPECTIVA RESIDÊNCIA LEGAL DO AUTOR COM URGÊNCIA.».

O Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), vem o mesmo à sessão para julgamento.

A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença fez uma interpretação errada da legislação aplicável ao decidir que a presente acção não é o meio processual adequado ou que não se verifica o requisito da subsidiariedade previsto no artigo 109º do CPTA.

O tribunal recorrido considerou provado o seguinte facto, pertinente para a decisão da causa:

1. Em 16.10.2021, o Requerente apresentou junto do Requerido uma manifestação de interesse ao abrigo do artigo 88.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 04.07 (cf. cópia do certificado de registo de manifestação de interesse junta a fls. 46 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa.

Da fundamentação de direito da sentença recorrida extrai-se o seguinte:
«De acordo com o n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º”.
Tal como é reconhecido, de forma consensual, pela jurisprudência e doutrina:
Os pressupostos do pedido de intimação são os seguintes:
- a necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do processo que seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia;
- que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, no âmbito de um acção administrativa normal, seja comum ou especial” (neste sentido, vide, a título exemplificativo, o aresto prolatado pelo SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, em 18.11.2004, no âmbito do processo n.º 0978/04).
Conforme, a este respeito, é expendido por MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, de forma particularmente impressiva, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2017, 4.ª edição, páginas 882 e 883:
Trata-se […] de um processo dirigido a proteger direitos, liberdades e garantias. O n.º 1 faz depender a concessão da intimação do preenchimento de requisitos formulados em termos intencionalmente restritivos e o primeiro deles diz respeito à qualificação das situações jurídicas que são passíveis de ser tuteladas através da intimação: de acordo com o sentido literal do preceito, para que a intimação possa ser utilizada, é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adoção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício.
À partida, o preenchimento deste requisito pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspetos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação. Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adoptar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito. (sublinhado nosso) – entendimento que aqui se subscreve na íntegra.
Por seu turno, e no que tange ao segundo requisito enunciado supra, explanam os referidos AUTORES (op. cit., páginas 886 e 887) que:
A imposição deste requisito é da maior importância, pois, através dela, o Código assume que, ao contrário do que se poderia pensar, o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias. A via normal de reação é a da propositura de uma ação não urgente, associada à dedução do pedido de decretamento de uma providência cautelar, destinada a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa ação. Só quando, no caso concreto, se verifique que a utilização das vias não urgentes de tutela não é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia é que deve entrar em cena o processo de intimação.
O processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é, assim, instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações – e apenas nessas - em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelem aptas a assegurar a protecção efetiva de direitos, liberdades e garantias” (sublinhado nosso).
Em termos idênticos se pronuncia CARLA AMADO GOMES, considerando que “a sua subsidiariedade relativamente ao decretamento provisório de qualquer providência cautelar possível nos termos do CPTA (além da natural subsidiariedade em face de outros processos especiais de defesa de direitos, liberdades e garantias) reduz muitíssimo o seu âmbito de aplicação, fazendo dela quase um remédio de ultima ratio” (cf. “Pretexto, contexto e texto da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”, página 27, disponível em https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/291-135.pdf).
Significa isto, assim, que ao requerente de dada intimação caberá alegar e demonstrar, por um lado, a indispensabilidade do recurso ao presente meio processual – em termos necessariamente conexionados com a defesa de um direito, liberdade ou garantia, nos termos a que supra se aludiu – e, por outro, a sua subsidiariedade, no sentido de que a tutela peticionada não se compadece com o recurso a qualquer outro tipo de acção de que possa lançar mão, juntamente (ou não) com o competente processo cautelar.
Neste contexto, compulsados os autos e independentemente de qualquer consideração adicional acerca da sua indispensabilidade, resulta evidente para este Tribunal que o Requerente não aduz quaisquer motivos válidos que permitam concluir pela assinalada subsidiariedade que necessariamente deve inerir à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, atento o carácter absolutamente excepcional que este meio processual encerra, enquanto mecanismo tendente à prolação de uma decisão urgente e definitiva.
