Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:684/19.6 BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:09/15/2022
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRS
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
FIXAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
ACTO DESTACÁVEL
CASO DECIDIDO
Sumário:I - Da decisão de avaliação da matéria coletável por método indireto, atinente a “manifestações de fortuna”, cabe recurso para o tribunal tributário, no prazo de 10 dias - nos termos das disposições combinadas do nº 7 do artº 89º-A da Lei Geral Tributária e do nº 2 do artº 146º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

II - A decisão de avaliação constitui ato destacável do procedimento administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso resolvido na falta de recurso judicial dessa decisão, a qual, assim, se consolida na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respetiva.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

P……………….., inconformado com o saneador-sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé que, em sede de ação administrativa apresentada contra a Autoridade Tributária e Aduaneira do Ministério das Finanças, na qual pediu a anulação do despacho notificado pelo ofício n.º 8653, de 1 de Agosto de 2019, que lhe indeferiu a reclamação graciosa apresentada do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios de 2014, por manifesto excesso de quantificação, julgou “procedente a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato e absolveu a Entidade Demandada da instância”, dele veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

A. O Recorrente propôs a presente acção administrativa de impugnação de acto administrativo, com vista à anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, indirectamente, das liquidações adicionais de imposto e juros compensatórios subjacentes.

B. A decisão proferida pelo Mmo. Juiz de Direito, em sede de acção administrativa, veio julgar procedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto, alegada em sede de contestação, e absolver a AT da instância.

C. Considera o Recorrente que, nas situações em que a decisão de avaliação teve por base as manifestações de fortuna do artigo 89.º-A da LGT, a lei prevê que daquela decisão não cabe o pedido de revisão previsto pelo artigo 91.º da LGT, mas apenas o recurso judicial do artigo 89.º-A do mesmo diploma.

D. Pelo contrário, a decisão de aplicação de métodos considera-se um acto destacável do acto de liquidação adicional, sendo este último impugnável, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 99.º do CPPT.

E. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 117.º do CPPT, o facto de o Recorrente não deduzido o recurso judicial não obsta a que possa impugnar as liquidações adicionais resultantes da aplicação de métodos indirectos, mas apenas quanto ao seu valor, não quanto à decisão de aplicação dos mesmos.

F. Sendo que, neste caso, o Recorrente não veio pôr em causa a decisão de avaliação da matéria tributável, mas sim a liquidação de IRS emitida para o ano de 2014, no que concerne ao seu valor, por não terem sido considerados os argumentos e a prova documental apresentados.

G. Devendo, assim, ser concedido provimento ao presente recurso, com fundamento em erro de julgamento por erro na interpretação que faz das normas legais aplicáveis, determinando-se a anulação da decisão proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé.

TERMOS EM QUE,

Deve o presente recurso interposto da douta sentença recorrida ser julgado procedente, com as legais consequências.

Só assim se decidindo SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA”


*

As contra-alegações apresentadas terminam com as seguintes conclusões:

A) Estão aqui em causa correções à matéria tributável de IRS, no ano 2014, determinadas com recurso a métodos indiretos, no montante de € 355.286,03, a enquadrar na Categoria G de IRS, efetuadas, pelos Serviços de Inspeção Tributária, em virtude de o contribuinte não ter comprovado, nos termos do n.º 3 do art. 89°-A da LGT, a fonte do acréscimo de património não justificado, conforme estipulado na alínea f) do n.º 1 do artº. 87° da LGT.;

B) E, com esta ação, o A., visou discutir a legalidade da liquidação emitida em resultado de procedimento inspetivo que concluiu pela existência de determinadas manifestações de fortuna consistentes em verificação de acréscimos patrimoniais não justificados;

C) A Sentença “a quo”, considerou procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato que indeferiu ao Recorrente a reclamação graciosa apresentada do ato de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios, por alegado excesso de quantificação;

