Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1549/05.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/28/2020
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:DL 48.051, DE 21.11.1967;
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS PESSOAS COLETIVAS PÚBLICAS;
NORMAS FORMAIS/INSTRUMENTAIS;
ATOS RENOVÁVEIS;
ILICITUDE.
Sumário: i. O direito de audiência prévia consubstancia uma manifestação ímpar dos princípios da participação e do contraditório/defesa dos administrados, legal e constitucionalmente previstos.
ii. A ordem de despejo em causa nos autos, foi revogada pelo Recorrido por preterição da audiência prévia da Recorrente.
iii. O ato que está subjacente à presente ação de responsabilidade extracontratual violou uma norma, à data o art. 100.º do CPA, que no seu escopo, ou fim de proteção, incluía indubitavelmente (também) interesses subjetivos dos destinatários do ato, sendo, por esse motivo, além de ilegal, ilícito.
iv. Acresce que resulta ainda dos autos que o Recorrido, podendo renovar livremente o ato, optou, claramente, por não o fazer, pois, na sequência da revogação, não se seguiu a lógica e necessária prática de novo ato, sem incorrer no vício que havia determinado a sua revogação, o que nunca aconteceu, tendo sido ao invés, demolido o espaço em apreço.
v. A jurisprudência do STA tem considerado necessária, para valer como causa excludente da ilicitude, a efetiva renovação do ato ilegal, recusando, quando a mesma não sucede, a atribuição de qualquer relevância negativa a um comportamento alternativo hipotético.
vi. Assim, face a todo o exposto, imperioso se torna concluir que o ato praticado pelo Recorrido e que está subjacente à presente ação para efetivação de responsabilidade extracontratual por facto ilícito, que determinou o despejo da Recorrente do espaço que ocupava, posteriormente revogado com fundamento na preterição da audiência prévia e nunca renovado – sendo que o espaço em causa foi entretanto demolido -, é um ato ilícito, e, como tal, gerador de responsabilidade extracontratual do Recorrido, isto, sem embargo de não se excluir a hipótese de o pedido de indemnização poder vir a ser julgado improcedente por não verificação de qualquer dos restantes pressupostos da responsabilidade extracontratual pública, pois todos eles são de verificação cumulativa, o que não sucedeu no caso em apreço.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

P... Portugal, S.A., ora Recorrente, interpôs recurso jurisdicional do despacho-saneador de 17.01.2011, do despacho sobre resposta a matéria de facto de 25.10.2012 e da sentença de 30.10.2014, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em ação administrativa comum para efetivação de responsabilidade extracontratual por ato ilícito, que intentou contra o Município de Lisboa.

Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões:

«(…)

1. O presente recurso jurisdicional tem por objeto (i) o despacho saneador proferido em 17 de janeiro de 2011 - que, quanto à matéria de facto assente foi integralmente transcrito para a sentença (factos provados 1) a 29)) -; (ii) o despacho proferido em 25 de outubro de 2012 - donde terão sido retirados os factos referidos nas alíneas 30 a 34 da página 6 da sentença e 1° a 5° da página 8 da sentença -; e (iii) a sentença proferida em 30 de outubro de 2014, que conheceu do mérito da causa e julgou improcedente a ação.

2. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na decisão sobre a matéria de facto, impondo- se a respetiva alteração, nos termos descritos no capítulo II. supra das presentes alegações e ao abrigo do disposto no artigo 662.° do Código de Processo Civil, bem como do artigo 149.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (cfr. pp. 4 a 11 das presentes alegações de recurso, cujo conteúdo se dá, para este efeito, por integralmente reproduzido).

3. Visto constituírem repetição de outros factos incluídos na matéria de facto e porque, certamente, se tratou de um lapso, devem ser eliminadas as alíneas 7), 27), 28) e 29) da matéria assente.

4. O Tribunal a quo considerou factos que não foram provados, incorrendo em erro no julgamento da matéria de facto, razão pela qual devem ser suprimidos da matéria de facto assente os factos constantes das alíneas 26), 30), 33) e 34), de acordo com os fundamentos identificados no ponto 7. supra das presentes alegações de recurso (cfr. pp. 5 a 7 das presentes alegações de recurso, cujo conteúdo se dá, para este efeito, por integralmente reproduzido).

5. Os factos dados como provados pelo Tribunal a quo são claramente insuficientes para a correta decisão da causa, impondo-se a ampliação da matéria de facto, de maneira a incluir os factos indicados nas alíneas a) a l) do ponto 8. supra das presentes alegações de recurso, tendo em consideração os meios de prova aí especificamente identificados (cfr. pp. 8 a 11 das presentes alegações de recurso, cujo conteúdo se dá, para este efeito, por integralmente reproduzido).

6. A sentença recorrida errou ao decidir que não se verifica, no caso concreto, a ilicitude do ato administrativo, por o mesmo ter sido revogado. O Tribunal a quo fez uma errada interpretação das normas que dispõem sobre a revogação de atos administrativos (artigos 138.° a 148.° do Código do Procedimento Administrativo), assim como do regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado, nomeadamente do artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 48051; interpretação essa que é contrária ao disposto no artigo 22.° da Constituição da R... Portuguesa.

7. A sentença recorrida é nula, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.° 1 e n.° 4 do artigo 615.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 140.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, uma vez que os fundamentos (fundamentação de facto) estão em oposição com a decisão, na parte em que se decide que os danos alegados e provados não se verificam, por não se apurar o nexo de causalidade.

8. A sentença recorrida errou ao decidir que não se verificam, no caso concreto, os danos e o nexo de causalidade, contrariando a matéria de facto assente fixada e violando o regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado, razão pela qual deve ser revogada pelo Tribunal ad quem.

9. A sentença recorrida deve ser revogada e substituída por decisão que conclua pela verificação, no caso concreto, de todos os pressupostos de que depende a efetivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito (facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade), julgando a presente ação administrativa comum procedente.

Termos em que se requer a V. Ex.as se dignem admitir o presente recurso jurisdicional, julgando-o procedente e, em consequência, determinar:

a) A alteração da decisão sobre matéria de facto, nos termos supra descritos, considerando como provados os factos identificados nas alíneas a) a l) do ponto 8. supra (cfr. pp. 4 a 11);

b) A revogação da decisão recorrida e a respetiva substituição por decisão que declare verificados todos os pressupostos de que depende a efetivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito e julgue a ação procedente (…).»

O recorrido Município de Lisboa, embora notificado para o efeito, não contra-alegou.


Neste Tribunal Central, o DMMP notificado nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso (cfr. doc. a fls. 5-6, de fls. 959 a 967 do SITAF).

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar, seguindo uma sequência lógica dos vícios imputados, primeiro, a invocada nulidade da sentença, depois, os invocados erros sobre a matéria de facto e, por fim, o alegado erro decisório em que incorreu a sentença recorrida ao não considerar verificados os pressupostos da responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, por facto ilícito.

Assim:

i) Da nulidade da sentença recorrida em virtude de a fundamentação de facto estar em oposição com a decisão, na parte em que se decide que os danos alegados e provados não se verificam, por não se apurar o nexo de causalidade;

ii) Do erro de julgamento na decisão sobre a matéria de facto, invocada que foi nos seguintes termos:

ii.1.) Por constituírem repetição de outros factos incluídos na matéria de facto e porque, certamente, se tratou de um lapso, devem ser eliminadas as alíneas 7), 27), 28) e 29) da matéria assente;

ii.2.) Por ter considerado factos que não foram provados, razão pela qual devem ser suprimidos da matéria de facto assente os factos constantes das alíneas 26), 30), 33) e 34);

ii.3.) Por insuficiência da matéria de facto considerada pelo tribunal a quo, impondo-se a ampliação da matéria de facto, de modo a incluir os factos indicados nas alíneas a) a l) do ponto 8. das alegações de recurso, tendo em consideração os meios de prova aí especificamente identificados;

iii) Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida ao ter decidido que não se verificavam, no caso concreto, a ilicitude, os danos e o nexo de causalidade, contrariando a matéria de facto assente fixada e violando o regime jurídico da responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas.

II. Fundamentação

A Recorrente, embora declare ab initio a sua intenção de recorrer do despacho saneador, de 17.01.2011, na parte em que elencou os factos assentes, e do despacho de 25.10.2012, através do qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto, mais à frente, admite, por facilidade - e também porque todos os factos foram transcritos ou reescritos na própria sentença recorrida -, dispensa-se, na exposição infra, da referência expressa ao despacho saneador ou ao despacho de 25-10-2012, sendo todos os factos indicados por referência à sentença, em cumprimento do disposto no artigo 640.° do Código de Processo Civil.
Pelo que assim se atentará quanto à matéria de facto que consta da sentença, considerando prejudicada a enunciada impugnação dos citados despachos anteriores, porque consumidos pela decisão recorrida, ou seja, em decisão final que incorpora, segundo a Recorrente, as decisões anteriores e, bem assim, os termos em que impugnou a matéria de facto dada por provada na sentença recorrida e que cumprirá conhecer.