Com efeito, à falta de concretização, não vislumbra este Tribunal qualquer óbice a que o intento que o Requerente aqui procura prosseguir – e que, como se viu, consiste primacialmente na obtenção de uma decisão incidente sobre o requerimento a que se alude no ponto 1. da matéria de facto que retro se deu por assente, com a consequente emissão do correlativo título de residência – seja atingido através da propositura da competente acção administrativa, acompanhada da interposição de processo cautelar tendente à obtenção de um título ad hoc que aqui o habilite a residir provisoriamente (cf. artigo 112.º, n.º 2, alínea d), do CPTA) até que tal pedido seja decidido, cujos efeitos obviariam às consequências nefastas que aqui invoca e que assaca à pretensa actuação do Requerido.
Efectivamente, importa reter que o “normal e desejável é que os processos se desenrolem nos moldes considerados mais adequados ao cabal esclarecimento das questões, o que exige tempo, o tempo necessário à produção da prova e ao exercício do contraditório entre as partes. Não é, por isso, aconselhável abusar dos processos urgentes, em que a celeridade é necessariamente obtida através do sacrifício, em maior ou menor grau, de outros valores, que, quando ponderosas razões de urgência não o exijam, não devem ser postergados. Afigura-se, por isso, justificado recorrer, por norma, aos processos não urgentes, devidamente complementados por um sistema eficaz de atribuição de providências cautelares, efectivamente apto a evitar a constituição de situações irreversíveis ou a emergência de danos de difícil reparação (sobre os processos cautelares, cfr. artigos 112.º e segs), e reservar os processos urgentes para situações de verdadeira urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa, que são aquelas para as quais, na verdade, não é possível ou suficiente a utilização de um processo não urgente, ainda que complementado pelo decretamento provisório - se as circunstâncias o justificarem- de providências cautelares1
(cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, op. cit., páginas 888 e 889) – orientação que aqui se sufraga integralmente, não vindo invocada qualquer justificação plausível para que este Tribunal da mesma se afaste.
Neste mesmo sentido, de resto, se pronunciou recentemente o TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL (cf. acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.ºs 2715/22.3 BELSB, 806/22.0BEALM e 166/23.1BEALM, em 11.05.2023, 25.05.2023 e 07.06.2023, respectivamente, em litígios em tudo idênticos ao que se encontra aqui em apreciação).
Tal como se expende no último dos arestos enunciados:
“(…) II – Invocando a autora que tem direito à concessão da autorização de residência, a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um meio processual inidóneo, já que a autora poderá intentar uma acção administrativa, sendo-lhe possível obter a tutela urgente dos direitos que invoca através de um processo cautelar, no qual formule pedido de intimação do réu a conceder, provisoriamente, a autorização de residência.
III - A concessão da autorização de residência a título provisório não contende com os limites intrínsecos da tutela cautelar, concretamente com a sua natureza provisória, pois, de acordo com o estatuído no art. 75º n.º 1, da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 18/2022, de 25/8, a autorização de residência aqui em causa é válida pelo período de dois anos contados a partir da data da emissão do respectivo título e é renovável por períodos sucessivos de três anos, pelo que, caso a acção principal improceda, tal implicará a caducidade da autorização de residência concedida a título provisório (ou da respectiva renovação), ou seja, é possível reverter os efeitos criados, isto é, a concessão de autorização de residência a título cautelar não conduz a uma situação definitiva e irreversível.” (sublinhado nosso) – entendimento que aqui se acolhe sem reservas.
Em face do exposto, resulta, assim, manifesto que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não se afigura, na situação sub judice, indispensável à tutela que o Requerente aqui vem reclamar, circunstância que consubstancia uma excepção dilatória inominada, cuja procedência obsta ao conhecimento do mérito da causa (neste sentido, vide, a titulo exemplificativo, o acórdão prolatado pelo TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE, em 04.03.2016, no âmbito do processo n.º 02931/15.4BEPRT, cujo entendimento aqui se acolhe sem reservas) e impõe a absolvição do Requerido da instância, com consequente prejuízo para as demais questões suscitadas pelas partes.
Tendo já sido ultrapassada a fase de despacho liminar e não se encontrando, como tal, observada a previsão normativa ínsita no artigo 110.º-A, n.º 1, do CPTA, não se lançará mão da prerrogativa que aí é conferida ao julgador.».

