Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:30/09.7 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/27/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:Nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, há direito a juros indemnizatórios quando a reclamação graciosa de um ato de liquidação é decidida favoravelmente ao Contribuinte e a decisão é proferida mais de um ano a contar da data da sua apresentação, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por G… e J…, e condenou a Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, formula as seguintes conclusões:

A. Decidiu o douto Tribunal, anular o ato impugnado e condenar a AT no pagamento dos juros indemnizatórios.
B. Salvo o devido respeito por opinião contrária, a Fazenda Pública não pode concordar com a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, pois, o direito a estes juros indica um dever de indemnização, ligado ao pagamento indevido de tributos e à consequente privação, por mais ou menos tempo, de disponibilidade de capital, o que não ocorreu no caso concreto.
C. In casu, salvo o devido respeito, não ficou demonstrada, quanto aos atos de liquidação impugnados, a existência de qualquer erro imputável aos serviços, como exige a norma do n.º 1, do artigo 43º da LGT, pelo que, ao contrário do doutamente decidido, é de concluir que não são devidos juros indemnizatórios, com base na citada disposição legal.
D. Assim, ao condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios incorreu o douto Tribunal em erro de julgamento em matéria de direito, razão pela qual a douta sentença recorrida não se deverá manter na ordem jurídica.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!

A Recorrida contra-alegou, pugnando pela sua improcedência, com base no seguinte quadro conclusivo:

A) A matéria de facto subjacente ao litígio encontra-se perfeitamente estabilizada e apenas o direito se encontra em discussão, tendo o recurso por exclusivo fundamento matéria de direito, sendo em conformidade esse Douto Tribunal Central Administrativo Sul incompetente para o seu conhecimento e competente o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 280.º, n.º 1, do CPPT;
B) Caso assim se não entenda, hipótese que sem conceder se admite por mero dever de patrocínio, considerando esse Douto Tribunal que o presente recurso se não resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, versando, portanto, igualmente matéria de facto, sempre se dirá que a Recorrente não cumpre o ónus que sobre si impende à luz do artigo 640.º do CPC para efeitos de impugnação da matéria de facto: não especifica quais os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados nem sequer os concretos meios probatórios constantes do processo, que, na sua opinião, imporiam decisão diversa sobre tais pontos, muito menos expressa a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto (pretensamente) impugnadas, motivo pelo qual o recurso apresentado deverá ser rejeitado por esse Douto Tribunal ad quem;
C) O entendimento subjacente às alegações de recurso da Recorrente assenta num manifesto equívoco quanto ao fundamento da condenação no pagamento de juros indemnizatórios, na medida em que o Douto Tribunal a quo não determinou o pagamento de juros indemnizatórios com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, mas antes com fundamento no atraso na decisão da reclamação graciosa, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT;
D) A atribuição de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT visa punir a inércia da Administração Tributária na prolação de uma decisão favorável ao contribuinte, não estando dependente da existência de erro imputável aos serviços, mas apenas do decurso de mais de um ano entre a apresentação da reclamação graciosa e o seu deferimento;
E) O direito dos Recorridos ao pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT apenas poderia ser excluído se a Recorrente tivesse demonstrado que o atraso na decisão da reclamação graciosa não lhe era imputável, o que, como bem decidiu o Douto Tribunal a quo, não se verificou (e nem sequer foi alegado) no presente caso;
F) Considerando que os Recorridos apresentaram a reclamação graciosa a 5 de Janeiro de 2004, que a mesma foi objecto de decisão a 28 de Novembro de 2008 e que a Recorrente não alegou nem demonstrou que o atraso na decisão não lhe era imputável, nenhuma dúvida restará que estão verificados todos os requisitos que constituem a Recorrente na obrigação de pagar aos Recorridos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT;
G) Em face de todo o exposto, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, a Sentença recorrida deve ser mantida na ordem jurídica, com as demais consequências legais.

Nestes termos e nos demais de Direito que esse Douto Tribunal ad quem suprirá, requer-se que seja negado provimento ao presente recurso, mantendo na ordem jurídica a Sentença recorrida, nos termos e com os fundamentos expostos supra, tudo com as demais consequências legais.
Em consequência, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem, na exacta medida da improcedência do presente recurso, a condenação da Fazenda Pública no pagamento de custas de parte, nos termos do artigo 26.º do RCP, tudo com as demais consequências legais.



O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber, em primeiro lugar, se este Tribunal Central Administrativo Sul é o competente para a apreciação do presente recurso.