D) Sob a consideração de que o A., não apresentou, como o deveria ter feito, o recurso previsto no n.º 7, do art.º 89.º-A, da Lei Geral Tributária, conjugado com art.º 146.º-B, do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

E) Na realidade a única questão em causa nos autos está em saber da adequação meio utilizado pelo A., para atacar a matéria visada e, com isso, apurar-se da correção do despacho impugnado;

F) Aqui, e uma vez que se trata de suprimentos que se encontram previstos na tabela constante no n.º 4, do artº. 89°-A da LGT, verificam-se simultaneamente, os pressupostos de aplicação da alínea d) e da alínea f) do n.º 1 do art.º. 87° do mesmo diploma, pelo que a avaliação indireta do rendimento tributável foi efetuada nos termos do n.º 3 e 5 do art. 89°-A da LGT, por força do n.º 2 do art. 87° da LGT.;

G) Por via de regra o ato de determinação da matéria coletável não é suscetível de impugnação judicial autónoma, só podendo esse ato ser discutido e atacado na impugnação judicial deduzida contra o ato tributário de liquidação adicional (entenda-se contra o ato final do procedimento tributário), corroborando o exposto, atente-se no consignado no art.º 54° do CPPT, o qual consagra o princípio da impugnação unitária: "salvo quando forem imediatamente lesivos do direito do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são suscetíveis de impugnação contenciosa os atos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida";

H) Porém, na situação específica das manifestações de fortuna, de conformidade com o consignado no n.º 7 do art.º 89°-A da LGT "da decisão de avaliação da matéria coletável pelo método indireto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, aquele com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91.º e seguintes";

I) Ainda neste âmbito o n.º 8 do art.º 89.º-A, da LGT., ressalva que ao recurso referido no n.º 7, do art.º 89.º-A, da LGT., se aplica, com as necessárias adaptações, a tramitação prevista no art.º 146.º-B, do CPPT.;

J) Em consonância, preceitua o n.º 5, do art.º 146°-B' do CPPT., que as regras dos números precedentes, aplicam-se, com as necessárias adaptações, ao recurso previsto no art.º 89°-A da LGT.;

K) Pese embora a decisão da matéria coletável por manifestações de fortuna seja determinada pela avaliação indireta, certo é que a lei expressamente excecionou a possibilidade de se aplicar o procedimento constante dos art.º 91°e seguintes da LGT.;

L) Efetivamente, no caso concreto das manifestações de fortuna, o legislador expressamente suprime a possibilidade de recurso ao procedimento do art. 91° da LGT., consagrando, em contrapartida, que o contribuinte goza da faculdade de interposição de recurso para o tribunal tributário, para impugnação da decisão de avaliação da matéria coletável, por meio de "petição (...) apresentada no prazo de 10 dias a contar da data em que foi notificado da decisão(... )";

Portanto,

M) a decisão de avaliação da matéria coletável pelo método indireto do art.º 89°-A da LGT configura e constitui um ato que, embora preparatório da liquidação (em sentido estrito), avoca a natureza de ato prejudicial ou ato destacável;

N) Sem descurar que se trata de ato lesivo, esse ato condiciona, inevitavelmente, a decisão final, razão pela qual, levou o legislador a estabelecer que tal decisão de avaliação da matéria coletável é suscetível de recurso para o tribunal tributário;

O) E mais, que na falta desse recurso, constitui-se caso decidido ou caso resolvido de efeitos similares aos do caso julgado judiciário, consolidando-se a decisão na ordem jurídica;

Acresce que,

P) não tendo o A., usado da prorrogativa de apresentar o recurso para o tribunal tributário, que teria efeito suspensivo, conforme disposto no n.º 7 do art. 89°-A da LGT, não poderá o contribuinte discutir a legalidade da liquidação que resultou da aplicação do art.º 89°-A da LGT.;

Q) Como também não tendo o A., interposto recurso da decisão da matéria coletável determinada por manifestações de fortuna, tal acarreta a preclusão de discussão do valor da matéria coletável, exigível no ato de liquidação de IRS emitido;