II.1. De facto

A matéria de facto constante da sentença recorrida é a que aqui se transcreve, ipsis verbis:
«(…)
1) A A. é uma sociedade comercial que tem por objecto a “actividade teatral e, em geral, a realização de quaisquer espectáculos artísticos, inclusive cinematográficos (cfr. doc. fls. 53 a 63 dos autos e admissão por acordo).
2) Pela utilização do referido espaço, a A. pagava à Câmara Municipal de Lisboa uma quantia mensal (admissão por acordo).
3) Por meio do ofício n.° 0136/DPI-DF-DESP/04, notificado à A. em 24.09.2004, foi esta notificada de que «por se ter verificado utilização indevida do Teatro Vasco Santana pela F..., S.A., foi decidido, por despacho de 2004-04-08, (...) desencadear procedimento para despejo administrativo (...) por despacho de 2004-09-07 (...) foi ordenado o despejo administrativo, atribuindo-se o prazo normal de 60 dias para desocupação...» (cfr. doc. fls. 64 a 71 e admissão por acordo).
4) Pela A. foi interposta Acção Administrativa Especial para anulação do acto que determinou o despejo administrativo, que correu termos no 2.º Juízo do TAFL sob o n° 37/05.3BELSB e que findou por inutilidade superveniente da lide (admissão por acordo).
5) A A. entregou em 31.01.2005 as chaves do local ao representante da CML (cfr.doc. fls. 126 dos autos e admissão por acordo).
6) Mediante o ofício n.° 0768/DJ/DAJU/2005, recebido pela A. em 17.05.2005, foi esta notificada do Despacho «que determinou a revogação do acto de despejo administrativo do Teatro Vasco Santana» (cfr. doc. de fls. 127 a 132 dos autos e admissão por acordo).
7) [Em 24.09.2004 foi a A. notificada, por meio do ofício n.° 0136/DPI-DF-DESP/04, de que «foi ordenado o despejo administrativo, atribuindo-se o prazo normal de 60 dias para desocupação...» (cfr. doc. fls. 71 dos autos e admissão por acordo)] – eliminado cfr. alínea ii.1) infra.
8) A fundamentação do acto em questão [facto 6) supra] refere logo à cabeça que «o presente processo foi instruído pelos serviços competentes da Divisão de Fiscalização do DPI, com recurso a elementos dispersos sendo que, certamente por mero lapso, não foram juntos antecipadamente os documentos agora a fls. 65 a 74» (admissão por acordo).
9) Em 16/06/2005, pela F..., SA foi paga a quantia de 4.121,12€, à E..., Lda, para proceder à desactivação de instalação, reinstalação do departamento de casting e figuração do Teatro Vasco Santana (cfr. doc. fls. 135 dos autos e admissão por acordo).
10) Em 31/12/2004, F..., SA pagou à Transportes J..., Lda a quantia de 1203,09€, para fretes de Lisboa para Vialonga, V. Verde e Freixial (cfr. doc. fls. 136 dos autos e admissão por acordo).
11) Em 7/01/2005, a F..., SA pagou à S... a quantia de 30,94€ para desactivação de alarme, na Av.a da R..., recinto da F... (cfr. doc. fls. 137 dos autos e admissão por acordo).
12) Em 31/12/2004 a F... cessou o contrato de trabalho por acordo com M... (cfr. doc. fls. 133 e 134 e admissão por acordo).
13) Em 16/06/2005, pela F..., SA foi paga a quantia de 25085,33€, à E..., para proceder à desactivação de instalação, reinstalação do departamento de casting e figuração do Teatro Vasco Santana (cfr. doc. fls. 138 dos autos e admissão por acordo).
14) Em 16/06/2005, pela F..., SA foi paga a quantia de 31094,66€, à N..., SA, para proceder à desactivação de instalação, reinstalação do departamento de casting e figuração do Teatro Vasco Santana (cfr. doc. fls. 139 dos autos e admissão por acordo).
15) A A. procedeu ao pagamento da quantia 49,88€, à Câmara Municipal de Lisboa, a título de depósito de renda, na C..., nas seguintes datas: 12/01/2005; 18/02/2005; 15/03/2005; 13/04/2005; 12/05/2005; 16/06/2005 (cfr. docs. fls. 140 a 150 dos autos e admissão por acordo).
16) Após ter sido notificada do ofício n.° 0768/DJ/DAJU/2005, a A. solicitou à CML a devolução das instalações do Teatro Vasco Santana, conforme fax datado de 31.05.2005 (cfr. doc. fls. 152 a 154 dos autos e admissão por acordo).
17) 0 R. não devolveu as instalações à A. (admissão por acordo).
18) A Câmara Municipal, ora Ré, adquiriu o edifício designado por “Teatro Vasco Santana”, sito no recinto da F..., em Lisboa, por escritura celebrada em 01/02/1972 (cfr. doc. fls. 182 a 185 dos autos e admissão por acordo).
19) Em 03/05/1972, por despacho do então Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, foi reconhecida a situação de “ocupante" por parte da Autora, à data designada por “E... de Lisboa", tendo-lhe sido cedido o espaço identificado supra, a titulo precário (cfr. doc. fls. 182 a 185 dos autos e admissão por acordo).
20) “A ocupação, embora a título precário, seria garantida à Empresa até que as instalações se destinem a outro fim ou até à demolição do Edifício, mas com a reserva da Câmara poder dispor dele nos intervalos das épocas teatrais ou nos períodos em que os espectáculos estejam suspensos” (cfr. doc. fls. 186 dos autos e admissão por acordo).
21) Para o efeito, estipulou-se uma contrapartida mensal, à data, no montante de 5.000$00 (cinco mil escudos), correspondente actualmente a €24,94€ (vinte e quatro euros e noventa e quatro cêntimos) (cfr. doc. fls. 186 e 187 dos autos e admissão por acordo).
22) Pelo Ofício n.° 3028 de 19/05/1972, foi a autorização de ocupação comunicada à Autora, de acordo com cópia do mesmo, assim como cópia do respectivo aviso de recepção (cfr. doc. fls. 187, 188 e 188 verso dos autos e admissão por acordo).
23) Em 1985 a Ré havia notificado a Autora com vista à desocupação daquele espaço, por uso indevido do mesmo (cfr. doc. fls. 189 dos autos e admissão por acordo).
24) A Ré, em reunião de Câmara, de 11/02/1985, deliberou “(...) manter a cedência a título precário (...)” e que “(...) o Teatro Vasco Santana não poderá ser utilizado para finalidade diferente daquela para que foi cedido (...)” (cfr. docs. fls. 190 e 191 dos autos e admissão por acordo).
25) Deliberando ainda que se devia renegociar o protocolo de cedência com a aqui Autora, sem que se tenha efectivamente chegado a renegociar o dito protocolo, por razões que se desconhecem (cfr. doc. fls. 191 e 192 a 194 e admissão por acordo).
26) 0 Teatro Vasco Santana, em Outubro de 2002, encontrava-se ocupado e simultaneamente utilizado por um conjunto de empresas: F..., N... e M... (cfr. doc, fls. 192 a 194 dos autos e admissão por acordo).
27) [Pelo Ofício n.° 0136 de 20/09/2004, após apreciação da resposta da Autora em sede de Audiência Prévia, foi a Autora notificada do Despacho que ordenou o despejo administrativo, concedendo-lhe o prazo formal de 60 dias para desocupação do local {cfr. doc. de fls. 195 e 196 dos autos e admissão por acordo).] – eliminado cfr. alínea ii.1) infra.
28) [Por despacho proferido em [16]/05/2005, foi revogado o despacho que determinou o despejo (cfr. doc. fls. 199 a 202 dos autos e admissão por acordo).] – eliminado cfr. alínea ii.1) infra.
29) [Pelo Ofício n.° 0768/DJ/DAJU/2005 de 16/05/2005, foi a Autora notificada do despacho de revogação proferido em [16]/05/2005 (cfr. doc. fls. 203 dos autos e admissão por acordo).] – eliminado cfr. alínea ii.1) infra.
30) A A. desocupou e entregou voluntariamente as instalações do Teatro vasco Santana, em 31.01.2005 (confissão da A./cfr. art°. 8° da p.i., e doc° 4 junto com a p.i., de fls. 126 dos autos).
31) A A. após desocupar e entregar as instalações do teatro Vasco Santana passou a usar instalações em Vialonga, que já dispunha na altura, bem como de outros espaços.
32) A A. tem vindo a destinar, desde há muito, o identificado espaço a fins para além do exercício da actividade teatral, designadamente a realização e gravação de programas de televisão.
33) Foi detectado no local de que o mesmo espaço encontrava-se a ser utilizado por outras empresas, para além da A.
34) E nessa sequência, foi a A. novamente notificada, em 19.05.2004, pelo ofício n°. 3396/DPI/DAPI/04, em sede de audiência prévia, da intenção da Ré de proceder à desocupação do espaço em causa, com a indicação dos motivos, dando-lhe assim a oportunidade de vir dizer por escrito o que lhe oferecesse sobre o assunto, podendo juntar os respectivos elementos de prova.
*
A convicção do Tribunal fundamentou-se na prova documental, supra identificada, na admissão por acordo, na confissão da A. quanto ao facto provado sob o n°. 30, e ainda quanto aos factos provados sob os n°s. 30 a 34 da prova testemunhal produzida em julgamento, e conforme a fundamentação patenteada na resposta à matéria de facto nos autos, constante a fls. 754 e 755 dos autos, que aqui se dá por reproduzida.
*
Nada mais logrou-se provar com relevância para a decisão do mérito da presente acção, designadamente não logrou a A. provar que pudesse usar o espaço cedido a titulo precário pela Ré para fins diferentes da actividade teatral.»