Depois, e em caso de resposta afirmativa, se incorre em erro de julgamento na interpretação dos factos e na aplicação do direito a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação e condenou a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A) Em 30 de abril de 2003, os Impugnantes apresentaram, no Serviço de Finanças de Lisboa 8, a declaração de rendimentos de IRS, modelo 3, relativa aos rendimentos de 2002, acompanhada do anexo J, referente a rendimentos obtidos no estrangeiro, do qual consta como montante do rendimento 35.115,38 euros, montante de imposto pago no estrangeiro 8.778,87 euros e segurança social 3.868,22 euros (cfr. fls. 6 ss., do Processo Administrativo apenso aos autos, adiante PA);
B) Em 12 de setembro de 2003, os Impugnantes apresentaram, no Serviço de Finanças de Lisboa 6, declaração de substituição dos rendimentos de IRS, de 2002, que não foi acompanhada do Anexo J e em que o Anexo A, não continha a totalidade das retenções na fonte efetuadas (cfr. fls. 55, do PA);
C) Em 23 de outubro de 2003, foi emitida a liquidação n.º 4614068300, relativo ao IRS de 2002, dos Impugnantes, da qual resultou um reembolso de 3.850,67 euros (cfr. fls. 40, do PA);
D) Em 5 de janeiro de 2004, os Impugnantes apresentaram reclamação graciosa contra a liquidação n.º 4614068300/IRS do ano de 2002, alegando, entre o mais, o seguinte:

“(…)
6.Após a entrega da Declaração, Anexos e requerimento acima referidos, os requerentes foram notificados pela Direcção de Serviços do IRS para prestar esclarecimentos adicionais e apresentar documentação de suporte àqueles elementos.
7.O que os requerentes fizeram em devido tempo. Resultou deste contacto com a Repartição de Finanças da área do domicílio dos requerentes (Lisboa – 6º Bairro), que o Anexo A tinha sido mal preenchido, tendo sido apontada como forma de resolver a questão a apresentação de uma Declaração de substituição.
8. Em conformidade, os requerentes entregaram, em 12 de Setembro de 2003 uma Declaração Modelo 3 de substituição com o anexo A corrigido e incluindo já no Campo 201 do Quadro 3 o montante bruto do rendimento auferido em Espanha.
9. Não se aperceberam, porém, os requerentes, que seria necessário juntar também de novo o Anexo J e o requerimento solicitando a dedução do imposto pago em Espanha, uma vez que estes documentos já haviam sido entregues com a primeira Declaração Modelo 3.
10. Não tendo, também, sido alertados para o efeito pelo funcionário da Repartição de Finanças que recebeu a Declaração de substituição, que, igualmente, não se terá apercebido do lapso.
11. Em virtude do acima exposto, foi emitida a nota de liquidação nº 4614068300 de 23.10.2003, com um imposto a reembolsar aos requerentes no montante de Euro 3.850,67.
12. Valor que resultou directamente dos elementos constantes da Declaração Modelo 3 de substituição e do respectivo Anexo A. E que, portanto, não levou em consideração o montante do imposto pago pelo sujeito passivo A em Espanha (conforme constava do Anexo J e requerimento anexo à primeira Declaração entregue).
13. Verificando-se, deste modo, uma diferença, para menos, do montante a reembolsar aos requerentes de Euro 6.495,89.

(…).” (cfr. fls. 2 ss., do PA);

E) Em 15 de abril de 2005, a Direção de Serviços das Relações Internacionais, da Direção-Geral de Impostos, solicitou ao 1.º Impugnante “uma declaração emitida pelas autoridades fiscais espanholas comprovativas do montante e da natureza dos rendimentos auferidos e do imposto pago em Espanha no ano de 2002.” (cfr. fls. 77, do PA);
F) Em 7 de julho de 2005, o 1.º Impugnante entregou, à Direção de Serviços das Relações Internacionais, da Direção-Geral de Impostos, declarações emitidas pelas autoridades fiscais espanholas comprovativas do montante e da natureza dos rendimentos auferidos e do imposto pago em Espanha durante o ano de 2002 (cfr. fls. 76 e 78 ss., do PA);
G) Em 9 de julho de 2008, a Direção de Serviços das Relações Internacionais, da Direção-Geral de Impostos, informou que:

“(…)
Porém, a liquidação ora reclamada teve origem na declaração de substituição mod. 3 do IRS do ano de 2002, apresentada em 2003-09-12, que o sujeito passivo alega ter preenchido após notificação da Direcção de Serviços do IRS e contactos estabelecidos com o SF de Lisboa 6 (pontos 6 a 10 da exposição anexa à petição de reclamação).
(…).” (cfr. fls. 64, do PA);