R) Não resultando qualquer afronta ao princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, já que lei coloca ao seu dispor um meio processual idóneo e adequado para reagir contra o ato de liquidação;

S) Nem se encontra o ato em causa neste processo eivado de qualquer vício ou ilegalidade que o inquine, devendo, por isso, ser mantido na ordem jurídica;

T) De onde se extrai que o Recorrente A., usa de meio processual impróprio e improcede em todos os pedidos formulados nos termos supra dispostos,

U) já a Sentença recorrida, faz uma correta avaliação dos factos e também uma adequada subsunção aos termos legais em vigor, não padece de qualquer dos vícios que lhe vêm imputados, e, por isso, deverá ser mantida vigente na ordem jurídica, com a consequente absolvição da Ré da instância.

Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deverão ser julgadas como improcedentes todas as alegações deduzidas pelo Recorrente e, com isso, ser mantida vigente na ordem jurídica a Sentença recorrida por não lhe poderem ser imputados quaisquer vícios, tudo com custas a cargo do Recorrente por indevidamente ter dado causa ao recurso, assim se fazendo a Sã, Serena e Costumada Justiça


*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º do CPTA.

*

Colhidos os vistos, vêm os autos à conferência para decisão.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

Sem autonomizar expressamente a matéria de facto, o saneador-sentença recorrido apresenta, naquilo que para aqui importa, o seguinte teor:

“Nos termos do artigo 87.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, findos os articulados, o processo é concluso ao juiz que profere despacho saneador, ouvido o Autor, quando deva conhecer obrigatoriamente de questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo, como são as questões de cumulação ilegal de pedidos.

Ao Tribunal cumpre, pois, apreciar antes de mais se se verifica a excepção invocada pela Entidade Demandada: a inimpugnabilidade do acto.


***

A Entidade Demandada defende que, na falta de o Autor ter usado a prerrogativa de apresentar o recurso para o Tribunal Tributário, conforme disposto no n.º 7 do artigo 89.º- A da Lei Geral Tributária não pode discutir, presentemente, a legalidade da liquidação que resultou da aplicação do artigo 89.º-A do mesmo diploma legal.

Desde já se antecipa que assiste razão à Entidade Demandada.

Veja-se porquê.

Compulsado o teor da petição inicial apresentado pelo Autor, o mesmo pretende discutir a legalidade da liquidação emitida em resultado de procedimento inspectivo que concluiu pela existência das denominadas manifestações de fortuna.

Para tal alega a forma como foram adquiridos e de onde provieram os meios financeiros que demonstram tais manifestações.

O que deveria ter feito em procedimento autónomo, não se mostrando minimamente controvertido que o Autor não apresentou o recurso previsto no n.º 7 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária (cfr. igualmente o artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

Estabelece o artigo 54.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que [s]alvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.

Este artigo traduz o princípio da impugnação unitária, segundo o qual as ilegalidades do procedimento tributário são, em regra, sindicadas a final, aquando impugnação judicial do acto de liquidação.

Todavia, este artigo comporta excepções, sendo que uma delas é precisamente a prevista no artigo 89.º-A, n.º 7, da Lei Geral Tributária.

O acto que avalia a matéria colectável, nos termos do artigo 89.º-A, n.º 7, da Lei Geral Tributária (manifestações de fortuna), constitui um acto destacável, impugnável, ex vi legis, autonomamente, através do recurso aí indicado.

É consensual na jurisprudência e na doutrina que a não utilização deste meio processual preclude a apreciação das questões relativas à validade do acto recorrido.