II.2. De direito

i) Da nulidade da sentença recorrida em virtude de a fundamentação de facto estar em oposição com a decisão, na parte em que se decide que os danos alegados e provados não se verificam, por não se apurar o nexo de causalidade.

Em sede de alegações invoca a Recorrente que: «(…) o Tribunal a quo não poderia concluir que não se verificam os danos, dizendo ao mesmo tempo que os mesmos estão provados. Há danos: isto é ponto assente. O que se apreciou na parte decisória da sentença recorrida foi da existência ou não de nexo de causalidade. Não se entendendo desta forma, então, a sentença é nula por os fundamentos (fundamentação de facto) estarem em oposição com a decisão, o que expressamente se invoca nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.° 1 e n.° 4 do artigo 615.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 140.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.»

Por seu turno, o discurso fundamentador da sentença recorrida, posto em crise por via da imputada nulidade decisória, é o seguinte:

«(…) dir-se-á que outros pressupostos legais aqui também não se verificam, tais como os danos alegados — e até provados — pela A., porquanto não se apura nexo de causalidade entre os danos e o acto em causa, já que os danos reportam-se a actividade vedada à A. para realizar nas instalações do Teatro Vasco Santana; além do que foi a A. que voluntariamente entregou o espaço, decerto por bem saber que a sua actividade principal não correspondia á actividade titulada pela cedência a titulo precário facultada pela Ré. Como bem diz a Ré não é o objecto social que a A. prossegue que dita a regular ou irregular utilização do espaço Teatro Vasco Santana, facto que a A. não pode ignorar e por isso até tinha outras instalações, designadamente em Vialonga onde desenvolvia também actividades diferentes da actividade teatral, como sejam a de gravação de programas de televisão.»

De acordo com o art. 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, tal como invocado pela Recorrente, é nula a decisão quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

É jurisprudência uniforme que esta nulidade da sentença ou acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão apenas se verifica quando a decisão proferida padeça de erro lógico na conclusão do raciocínio jurídico, por a argumentação desenvolvida no acórdão apontar num determinado sentido e, apesar disso, a decisão ser em sentido contrário ou oposto. Contradição lógica, esta, que não se confunde com erro de julgamento, isto é, a errada interpretação ou aplicação do direito.

Ora, a sentença recorrida não diz que os danos não se verificam, ao contrário do que alega a Recorrente, o que diz, interpretando o texto supra transcrito, é que entre os danos alegados, e provados, e o ato ilícito não se prova o nexo de causalidade, em virtude de tais danos se reportarem a uma atividade a que a Recorrente estava impedida de exercer no teatro em apreço.

Razão pela qual não se verifica a invocada nulidade da decisão, pois a mesma não é contraditória nos seus termos, sem prejuízo de a mesma poder ter incorrido em erro de julgamento, do qual conheceremos na alínea iii) infra, se a tal nada obstar.

ii) Do erro julgamento na decisão sobre a matéria de facto, invocada que foi nos seguintes termos:

ii.1.) Por constituírem repetição de outros factos incluídos na matéria de facto e porque, certamente, se tratou de um lapso, devem ser eliminadas as alíneas 7), 27), 28) e 29) da matéria assente.

Em sede de alegações invoca a Recorrente que: «(…) Por uma questão de clareza e porque, manifestamente, se trata de um lapso, requer-se a eliminação das seguintes alíneas da matéria de facto considerada assente pelo Tribunal a quo:

- Alínea 7) na medida em que repete integralmente o teor da alínea 3). Aliás, no despacho proferido em 12 de janeiro de 2012, a fls. 609 e 610, o Tribunal a quo determinou a supressão do facto sob o n.° 7, justamente por essa razão. Claramente por lapso, a alínea 7) voltou a ser referida na sentença;

-Alínea 27) na medida em que também repete integralmente o teor da alínea 3);

-Alínea 28) na medida em que repete o teor da alínea 6);

-Alínea 29) na medida em que repete na íntegra o teor da alínea 6).»

E com razão, pese embora pequenas diferenças textuais, mas que não comprometem a conclusão de que se trata do mesmo facto, termos em que, se consideram eliminados do elenco da matéria de facto supra os factos correspondentes aos pontos 7), 27), 28) e 29), julgando-se procedente o invocado nesta sede, pela Recorrente.

ii.2.) Por ter considerado factos que não foram provados, razão pela qual devem ser suprimidos da matéria de facto assente os factos constantes das alíneas 26), 30), 33) e 34).

Em sede de alegações invoca a Recorrente que: «(…) requer- se, ao abrigo do disposto no artigo 662.° do Código de Processo Civil, a supressão dos seguintes factos da seleção da matéria de facto assente, pelas razões que se passam a indicar:

-Alínea 26) - [26) O Teatro Vasco Santana, em Outubro de 2002, encontrava-se ocupado e simultaneamente utilizado por um conjunto de empresas: F..., N... e M... (cfr. doc, fls. 192 a 194 dos autos e admissão por acordo)] Este facto não foi alegado nem de modo algum admitido pela Autora, sendo que, não consubstanciando o mesmo matéria de exceção, a Autora não chegou a ter oportunidade processual, nem para o impugnar expressamente, nem para o admitir, não podendo, assim, concluir-se que foi admitido por acordo, como incorretamente fez o Tribunal a quo.

O único documento junto aos autos para prova do facto constante desta alínea foi uma Informação (Inf. n.° 003595, de 11 de outubro de 2002, Doc. 8 junto à contestação), assinada por um fiscal municipal, da qual não resulta que este tenha tomado conhecimento direto do facto em causa, mas apenas que registou a informação transmitida pelo Sr. D..., chefe de estúdio do Teatro. Ora, o registo de uma mera comunicação verbal, colhida por um único fiscal numa única visita ao teatro, não se reportando ao conhecimento direto dos factos pelo seu suposto autor, não constitui, por si só, prova bastante do referido facto. Não se pode, pois, admitir que o apontamento escrito de alguém sobre o que outrem lhe transmitiu oral e fortuitamente, num determinado momento (sem que essa informação seja comprovada por outra qualquer via), sirva como prova bastante de um determinado facto.

Ou seja, o Tribunal a quo considerou provado um facto com base - passe-se a expressão - no "diz que disse". A ser assim, bastaria que se escrevesse tudo quanto se ouvisse para que passasse a ser facto real e comprovado, o que contraria frontalmente as regras sobre a prova do ordenamento jurídico português. A considerar-se provado algum facto, seria o de existir uma Informação elaborada por um fiscal municipal com um determinado conteúdo, e só. Depois, caberia ao Tribunal, no seu douto arbítrio, atribuir o devido valor a essa prova, que - pelo que já foi exposto - sempre teria que ser muito diminuto.»

Vejamos.

Este facto n.º 26, é depois concretizado nos factos 32) e 33), da matéria de facto julgada provada na sentença recorrida, que, por sua vez, correspondem, respetivamente, aos factos.º 26, da matéria de facto assente, e aos factos 15.º e 16.º da base instrutória, tal como consta do elenco de factos contidos no despacho saneador, e que, em sede de decisão sobre a matéria de facto, foram alvo – os 15.º e 16.º - da seguinte resposta: «(…) Depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, quer da A., quer do R. as quais revelaram de modo inequívoco que a actividade desenvolvida não se restringia à actividade de “ teatro”

Importa ter já presente que a Recorrente impugna também a decisão tomada quanto ao facto 33), alegando, em suma, o seguinte: «Alínea 33) - Esta alínea deve ser suprimida da matéria de facto assente, pelos mesmos fundamentos apontados para a eliminação do facto constante da alínea 26), pois que esta alínea repete integralmente o teor da alínea 26). Ademais, o Tribunal a quo não especificou os fundamentos que foram decisivos para formar a sua convicção quanto a este facto, não tendo referido os meios probatórios donde o mesmo resulta, em violação do disposto no n.° 4 do artigo 607.° do Código de Processo Civil, o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.»

Ora, como vimos, o tribunal explicitou, em sede de decisão sobre a matéria de facto, os fundamentos que foram decisivos para formar a sua convicção, a saber: “Depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, quer da A., quer do R. as quais revelaram de modo inequívoco que a actividade desenvolvida não se restringia à actividade de “ teatro”.

Assim como em sede de sentença, refere, nesta parte da decisão, que «(…) A convicção do Tribunal fundamentou-se (…) quanto aos factos provados sob os n°s. 30 a 34 da prova testemunhal produzida em julgamento, e conforme a fundamentação patenteada na resposta à matéria de facto nos autos, constante a fls. 754 e 755 dos autos, que aqui se dá por reproduzida.»

Ora, sendo o facto 26) uma mera repetição, ou antecipação do facto 33) imperioso se torna concluir também que com ele partilha a fundamentação aduzida pelo tribunal quanto à relevância da prova testemunhal para a decisão tomada.

Ao imputar à sentença sob recurso um erro de julgamento da matéria de facto, a Recorrente vinculou-se a cumprir os ónus que sobre si incidem, nos termos do art. 640.º do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA, sob a epígrafe “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, nos termos seguintes:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; - que cumpriu;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; - não cumpriu;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Ora, resulta evidente que a Recorrente não cumpriu o ónus alegatório a que estava obrigada nos termos do citado e supra transcrito art. 640.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do CPC.

É certo que o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, dispõe que “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”. Porém, no caso vertente, os factos assentes não impõem decisão diversa.