H) Em 3 de outubro de 2008, foi elaborada informação, na Direção de Finanças de Lisboa, no âmbito do processo de reclamação graciosa n.º 3123-2004/40000.1, da qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…)
Tendo os rendimentos de trabalho dependente sido pagos por entidade com residência em Portugal, os rendimentos consideram-se obtidos em território português. Nestes termos, e uma vez que o reclamante em 2002 é considerado residente em território português, a declaração de rendimentos apenas seria acompanhada do Anexo “A”, onde se declarariam a totalidade dos rendimentos auferidos em 2002 (Euros 41 151,38), facto que ocorreu com a declaração de substituição apresentada pelo ora requerente. Pelo exposto, considera-se que a liquidação ora reclamada não padece de qualquer vício, pelo que deve o pedido ser indeferido.
(…).” (cfr. fls. 61 ss., do PA);

I) Em 17 de outubro de 2008, foi exarado, pelo Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, na informação a que se refere a alínea anterior, despacho com o seguinte teor:

“Concordo, pelo que, de acordo com a informação prestada e parecer que antecede, é o pedido do reclamante de INDEFERIR nos termos e com os fundamentos propostos. Notifique-se para o exercício do direito de audição prévia.” (cfr. fls. 61, do PA);

J) Em 21 de outubro de 2008, foi enviada, ao 1.º Impugnante, comunicação para o exercício do direito de audição prévia, sobre o sentido da decisão referido na alínea antecedente (cfr. fls. 86 s., do PA);
K) Em 10 de novembro de 2008, o 1.º Impugnante apresentou resposta, em sede de audição prévia, que concluiu do seguinte modo:

“(…)
Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se a V. Ex.ª que se digne a alterar o projectado sentido da decisão a adoptar em sede da presente reclamação graciosa, e, em consequência, a determinar o respectivo deferimento e, bem assim, o pagamento integral do reembolso de IRS do ano de 2002 no valor de EUR 10.364,56, desta forma se relevando devidamente o crédito de imposto por dupla tributação internacional a que, por lei, o Reclamante tem pleno direito.

Mais se requerer o reconhecimento do erro imputável aos serviços na prolação da liquidação reclamada, reconhecendo-se, em conformidade, o direito do reclamante à percepção de juros indemnizatórios sobre a quantia a restituir por força do disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária.
(…).” (cfr. fls. 70 ss., do PA);
L) Em 25 de novembro de 2008, foi elaborada informação, na Direção de Finanças de Lisboa, no âmbito do processo de reclamação graciosa n.º 3123-2004/40000.1, da qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…)
Cumpre apreciar; consultados os autos, verifica-se a fls 75 a 78 que o sujeito passivo foi tributado em Espanha pelo montante de Euros 8 778,84 para um rendimento de Euros 35 115,38. Tendo recebido em Portugal Euros 41 151,38, cfr. declaração emitida pela entidade patronal a fls 52 dos autos, pelo facto de ter auferido os rendimentos por trabalho exercido fora, nos termos do artº 81º do CIRS têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional. (…)
Efectuados os cálculos, verifica-se que não foi considerado na liquidação a fracção da colecta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados. Assim, procede o alegado. No que concerne ao pagamento de juros indemnizatórios, tal não pode ser concedido, porque foi com base na declaração de substituição entregue pelo contribuinte, que foi efectuada a liquidação. Nestes termos, sou de parecer que deve o pedido ser deferido parcialmente.
IV – CONCLUSÂO
Assim sendo, constata-se que a situação tributária do contribuinte carece de correcção, pelo que se propõe que a presente reclamação graciosa seja PARCIALMENTE DEFERIDA, com a consequente anulação da(s) liquidação(ões) subjacente(s), de acordo com o proposto, notificando-se o reclamante desta decisão final.
(…).” (cfr. fls. 83 ss., do PA);

M) Em 28 de novembro de 2008, foi exarado, pelo Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, na informação a que se refere a alínea anterior, despacho com o seguinte teor: “Concordo, pelo que com os fundamentos constantes da presente informação e respectivo parecer, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido do reclamante nos termos em que vem proposto. Notifique-se.” (cfr. fls. 83, do PA);
N) Em 9 de dezembro de 2008, o 1.º Impugnante foi notificado da decisão tomada no identificado processo de reclamação graciosa (cfr. fls. 88 s., do PA);
O) Em 7 de janeiro de 2009, a presente impugnação deu entrada em juízo (cfr. fls. 1, no SITAF).