Discorda o Recorrente do decidido, alegando que, desde 2019, verifica-se uma evolução jurisprudencial no sentido de aclamar esta acção como o mecanismo processual idóneo a despoletar a emissão de uma decisão administrativa relativamente a pretensões de concessão de residência em território nacional, como resulta, designadamente. dos acórdãos do STA de 11.9.2019, no proc. nº 1899/18.0BELSB e deste TCAS, de 15.12.2018, proc. nº 2482/17.2BELSB, de 23.2.2023, proc. n° 2906/22.7 BELSB, de 31.03.23, proc. n° 3682/22.9 BELSB, de 11.05.2023, proc. n° 3238/22.6 BELSB, de 11.05.23, proc. n° 396/23.6 BELSB, e de 25.05.23, proc. n° 3187/22.8 BELSB.
Contudo, também é vasta a jurisprudência deste Tribunal divergente na matéria, como por exemplo a que resulta do ainda mais recente acórdão de 7.6.2023, proc. nº 166/23.1BEALM, com o seguinte sumário [in www.dgsi.pt]:
«I – Do art. 109º n.º 1, do CPTA, resulta que a utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias depende dos seguintes pressupostos:
1) - a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia [indispensabilidade de uma decisão de mérito];
2) - não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa normal [impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa, isto é, o requisito da subsidiariedade].
II – Invocando a autora que tem direito à concessão da autorização de residência, a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um meio processual inidóneo, já que a autora poderá intentar uma acção administrativa, sendo-lhe possível obter a tutela urgente dos direitos que invoca através de um processo cautelar, no qual formule pedido de intimação do réu a conceder, provisoriamente, a autorização de residência.
III - A concessão da autorização de residência a título provisório não contende com os limites intrínsecos da tutela cautelar, concretamente com a sua natureza provisória, pois, de acordo com o estatuído no art. 75º n.º 1, da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 18/2022, de 25/8, a autorização de residência aqui em causa é válida pelo período de dois anos contados a partir da data da emissão do respectivo título e é renovável por períodos sucessivos de três anos, pelo que, caso a acção principal improceda, tal implicará a caducidade da autorização de residência concedida a título provisório (ou da respectiva renovação), ou seja, é possível reverter os efeitos criados, isto é, a concessão de autorização de residência a título cautelar não conduz a uma situação definitiva e irreversível[sublinhados nossos].
Ou o de 13.7.2023, prolatado no proc. nº 866/23.6BELSB (ainda não publicado), também deste Tribunal, e de cujo teor, consultado no SITAF, se extrai: «(…)
21. O requerente, e ora recorrente, afirma que tem direito a que a entidade requerida decida a pretensão por si formulada em 4-4-2022 e, consequentemente, emita o seu título de residência, e que se verifica uma violação desse direito, por já ter sido ultrapassado o prazo legal para o processamento do seu pedido, o que, por si só, justifica o direito de recorrer ao presente processo de intimação. Contudo, não lhe assiste razão.
22. Com efeito, está em causa a alegada omissão do SEF em apreciar o pedido de autorização de residência formulado pelo recorrente e, segundo este alega, emitir a correspectiva autorização. Porém, é patente que o recorrente não deu satisfação ao ónus de alegação e de prova que lhe estava cometido, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, no sentido de demonstrar a imprescindibilidade do recurso ao presente meio processual, por não ser possível, em tempo útil, o recurso a uma acção administrativa de condenação à prática do acto devido, complementada com um pedido cautelar.
23. Percorrendo novamente quer o requerimento inicial, quer a alegação de recurso, constata-se que o requerente/recorrente não alega um único facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão ser apreciada no âmbito da acção administrativa e, portanto, de uma decisão final com trânsito em julgado numa tal acção poder demorar, pelo menos – atendendo aos prazos previstos para a sua tramitação e à possibilidade de recurso jurisdicional – vários meses, tal circunstância seja susceptível de retirar utilidade à apreciação do seu pedido de autorização de residência que só nessa data seja efectuado.
24. Com efeito, o requerente/recorrente não alegou – e, consequentemente, não provou – que, caso a decisão de mérito não fosse proferida num processo de natureza urgente, haveria (a) uma perda irreversível de faculdades de exercício desse direito (o direito a residir em Portugal), e (b) uma qualquer situação de carência pessoal ou familiar em que estivesse em causa a imediata e directa sobrevivência pessoal de alguém. O recorrente limitou-se a alegar está a fazer descontos e a pagar impostos desde 2022 em território nacional, não tem a sua identidade reconhecida em Portugal, tem o seu trabalho em risco, pelo que estar a propor outro tipo de acção não tem qualquer sentido e, pior, vem aumentar o sofrimento do autor, sendo certo que este, não tem só deveres, mas também direitos e aplicáveis por via do artigo 15º da CRP.
25. De tudo quanto se afirmou, resulta inequívoco que o requerente/recorrente não alegou – e também não alega no presente recurso – um único facto concreto que permita concluir que o invocado direito a obter a autorização de residência não terá utilidade caso só venha a ser concedido mediante uma decisão a proferir em acção administrativa, eventualmente cumulada com um pedido de natureza cautelar, isto é, que estas acções não são suficientes para assegurar o exercício em tempo útil desse direito. Ou, dito por outras palavras, o requerente/recorrente não invoca qualquer facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão vir apenas a ser apreciada no âmbito duma acção administrativa, ficará sem qualquer utilidade a eventual condenação dos réus que aí possa vir a ocorrer, de deferimento do pedido de autorização de residência oportunamente formulado.
26. A inadequação do meio processual “intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias” decorre ainda da possibilidade da acção administrativa poder ser acompanhada de um pedido de decretamento de providência cautelar, pois tal como salientou a sentença recorrida, o decretamento de uma providência cautelar que intime a entidade requerida a emitir um título de residência provisório mostra-se suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos que o recorrente invoca, além de não esgotar o objecto da acção principal.».
Este acórdão teve voto de vencido pelo 2º Adjunto que «(…), teria entendido que a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, se mostrava o meio processual adequado ao fim visado.».
E declaração de voto do 1º Adjunto, de cujo teor se extrai: «Subscrevo o sentido da decisão, mas não a sua fundamentação, porquanto entenderia que não se mostra legalmente possível regular cautelarmente/provisoriamente a pretensão trazida a juízo pelo requerente/recorrente.
(…)».
Aqui, em abstracto, o meio idóneo seria a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, porquanto seria a forma processual de ver acautelada a pretensão do recorrente.
Contudo, se o seria em abstracto, não o será em concreto.
Para que o fosse era necessário que do requerimento inicial apresentado se pudesse vislumbrar que o adiamento deste processo de espera que vem tendo lugar desde que apresentou requerimento no SEF, estivesse a pôr em causa, de forma irremediável, intolerável e iminente algum seu direito, liberdade ou garantia (ou direito análogo).
A extrema urgência inerente ao presente meio processual impõe que devamos fazer uma triagem estrita daquilo que é verdadeiramente urgente e indispensável para salvaguarda de direitos, liberdades e garantias ou outros direitos e garantias de natureza análoga.
Isto sob pena de vulgarizarmos a urgência e passarmos a ter, na presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, uma espécie processual ineficiente e votada ao fracasso na protecção das verdadeiras urgências e atropelos aos verdadeiros direitos, liberdades e garantias.».