Veja-se desde logo Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, volume II, página 570-571: «[a] atribuição desta natureza de actos destacáveis implica que as ilegalidades de que tais actos enfermem só possam ser arguidas no seu próprio processo impugnatório, não podendo ser invocadas na impugnação do acto de liquidação do tributo que vier a ser praticado com base no acto avaliação da matéria colectável por métodos indirectos a que se refere o art.º 89.4-A da LGT. Na verdade, essa separação do âmbito das impugnações contenciosas do acto destacável e do acto final é, precisamente, a finalidade que se visa coma a tributação ao primeiro dessa natureza de acto destacável, que se justifica por ser diferente a entidade que pratica o acto.».

Como se sumariou no acórdão do Supremo tribunal Administrativo, datado de 22 de Fevereiro de 2017, processo n.º 01137/16, disponível em www.dgsi.pt, “I - Da decisão de avaliação da matéria colectável por método indirecto, atinente a “manifestações de fortuna”, cabe recurso para o tribunal tributário, no prazo de 10 dias nos termos das disposições combinadas do nº 7 do artº 89ºA da Lei Geral Tributária e do nº 2 do artº 146ºB do Código de Procedimento e de Processo Tributário. II – A decisão de avaliação constitui acto destacável do procedimento administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso resolvido na falta de recurso judicial dessa decisão, a qual, assim, se consolida na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respectiva.”.

Jurisprudência perfeitamente adequada ao caso em concreto, motivo porque procede a excepção invocada.

Determinante da absolvição da instância quanto à Entidade Demandada, como se determinará a final.

(…)

Pelo exposto, julgando-se procedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto, se absolve a Entidade Demandada da instância.

(…)”


*

- De direito

Da análise da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pelo Recorrente para pedir a sua alteração podemos concluir que o objeto do presente recurso é o de saber se incorreu em erro de julgamento o saneador-sentença do TAF de Loulé que absolveu a entidade demandada da instância, no âmbito da ação administrativa que visou a contestação ao despacho notificado pelo ofício n.º 8653, de 01/08/19, que indeferiu a reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de IRS de 2014, contestação esta que assentava no alegado manifesto excesso de quantificação.

Relembre-se que, de acordo com o entendimento do Mmo. Juiz, tal liquidação é inimpugnável, uma vez que a matéria tributável, que esteve na génese da mesma, determinada com recurso a métodos indiretos, se encontra definitivamente fixada e consolidada na ordem jurídica.

É contra o assim decidido que é interposto o presente recurso jurisdicional.

A base da argumentação do Recorrente assenta nas seguintes considerações:

- o facto de não ter deduzido o recurso judicial, ao abrigo do artigo 89º-A, nº7 da LGT, não obsta a que possa impugnar as liquidações adicionais resultantes da aplicação de métodos indiretos, embora apenas quanto ao seu valor e não quanto à decisão de aplicação dos mesmos;

- o Recorrente não veio pôr em causa a decisão de avaliação da matéria tributável, mas sim a liquidação de IRS emitida para o ano de 2014, no que concerne ao seu valor, por não terem sido considerados os argumentos e a prova documental apresentados.

Vejamos, então, o que nos ocorre dizer a este propósito.

Não há dúvidas (nem tal alguma vez foi controvertido) que na base da liquidação de IRS de 2014 está o recurso à avaliação indireta, às designadas manifestações de fortuna (artigo 89º-A da LGT); não sofre igualmente contestação que o ora Recorrente jamais lançou mão do meio processual previsto no nº7 do artigo 89º-A da LGT, nos termos do qual “Da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91.º e seguintes”.

A questão que aqui se coloca não é nova, nem se apresenta controversa na jurisprudência, no sentido de que, numa situação factual com os contornos da presente, a matéria tributável fixada com recurso a métodos indiretos, que está na génese da liquidação sindicada, mostra-se definitivamente fixada e consolidada na ordem jurídica, uma vez que a decisão administrativa que está na sua origem não foi alvo de recurso judicial (como legalmente se exigia).