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Facto não provado

1) Os Impugnantes procederam, de acordo com a indicação dos Serviços da Administração Tributária, apresentando uma declaração de substituição, incorporando apenas o Anexo A.

Nada mais foi provado ou não provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.


E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consigna-se:

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada.
O facto não provado decorre da ausência de demonstração, por parte dos Impugnantes, a quem cabia o ónus da prova, de que a apresentação da declaração de substituição de IRS, relativa aos rendimentos do ano de 2002, nos moldes em que o foi, se deveu a indicação dos serviços da Autoridade Tributária.


II.2 Do Direito

II.2.1 – Da competência deste Tribunal Central Administrativo para apreciação do recurso.

Tendo a Recorrida suscitado questão relativa à competência deste Tribunal Central Administrativo, em razão da hierarquia, para conhecer do objeto do recurso por o mesmo versar exclusivamente matéria de direito, importa, pois, antes do mais, apreciar e decidir esta questão [cf. conclusões A) e B) das contra-alegações de recurso].

Com efeito, a competência dos tribunais tributários, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede a de outra matéria [cf. artigo 16/1.2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e 13º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 101.º e 102.º do Código de Processo Civil de 1961 (que correspondem, atualmente, os artigos 96º e 97º CPC) aplicáveis ex vi artigo 2.c).d) CPPT].

Ora, como é consabido, a infração às regras da competência em razão da hierarquia, determina a incompetência absoluta do tribunal, é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cf. artigo 16/1 CPPT).

Nos termos do artigo 280/1 do CPPT (na redação aplicável), das decisões dos Tribunais Tributários de 1ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que o recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Nos termos do disposto nos artigos 26.b) e 38.a), ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), a Secção do Contencioso Tributário do STA conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito; e a Secção do Contencioso Tributário do TCA conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários que não tenham como exclusivo fundamento matéria de direito.

É jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, que o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos factos provados e não provados, face às ilações retiradas pelo Tribunal "a quo" (cfr. Acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferidos no processo n.º 738/09, de 16 de Dezembro de 2009, e no processo n.º 189/10, de 21 de Abril de 2010, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso.

No caso no caso em análise, nas conclusões das alegações de recurso apresentadas, verifica-se que a Recorrente, nomeadamente na conclusão C), embora de forma ténue, insurge-se contra a decisão recorrida por deficiente valoração dos factos, discordando do decidido no que respeita ao juízo de apreciação da prova efetuada pelo Tribunal recorrido.

Assim se concluindo, que os fundamentos do presente recurso não versam exclusivamente matéria de direito.

Termos em que improcede a questão prévia de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, suscitada pela Recorrida, há agora, pois, que conhecer do objeto do recurso.

Segue para apreciação do alegado erro de julgamento.

II.2.3 – Do erro de julgamento

Discorda a Recorrente do segmento da sentença recorrida que condenou a Fazenda Pública a pagar aos Impugnantes juros indemnizatórios, correspondentes ao período que medeia entre o dia 6 de janeiro de 2005 até à data em que for efetuado o processamento da respetiva nota de crédito relativamente ao reembolso do imposto devido.

Alega a Recorrente que o Mmo. Juiz a quo na sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, porquanto não ficou demonstrada, quanto aos atos de liquidação impugnados, a existência de qualquer erro imputável aos serviços, como exige a norma do n.º 1, do artigo 43º da LGT, pelo que, ao contrário do doutamente decidido, é de concluir que não são devidos juros indemnizatórios, com base na citada disposição legal [cf. conclusão C) das alegações de recurso].

Desde já adiantaremos que não tem razão.

Com efeito, na sentença recorrida é expressamente afirmado não ter ficado provada a existência de erro imputável aos serviços.

Concluindo em seguida, no excerto que se transcreve:

Em conclusão, não estão verificados todos os requisitos que constituem a Administração Tributária na obrigação de pagar aos Impugnantes os juros indemnizatórios peticionados, com base em erro imputável aos serviços.

Temos assim que a condenação da Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios, não resultou de se considerar verificado o erro imputável aos Serviços.

Em face do exposto improcede, pois, o alegado na alínea C) das conclusões de recurso.