Todas estas decisões [incluindo as referidas pelo Recorrente] partem do pressuposto de que a verificação dos requisitos da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, enunciados no artigo 109º do CPTA, é efectuada por referência a um caso específico.
O mesmo é dizer que a indispensabilidade e subsidiariedade deste meio processual se aferem relativamente ao que concretamente é alegado e pedido na petição, em cada acção de intimação instaurada ao abrigo do artigo 109º, não sendo admissível afirmar apenas por referência a um determinado tipo de pretensão – como a emissão de uma autorização de residência, excedido prazo previsto na lei para a Administração decidir o correspondente pedido – que tais requisitos se encontram verificados.
Ainda que na petição sejam indicados direitos, tipificados como fundamentais ou como direitos análogos, na CRP, é ónus do requerente alegar factos que permitam concluir que a não emissão de uma decisão de mérito célere que imponha à Administração uma determinada actuação ou omissão, irá pôr em causa o respectivo exercício em tempo útil, por não ser possível ou suficiente nas circunstâncias do caso o decretamento de uma providência cautelar, necessariamente dependente ou instrumental de uma acção administrativa não urgente.
Não basta, por isso, o requerente [mais concretamente o respectivo mandatário] alegar na petição [e reiterar no recurso] que já instaurou muitas outras acções de intimação parecidas ou para o mesmo efeito, e obteve várias decisões favoráveis em 1ª instância e em recurso, e, em termos genéricos, limitar-se a enunciar a violação de determinados direitos, liberdades e garantias ou, como, no caso em apreciação, os direitos fundamentais à segurança, à identidade pessoal, à estabilidade no trabalho, à protecção na saúde, à família -, sem observar o ónus, que sobre si recai, de densificar essa violação e de juntar prova para o efeito.
Ónus que o Requerente/recorrente não logrou cumprir, não demonstrando a pretendida urgência ou indispensabilidade do uso desta acção de intimação.
Quanto à subsidiariedade, na petição e no presente recurso, foi defendido que o único meio adequado para satisfazer a pretensão do Requerente/recorrente de intimação ou condenação do Recorrido a emitir a autorização de residência requerida, era a presente acção, de natureza urgente, principal e apta a decidir do respectivo mérito, não sendo idóneo para o efeito o decretamento de uma providência cautelar por precária e incerta, susceptíveis de esgotar o objecto da acção principal, e cujas decisões de decretamento têm merecido recurso pelo Recorrido e algumas sido indeferidas por este Tribunal, mantendo a situação de ilegalidade.
Ora, não preenchido um dos pressupostos, de verificação cumulativa, previstos no artigo 109º do CPTA, é de admitir que o requerente poderia ter exercido o/s direito/s em causa mediante a instauração de uma acção administrativa não urgente, pelas razões expostas, mormente no excerto reproduzido do acórdão de 7.6.2023, proc. nº 166/23.1BEALM.
Assim sendo, porque as providências cautelares são complementares dos meios processuais principais, visando assegurar a utilidade da decisão que venha a ser proferida nestes, de que são instrumentais, é também de admitir que na situação em apreciação exista providência que, de forma provisória, permita ao Requerente exercer os direitos de que se arroga.
O juiz a quo não determinou a substituição da petição por requerimento cautelar, por a fase liminar já ter decorrido, razão porque não aprofundou esta questão [que, aliás não é objecto do recurso], limitando-se a considerar, na sentença recorrida, que “(…) à falta de concretização adicional do Requerente nesse sentido, não logra este Tribunal compreender porque é que não é possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar (sendo que, como se disse, se aventa como perfeitamente plausível o pedido de uma autorização provisória de residência até que o pedido de autorização seja definitivamente decidido)”.
Assim, não sendo objecto do recurso a não decisão de convolar a presente acção em providência cautelar ou sequer a providência que seria a adequada, resta concluir que não assiste razão ao Recorrente quanto à inobservância do requisito da subsidiariedade, decidido na sentença recorrida.