E, necessário é não perder de vista que «(…) os julgamento da matéria de facto os poderes da 2ª instância estão delimitados pelo nº 1 do art. 662º do CPC, pelo que a decisão sobre a matéria de facto só deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, o que significa que deve especificar-se não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas antes que imponham decisão diversa da impugnada» (cfr. Ac. TRGuimarães, de 14.06.2017, P.620/13.3TTVCT.G1).

Cumprindo ainda relembrar que o controlo de facto, em sede recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode arrasar a livre apreciação da prova do julgador, construída na base da imediação e da oralidade. Relembre-se que no presente processo foi realizada audiência de julgamento, com produção de prova testemunhal, como constante da ata da audiência de discussão e julgamento.

Efetivamente «(…) a gravação da prova, pela sua própria natureza não pode reproduzir todas as circunstâncias em que um determinado depoimento se processou, não podendo assim evidenciar tudo aquilo que é percetível apenas através do concretizar do principio da imediação, não tornando assim acessível ao tribunal superior o controlo de todo o processo que habilitou o tribunal "a quo" a decidir como decidiu, o que tudo aconselha um particular cuidado aquando do uso pelo tribunal "ad quem" dos poderes de reapreciação dos pontos controvertidos da matéria de facto.» (cfr. Ac. STA de 18.01.2005, P. 01703/02).

Acresce que, na economia da presente decisão, sempre se consideraria absolutamente inútil a impugnação da Recorrente quanto à decisão tomada quanto ao factos 26) e 33) – v. infra – não tendo impugnado também o facto 32), que corresponde ao facto 15.º da base instrutória, referido supra, com o seguinte teor « 32) A A. tem vindo a destinar, desde há muito, o identificado espaço a fins para além do exercício da actividade teatral, designadamente a realização e gravação de programas de televisão.» pela ligação intrínseca entre estes factos quanto à conclusão a tirar sore a utilização do teatro em apreço.

Continuemos.

«-Alínea 30) - Contrariamente ao que julgou o Tribunal a quo, não é certo que tenha ficado provado que a Autora desocupou e entregou voluntariamente as instalações do Teatro Vasco Santana. O que se provou, nomeadamente por ter sido admitido por acordo, foram as ações praticadas, i.e., a desocupação e a entrega do imóvel. Não ficou provado e não houve confissão quanto ao "modo" ou "à forma" como a Autora praticou tais ações. Com efeito, a forma como a alínea 30) se encontra redigida induz em erro, pois leva a crer que a Autora desocupou o Teatro Vasco Santana por sua livre iniciativa e de livre vontade, quando o que se passou foi exatamente o contrário. Aliás, lendo a fundamentação da decisão de direito, percebe-se que o Tribunal a quo atribuiu especial relevância a este facto justamente com o sentido que ora se impugna. Repare-se que no artigo 8.° da petição inicial se alega o seguinte: «entregando [a Autora] em 31.01.2005 as chaves do local ao representante da CML»; não se podendo daí retirar uma confissão da Autora quanto à voluntariedade (ou livre iniciativa) dessa ação. Do mesmo modo, do Doc. 4 junto à petição inicial apenas se retira que, em 31 de janeiro de 2005, a Autora entregou à Câmara Municipal de Lisboa as chaves do Teatro. Ora, nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 653.° do antigo Código de Processo Civil (norma aplicável à data da emissão do despacho de 25-10-2012), o Tribunal a quo deveria ter analisado criticamente as provas, o que não parece ter acontecido quanto a este facto. É que, o Tribunal a quo parece ter desconsiderado completamente que a Câmara Municipal de Lisboa alegou, no artigo 27.° da contestação, que «a Autora entregou voluntariamente as chaves à Ré em 31/01/2005, já após o decurso de 60 dias concedidos para o efeito, e em resposta ao Ofício n.° 000296 de 17/01/2005 para a execução coerciva do despejo». E que foi também a própria Câmara Municipal que juntou aos autos cópia do ofício enviado à Autora pelo qual a avisava de que iria proceder à execução coerciva do despejo do Teatro (cfr. Doc. 11 junto à contestação). Mais: o Doc. 15 junto pela Ré no decurso da audiência de julgamento e admitido pelo Tribunal a quo por despacho de fls. 750, contém a Informação n.° 0017 do Departamento de Património Imobiliário da Câmara Municipal de Lisboa, onde se reporta que «o Sector de Despejos deste Departamento procedeu no dia 31 de Janeiro de 2005 à execução do despejo relativo à morada supra (Teatro Vasco Santana)». Ora, analisados todos estes meios de prova em conjunto e de forma critica, facilmente se conclui que apenas ficou provado que a Autora entregou voluntariamente as chaves do Teatro e, se o fez, foi porque outra opção não lhe restava, já que estava iminente a execução coerciva do despejo. Ou seja, ou entregava o imóvel a bem (e daí a expressão "voluntariamente") ou entregava o imóvel a mal (por via do despejo coercivo). De uma forma, ou de outra, a Autora acabaria sempre por ser obrigada a desocupar o Teatro, pelo que preferiu a forma menos penosa para todos, mostrando bom senso. Posto isto, o facto descrito na alínea 30) apenas se pode aceitar se for expurgado da expressão "voluntariamente", pelo mal entendido que pode gerar, o que expressamente se requer.»

Também quanto a este facto 30), resulta evidente que a Recorrente não cumpriu o ónus alegatório a que estava obrigada nos termos do citado e supra transcrito art. 640.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do CPC, atendendo a que «(…) A convicção do Tribunal fundamentou-se (…) quanto aos factos provados sob os n°s. 30 a 34 da prova testemunhal produzida em julgamento, e conforme a fundamentação patenteada na resposta à matéria de facto nos autos, constante a fls. 754 e 755 dos autos, que aqui se dá por reproduzida.».

Em todo o caso, é absolutamente plausível interpretar este mesmo facto da forma que pretende a Recorrente, em como entregou o imóvel a bem (e daí a expressão "voluntariamente") e não “a mal” (por via do despejo coercivo).

E, por fim, impugna também a Recorrente, a decisão sobre o facto 34), alegando, em suma, que «-Alínea 34) - [34) E nessa sequência, foi a A. novamente notificada, em 19.05.2004, pelo ofício n°. 3396/DPI/DAPI/04, em sede de audiência prévia, da intenção da Ré de proceder à desocupação do espaço em causa, com a indicação dos motivos, dando-lhe assim a oportunidade de vir dizer por escrito o que lhe oferecesse sobre o assunto, podendo juntar os respectivos elementos de prova] O facto a que se reporta esta alínea não assume qualquer relevância para a decisão da causa. Poderia apenas assumir relevância para a ação de impugnação do ato. O que aqui se discute é a ilicitude do ato administrativo (final) que determinou o despejo do Teatro Vasco Santana e não a regularidade ou irregularidade dos atos procedimentais que o precederam. A expressão "nessa sequência" também não é esclarecedora, pois que o facto constante da alínea anterior data, supostamente, de 2002 e não resume os ditos motivos para a desocupação do espaço. Esta irrelevância é confirmada também pela circunstância de a Ré não ter junto aos autos, logo com a contestação, o referido ofício, de que o Tribunal a quo só teve conhecimento por constar do processo administrativo.»

Embora se percebam os argumentos aduzidos pela Recorrente, num raciocínio reconstrutivo do pensamento anterior e posterior à prolação da sentença, julga-se ser de manter tal facto, sendo que, se o mesmo se revelou inútil para a decisão do tribunal a quo, também não a compromete, o mesmo sucedendo com a decisão deste tribunal ad quem que apenas irá conhecer de vícios imputados à sentença recorrida.

Tudo visto, julga-se totalmente improcedente a impugnação da matéria de facto constante da alínea ii.2) supra, nos termos e pelos fundamentos expostos.

ii.3.) Por insuficiência da matéria de facto considerada pelo tribunal a quo, impondo-se a ampliação da matéria de facto, de modo a incluir os factos indicados nas alíneas a) a l) do ponto 8. das alegações de recurso, tendo em consideração os meios de prova aí especificamente identificados.

Vejamos em que termos, tendo presente do disposto do citado e supra transcrito art. 640.º, n.º 1, do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA.

a) A Recorrente indicou quais os concretos factos que considera deverem ser aditados à matéria de facto provada, a saber:

35) Por ofício n.° 000296, datado de 17.01.2005, a Ré notificou [informou] a Autora de que «foi fixado, para o dia 31 de Janeiro de 2005, pelas 09.30 horas, a execução coerciva de despejo de Teatro Vasco Santana em espaço municipal, situada na Av. Da Republica (F... de Lisboa). (cfr. art 27.º da contestação e doc. 11 junto com este articulado);

36) A Autora desocupou e entregou o espaço à Ré na sequência do despejo determinado por esta. (cfr. resposta ao quesito 6.º prestada na decisão sobre a matéria de facto, nos seguintes termos: «Provado apenas que a A. desocupou e entregou o espaço ao R., na sequência de desocupação determinada pelo R.»