Vejamos, então:

Para julgar procedente a impugnação e condenar a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios a sentença recorrida fez apelo ao disposto no artigo 43/3.c) da LGT, nos termos do qual são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

Seguidamente escudou-se no decidido no Acórdão STA, de 30 de setembro de 2009, processo n.º 0520/09, disponível em www.dgsi.pt, por estar em causa não um pedido revisão do ato, mas ter sido apresentada pela Impugnante e ora Recorrida, uma reclamação graciosa.

Do citado acórdão também transcrevemos aqui:

Esta alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT refere-se aos casos em que tenha sido efectuada revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte e não aqueles em que foi apresentada reclamação graciosa, como sucedeu no caso em apreço.
Por isso, numa primeira análise, com base em teor literal desta alínea c), é sugerida a interpretação de que se está perante uma situação em que não se prevê a atribuição de juros indemnizatórios e em que, por isso, o eventual direito que a Impugnante tenha a ser indemnizada pelo atraso na decisão da reclamação graciosa carecerá de ser demonstrado, através da prova da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
No entanto, uma eventual conclusão no sentido da exclusão da reclamação graciosa do âmbito deste alínea c), carece da prévia demonstração de que a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, quando o pedido é formulado dentro do prazo da «reclamação administrativa», prevista no art. 78.º, n.º 1, da LGT, não pode ser considerada, substancialmente, como uma forma de reclamação graciosa.
Com efeito, a reclamação graciosa é um meio de impugnação administrativa de actos de liquidação e o pedido de revisão do acto de liquidação, apresentado dentro do prazo legal de impugnação administrativa, reconduz-se também a um meio impugnatório, a que podem ser atribuídos efeitos idênticos aos de uma reclamação graciosa, pelo menos para alguns efeitos.
(…)
Sendo assim, a revisão do acto de liquidação, quanto aos seus efeitos relativamente ao contribuinte, na melhor das hipóteses é equiparável a uma reclamação graciosa, designadamente, nos referidos casos em que é apresentada no prazo da reclamação administrativa.
(…)
Sendo assim, é evidente que não haverá razão para a procedência da reclamação graciosa não proporcionar ao cidadão lesado por um acto ilegal da Administração Tributária menos direitos do que os que proporciona um pedido de revisão do acto tributário.
Por isso, tendo em mente o princípio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento interpretativo primacial, e a coerência valorativa e axiológica das soluções legais que ele postula, deve entender-se que é reconhecido direito a juros indemnizatórios, fora dos casos em que há erro imputável aos serviços, nas situações em que o contribuinte deduziu reclamação graciosa e teria direito a esses juros se tivesse apresentado um pedido de revisão do acto de liquidação.
Na verdade, no caso em apreço, não seria compreensível que a Impugnante, que apresentou uma reclamação graciosa tempestiva não tivesse direito a juros indemnizatórios por ter sido ultrapassado o prazo de um ano sem decisão administrativa sobre o pedido e os tivesse qualquer outro contribuinte que tivesse deixado expirar o prazo legal de impugnação e apresentado um pedido de revisão.
Seria incompaginável com o princípio constitucional da igualdade uma interpretação do art. 43.º, n.º 3, alínea c), que se reconduzisse a uma discriminação negativa na atribuição do direito a juros indemnizatórios dos que apresentaram reclamação graciosa em relação aos que apresentaram pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação, pois a diferença entre as duas situações não justifica uma distinção quando àquele direito.


Ora, tal como se decidiu na sentença recorrida que, por sua vez, seguiu o entendimento vertido no acórdão citado, são devidos juros indemnizatórios quando a decisão de deferimento da reclamação graciosa se efetuar decorrido que seja mais de um ano após a apresentação do pedido, salvaguardado o caso de o atraso não ser imputável à administração tributária.

Não vindo alegado, nem se tendo consequentemente comprovado que o atraso não é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira e tendo a reclamação graciosa sido parcialmente deferida mais de um ano após a sua apresentação, tinha o Contribuinte direito a juros indemnizatórios, tal como se decidiu na sentença recorrida.

A sentença recorrida não merece, pois, a censura que lhe foi feita e fez uma correta apreciação dos factos e do direito, não padecendo, pois, de qualquer erro de julgamento, devendo, assim, ser confirmada.

Improcede, pois, o recurso.


Sumário/Conclusões:

Nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, há direito a juros indemnizatórios quando a reclamação graciosa de um ato de liquidação é decidida favoravelmente ao Contribuinte e a decisão é proferida mais de um ano a contar da data da sua apresentação, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e consequentemente confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu.

Lisboa, 27 de outubro de 2022