A este propósito, com inteira aplicação ao caso dos autos, lançamos mão do teor do acórdão do STA, de 15/02/17, proferido no processo nº 0633/14, no qual se pode ler, além do mais, o seguinte:

“(…)

Ora, como vem afirmando de forma pacífica e reiterada a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (Cf., entre outros, o Acórdão 342/08, de 24.09.2008, e os acórdãos que se lhe seguiram, 188/09, de 09.09.2009, 334/09 de 09.09.2009, e 422/11 de 06.07.2011, todos in www.dgsi.pt.) a decisão de avaliação da matéria tributável prevista pelo artº 89º-A da LGT constitui acto que, embora preparatório da liquidação (em sentido estrito), assume a natureza de acto prejudicial ou acto destacável pois que, desde logo, define uma situação jurídica, inserindo-se nas relações inter-subjectivas e condicionando irremediavelmente a decisão final.

Como assim, decidido que seja o «recurso» de tal decisão de avaliação da matéria colectável (ou na falta dele) constitui-se sobre a questão caso decidido ou caso resolvido, de efeitos similares aos do caso julgado judiciário, consolidando-se a decisão.

No caso em apreço, embora o recorrente alegue que ataca apenas e só os actos de liquidação do tributo e não os actos de fixação da matéria tributável, o que resulta da petição inicial é que o mesmo formula o pedido de anulação das liquidações por vício de violação de lei ( errónea interpretação do nº 4 do artº 89º -A da LGT) , com fundamento em ilegalidade – erro no apuramento da matéria tributável – defendendo ainda que foram apuradas com base em norma inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

(…)

Ou seja, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, no fundo, o recorrente sindica a determinação da matéria tributável, por métodos indirectos, na medida em que na sua fixação foram tidos em conta, manifestações de fortuna ocorridas nos três anos anteriores, invocando assim, a errónea quantificação do sinal exterior de riqueza.

É certo que nos termos do artº 99º do CPPT constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade.

E o recorrente veio formular o pedido de anulação das liquidações sindicadas com fundamento em ilegalidade – erro no apuramento da matéria tributável, em seu entender apurada com base em norma inconstitucional.

Porém, uma vez que o rendimento tributável dos anos de 2009, 2010 e 2011 se mostra definitivamente fixado e consolidado na ordem jurídica, na impossibilidade de ser reeditada a discussão desta questão, pois que já havia sobre ela caso julgado, estando o juiz impedido de apreciar o mérito da impugnação, a Fazenda Pública não podia deixar de ser absolvida da instância, como resulta do disposto nos arts. 87º, nº 1, al a) e 89º, nº 1, al. i) do CPTA aplicáveis por força da al c) do artº 2º do CPPT”.

No mesmo sentido, o acórdão do STA, de 06/07/11, proferido no processo nº 422/11, em cujo sumário consta, além do mais, o seguinte:

“I - Da decisão de avaliação da matéria colectável por método indirecto, atinente a “manifestações de fortuna”, cabe recurso para o tribunal tributário, no prazo de 10 dias – nos termos das disposições combinadas do n.º 7 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, e do n.º 2 do artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

II - A decisão de avaliação constitui acto destacável do procedimento administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso resolvido na falta de recurso judicial dessa decisão, a qual, assim, se consolida na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respectiva.

III - Deste modo, não é inconstitucional a interpretação segundo a qual a impugnação judicial de liquidação adicional de IRS não pode ter por fundamento a decisão de avaliação da matéria tributável por “sinais exteriores de riqueza”, pois que a lei prevê a impugnabilidade directa e autónoma desta decisão através do recurso referido no nº 1 supra”.

Não se desconsidera que o Recorrente insiste que, no caso, o facto de não ter utilizado o meio processual previsto no artigo 89º-A, nº 7, da LGT (Da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91.º e seguintes) não invalida a contestação das “liquidações adicionais resultantes da aplicação de métodos indirectos, mas apenas quanto ao seu valor, por não terem sido considerados os argumentos e a prova documental apresentados”.