37) A ação identificada no facto 4) supra, foi intentada pela A. a 04.01.2005, contra a Ré, [sendo esta uma] ação administrativa especial de impugnação do ato administrativo que determinou o despejo administrativo do Teatro Vasco Santana e de que foi notificada em 24 de setembro de 2004. (cfr. Doc. 3 junto com p.i., alegado pela R. no artigo 29.° da contestação, admitido por acordo)

38) N[a ação referida no número anterior, a que veio a corresponder o n.º] 37/05.3BELSB, a impugnação do ato administrativo que determinou o despejo administrativo do Teatro Vasco Santana teve por fundamento a invalidade desse ato que, no entendimento da Autora, padecia de: (i) vício de desvio de poder; (ii) vício de forma por falta de audiência prévia dos interessados; (iii) vício de violação de lei por o ato se fundar numa lei revogada; (iv) erro sobre os pressupostos de facto visto que estava em causa um verdadeiro e próprio arrendamento; (v) erro sobre os pressupostos de facto na medida em que as atividades desenvolvidas no Teatro se incluíam no âmbito da exploração teatral. (cfr. Doc. 3 junto com a p.i. e artigo 6.° da petição inicial vs artigo 29.° da contestação, admitida por acordo).

39) No [mesmo] Processo n.° 37/05.3BELSB foi proferida sentença, em 17.11.2005, que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, na sequência de a Ré ter alegado na contestação que havia revogado o ato impugnado por despacho de 16.05.2005. (cfr. artigos 30.° e 31.° da contestação e cópia da referida sentença, que foi junta aos autos por requerimento apresentado pela Autora, [ora Recorrente] em 02.02.2011; admitido por acordo).

40) A Ré revogou o ato de despejo administrativo com o seguinte fundamento: «porque foi proferido no âmbito de um procedimento administrativo que preteriu a audiência prévia dos interessados». (cfr. Doc. 5 junto à petição inicial e Doc. 12 junto à contestação; cfr. artigos 10.° e 23.° da petição inicial e artigo 32.° da contestação; admitido por acordo).

41) O pagamento da quantia de € 1.203,09 pela Autora à Transportes J..., Lda. para fretes de transporte de equipamento deveu-se à desocupação do Teatro Vasco Santana. (embora conclusivo, constava do quesito 8.º e foi dado como provado na decisão sobre a matéria de facto tomada a 25.10.2012).

42) A Senhora M... assumia as funções de telefonista e rececionista no Teatro Vasco Santana e depois do despejo do Teatro a Autora não teve possibilidade de a recolocar noutras instalações (cfr. artigos 42.° a 45.° da petição inicial; depoimentos das testemunhas A... (gravação áudio da sessão da audiência de julgamento do dia 04/10/2012, do minuto 12:59 ao minuto 14:17) e J... (gravação áudio da sessão da audiência de julgamento do dia 04/10/2012, do minuto 41:54 ao minuto 43:57).

43) Pela cessação do contrato de trabalho com M..., a Autora pagou, a título de indemnização, a quantia líquida de € 12.420,00 (doze mil quatrocentos e vinte euros). (cfr. artigo 44.° da petição inicial e Doc. 6 junto à petição inicial; completa o facto 12) supra).

44) Até junho de 2005, a Autora pagou a quantia total de € 299,28, a título de rendas relativas ao Teatro Vasco Santana, sem que tenha beneficiado da contrapartida da utilização do espaço. (cfr. artigo 50.° da petição inicial e Docs. 12 a 17 juntos a esse articulado; completa o facto 15) supra)

45) A Ré não praticou novo ato administrativo determinando o despejo do Teatro Vasco Santana. (cfr novembro de 2005, data da apresentação da contestação, não havia sido praticado, não tendo a Ré feito qualquer referência a um novo ato, nem na contestação, nem em qualquer momento posterior do processo. Em junho de 2007, data da apresentação do articulado superveniente pela Autora, retira-se também, do artigo 5.°, que não houve renovação do ato. Neste sentido, este facto deve considerar-se admitido por acordo e é relevante para a decisão da causa, na medida em que influencia, de acordo com a doutrina e jurisprudência mais recentes, a decisão sobre a ilicitude do ato).

46) Na pendência da presente ação, a Ré demoliu o edifício do Teatro Vasco Santana (cfr. artigos 6.°, 7.° e 8.° do articulado superveniente apresentado pela Autora em junho de 2007 e Docs. 1 a 20 juntos a esse articulado, não contestado ou impugnado pela Ré; admitido por acordo).

b) Fundamentou as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos que, no seu entender, implicavam uma decisão diversa – cfr. termos transcritos supra;

e,

c) Enunciou a decisão que, em seu entender, deveria ter tido lugar, ou seja, quais os factos a aditar ao elenco dos factos provados – cfr. termos transcritos supra.

Perante o que, ao abrigo do art. 662.° do CPC, ex vi art. 140.°, n.° 2, do CPTA, aditam-se à matéria de facto provada os factos identificados supra sob os números 35) a 41) e 44) a 46), pelos motivos supra expostos em cada um deles e porque relevantes para a decisão do presente recurso e da causa. Excetuando, pois, os factos 42) e 43), pelos seguintes motivos:

O facto 42) não constava de nenhum dos quesitos da Base Instrutória, pelo que as testemunhas indicadas, que responderam, respetivamente, aos quesitos 1.º a 14.º e 7.º a 11.º e 14.º - cfr. ata da audiência de julgamento de 04.10.2012 – do mesmo não podiam ter feito prova, e nem o mesmo, face a todo o exposto, pode ser neste momento aditado à matéria de facto.

Por seu turno, o facto 43), correspondente ao quesito n.º 7 da Base Instrutória, foi julgado não provado por decisão sobre a matéria de facto tomada a 25.10.2012, circunstância que, aliás, a Recorrente tem presente quando, quer em sede de alegações de direito, quer em sede de alegações recursais (cfr. n.ºs 24 a 26 deste articulado, infra transcritos na parte dos danos), resume os danos objetivamente sofridos, nos seguintes termos: «(…) 26.Em suma, os prejuízos em que Autora incorreu e que foram dados como provados, - i.e., os prejuízos incorridos (i) com a desmontagem dos meios e equipamentos que se encontravam afetos à atividade desenvolvida pela Autora no Teatro Vasco Santana; (ii) com o transporte desses meios e equipamentos para instalações alternativas; e (iii) com a reinstalação de tais meios e equipamentos noutras instalações -, deveram-se à desocupação do Teatro Vasco Santana, que foi determinada pelo ato administrativo da Câmara Municipal de Lisboa, notificado à Autora em 24 de setembro de 2004.», razões pelas quais não se vê como pretende agora a Recorrente aditar este facto, pretensão essa que se indefere.

iii) Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida ao ter decidido que não se verificavam, no caso concreto, a ilicitude, os danos e o nexo de causalidade, contrariando a matéria de facto assente fixada e violando o regime jurídico da responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas.

Quanto a este vício, na parte que refere que a decisão recorrida, na conclusão a que chegou, contrariou a matéria de facto provada, já foi conhecido supra em sede da invocada nulidade da sentença (cfr. alínea i) supra).

Vejamos então o imputado erro decisório quanto à verificação, no caso em apreço, dos pressupostos da responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas.

Em sede de alegações invocou a Recorrente, em suma, que:

«(…) 29. No caso em apreço, o facto consiste numa ação praticada pela Câmara Municipal de Lisboa, reconduzindo-se à emissão e execução do ato administrativo que determinou o despejo do Teatro Vasco Santana. Esse facto (ou ato administrativo) é ilícito na medida em que, como se explicitou no capítulo III. supra, sendo inválido (tanto, que até foi revogado), afetou direitos e interesses legalmente protegidos da Autora.

Do mesmo modo, ficaram provados os danos que a Autora sofreu com a desocupação do Teatro, e que se reconduzem, por um lado, aos custos suportados com as operações de desmontagem, transporte e remontagem de meios e equipamentos, e, por outro, aos lucros cessantes sofridos pela Autora em consequência das operações de mudança de instalações, nomeadamente decorrentes da perda de oportunidades de negócios e da menor capacidade produtiva da empresa, na sequência do despejo ilícito, pelos quais a Ré deverá ser igualmente condenada a indemnizar a Autora, por valor a liquidar em execução de sentença.

Ficou ainda cabalmente demonstrado, no capítulo IV. supra, que se verifica existir nexo de causalidade entre o ato administrativo ilícito praticado pela Câmara Municipal de Lisboa e os danos sofridos pela Autora. Com efeito, não fosse a Ré ter determinado a desocupação do Teatro Vasco Santana, a Autora não teria tido necessidade de mudar de instalações.

30. Relativamente ao pressuposto da culpa, também só pode concluir-se que o mesmo se encontra verificado. Citando de novo o referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-12-1989, «(...) a diligência a considerar para o efeito de aferir da culpa (...) considerando o caso específico da responsabilidade civil do Estado fundado em acto ilícito, [é a] a diligência exigível a um funcionário ou agente típico (respeitador da lei e dos regulamentos e das leges artis aplicáveis aos actos e operações materiais que tem o dever de praticar e executar)». E aqui, importa relembrar que o n.° 2 do artigo 266.° da Constituição determina que "os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé", e que o n.° 1 do seu artigo 3.° do Código do Procedimento Administrativo dispõe que "os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos".

31. Ora, dos factos provados, resulta que a Câmara Municipal de Lisboa não podia deixar de saber que a sua atuação, ao emitir uma ordem de despejo administrativo preterindo a observância das disposições legais aplicáveis, tal como veio a admitir no ato revogatório, violava um princípio essencial da administração pública e violava o seu dever de obediência à lei.