Conclui ainda o Recorrente que o tribunal a quo entra em contradição insanável [conclusão “S)], sem mais.
Nas alegações a expressão “existe uma contradição insanável” consta da “36º)”, por referência à providência cautelar como meio processual adequado, quando, em suma, a mesma esgotaria o objecto da acção principal, e da “78º)” por ter sido proferido despacho a admitir a intimação e a mandar citar e “depois sentencia-se no sentido da improcedência da intimação (?)”.
Ora, quanto à primeira suposta contradição, vale aqui o entendimento já expendido sobre a suficiência de uma providência cautelar para assegurar a pretensão em causa nos autos, para a dar por não verificada.
Relativamente à segunda, não implicando o despacho de admissão da petição e de citação do requerido que a sentença a proferir nos autos tenha que ser de procedência, não se vislumbra, face ao alegado e concluído no recurso, que a decisão recorrida padeça da referida contradição insanável.
Atendendo ao que o presente recurso não pode proceder.
Não são devidas custas por os processos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias delas estarem isentos, nos termos do disposto na alínea b) do número 2 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2024.


(Lina Costa – relatora)

(Ana Paula Martins – com declaração de voto)

(Marta Cavaleira)

Declaração de voto:
"Voto a decisão, revendo posição anterior".
Ana Paula Martins


1 O que, de resto, se afigura duvidoso que configure o caso em apreciação, uma vez que não se perscruta aí – pelo menos, prima facie – uma situação “de verdadeira urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa” (sublinhado nosso), mas antes e tão-somente um dissídio respeitante à tempestividade da actuação do Requerido, podendo, a este respeito, questionar-se se um litígio com tais contornos encontra cabimento na mens legislatoris que subjaz à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (cf. artigo 109.º, n.º 1, do CPTA)]