Trata-se de um entendimento que não é de acolher e que não tem o menor respaldo na lei ou na jurisprudência.

Vale a pena, a este propósito, deixar evidenciado o que se escreveu no citado acórdão do STA, de 06/07/11, num quadro factual em tudo idêntico ao presente. Aí se lê:

“(…)

Conforme resulta dos autos, os recorrentes foram notificados da fixação do rendimento colectável, referente ao IRS do ano de 2004, por métodos indirectos, ao abrigo do artº 89º-A da LGT.

Por regra, o acto de determinação da matéria colectável não é susceptível de impugnação judicial autónoma, só podendo esse acto ser atacado na impugnação que venha a ser proposta do sequente acto de liquidação, processo onde poderá ser invocada qualquer ilegalidade ocorrida na fase de determinação da matéria colectável.

Hoje, o princípio da impugnação unitária encontra-se formulado no artigo 54.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que dispõe o seguinte: “Salvo quando forem imediatamente lesivos do direito do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os acto interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”.

Não obstante o seu carácter preparatório, permite-se, no entanto, que certos actos de determinação da matéria colectável possam ser autonomamente impugnáveis, sempre que entre eles e o acto final haja uma relação de evidente prejudicialidade. É na inevitável relação de prejudicialidade entre o acto preparatório (acto prejudicial) e o acto de liquidação (acto prejudicado) que reside a explicação para que tal acto, embora preparatório, se autonomize e destaque (acto destacável) e seja, por si só, e autonomamente impugnável – cf., por todos, Alberto Xavier, in Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 140 a 191; e Américo Braz Carlos, Os Actos Preparatórios de Fixação do Rendimento Colectável, sua Impugnabilidade Contenciosa, na Revista Fisco n.ºs 12/13, p. 20.

Diz Alberto Xavier, in Conceito e Natureza do Acto Tributário, p. 243 e ss., que a lei fixou entre os dois actos um regime de prejudicialidade, cujas notas essenciais são as seguintes: sendo o acto autonomamente impugnável, quer o contribuinte, quer a Fazenda Pública têm legitimidade para interpor recurso do acto de determinação da matéria colectável; em relação à determinação da matéria colectável ocorre preclusão processual, uma vez que tal matéria não pode voltar a ser apreciada no procedimento administrativo de liquidação; e, se o acto não for oportunamente impugnado, o valor tributável torna-se definitivo, com força de caso decidido ou caso resolvido.

O princípio da inimpugnabilidade dos actos preparatórios cede perante o seu especial recorte – como diz Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, I, p. 244 e ss.; cf. também Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, I, p. 644 e ss..

Nos termos do n.º 7 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, sobre “Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados”, «Da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91.º e seguintes».

E o n.º 8 do mesmo artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária acrescenta que «Ao recurso referido no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, a tramitação prevista no artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário». [Aliás, o n.º 5 deste artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário diz, ele próprio também, que «As regras dos números precedentes aplicam-se, com as necessárias adaptações, ao recurso previsto no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária»].

Sob a epígrafe “Tramitação do recurso interposto pelo contribuinte”, o apontado artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário preceitua que «O contribuinte (…) deve justificar sumariamente as razões da sua discordância em requerimento apresentado no tribunal tributário de 1.ª instância da área do seu domicílio fiscal» [n.º 1]; que «A petição referida no número anterior deve ser apresentada no prazo de 10 dias a contar da data em que foi notificado da decisão (…)» [n.º 2]; e que «A petição referida no número anterior não obedece a formalidade especial, não tem de ser subscrita por advogado e deve ser acompanhada dos respectivos elementos de prova, que devem revestir natureza exclusivamente documental» [n.º 3].