Designadamente, não podia a Câmara Municipal de Lisboa deixar de saber que, não facultando à Autora a consulta de todos os elementos que serviram de fundamentação ao projeto de decisão em questão, cerceou os seus direitos. Acresce que esse reconhecimento se tornou explícito e expresso no ato de revogação da ordem de despejo administrativo, confessando nele a Ré a culpa e ilicitude da sua conduta.

A Câmara Municipal de Lisboa violou, portanto, culposamente os seus deveres legais de estrita obediência à lei e ao direito, e de respeito pelos direitos dos administrados, praticando um ato que, como a própria reconheceu, "foi proferido no âmbito de um procedimento administrativo que preteriu a audiência dos interessados, e por isso violou o disposto nos artigos 100.° e seguintes do Código de Procedimento Administrativo", razão pela qual determinou a revogação desse ato.

Todavia, e não obstante essa revogação, a Ré nunca restituiu o referido espaço à Autora (cfr. alínea 17) da matéria de facto assente), pelo que se manteve a situação de facto provocada pela execução do ato administrativo que determinou o despejo do Teatro Vasco Santana - i.e. a Autora continuou privada do seu direito de utilizar as instalações do Teatro -, sem que tenha sido emitida uma nova ordem de despejo. Ora, tendo revogado o ato com fundamento na sua invalidade e não o tendo renovado, a Ré tinha total consciência de que o despejo do Teatro, a recuperação da sua posse e a posterior demolição do mesmo, foram feitos sem qualquer base legal e em clara violação dos direitos e interesses legalmente protegidos da Autora. Com esta atuação a Ré violou, deliberada e conscientemente, o título jurídico da Autora à ocupação do Teatro Vasco Santana, incorrendo, assim, numa conduta culposa»

Vejamos.

Como salienta Alexandra Leitão (1), a Administração rege-se sempre pelo princípio da legalidade, entendido enquanto preferência de lei e reserva de lei, constituindo o bloco de legalidade o fundamento e o limite de toda a atuação administrativa. Por outro lado, qualquer atuação administrativa tem, necessariamente, como objetivo a prossecução do interesse público.

Os princípios da legalidade e da prossecução do interesse público conferem, assim, o enquadramento axiológico que justifica a existência de uma responsabilidade pública pelo exercício da função administrativa. Como salientam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, a própria localização do instituto da responsabilidade pública em sede constitucional, no artigo 22.º da CRP, “significa que ele não transporta apenas uma lógica indemnizatória ressarcitória decalcada da responsabilidade do direito civil”, antes é um princípio estruturante do Estado de Direito.

No entanto, o artigo 22.º tem também um alcance subjectivo e é uma norma directamente aplicável, consagrando um direito fundamental à reparação dos danos, sem prejuízo da margem de densificação deixada ao legislador ordinário.

O facto de os particulares actuarem no exercício da sua liberdade, e a Administração de acordo com o princípio da competência significa que esta incorre em responsabilidade não só quando viole a lei, mas também quando actue sem título habilitante.

Por outro lado, sendo a função administrativa pré-determinada legalmente, verifica-se uma tendência para a objectivização da responsabilidade decorrente do exercício da mesma, patente na assimilação do conceito de ilegalidade ao de ilicitude e na consagração de presunções de culpa (…).

Comecemos então pela ilicitude.

A sentença recorrida, quanto a este aspeto, entendeu o seguinte:

«(…) A presente acção de responsabilidade civil extra-contratual vem fundada na prática de acto ilícito, traduzido em despejo ilícito das instalações do Teatro Vasco Santana, sustentando a A. a ilicitude do acto que determinou o despejo do espaço, bem como que o mesmo lhe causou prejuízos.

(…)

A “ilicitude” traduzir-se-ia no facto ilícito, aqui com referência ao despejo determinado pela Ré, mas tal acto foi revogado, acto — revogatório - que não foi impugnado pela A., e o acto revogado que a A. havia impugnado em acção judicial, a mesma terminou com decisão de inutilidade superveniente da lide, o que foi aceite pela A. face àquela sentença ter transitado em julgado, e por isso, não cabe aqui sequer a título incidental conhecer da legalidade do acto de despejo, que até foi objecto de revogação, mostrando-se, por isso, convalidado na ordem jurídica.

Em suma, não se apura o pressuposto legal: facto ilícito. (…)»

Desde já se adianta que não acompanhamos a conclusão a que chegou a sentença recorrida quanto julgou não verificado o pressuposto da ilicitude do ato que está subjacente a esta ação de responsabilidade extracontratual do Recorrido. Vejamos porquê.

Ao caso em apreço, atendendo à data da prática dos factos, aplica-se o regime previsto no Decreto-Lei n.º 48.051, de 21.11.1967, que regia a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, sendo que a discussão em torno de se saber se qualquer desconformidade do ato administrativo à lei e ao direito equivalia ao preenchimento do pressuposto da ilicitude, àquela data, era já ganha por uma maioria evidente na doutrina (2) e também na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (3) que, considerando o disposto nos art.s 2.º e 6.º daquele diploma legal, defendia que a violação de preceitos jurídicos não era, por si só, fundamento bastante para responsabilizar a Administração, exigindo a ofensa de direitos subjetivos ou de disposições legais destinadas a proteger os interesses materiais do lesado (4).

Porém, não basta seguirmos uma linha de subjetivação da ilicitude para resolver a nossa questão, é necessário ainda olhar para o tipo de vício ou norma violada pelo ato impugnado, ilegal, para poder concluir definitivamente, se o mesmo é ilícito.

De facto, aos que, na doutrina, [A] defendem que a violação de normas instrumentais/formais (por oposição a normas substantivas/materiais) (5) não constitui, em caso algum, ato ilícito, por não visarem aquelas a proteção de interesses materiais dos particulares, cuja esfera jurídica sempre poderia ter sido afetada por ato (expurgado do vício externo) com conteúdo decisório idêntico (6), [B] opõem-se os que não afastam do conceito de ilicitude a violação de normas de índole instrumental, por considerarem inserir-se no escopo ou fim de proteção destas (também) interesses subjetivos dos destinatários do ato administrativo anulado com fundamento na sua infração (7). Para a doutrina que perfilha a segunda das posições enunciadas, a renovabilidade/renovação do ato não é uma questão que assuma relevo no plano da ilicitude, mas sim nos domínios do nexo causal ou do cálculo da indemnização19 (8).

Débora Melo Fernandes, conclui, também, que na Jurisprudência do STA existe (9), de igual forma, uma “summa divisio” que se resume aos termos enunciados no parágrafo anterior e contrapõe os arestos que [A] negam a existência de ilicitude(i) por as normas violadas não visarem tutelar posições jurídicas subjetivas dos particulares, (ii) por a ilegalidade não influir no sentido da decisão ou, ainda, (iii) por o vício não implicar a sua “inutilização decisória” – aos acórdãos que [B] aceitam que as ilegalidades formais, procedimentais e orgânicas preenchem o conceito amplo de ilicitude (10), concluindo pela eventual relevância excludente de responsabilidade do comportamento lícito alternativo não neste plano, mas no do nexo causal.

Porém, o Tribunal Constitucional, através do seu acórdão n.º 154/2007 – P.65/02 (11) -, teve oportunidade de se pronunciar sobre esta questão, tendo afirmado, numa situação em que estava em causa um ato anulado por falta de fundamentação sem que se tivesse verificado a respetiva renovação, como ocorreu no caso em apreço, que «(…) não é compatível com o artigo 22.º da Constituição uma interpretação do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 48.051 que exclua sempre e em qualquer caso a responsabilidade do Estado por danos verificados na sequência de um acto administrativo anulado por falta de fundamentação, quando a sentença anulatória não for executada e não for praticado novo acto, sem o vício que determinou a anulação, com o fundamento de que se não verifica nunca o pressuposto da ilicitude do acto», tendo, cautelosamente acrescentado que « (…) isto se diz sem embargo de se não excluir a possibilidade de o pedido de indemnização vir a ser julgado improcedente por não verificação de qualquer dos pressupostos da responsabilidade civil”, não afastando, por exemplo, uma eventual relevância negativa do comportamento lícito alternativo a aferir em sede de nexo de causalidade.

Face a todo o exposto, erra a sentença recorrida quando diz que «(…) com referência ao despejo determinado pela Ré, mas tal acto foi revogado, acto — revogatório - que não foi impugnado pela A., e o acto revogado que a A. havia impugnado em acção judicial, a mesma terminou com decisão de inutilidade superveniente da lide, o que foi aceite pela A. face àquela sentença ter transitado em julgado, e por isso, não cabe aqui sequer a título incidental conhecer da legalidade do acto de despejo, que até foi objecto de revogação, mostrando-se, por isso, convalidado na ordem jurídica.», pois, no caso em apreço, temos um ato praticado com preterição da audiência prévia da Recorrente, conforme resulta do fundamento invocado pelo Recorrido para a sua revogação (facto n.º 6), sendo que o direito de audiência prévia consubstancia uma manifestação ímpar dos princípios da participação e do contraditório/defesa dos administrados, legal e constitucionalmente previstos, pelo que o ato em apreço violou uma norma, à data o art. 100.º do CPA, que no seu escopo ou fim de proteção incluía indubitavelmente (também) interesses subjetivos dos destinatários do ato.

Em face do que, a sentença recorrida não pode manter-se.

Neste pressuposto, retomando o caso em apreço, sendo o ato que está subjacente à presente ação de responsabilidade extracontratual do Recorrido por facto ilícito, um ato de natureza ablativa – uma ordem de despejo (cfr. facto n.º 3) -, ilegal e ilícito por preterição do direito de audiência prévia, razão pela qual foi revogado pelo Recorrido (cfr. factos n.º 4) e 6), e tendo presente que este ato não foi renovado (cfr. facto n.º 45), importaria ainda indagar os motivos da não renovação.

Ora, resulta dos autos que o Recorrido, podendo renovar livremente o ato, optou, claramente, por não o fazer, pois, na sequência da revogação (cfr. facto n.º 6), com data de oficio de 17.05.2005), não se seguiu a lógica e necessária prática de novo ato (cfr. facto n.º 45), sem incorrer no vício que havia determinado a sua revogação, que nunca aconteceu. Acresce que, na pendencia dos presentes autos, foi demolido o teatro em apreço (cfr. facto n.º 46).

Situação que, entendemos, originou na esfera do Recorrido o dever de ressarcir a Recorrente, lesada, pelos danos sofridos em consequência da sua ilícita atuação e que tenham resultado provados nos autos. Neste sentido pronunciou-se o STA, em dois acórdãos de 24.04.1996, P.28189 e de 03.10.2001 P.43193, salientando que haverá lugar a condenação se, «(…) tratando-se de acto ablativo, a Administração o não renovou sendo livre de o fazer».

Neste caso, não se vê sequer a hipótese de o Recorrido invocar o comportamento lícito alternativo hipotético, pois sempre seria abusiva tal invocação, apenas destinada a evitar a obrigação de indemnizar, quando, na realidade, entendeu, fosse por que razão fosse, não renovar o ato.

Neste sentido, também, já decidiu, assertivamente, o STA, em acórdão de 03.10.2001, P.43193 , estando em causa um ato de demissão anulado com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação, cuja renovação não era já possível em virtude da extinção da entidade onde o lesado exercia a presidência, ao decidir que «(…) anulado judicialmente o acto administrativo com fundamento em vício de forma e não podendo este ser repetido encontra-se verificado o pressuposto do direito à indemnização», considerando, assim, como necessária, para valer como causa excludente da ilicitude, a efetiva renovação do ato ilegal, recusando a atribuição de qualquer relevância negativa a um comportamento alternativo hipotético, que, no presente caso, o Recorrido embora o tenha invocado em sede de contestação, não o veio fazer em sede de recurso, não tendo, sequer, apresentado contra-alegações.

Assim, face a todo o exposto, imperioso se torna concluir que o ato, praticado pelo Recorrido, que está subjacente à presente ação para efetivação de responsabilidade extracontratual por facto ilícito, que determinou o despejo da Recorrente do espaço que ocupava, posteriormente revogado com fundamento na preterição da audiência prévia (cfr. facto n.º 6), e nunca renovado (cfr. facto n.º 45) – sendo que o espaço em causa, o Teatro Vasco Santana, foi entretanto demolido (cfr. facto n.º 46 ) -, é um ato ilícito, e, como tal, gerador de responsabilidade extracontratual do Recorrido, isto, sem embargo de não se excluir a hipótese de o pedido de indemnização poder vir a ser julgado improcedente por não verificação de qualquer dos restantes pressupostos da responsabilidade extracontratual pública, pois todos eles são de verificação cumulativa.

É o que veremos de seguida.

i) Da culpa

A este propósito preceituava o art. 4.º n.º 1, do Decreto-Lei nº 48.051, de 21.11.1967, que a culpa era apreciada nos termos do art. 487º, do CC, o qual, no seu n.º 2, determina como critério para aferir da mesma o critério abstrato do bom pai de família, o qual, quando transposto para o âmbito das entidades públicas, implica a comparação do comportamento ilícito apurado com o que seria exigível a um funcionário ou agente zeloso e cumpridor dos seus deveres funcionais.

Ora, constituía entendimento reiterado do STA, em relação ao regime do citado Decreto-Lei n.º 48.051, que, quando fosse violado o dever de boa administração pela prática de um ato administrativo ilegal – como sucedeu no caso em apreço - o elemento culpa dilui-se na ilicitude, ou seja, a demonstração da ilicitude da atividade praticada pela autoridade administrativa traduz, simultaneamente, a verificação da mera culpa funcional, suficiente para preencher o respetivo pressuposto.

Neste sentido, veja-se a doutrina que dimana do acórdão do STA de 29.02.1996, P. 38 045, nos termos que aqui se transcrevem: «O desconhecimento ou errada interpretação da lei não pode deixar de gerar ilicitude e, também, culpa relevante (a título de negligência), já que o correcto manuseamento dos textos legais, salvos casos de excepção, é exigível aos titulares dos órgãos e agentes do Município».

E do acórdão de 09.10.2012, P. 565/12, também do STA: «(…) partindo da ideia, por outros partilhada, de que a anulação de um acto administrativo é, em si mesmo, “um índice de anormalidade de funcionamento do serviço”, já que “o primeiro dever da Administração é conhecer e respeitar o Direito” (Vide Mário Aroso de Almeida, “ Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes”, p. 827 e demais Doutrina aí citada), este Supremo Tribunal, em relação ao regime do DL nº 48 051, consolidou, há muito, jurisprudência inclinada a considerar que toda a ilegalidade da Administração é de considerar culposa, sem necessidade de outras indagações, dado que “quando é violado o dever de boa administração pela prática de um acto administrativo ilegal, o elemento culpa dilui-se na ilicitude, assumindo a culpa o aspecto subjectivo da ilicitude” (Cfr., entre outros, os acórdãos de 1996.03.21 – rec. nº 35 909 e de 1996.12.03 – rec. nº 39 020), e que “quando os factos alegados são ilícitos, por violação de normas legais e regulamentares, desde logo arrastam uma presunção judicial de negligência

No caso em apreço, não vemos razões para divergir desta jurisprudência consolidada, tanto mais que a ilegalidade e ilicitude do ato que está subjacente à presente ação para efetivação de responsabilidade extracontratual decorre da preterição de audiência prévia, fase elementar e, em regra, obrigatória, após a instrução de qualquer procedimento administrativo.

ii) Do nexo de causalidade e dos danos

A jurisprudência do STA tem considerado que à responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, por factos ilícitos, se aplica o art. 563°, do CC.

Por seu turno, o art. 563.º do CC, norma que estabelece o regime do nexo de causalidade em matéria de obrigação de indemnização, consagra a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa correspondente aos ensinamentos de Enneccerus-Lehmann, segundo a qual uma condição do dano deixará de ser causa deste, sempre que, «segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano» .

Nesta medida, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que no plano naturalístico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado. Depois, há que ver, se aquele facto era, em abstrato, ou em geral, segundo as regras da vida, causa adequada ou apropriada, para a produção do dano.

Ou seja, à luz desta teoria não serão ressarcíeis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão só os que ele tenha realmente ocasionado, isto é, aqueles cuja ocorrência com ele estejam numa relação de adequação causal, sendo que, neste pressuposto, e tal como escreve ALMEIDA COSTA «(…) O nexo de causalidade entre o facto e o dano desempenha, consequentemente, a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e medida da obrigação de indemnizar.».

A questão que agora se impõe, é a seguinte: o ato que está subjacente à presente ação para efetivação de responsabilidade extracontratual por facto ilícito terá sido a causa dos danos invocados pela Recorrente?

A sentença recorrida deu por não verificado este pressuposto, tendo, para tal, aduzido os argumentos seguintes: «(…) não se apura nexo de causalidade entre os danos e o acto em causa, já que os danos reportam-se a actividade vedada à A. para realizar nas instalações do Teatro Vasco Santana; além do que foi a A. que voluntariamente entregou o espaço, decerto por bem saber que a sua actividade principal não correspondia à actividade titulada pela cedência a titulo precário facultada pela Ré. Como bem diz a Ré não é o objecto social que a A. prossegue que dita a regular ou irregular utilização do espaço Teatro Vasco Santana, facto que a A. não pode ignorar e por isso até tinha outras instalações, designadamente em Vialonga onde desenvolvia também actividades diferentes da actividade teatral, como sejam a de gravação de programas de televisão

Por seu turno a Recorrente, em sede de alegações, reitera que suportou prejuízos e que estes se devem à ordem de despejo que recebera, tendo alegado, em suma, o seguinte: «(…) 24. (…) Como já se referiu - e dúvidas não restam quanto a este aspeto -, foi em obediência à ordem de despejo da Ré, posteriormente revogada por esta, que a Autora procedeu à desocupação do espaço do Teatro Vasco Santana. Em consequência da desocupação do Teatro Vasco Santana, a Autora foi obrigada a desviar o exercício da sua atividade para outras instalações alternativas, incorrendo em avultadas despesas. Por outras palavras, a Autora teve que custear todas as operações de desmontagem de meios e equipamentos seus que estavam montados no edifício do Teatro Vasco Santana, bem como o transporte desses meios e equipamentos para outras instalações. Se não fosse a ordem de despejo, a Autora não teria procedido a tais desmontagens e transporte. Não houve qualquer outra causa ou razão que impeliu a Autora a proceder à mudança de instalações.