Portanto – não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91.º e seguintes à decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, por “Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados”, constante do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, de acordo com o n.º 7 do mesmo artigo 89.º-A –, o sujeito passivo, em tal situação, não tem a faculdade de «solicitar a revisão da matéria tributável fixada», nos termos do n.º 1 do dito artigo 91.º da Lei Geral Tributária. Mas, em contrapartida, o contribuinte goza da faculdade de «recurso para o tribunal tributário», para impugnação da «decisão de avaliação da matéria colectável», por meio de «petição (…) apresentada no prazo de 10 dias a contar da data em que foi notificado da decisão (…)».

Assim, a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária constitui acto que, embora preparatório da liquidação (em sentido estrito), assume a natureza de acto prejudicial ou acto destacável pois que, desde logo, define uma situação jurídica, inserindo-se nas relações inter-subjectivas e condicionando irremediavelmente a decisão final. Como assim, é tal decisão de avaliação da matéria colectável, desde logo, susceptível de «recurso para o tribunal tributário», constituindo-se sobre a questão, e na falta desse «recurso», caso decidido ou caso resolvido, de efeitos similares aos do caso julgado judiciário, consolidando-se a decisão na ordem jurídica, pese embora as ilegalidades de que porventura enfermasse, determinantes da sua anulabilidade (actos meramente anuláveis) – conforme, aliás, é o entendimento da jurisprudência reiterada e pacífica do Supremo Tribunal Administrativo.

É certo que a liquidação pode depois ser impugnada com fundamento em «qualquer ilegalidade». Acontece, porém, que a questão (prejudicial) do valor da matéria colectável tem autonomia na presente situação. Com efeito, e como decorre do regime legal e da doutrina acima apontados, a decisão de avaliação da matéria colectável, porque se trata de um acto destacável, volve-se em caso decidido ou caso resolvido, se não for atacada por meio de «recurso para o tribunal tributário», como no caso não foi.

VI.4. O entendimento exposto foi também seguido nos Acórdãos deste Supremo Tribunal, de 09.09.2009, proferido no Processo nº 0188/09 e de 09.09.2009, proferido no Processo nº 0334/09, não existindo motivação legal ou doutrinária que, por ora, justifique outra posição jurídica.

Ora, tal como resulta do nº 1 do probatório, os recorrentes foram notificados de que poderiam, de harmonia com o disposto nos artºs 89º-A, nº 6 e 146º-B do CPPT, recorrer da decisão de fixação da matéria colectável para o TAF de Mirandela no prazo de 10 dias da data da notificação.

Não tendo recorrido, esta decisão consolidou-se não podendo, por isso, ser posta em causa na impugnação posterior da liquidação”. – fim de citação.

É esta a situação que aqui vem colocada sem contestação. A decisão de fixação da matéria coletável, emanada ao abrigo do artigo 89º-A da LGT, não foi judicialmente contestada e, como tal, consolidou-se. Pretender, agora, ver discutidas questões relativas ao montante do imposto adicionalmente liquidado é extemporâneo, pois que a decisão de fixação, a montante proferida, está consolidada.

Com efeito, se lermos atentamente a p.i da ação no âmbito da qual a decisão recorrida foi proferida, vemos que aí o Recorrente pretendia, em síntese, justificar a fonte das manifestações de fortuna através de fundos/ poupanças amealhadas em anos anteriores ao da liquidação de IRS de 2014 e da transferência de valores de contas bancárias com proveniência em negócios realizados, sobretudo entre 2000 e 2005. Dito de outro modo, era neste processo que o Recorrente se propunha comprovar que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada. Porém, e repetindo: trata-se de uma discussão e prova que teria obrigatoriamente lugar, sob pena de preclusão, no recurso previsto no artigo 89º-A, nº 7 da LGT, nos termos regulados no artigo 146º B do CPPT, o que não foi feito.

Em suma, e sem necessidade de mais nos alongarmos, conclui-se que a decisão recorrida, que decidiu neste sentido, não merece censura.

Improcedem, pois, todas as conclusões da alegação de recurso e nega-se provimento ao mesmo.


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III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 15/09/22


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Isabel Fernandes)

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(Lurdes Toscano)