25. Mais concretamente, ficou expressamente demonstrado que o dano a que se refere a alínea 10) da matéria assente na sentença recorrida - o pagamento da quantia de € 1203,09 à Transportes J..., Lda. para fretes de transporte de equipamento - se deveu à desocupação do Teatro Vasco Santana. É justamente isso que resulta da resposta dada ao quesito 8.° da Base Instrutória, pelo que, tal como já se requereu no ponto 8. supra, deve considerar-se como matéria de facto assente.

Do mesmo modo, de acordo com os factos provados, constantes das alíneas 9), 13) e 14) da matéria assente na sentença recorrida - i.e., o pagamento das quantias de € 4.121,12, € 25.085,33 e de € 31.094,66, respetivamente à E..., Lda, à E... e à N... S.A. -, a Autora incorreu em tais despesas "para a desactivação de instalação, reinstalação do departamento de casting e figuração do Teatro Vasco Santana". Portanto, resulta da matéria assente que tais danos se produziram em consequência da desocupação/desativação do Teatro Vasco Santana e da ocupação de instalações alternativas, nas quais foi reinstalado o departamento de casting e figuração que antes de encontrava instalado no Teatro Vasco Santana.

Ainda no que respeita aos danos invocados e provados, também resulta da matéria de facto assente que a Autora procedeu à desativação do alarme da S... que se encontrava instalado no edifício do Teatro Vasco Santana, em janeiro de 2005, justamente porque ia desocupar o edifício.

Também se não fosse a prática do ato ilícito pela Câmara Municipal de Lisboa, que a Autora entendia ser ilegal, não teria esta depositado, na C..., o montante de € 299,28, correspondente à soma de seis meses de rendas, sem que, em contrapartida, pudesse beneficiar da utilização do espaço. Convencida de que a Ré reverteria a sua decisão e lhe permitiria voltar a usar o Teatro, a Autora não deixou, no primeiro semestre de 2005, de pagar a renda devida. Neste particular, está-se mesmo perante um caso de enriquecimento sem causa.

26. Em suma, os prejuízos em que Autora incorreu e que foram dados como provados, - i.e., os prejuízos incorridos (i) com a desmontagem dos meios e equipamentos que se encontravam afetos à atividade desenvolvida pela Autora no Teatro Vasco Santana; (ii) com o transporte desses meios e equipamentos para instalações alternativas; e (iii) com a reinstalação de tais meios e equipamentos noutras instalações -, deveram-se à desocupação do Teatro Vasco Santana, que foi determinada pelo ato administrativo da Câmara Municipal de Lisboa, notificado à Autora em 24 de setembro de 2004.

(…)

Do mesmo modo, ficaram provados os danos que a Autora sofreu com a desocupação do Teatro, e que se reconduzem, por um lado, aos custos suportados com as operações de desmontagem, transporte e remontagem de meios e equipamentos, e, por outro, aos lucros cessantes sofridos pela Autora em consequência das operações de mudança de instalações, nomeadamente decorrentes da perda de oportunidades de negócios e da menor capacidade produtiva da empresa, na sequência do despejo ilícito, pelos quais a Ré deverá ser igualmente condenada a indemnizar a Autora, por valor a liquidar em execução de sentença.»

Na verdade, na situação em apreço, temos por adquirida a verificação deste pressuposto, ao contrário do que decidiu a sentença recorrida, na medida em que alguns dos danos sofridos pela Recorrente, nos precisos termos que constam da matéria provada nos autos, a saber, os prejuízos inerentes: i) à desmontagem do departamento de casting e de figuração do teatro e respetiva reinstalação – factos n.º 9), 13) e 14) no valor de 4.121,12€, 25.085,33€ e 31.094,66€, respetivamente, num total de 60.301,11€; ii) ao transporte desses meios e equipamentos para as instalações em Vialonga – factos n.º 10) e 41), no valor de 1.203,09€; iii) à desativação do alarme da S... que se encontrava instalado no edifício do teatro – facto n.º 10), no valor de 30,94€ e iv) às rendas pagas quando já não ocupava o teatro, referentes ao primeiro semestre de 2005 – facto n.º 15) e 44), no valor de 299,28€, tudo, num total de 61.834,42€, decorreram causalmente do facto ilícito e culposo em causa, em virtude da desocupação voluntária do teatro pela Recorrente mas imposta pela ordem de despejo – ilegal e ilícita - que recebera (cfr. facto n.º 3) e, por outro lado, por não relevar, para o efeito, a existência de outras instalações em Vialonga, e quais as atividades que nessas instalações eram levadas a cabo, para afastar este nexo causal.

No mesmo pressuposto necessário de causalidade, o mesmo já não se pode dizer quanto aos invocados danos referentes aos lucros cessantes sofridos pela Recorrente – que não densificou, nem provou -, alegadamente em consequência das operações de mudança de instalações, nomeadamente os decorrentes da perda de oportunidades de negócios – pois não foram identificadas que oportunidades foram essas, pelo que também não foram objeto de prova - e da menor capacidade produtiva da empresa – que também não concretizou, nem provou -, certo é que, não sendo estes factos notórios, desde logo porque a Recorrente mantinha outras instalações em Vialonga (cfr. factos n.º 31) e 32)), para onde se transferiu após a desocupação do teatro (factos idem), tais prejuízos teriam de ser demonstrados, sem prejuízo do valor líquido dos mesmos ser relegado para liquidação de sentença, se tal se revelasse necessário. Certo é que os mesmos não constam da matéria de facto considerada provada na sentença recorrida e nem dos termos em que a Recorrente impugnou tal decisão.

Conclui-se, assim, pela verificação do necessário nexo de causalidade entre a atuação ilícita do Recorrido e os prejuízos provados nos autos, num total de 61.834,42€.

Verificando-se todos os pressupostos legais da responsabilidade extracontratual, nos termos do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21.11.1967, imperioso se torna conceder provimento ao recurso.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, condenar o Recorrido a pagar à Recorrente, a quantia de 61.834,42€ (sessenta e um mil, oitocentos e trinta e quatro euros e quarenta e dois cêntimos), acrescidos de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento.

Custas pelo Recorrido e pela Recorrente na proporção do decaimento, que se fixa em 80% para o Recorrido e em 20% para a Recorrente.

Lisboa, 28.05.2020.

Dora Lucas Neto

Pedro Nuno Figueiredo

Ana Cristina Lameira

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(1) in Duas questões a propósito da responsabilidade extracontratual por (f)actos ilícitos e culposos praticados no exercício da função administrativa: da responsabilidade civil à responsabilidade pública. Ilicitude e presunção de culpa, disponível aqui: http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/artigo-responsabilidade2.pdf

(2) v. neste sentido, entre outros, Gomes Canotilho, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, Coimbra, 1974, pg. 75, nota 17, e Comentário ao Ac. STA de 12 de Dezembro de 1989, Revista de Legislação e de Jurisprudência, 3816, Ano 125, 1992-1993, pgs. 83 e 84; Rui Medeiros, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos, Almedina, 1992, pg. 168; Margarida Cortez, Responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais e concurso de omissão culposa do lesado, Stvdia Ivridica, 52, 2000, pgs. 70-72.

(3) A título de exemplo, v. acórdãos do STA de 12.12.1989, P.24814; de 16.02.1995, P36023; de 01.07.1997, P.41588; de 04.11.1998, P.40165, e de 24.03.2004, P.1609/02.

(4) Na verdade, o n.º 1 do art. 9.º do novo regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31.12., que revogou o DL 48051, de 21.11.1967, ao dispor que: 1 - Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos, veio apenas clarificar este entendimento doutrinária e jurisprudencialmente já maioritário, no sentido de que a violação, pela Administração, de normas jurídicas não constitui sempre uma atuação ilícita, sendo necessário verificar se dessa violação resultou numa ofensa a direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos.

(5) Distinção seguida por, entre outros, Margarida Cortez, op. cit., pgs. 72-75 - Normas formais/instrumentais são as que regulam os aspetos organizatórios, funcionais e formais do exercício do poder, abrangendo esta categoria as normas formais stricto sensu, as procedimentais e as orgânicas ou de competência. Por seu turno, as normas substantivas/materiais são todas as que conformam diretamente o conteúdo decisório do ato.

(6) Gomes Canotilho, op. cit., idem; Margarida Cortez, op. cit., pgs.74-79 e 144, e O crepúsculo da invalidade formal? in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 7, janeiro/fevereiro, 1998, pg. 38.

(7) Rui Medeiros, op. cit., pgs. 169 e 170; Carlos Alberto Cadilha, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, Anotado, Coimbra, 2008, pgs. 152-154; Estêvão Nascimento da Cunha, Ilegalidade Externa do Acto Administrativo e Responsabilidade Civil da Administração, Coimbra Editora, 2010, pgs. 226-228, e Alexandra Leitão, op. cit., pg. 52, entre outros.

(8) Débora Melo Fernandes, in A Responsabilidade civil da Administração por atos administrativos afetados por vícios externos e a eventual relevância negativa do comportamento lícito alternativo, e-publica, vol.3, n.º 7, Abril 2016, disponível em www.e-publica.pt, consultado a 19.04.2020, autora que seguiremos de perto em diversos pontos da abordagem desta questão.

(9) Cfr. texto e notas de rodapé n.ºs 20 a 23, op.cit..

(10) A título de exemplo, à data dos factos, os ac. do STA de 23.10.2008, P.0264/08, e de 04.11.2008, P.0104/08.

(11) Disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/